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O exame neuropsicológico:
o que é e para que serve?
LEANDRO F. MALLOY-DINIZ
PAULO MATTOS
NEANDER ABREU
DANIEL FUENTES

O exame neuropsicológico é um procedi- De acordo com Benton (1994), o exame


mento de investigação clínica cujo objeti- neuropsicológico permite traçar inferên-
vo é esclarecer questões sobre os funciona- cias sobre a estrutura e a função do sistema
mentos cognitivo, comportamental e – em nervoso a partir da avaliação do comporta-
menor grau – emocional de um paciente. mento do paciente em uma situação bem
Diferentemente de outras modalidades de controlada de estímulo-resposta. Nela, ta-
avaliação cognitiva, o exame neuropsicoló- refas cuidadosamente desenvolvidas para
gico parte necessariamente de um pressu- acessar diferentes domínios cognitivos são
posto monista materialista segundo o qual usadas para eliciar comportamentos de um
todo comportamento, processo cognitivo paciente. Tais respostas são, então, interpre-
ou reação emocional tem como base a ati- tadas como normais ou patológicas pelo
vidade de sistemas neurais específicos. expert. Este, por sua vez, usará não apenas a
De acordo com Baron (2004), a espe- interpretação de parâmetros quantitativos
cialidade da neuropsicologia inclui pro- (comparação com parâmetros populacio-
fissionais que apresentam background nais de desempenho), mas, principalmente,
teórico e de formações diversas. Essa di- a análise dos fenômenos observados e sua
versidade teórico-conceitual é uma das relação com a queixa principal, a história
forças da neuropsicologia e impulsiona clínica, a evolução de sintomas, os modelos
não apenas a produção de conhecimento neuropsicológicos sobre o funcionamento
como também a eficiência de suas aplica- mental e o conhecimento de psicopatologia.
ções. ­A despeito da existência de diferentes Embora os neuropsicólogos usem com
concepções sobre a prática clínica da neuro­ grande frequência os testes cognitivos, estes
psicologia, Lamberty (2005) propõe que o são apenas um dos quatro pilares da avalia-
principal objetivo de um neuropsicólgo clí- ção neuropsicológica. Os demais são a en-
nico é sempre o mesmo: compreender co- trevista, a observação comportamental e
mo determinada condição patológica afe- as escalas de avaliação de sintomas. Os tes-
ta o comportamento observável do paciente tes geralmente são supervalorizados em di-
(entendido aqui como cognição, compor- versos programas de formação em neuro­
tamento propriamente dito e emoção). psicologia e por profissionais em início de

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formação. Há também um apelo cartorial fenomenológica e psicométrica do que se


que clama pela reserva de mercado da neu- observa nessa etapa da avaliação ajuda a in-
ropsicologia para psicólogos. Um dos pon- ferir não apenas sobre a funcionalidade do
tos centrais desse argumento é a retificação paciente em seu dia a dia como também so-
de testes psicológicos como a pedra filosofal bre a integridade ou os danos em diferen-
da neuropsicologia. A formação bem-suce- tes sistemas neurais, bem como sobre a pre-
dida de um neuropsicólogo certamente o sença de neuropatologias.
levará a dar a devida dimensão aos testes Neste capítulo, caracterizaremos o exa-
cognitivos, encarando-os como meio, ja- me neuropsicológico em termos de seus ob-
mais como fim. jetivos e aplicações principais. Nosso ponto
Obviamente, os testes são indispen- de partida será a fundamentação do princi-
sáveis na prática do neuropsicólogo, po- pal diferencial do exame neuropsicológico
rém devem ser corretamente escolhidos de em relação a outros tipos de avaliação cog-
acordo com hipóteses aventadas na entre- nitiva: o conhecimento de correlações en-
vista e coerentes com a observação com- tre a atividade cerebral e o funcionamento
portamental. O conhecimento sobre a va- cognitivo/comportamental.
lidade de construto, a validade de critério e
a validade ecológica, bem como sobre parâ-
metros normativos e fidedignidade, é algo CORRELAÇÕES ESTRUTURA-FUNÇÃO E
necessário na prática clínica do neuropsi- O EXAME NEUROPSICOLÓGICO: O QUE
cólogo. Além disso, as informações geradas O NEUROPSICÓLOGO DEVE SABER?
por testes são geralmente potencializadas
pelas que são coletadas a partir do uso de Em uma época na qual não existiam exames
escalas de avaliação de sintomas. Mas, no- de neuroimagem e pouco se conhecia sobre
vamente, eles sempre serão um meio de in- a atividade do sistema nervoso, os únicos
vestigação, e jamais um fim em si mesmos. recursos disponíveis para inferir o funcio-
Mattos (2014) define o exame neuro­ namento cerebral de um paciente eram o
psicológico como um exame clínico armado. registro e a análise de suas respostas (via en-
Como qualquer exame clínico, compreende trevista, observação comportamental e rea-
anamnese abrangente e observação clíni- lização de pequenas tarefas solicitadas pelo
ca do paciente. Seu diferencial está na sele- clínico). A neuropsicologia moderna surge
ção das “armas” (geralmente, testes e esca- nesse contexto, durante a transição entre os
las) que poderão auxiliar na investigação séculos XIX e XX. Nesse período, as minu-
de hipóteses específicas e no esclarecimen- ciosas observações clínicas feitas por mé-
to de déficits sutis. De modo geral, o exame dicos como Harlow (1868), Broca (1861) e
é realizado com baterias de testes neuro­ Wernicke (1874) impulsionaram o empre-
psicológicos que envolvem uma variedade endimento científico conhecido como loca-
de funções, tais como memória, atenção, lizacionismo. Correlacionar a atividade de
velocidade de processamento, raciocínio, centros cerebrais e funções mentais espe-
julgamento, funções da linguagem e fun- cíficas (dissociação simples) propiciou gra-
ções espaciais (Harvey, 2012). Para avalia- dualmente o surgimento da avaliação neu-
ção dessas funções, boas armas são aque- ropsicológica. A comparação entre diversas
las capazes de reproduzir, no contexto do dissociações simples impulsionou o desen-
consultório, em situação controlada, vários volvimento de uma concepção modular
dos processos presentes na rotina natu- de cognição, segundo a qual cada proces-
ral de quem está sendo avaliado. A análise so cognitivo é relativamente independente

