Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
po p
a çã o
d uc
Ae sil: sa
B r a m a s
no ra de
u ltu
ac THO
SETTO
N
CIN
AÇA JA
R
DAG
RIA
MA
A
RAÇ
D A G TON
RIA ET gia
MA THO S Sociolo ão
C I N a d e c a ç
JA sor de Edu
ofes
é pr culdade
a
da F P.
S
da U
INTRODUÇÃO
Tendo já completado mais de cin-
A CULTURA DE MASSA
que os distintos segmentos sociais fazem
dos produtos da TV e demais bens da cul-
tura de massa.
É minha intenção problematizar, des- A TV e os demais produtos da cultura de
construindo sociologicamente, o julgamen- massa são fenômenos, sem dúvida, contro-
to elitista que a academia e nós, professo- versos e complexos. Ora manipulam, ora
res, temos em relação a uma variedade de servem como resistência frente a uma cultu-
produtos da mídia. A literatura que se torna ra do status quo. Ora educam, segundo uma
best-seller, os fascículos e livros didáticos lógica hedonista, ora educam para a eman-
que tomam lugar dos clássicos, a banca de cipação (Kellner, 2001; Thompson, 1995;
jornal que aos poucos torna-se a referência Martín-Barbero, 2003). É minha intenção
de leitura em detrimento das livrarias, a demonstrar que os usos das mensagens des-
música erudita que sequer consegue ter a ses veículos são heterogêneos e circunstan-
audiência da música sertaneja, a velha rixa ciados. Estão estreitamente influenciados
entre os programas educativos e os progra- pela trajetória e apropriação de um capital
mas de variedade na TV, a preferência pela cultural oriundo da família e das instituições 2 Por popular, estou me atendo
ao sentido de gente comum,
comédia em detrimento do drama psicoló- educativas pelas quais quase todos experi- maioria, anônimo e também ao
gico. Estes são alguns exemplos das oposi- mentam ao longo de suas vidas (Bourdieu, sentido de pobre, simples, sem
instrução (Dicionário Houaiss
ções e classificações que fazemos automa- 2003, 1998, 1979; Morin, 1984). da Língua Portuguesa, São Pau-
lo, Objetiva, 2001, pp. 2261).
ticamente quando nos dispomos a julgar Assim, a ênfase do argumento deste
algumas práticas e disposições educativas 3 É sabido que desde os estudos
artigo foge dos maniqueísmos e das gene- da teoria crítica da cultura, ela-
relativas ao consumo de massa ou ao con- ralizações tão comuns neste debate (Setton, borada por T. Adorno e M.
Horkheimer (1996), uma série
sumo popular (2). 2002, 2000) (3). A discussão aqui proposta de trabalhos, até aproximada-
Para fazer estas reflexões o argumento sobre a cultura de massa privilegia o aspec- mente a década de 70, tra-
balhava, fundamentalmente
será construído da seguinte forma. Irei ini- to criativo do processo de produção/recep- como referencial teórico, uma
perspectiva crítica e negativa
cialmente caracterizar brevemente o que ção cultural das mensagens. Ressalta no- sobre o fenômeno da cultura
entendo sobre cultura de massa. Retomarei vas possibilidades de interação a partir da de massa. Privilegiando os as-
pectos relativos à produção e
alguns determinantes socioestruturais res- difusão e troca de signos, valores e saberes aspectos relativos ao conteú-
ponsáveis pela emergência desta configu- do manipulador das mensa-
sociais. Concordando com as colocações gens, essa perspectiva, ainda
ração cultural no Brasil. Destacarei a evo- de Edgar Morin, apóio a idéia de que a cul- hoje, acolhe importantes tra-
balhos. Não obstante, a partir
lução do crescimento da produção de bens tura de massa pode ser considerada uma dos anos 70, uma outra abor-
simbólicos no território nacional, seus usos, terceira cultura, ou seja, uma cultura que dagem, sobre o mesmo fenô-
meno, surge na Europa. Os es-
desde meados do século passado até os se alimenta a partir de uma relação de tudos culturais da Escola de
Birmighan são os precursores
nossos dias. Em seguida, irei trabalhar os interdependência com outras culturas, seja das análises que enfatizam o
conceitos cultura, cultura popular e cultu- esta escolar, nacional ou religiosa. processo de recepção das
mensagens midiáticas e os usos
ra de elite e observar que todos são concei- Creio que, para que se possa analisar a diferenciados que o público faz
tos que expressam um conflito, uma tensão de cada uma delas.