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dos demais e apresenta sua própria base or- Wernicke) da linguagem. Enquanto lesões
gânica. Essa evolução conceitual e clínica na área de Broca comprometiam a fluên-
levou ao desenvolvimento das duplas-dis- cia e a capacidade de expressão por meio
sociações (ver Quadro 1.1), como propos- da linguagem, preservando relativamente
to por Teuber (1955), de modo que passa- a compreensão, lesões na área de Wernicke
ram a ser consideradas o principal recurso comprometiam a compreensão, preservan-
para compreender a relação entre estrutura do de forma relativa a fluência verbal.
e função, tornando-se o padrão-ouro para o O localizacionismo estrito não era a
estabelecimento de associações entre a ati- única forma de compreender a relação en-
vidade neural e suas consequências funcio- tre a atividade cerebral e os processos men-
nais. O exemplo da Figura 1.1 mostra uma tais. Pierre Flourens e, posteriormente, Karl
dupla-dissociação clássica, ligada ao pro- Lashley destacavam-se entre os proponen-
cessamento da linguagem. Nela, vemos du- tes de uma visão holística do funcionamen-
as regiões distintas relacionadas à expressão to neural, segundo a qual o cérebro atua co-
(área de Broca) e à compreensão (área de mo um todo integrado. Assim, não existem

QUADRO 1.1 • Conceito de dupla-dissociação


As duplas-dissociações comparam associações específicas entre estruturas neurais e consequências funcionais.
Elas são fundamentadas no seguinte raciocínio:

1. se uma lesão em X compromete a função cognitiva/comportamental X’ mas preserva a função cognitiva/


comportamental Y’;
2. se uma lesão em Y compromete a função cognitiva/comportamental Y’ mas preserva a função cognitiva/
comportamental X’;
3. logo, a atividade da região X está relacionada à função cognitiva/comportamental X’, e a atividade da região
cerebral Y está relacionada à função cognitiva/comportamental Y’.

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Figura 1.1 Dupla-dissociação entre as áreas de Broca e de Wernicke.

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os chamados centros funcionais no cére- seria resultante de uma desconexão entre as


bro. Os princípios fundamentais do holis- áreas de Wernicke e de Broca, levando, por
mo são a equipotencialidade (todas as re- sua vez, a déficits acentuados na c­ apacidade
giões têm a mesma função) e a ação em de repetição.
massa (a quantidade de tecido danificado O localizacionismo associacionista tam­
é o que determina o grau de comprometi- bém tem suas implicações na prática do
mento). exame neuropsicológico. A inferência sobre
O holismo e o localizacionismo estri- a relação estrutura-função não se dá mais
to foram responsáveis por nortear algumas por associação de processos cognitivos a
das primeiras aplicações do exame neuro­ centros circunscritos, e sim à atividade
psicológico. A primeira delas, derivada do de redes complexas de regiões integradas.
localizacionismo estrito, propunha que o Uma comparação entre as três vertentes –
exame neuropsicológico tinha a finalidade localizacionismo estrito, holismo e locali-
de localizar lesões em centros cerebrais es- zacionismo associacionista – pode ser vis-
pecíficos. A segunda, influenciada pelo ho- ta na Figura 1.2.
lismo e pelo dualismo, propunha a exis-
tência de padrões de desempenho comuns
a lesões cerebrais diversas, os quais seriam EXAME NEUROPSICOLÓGICO EM UM
indicadores de organicidade. Pacientes com
tais indicadores em testes cognitivos apre-
MUNDO COM TÉCNICAS MODERNAS
sentariam evidências de comprometimen- DE NEUROIMAGEM: O PAPEL DO
to cerebral, ao passo que a inexistência de- CONHECIMENTO SOBRE ASSOCIAÇÕES
les fundamentava a hipótese de um déficit ESTRUTURA-FUNÇÃO NA PRÁTICA
funcional não orgânico. CLÍNICA DO NEUROPSICÓLOGO
Com a evolução do conhecimento so-
bre a estrutura e a função do sistema ner- A ideia de que não é objetivo do exame a
voso, a visão modular da relação entre as identificação de centros funcionais lesio­
duas foi se fortalecendo e modificando al- nados, tampouco a de casos de organicida-
guns de seus preceitos básicos. O localiza- de, é praticamente um consenso entre os
cionismo revisitado incorpora a noção de neuropsicólogos clínicos. Esses obje­ tivos
que funções cognitivas complexas não são iniciais foram sendo reformulados ao lon-
mediadas por regiões circunscritas, e sim go do tempo. O surgimento das téc­nicas
por circuitos cerebrais que envolvem múl- de neuroimagem pode ser conside­ rado
tiplas regiões corticais e subcorticais. Tal um marco nessa reformulação. No entan-
vertente é conhecida como localizacionis- to, uma conclusão precipitada é a de que o
mo associacionista (Catani et al., 2012) e é neuropsicólogo não deve se preocupar com
amplamente sustentada por estudos com a correlação entre os sistemas neurais e
pacientes acometidos por diferentes tipos as funções que avalia, o que descaracteri-
de lesões, além de por estudos de neuroima- za completamente a prática neuropsicoló-
gem estrutural e funcional. As duplas-dis- gica. Obviamente, é impossível a existên-
sociações permanecem como o padrão-ou- cia de uma neuropsicologia sem cérebro.
ro para identificar a relação entre circuitos ­Nenhum cérebro, nenhuma mente (Sher-
cerebrais e módulos cognitivos. É impor- mer, 2011).
tante lembrar que esse método surge ainda Por que o neuropsicólgo deve conhe-
no século XIX, tendo entre seus precurso- cer a relação entre sistemas neurais e pro-
res o próprio Carl Wernicke (1874), ao pro- cessos cognitivos? O que justifica essa ne-
por a existência da afasia de condução, que cessidade? Há motivos inerentes à própria

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Localizacionista Holístico Associacionista

A C E
Normal

Área lesionada Área lesionada Área lesionada

B D F
Lesão cerebral

Figura 1.2 Baseada em Catani e colaboradores (2012), apresenta, de forma esquemática, como o localizacionismo
estrito, o holismo e o localizacionismo associacionista concebem a relação estrutura-função em condições normais e
de lesão. Como pode ser observado, no localizacionismo estrito, há uma correspondência exata entre centro cerebral e
função correspondente. No holismo, todas as áreas são interconectadas, e não há correspondência direta entre centros e
funções. No localizacionismo associacionista, grupos de áreas conectadas formam sistemas especializados relacionados
a funções cognitivas complexas.

definição de neuropsicologia e suas aplica- diferentes módulos da cognição como


ções práticas, como os listados a seguir: reflexo do desenvolvimento dos siste-
mas neurais subjacentes, tal raciocínio
1. Primeiramente, uma prerrogativa da é ponto fundamental para questões de
neuropsicologia é a de que os diferen- diagnóstico em neuropsicologia do de-
tes módulos cognitivos são descritos senvolvimento. Em vez de simplesmen-
e delimitados em associação a sua ba- te considerar tabelas normativas por
se neural. Essa prerrogativa não é ne- faixa etária, cabe ao neuropsicólgo ra-
cessariamente verdadeira se pensarmos ciocinar se o resultado de um teste re-
em outras áreas do conhecimento, co- flete um déficit verdadeiro ou simples-
mo a avaliação psicológica (na qual, mente a imaturidade/envelhecimento
muitas vezes, os diferentes domínios da natural dos sistemas neurais relaciona-
cognição e da personalidade são defini- dos à demanda em questão.
dos a partir de procedimentos estatísti- 3. A clínica é sempre soberana, e a defini-
cos, como análise fatorial dos resulta- ção de uma síndrome neurológica clás-
dos de testes) ou a psicologia cognitiva sica se dá pela observação de sintomas e
(na qual, geralmente, o processamento sinais. Nem sempre haverá correspon-
de informação é descrito com base em dência entre achados de imagem e con-
modelos abstratos testados experimen- sequências funcionais observadas; mais
talmente). que isso: um grande número de síndro-
2. Considerando que o neuropsicólgo mes é parcial na prática clínica. O exa-
compreende o desenvolvimento dos me neuropsicológico é peça chave para

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a identificação das síndromes neuroló- aspecto tem sido particularmente im-