cultura de massa (4) ou, em uma versão
de ordem política no interior do campo mais moderna, para se analisar a cultura 4 O conceito cultura de massa
tem uma longa história nas ci-
intelectual. São conceitos construídos so- das mídias (Kellner, 2001), é necessário ências humanas. No entanto,
para os objetivos deste artigo,
cialmente que expressam uma tomada de empreender uma análise interdisciplinar. é importante salientar que, para
posição de alguns segmentos em relação a Creio que dessa forma posso compreender alguns autores, ele é ultrapas-
sado, pois não mais explicita o
um saber que valorizam ou desprestigiam. o processo comunicativo proposto pela TV comportamento do mercado
consumidor, hoje altamente
Creio que ao esclarecer que os concei- e demais mídias como um processo de in- segmentado. A este respeito ler:
tos popular, cultura popular e cultura de teração, um diálogo contínuo entre criação Ortiz, s/d.
DETERMINANTES
a língua escrita estivesse generalizada em
todo o território nacional, o rádio, a TV e o
SOCIOESTRUTURAIS: A CULTURA
cinema já eram velhos conhecidos da po-
pulação. É possível pois considerar que o
DE MASSA NO BRASIL
imaginário ficcional das mídias há muito
mais tempo vem colonizando os nossos
espíritos. É possível considerar que esse
Em meados do século passado, e prin- imaginário está mais presente e é mais fa-
5 É importante registrar que no fi- cipalmente com os governos militares, a miliar no cotidiano dos segmentos sociais
nal do século XIX Estados Uni- sociedade brasileira vê-se submetida a uma brasileiros, sobretudo os segmentos com
dos e França contavam com
apenas 14% e 18% de analfa- nova ordem social e econômica. Desde baixa escolaridade, do que propriamente a
betos, respectivamente. Ao con-
trário, o Brasil apresentava um
Getúlio Vargas, nas décadas de 30 e 40, cultura escolar (5).
percentual de 84% na condição seguido de Juscelino Kubitschek, nos anos Não obstante estas observações, é for-
de analfabetos (Hallewell,
1985; Mira, 1995). Ainda hoje, 50, e culminando nas políticas pós-64, as- çoso constatar um certo silêncio e desinte-
segundo o Instituto Nacional de sistimos a um alto volume de investimento resse, entre os educadores, sobre a predo-
Estudos e Pesquisas Educacio-
nais (Inep), a região rural brasi- na infra-estrutura da informação e do lazer. minância da cultura de massa em relação à
leira ainda conta com 29,8%
de adultos analfabetos e a re- Período de grande efervescência política, cultura escolar. Em recente levantamento
gião urbana, 15%. A escolari- inversões financeiras na consolidação de entre as principais revistas especializadas
dade média do morador da
zona rural na faixa dos 15 anos um projeto político integrador possibilita- em educação, nos últimos vinte anos, foi
ou mais é de 3,4 anos, enquan-
to a urbana é de 7 anos. Em
ram a criação de um mercado de cultura e possível constatar a ausência de reflexões
relação à infra-estrutura, só 5,2% bens de consumo até então desconhecido sobre a particularidade da configuração
delas possuem bibliotecas e
0,5% possui laboratório de in- por nós. Apoio institucional em políticas cultural e educativa do Brasil, e as implica-
formática, enquanto na zona educativas utilizando o rádio e o cinema ções daí decorrentes para a formação esco-
urbana os índices são 58,6% e
27,9%, respectivamente. (Espinheira, 1934; Franco, 2000), tecno- lar de nosso estudantado. Na realidade,
A MATERIALIDADE DO FENÔMENO
ficativas, expressam uma disposição do
público em inteirar-se das questões econô-
micas e políticas da ordem do dia (10). É
Reforçando o argumento deste artigo, sabido que a ficção televisiva, há muito, na
alguns números podem nos ajudar a justi- forma de seriados (1.510 horas), novelas
ficar a importância da questão. (3.435 horas), filmes (780 horas), desenhos
Atualmente, segundo dados do Censo animados e/ou programação infantil (6.260
6 Fazendo um levantamento nas
Demográfico 2000, 53% da população bra- horas) e humor (350 horas), preenche o ima- principais revistas especializa-
das em educação, entre elas,
sileira freqüentou menos de 7 anos a esco- ginário de crianças e adultos, disponibili- Revista Brasileira de Educação,
la, ou seja, não ultrapassou o ensino funda- zando ou prescrevendo comportamentos na Educação e Realidade, Educa-
ção e Sociedade, Cadernos de
mental, e 27,7% ocuparam apenas 3 anos diversidade de sua produção (Pereira Junior, Pesquisa e Educação e Pesqui-
sa, pude observar que poucos
os bancos escolares. Apenas 47% estuda- 2002). Possibilitando o acesso a comporta-
são os artigos que discutem a
ram de 8 ou mais de 15 anos. De acordo mentos e modelos de conduta a partir de relação dos meios de comuni-
cação de massa e a educação.