gicas clássicas (afasias, amnésias, apra- portante na elaboração de modelos te-
xias, agnosias, negligência unilateral e óricos sobre aspectos clínicos dos trans-
síndromes frontais) e para o estabeleci- tornos psiquiátricos.
mento de hipóteses sobre sistemas neu-
rais comprometidos ou preservados.
Tais hipóteses serão consideradas pelo A PRÁTICA DO EXAME
médico à luz de outros exames comple- NEUROPSICOLÓGICO:
mentares. ÀS ARMAS, CIDADÃOS!
4. Há condições neuropsiquiátricas bas-
tante complexas, muitas das quais têm Sendo o exame neuropsicológico um exa-
potencial para induzir mudanças de me clínico armado, como escolher as ar-
humor ou de estados motivacionais mas? A escolha das boas armas é facilitada
que podem ter impactos secundários pelo c­onhecimento do caso que está sen-
no funcionamento cognitivo. Esses im- do avaliado. Assim, considerando os qua-
pactos, por sua vez, podem gerar mu- tro pilares da avaliação neuropsicológi-
danças tão intensas e prejudiciais como ca (entrevista, observação, testes e escalas),
aquelas provocadas por lesões cere- uma sequência apropriada de passos envol-
brais. Assim, o exame neuropsicológico ve uma primeira etapa de conceitualização
se torna importante para verificar tam- clínica, que é sucedida pela etapa de testa-
bém os efeitos de fatores secundários gem de hipóteses.
sobre as funções cognitivas. A primeira etapa é composta pela en-
5. As técnicas de neuroimagem apresen- trevista abrangente (com o paciente e seus
tam importantes limitações que po- familiares) e pela observação do comporta-
dem ser minimizadas pelo uso comple- mento do paciente no consultório e, se pos-
mentar do exame neuropsicológico. Às sível, por meio de outros contextos natura-
vezes, alterações cognitivas precedem lísticos. A entrevista não foge à regra das
achados visíveis ao exame de neuroima- demais usadas em clínica médica, psicoló-
gem, e, em comparação a outros acha- gica ou em outras áreas da saúde. No fim
dos de imagem e marcadores biológicos, da entrevista, devem ficar claras as seguin-
o exame neuropsicológico apresenta tes questões:
acurácia superior, como no diagnósti-
co diferencial entre doença de Alzhei- •• Por que o paciente foi encaminhado/
mer e comprometimento cognitivo leve qual o objetivo do exame?
(Schmand, Eikelenboom, van Gool, & •• Qual a caracterização sociodemográfi-
Alzheimer’s Disease Neuroimaging Ini- ca do paciente? (Desempenho em tes-
tiative, 2012). Há também casos de al- tes variam de acordo com a cultura, a
terações sutis em transtornos neuropsi- escolaridade e o gênero.)
quiátricos, para os quais os marcadores •• Como os sintomas surgiram e evoluí-
biológicos ainda não estão claramente ram até o momento do exame?
definidos ou não apresentam aplicabi- •• Como era o funcionamento do pacien-
lidade clínica. Nesses casos, as informa- te antes do surgimento dos sintomas?
ções obtidas pelo exame neuropsico- •• Como o paciente desenvolveu a cog-
lógico podem ser de grande valia para nição e o comportamento ao longo da
traçar inferências clínicas e formular hi- vida? Como foi o desenvolvimento do
póteses sobre sistemas neurais compro- paciente no contexto acadêmico/pro-
metidos ou preservados. Esse último fissional?

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•• Quais foram os principais cargos ou sejam obtidas amostras de comportamen-


posições ocupados? O paciente foi es- tos relevantes ao processo de diagnóstico.
tável nos empregos que teve? Quais os Por exemplo, em casos de simulação, mui-
motivos pelos quais mudou de em­ tas informações importantes são coletadas
prego? em conversas informais durante os inter-
•• Há algum diagnóstico neurológico/psi- valos (coffee breaks) ou, até mesmo, podem
quiátrico prévio? ser coletadas por outras pessoas, como a se-
•• Atualmente, como é a saúde geral do cretária do serviço. Nessas situações, não é
paciente? Quais as doenças que tem ou raro que um simulador com queixas dism-
já teve? nésicas converse com o neuropsicólogo so-
•• O paciente apresenta alguma limitação bre o resultado do jogo de futebol da vés-
sensorial ou motora? pera, por exemplo, ou dirija-se à secretária
•• O paciente usa drogas lícitas ou ilícitas? informando o horário de sua consulta e o
Quais as medicações usadas durante o nome do profissional, sem recorrer a qual-
exame? quer anotação. Muitas vezes, o simulador
•• Quem observa os prejuízos do paciente lembra-se de orientações fornecidas no pri-
e em quais contextos? meiro dia de avaliação, como, por exemplo,
•• Quais são as principais consequências em quantos dias o laudo ficará pronto.
dos sintomas para o paciente nas dife- Quando possível, a observação do pa-
rentes áreas de sua vida? ciente em contextos naturais – como esco-
•• Há ganhos secundários relacionados la, domicílio ou outras situações cotidianas
ao quadro atual? Quais? – traz informações importantes sobre a re-
•• Quem são os demais profissionais que lação entre queixas cognitivas e prejuízos
atendem o paciente? funcionais. A observação do paciente é um
•• Quais são as hipóteses diagnósticas de aspecto fundamentalmente qualitativo do
outros profissionais que atendem o ca- exame e depende dos conhecimentos clíni-
so e quais são seus alvos terapêuticos? cos do neuropsicólogo. Ainda assim, Heben
•• Que exames já foram realizados e quais e Milberg (2002) destacam alguns pontos
são seus resultados? importantes para a observação na prática
•• Há história de doenças psiquiátricas ou geral do exame neuropsicológico: nível de
neurológicas (e outras) na família? alerta, aparência, habilidades verbais, fun-
•• Atualmente, qual é a rotina do pacien- cionamento sensorial e motor, habilidades
te? No que ela mudou em relação à ro- sociais, nível de ansiedade, padrão da fala,
tina anterior ao adoecimento? expressão emocional, conteúdo do pensa-
•• Qual a motivação do paciente para a mento e memória.
rea­lização do exame? A entrevista e a observação permitem
uma boa formulação de hipóteses que se-
Muitas vezes, a observação compor- rão testadas em seguida. A etapa seguinte
tamental pode ser prejudicada pelo con- inclui seleção, aplicação e interpretação de
texto artificializado do exame. Assim, es- testes e escalas de auto e heterorrelato. Nes-
se processo deve ser iniciado já na sala de se ponto, duas perguntas são importantes:
espera, onde o paciente interage com ou-
tras pessoas (pacientes e funcionários) de 1. Como selecionar um teste?
forma mais próxima ao seu modo natu- 2. Como escolher escalas de rastreio pa-
ral. Fatos relatados por funcionários/as- ra complementar as informações obti-
sistentes muitas vezes são úteis para que das pelos testes?

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Tais perguntas só devem ser respondi- paciente alcançar um desempenho mui-


das tendo como base as hipóteses levanta- to alto porque o teste é muito fácil para
das na primeira etapa da avaliação. seu nível intelectual e, portanto, inade-
O caso apresentado no Quadro 1.2 quado. A comparação dos resultados ob-
descreve um paciente de alto nível inte- tidos pelo paciente com dados normativos
lectual e funcional que inicia um proces- de amostras de escolaridade/desempenho
so de mudanças cognitivas e da personali- incompatíveis com os seus poderá levar a
dade. Muitos dos testes neuropsicológicos conclusões equivocadas sobre seu desem-
clássicos serão pouco­úteis nessa ava- penho. Desse modo, é necessário adequar
liação se não for considerado o prová- a escolha das armas ao caso em questão.
vel efeito teto, isto é, a possibilidade de o Como proceder?

QUADRO 1.2 • Bateria utilizada no caso clínico de J.B. com justificativas para a seleção dos instrumentos
Função avaliada Instrumentos Objetivo para o caso
Inteligência geral WASI (QI Total, Verbal e de Fornecimento de um parâmetro sobre o funciona-
Execução) mento global do paciente. Seleção de instrumentos
que evitam os efeitos teto e chão.
Memória Teste de Aprendizagem Uma das queixas apresentadas era a de que o pa-
Auditivo-verbal de Rey ciente estava se esquecendo de compromissos ou se
Evocação da Figura Complexa atrasando para o trabalho. Há aqui algum problema
de Rey de memória? Além disso, as dificuldades do paciente
são globais ou específicas?
Linguagem Teste de Nomeação de Boston A hipótese levantada pelo neurologista foi de
Fluência Verbal Fonológica demência frontotemporal. O neuropsicólogo deve
(F-A-S) e Semântica (animais) saber que, em algumas de suas variantes, altera-
ções de linguagem (principalmente semântica) são
relativamente comuns. Além disso, as dificuldades
do paciente são globais ou específicas?
Habiliades Cubos (WASI) Os subtestes do WASI, quando interpretados
visuoespaciais e Raciocínio Matricial (WASI) isoladamente, fornecem informações interessantes
visuoconstrutivas Cópia da Figura de Rey sobre habilidades visuoespaciais e visuoconstru-
tivas. O mesmo se aplica à Cópia da Figura de Rey.
Novamente, essas informações ajudarão a com­
preender se as dificuldades do paciente são globais
ou específicas.
Funções executivas e CPT-II Essa é a principal área de investigação do exame.
de atenção WCST O paciente apresenta claras dificuldades em proces-
IGT sos relacionados às funções executivas. É importante
N’Back usar diferentes instrumentos para avaliar o mesmo
Escala BDEFS preenchida pelo construto, a fim de que se possa identificar poten-
paciente e seus familiares ciais flutuações no desempenho. A escala BDEFS
Teste de Hayling-Brixton foi usada para avaliar a existência de sintomas de
disfunção executiva em tarefas do dia a dia e na
visão do paciente e seus familiares.
Sintomas Mini PLUS 5.0 A hipótese anterior era a de um quadro de transtor-
psiquiátricos Inventário de Depressão de no do humor. A avaliação dessa hipótese requer o
Beck uso de instrumentos especializados, tais como entre-
vistas baseadas em critérios diagnósticos e escalas
de identificação de sintomas.

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CASO CLÍNICO
J.B., 56 anos, casado, pai de três filhos, formado em economia e diretor de uma estatal, começou a
apresentar alterações comportamentais e da personalidade. Mantém, de certa forma, sua funcio-
nalidade, mas seus prejuízos são evidentes. Funcionários da empresa em que trabalha começa-
ram a notar mudanças. Antes, J.B. era comedido e de pouca conversa. Seu foco era a manutenção
da produtividade dos diferentes setores da estatal, o bom relacionamento entre os funcionários e
a formalidade em tais relações. Agora, ele estava mais informal. Atrasava-se para chegar ao traba-
lho e fazia comentários sobre questões pessoais irrelevantes para sua atuação profissional. Come-
çou a se interessar mais pela vida de seus funcionários. Estava mais agitado, taquipsíquico e com
planos grandiosos para a empresa. Tais planos eram considerados pelos pares como arriscados e
pouco viáveis. Alguns comentavam que J.B. estava mais humano, outros viam certa inconveniên-
cia em algumas abordagens, principalmente com pessoas do sexo oposto. Sua aparência estava
mais desleixada, e isso era percebido por funcionários e familiares. O consumo de álcool tornou-
-se mais frequente e potencializou os prejuízos. O paciente havia tido dois quadros depressivos
anteriores, quando se formou na universidade, aos 23 anos, e, depois, aos 49 anos. Nas duas oca-
siões, foi submetido a tratamento psiquiátrico, obtendo sucesso na remissão de sintomas.
Após ser convencido pela família a retornar ao psiquiatra, inicialmente, foi considerada a hi-
pótese de transtorno bipolar tipo II, sendo submetido a tratamento farmacológico e encaminha-
do a psicoterapia. Três meses após o encaminhamento, foi flagrado tendo relações sexuais no
escritório com uma funcionária da empresa. Instaurou-se um processo administrativo, e o pa-
ciente foi afastado de suas atividades e encaminhado para avaliação neurológica. A avaliação
neuropsicológica foi solicitada como exame complementar.
Após a obtenção de informações como as já citadas, considerando-se a idade do paciente, seu
quadro pré-mórbido e a caracterização de prejuízos nítidos relacionados a tomada de decisão,
controle de impulsos e mudanças significativas da personalidade, foi levantada a hipótese de
demência frontotemporal.

1. Testes não devem ser aplicados de for- eficiência da avaliação. O mesmo ocor-
ma aleatória. Não é porque você os re em relação ao uso de testes difíceis
tem que você deve aplicá-los! É preci- demais, considerando-se as variáveis
so selecionar tarefas que sejam relevan- sociodemográficas e a inteligência pré-
tes para as hipóteses a serem testadas. -mórbida do sujeito. Nesse segundo
A parcimônia é fundamental. Deve ser caso, temos o efeito chão (os testes se-
considerada, entre os objetivos, a iden- rão difíceis demais, considerando-se as
tificação de déficits e de áreas de po- características do paciente, mesmo as
tencialidades (isso será importante na pré-mórbidas).
formulação de planos de intervenção). 3. A avaliação da cognição geral do pa-
Não se trata apenas de testar aqueles ciente pode ser útil para ajudar na se-
módulos em que déficits são mais evi- leção de outros instrumentos, mas is-
dentes, mas de incluir no plano de ava- so não é consenso em neuropsicologia.
liação instrumentos para os quais haja Por exemplo, Lezak, Howieson, Bigler e
uma boa justificativa de uso. Tranel (2013) consideram tal procedi-
2. Ao escolher os instrumentos, o nível mento desnecessário e, de certa forma,
global do paciente deve ser considerado. incompatível com uma concepção mo-
A escolha de instrumentos com poten- dular de cognição. Outros, porém, co-
cial efeito teto (fáceis o suficiente para mo McKenna e Warrington (2009), su-
mascarar déficits em sujeitos com me- gerem que, a despeito das limitações de
lhor nível cognitivo) pode minimizar a testes de inteligência, como as escalas

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Wechsler, medidas globais de cognição intelectual mantinha-se na faixa média su-


podem fornecer um pano de fundo pa- perior (QI total 124). Outras funções cog-
ra o planejamento e a seleção de outros nitivas mantinham-se na faixa de fun-
instrumentos. Por exemplo, em casos de cionamento compatível com seu nível de
manutenção de um nível intelectual­mé- inteligência (p. ex., memória episódica, lin-
dio superior no início da doença, como guagem expressiva e memória semântica).
descrito no Quadro 1.2, a escolha de ins- No entanto, a avaliação das funções execu-
trumentos com maior nível de exigên- tivas e da atenção a partir do Teste de Classi-
cia poderá evidenciar com maior preci- ficação de Cartas de Wisconsin (WCST-II),
são déficits cognitivos potenciais. do Iowa Gambling Test (IGT), do Conners
4. Nem sempre os testes apresentam va- Continuous Performance Task (CPT-II) e
lidade ecológica satisfatória. Comple- do N-Back evidenciou dificuldades rele-
mentar dados obtidos com escalas de vantes em processos como memória ope-
avaliação de sintomas pode ser bastan- racional, controle inibitório, flexibilidade
te útil. Entretanto, o paciente pode não cognitiva, tomada de decisão e atenção sus-
ser um bom informante sobre seus sin- tentada. Muitos dos resultados nessas me-
tomas. Escalas de autorrelato podem didas persistiam dentro da média etária,
ter resultados comprometidos por: a) eram incompatíveis com o nível de inteli-
falta de insight; b) influência da neces- gência do paciente, bem como com sua es-
sidade de aceitação social; c) ganhos se- colaridade e seu nível de funcionamento
cundários potenciais na existência de profissional e acadêmico até o adoecimen-
déficits. Muitas vezes, o uso de escalas to e, mais do que isso, refletem as dificul-
preenchidas por familiares ou outras dades observadas no dia a dia do paciente.
pessoas que convivem com o paciente No caso em questão, também foi usada
pode ser de extrema utilidade. a escala de avaliação de disfunções executi-
5. Nunca se deve fornecer diagnósticos vas Barkley’s Deficits in Executive Function
com base em resultados isolados de Scale (BDEFS), que foi preenchida tanto
testes. Diversos fatores podem explicar pelo paciente quanto por sua esposa e seus
um resultado deficitário. Além disso, filhos. Apenas no relato dos familiares apa-
um teste que mede determinada fun- receram déficits significativos nas funções
ção cognitiva pode ser fortemente in- avaliadas (administração do tempo, organi-
fluenciado por outras funções, e isso zação e solução de problemas, autocontro-
deve ser considerado na interpretação le, motivação pessoal e autorregulação das
de resultados. Por exemplo, Avila e co- emoções), o que sugere que o paciente não
laboradores (2015) verificaram que o tinha insight de suas dificuldades. A ava-
desempenho na Cópia da Figura Com- liação dos sintomas depressivos percebidos
plexa de Rey é altamente influenciado pela Escala de Depressão de Beck e mani-
por componentes das funções executi- festados na entrevista semiestruturada ba-
vas, como a memória operacional e a seada no Manual diagnóstico e estatístico de
flexibilidade cognitiva. Um resultado transtornos mentais (DSM-IV) (American
comprometido nessa tarefa pode refle- Psychiatric Association [APA], 2000) evi-
tir não apenas um déficit mnésico, mas denciou sintomas leves de depressão.­
uma disfunção executiva. Na terceira e última etapa, há a inte-
gração das informações coletadas na parte
No caso do paciente J.B., a bateria se- inicial com os resultados da testagem/ras-
lecionada para o exame está descrita no treio de processos cognitivos, emocionais
Quadro 1.2. Conforme esperado, seu nível e comportamentais, o que permite traçar

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Neuropsicologia    31

inferências nosológicas, topográficas e fun- QUANDO O EXAME


cionais (Fig. 1.3). Na maioria das vezes, o NEUROPSICOLÓGICO É INDICADO?
exame neuropsicológico é um exame com-
plementar, assim, deve ser considerado à Como visto anteriormente, as duas apli-
luz de outros exames clínicos para norte- cações do exame neuropsicológico – loca-
ar o raciocínio médico no fechamento de lização de centros funcionais lesionados e
diagnósticos. detecção de organicidade – perderam sen-
Por fim, cumpre ressaltar que os pro- tido com o avançar do conhecimento sobre
cedimentos usados na avaliação neuropsi- a estrutura e a função do sistema nervoso
cológica apresentam limitações, como em (Lezak et al., 2012). As aplicações do exa-
qualquer modalidade de exame. Conside- me neuropsicológico passaram a abranger
rar a diferença entre traço e estado na ava- novos objetivos. Do ponto de vista clínico,
liação é uma delas e, possivelmente, a pri- pode-se destacar seis condições principais
meira a ser considerada. Variáveis como relacionadas à indicação do exame neuro­
cansaço, fome, sono, falta de compreen- psicológico:
são da tarefa, falta de empatia com o exa-
minador, má cooperação, entre outras, po- 1. Situações em que a avaliação da cog-
dem mascarar o resultado dos testes. Assim, nição é imprescindível para definição
o neuropsicólogo deve estar atento ao efei- diagnóstica (p. ex., avaliação das de-
to desses potenciais confundidores durante mências, deficiência intelectual, trans-
a avaliação cognitiva. tornos da aprendizagem).

Entrevista com paciente,


familiares e/ou
outros informantes
Seleção
e aplicação
Hipótese
de testes e
a ser testada
escalas de
Observação do
rastreio
comportamento do
paciente na
consulta/outros
ambientes

Conceitualização clínica Teste de hipóteses


Etapa 1 Etapa 2

Integração de informações, inferências diagnósticas e planejamento de condutas.


Etapa 3

Figura 1.3 A estruturação do exame.

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32    Malloy-Diniz, Mattos, Abreu & Fuentes (orgs.)

2. Situações em que a avaliação neuropsi­ causas conhecidas, transtornos psi­


cológica é complementar ao diagnósti- quiátricos, afasias).
co, podendo ser importante na identi-
ficação de comorbidades e de questões Ao descrever a escola Iowa-Benton1 de
relacionadas ao prognóstico e no Avaliação Neuropsicológica, Tranel (2009)
acompanhamento da evolução clíni- afirma que, nesse importante centro de
ca (p. ex., existência de síndrome dise- atendimento neuropsicológico nos Estados
xecutiva agravando o prognóstico de Unidos, as principais indicações para exa-
traumatismo craniencefálico; existên- me neuropsicológico são:
cia de déficit de memória operacional
agravando o comprometimento asso- 1. caracterização geral do comportamen-
ciado ao transtorno de déficit de aten- to e da cognição de um paciente
ção/hiperatividade, etc.). 2. monitoramento da cognição e do
3. Situações em que não há contribui- comportamento de um paciente que
ção para questões de diagnóstico dife- será submetido a um tratamento mé-
rencial (p. ex., diagnóstico diferencial dico (p. ex., neurocirurgia ou farma-
de transtornos como transtorno bipo- coterapia)
lar e esquizofrenia), mas em que o exa- 3. questões médico-legais em neuropsi-
me pode ser fundamental na identifica- cologia forense
ção de disfunções cognitivas que serão 4. identificação de transtornos do desen-
alvos terapêuticos (p. ex., identificação volvimento na infância
de alvos para reabilitação ou remedia- 5. diagnóstico de quadros neurológicos
ção cognitiva). quando os exames de neuroimagem
4. Situações em que ocorreram prejuízos não são suficientemente sensíveis
ou modificações cognitivas, afetivas e/ 6. monitoramento de alterações cognitivas
ou sociais, em decorrência de eventos ao longo do tempo (p. ex., acompanha-
que atingiram primária ou secunda- mento longitudinal de pacientes com
riamente o sistema nervoso central (p. comprometimento cognitivo leve)
ex., traumatismo craniencefálico, tu- 7. avaliação da relação estrutura-função
mor cerebral, epilepsia, acidente vascu- durante o teste de Wada, geralmente
lar cerebral, distúrbios tóxicos, doenças realizado antes de cirurgias para trata-
endócrinas ou metabólicas e deficiên- mento de epilepsia refratária à medica-
cias vitamínicas). ção
5. Situações em que a eficiência neuropsi- 8. avaliação de pacientes que sofreram in-
cológica não é suficiente para o desen- toxicação por monóxido de carbono e
volvimento pleno das atividades da vi- auxílio na decisão pelo tratamento em
da diária, acadêmica, profissional ou câmara hiperbárica
social (p. ex., transtornos específicos 9. questões relacionadas à determinação
do desenvolvimento, transtornos glo- das condições do paciente para condu-
bais do desenvolvimento, deficiência zir veículos automotores
intelectual). 10. avaliação das condições de um pacien-
6. Situações geradas ou associadas a uma te para gerir sua própria vida de forma
desregulação no balanço bioquími-
co ou elétrico do cérebro, decorrendo 1 Nome dado ao grupo de neuropsicologia da Uni-
disso modificações ou prejuízos cogni- versidade de Iowa, que, durante anos, foi chefiado
tivos ou afetivos (p. ex., epilepsias sem pelo neuropsicólogo Arthur L. Benton.

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Neuropsicologia    33

independente, mesmo fora do contexto após casos de concussão cerebral em atletas


médico-legal (Moser et al., 2007).
11. avaliação do impacto da dor em pro-
cessos cognitivos
12. avaliação do impacto da apneia do so- CONSIDERAÇÕES FINAIS
no em processos cognitivos
13. psicoeducação para pacientes e fami- O exame neuropsicológico tem-se torna-
liares do cada vez mais popular na prática clíni-
ca e demandado por profissionais de áreas
Tranel (2009) também sugere que uma como saúde e educação. Um dos riscos des-
das indicações frequentes para esse centro sa popularização é a proliferação de avalia-
é a que busca separar pacientes orgânicos ções que não se fundamentam em preceitos
de funcionais. No entanto, como já men- básicos da neuropsicologia e não levam em
cionado, o conceito de organicidade tem si- consideração cuidados necessários para que
do cada vez menos usado em neuropsico- se chegue a conclusões e orientações clínicas.
logia, em virtude da compreensão de que A avaliação neuropsicológica difere das
não existem alterações comportamentais demais avaliações clínicas por ser funda-
ou cognitivas apenas funcionais (ou seja, mentada em um raciocínio monista e ma-
sem base orgânica). terialista. Mesmo não sendo mais papel do
Com o crescimento das práticas de in- neuropsicólgo localizar centros lesionais ou
tervenção neuropsicológica em pacientes detectar organicidade, o raciocínio clínico
neurológicos e psiquiátricos, outra aplica- em neuropsicologia envolve considerações
ção frequente dos exames está na estrutura- sobre as funções examinadas e os sistemas
ção de rotinas de intervenção neuropsico- neurais subjacentes.
lógica com base na identificação de forças e O exame neuropsicológico é um dos
fraquezas cognitivas e comportamentais do mais importantes exames complementares
paciente. O exame neuropsicológico que na prática clínica do profissional que lida
precede intervenções fornece informações com comportamento e cognição. Seus re-
ao profissional da reabilitação sobre fun- sultados devem ser considerados à luz de
ções que devem ser estimuladas, bem como outras informações clínicas para potencia-
sobre aquelas que estão preservadas e po- lizar não apenas questões de diagnóstico,
dem ser úteis em processos de compensa- mas para fundamentar rotinas de interven-
ção funcional. ção eficientes.
Por fim, o exame neuropsicológico tem
sido empregado também como rotina no
seguimento de pessoas que atuam em de- REFERÊNCIAS
terminados ramos profissionais que envol-
vem risco de comprometimento cognitivo. American Psychiatric Association (APA). (2000).
Um exemplo cada vez mais frequente é o Diagnostic and statistical manual of mental disor-
ders: DSM-IV. 4th ed. Washington: APA
de praticantes de diversas modalidades es-
portivas que apresentam risco elevado pra Ávila, R. T., de Paula, J. J., Bicalho, M. A., Moraes,
E. N., Nicolato, R., Malloy-Diniz, L. F., & Diniz, B.
concussões (Lage, Ugrinowitsch, & Malloy- S. (2015). Working memory and cognitive flexibi-
-Diniz, 2010). O exame neuropsicológico lity mediates visuoconstructional abilities in older
tem sido cada vez mais empregado como adults with heterogeneous cognitive ability. Jour-
avaliação de rotina, fornecendo uma linha nal of the International Neuropsychological Society,
de base para comparação com avaliação 21(5), 392-398.

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