com esta mesma fonte, de um total de qua- “celebridades”, ficcionais ou não, essa pro- A maior parte deles (Kenski,
se 45 milhões de domicílios brasileiros gramação, ao mesmo tempo que integra 1998; Preto, 1999; Oliveira,
2001; Mazzoti, 1991; Valen-
pesquisados, 93% têm acesso a energia todos em um ideal de civilização (capita- te, 1988; D’Almeida, 1988;
Oliveira, 1980; Castro & Fran-
elétrica, 87,7% possuem televisão, 87,4% lista, hedonista e consumista), possibilita a co, 1980) trabalha as novas
possuem rádio e 35,3% possuem video- uma multidão o acesso a um código de tecnologias como instrumentos
ou recursos de trabalho do pro-
cassete em suas residências (7). Nesse sen- conduta que até pouco tempo era restrito fessor. Raros são aqueles que
procuram investigar as novas
tido, é importante ressaltar que a heteroge- aos segmentos privilegiados. Em uma aná-
tecnologias como promotoras
neidade de acesso aos meios educativos é lise simplista, poderia identificar uma po- de um conhecimento informal,
formadores de uma nova subje-
um fato, e suas implicações são bastante larização entre manipulação ou integração tividade (Costa, 2002; Fischer,
complexas para o campo da educação for- a partir dos conteúdos propostos pela pro- 2002; Preto, 2002).
das foi de produtos de artistas brasileiros. didáticos, enciclopédias, dicionários, livros 16 O conceito letramento procura
compreender a leitura e a escri-
Os álbuns mais vendidos, em 2002, são infantis, bíblias, livros sagrados e religio- ta como práticas sociais com-
plexas, desvendando sua diver-
Xuxa, Xuxa só para os Baixinhos 3, Rouge, sos, livros técnicos e específicos, livros de sidade, suas dimensões políti-
Popstar, Roberto Carlos, Roberto Carlos literatura e romances, agendas de telefones cas e implicações ideológicas
(Ribeiro, 2003).
2002, Vários, O Clone Internacional, to- e endereços, calendários e folhinhas, livros
17 Nível 1 – corresponde à capa-
dos de forte apelo popular (15). Seria inte- de receitas de cozinha, álbum de família, cidade de localizar informa-
ressante ressaltar também a premiação or- guias e catálogos. ções explícitas em textos cur-
tos, cuja configuração auxilia
ganizada pelo setor. Em 2003, o Disco de No entanto, notem, essa pesquisa não o reconhecimento do conteúdo
solicitado. Nível 2 – correspon-
Ouro, relativo à venda de 100 mil unida- menciona a produção do mercado de perió- de àquelas pessoas que conse-
des, foi entregue para Amado Batista, o dicos, fascículos e revistas em circulação. guem localizar informações em
textos curtos, de extensão mé-
Disco de Platina, correspondente a 250 mil Se, por um lado, a autora chama a atenção dia, mesmo que a informação
cópias, foi dado para Jorge Vercílio e a dupla para a necessidade de ampliar o entendi- não apareça na mesma forma
literal em que é mencionada na
Sandy e Junior, e o Disco de Platina Duplo, mento sobre a leitura no universo brasilei- pergunta. Nível 3 – capacida-
de de ler textos mais longos,
totalizando 500 mil unidades, foi entregue ro, integrando entre as práticas de leitura podendo orientar-se por subtí-
ao CD da novela Mulheres Apaixonadas. álbuns de família, cadernetas de endereço, tulos, localizar mais de uma in-
formação, relacionar partes do
Um total de mais de um milhão de cópias etc., as pesquisas que comenta ignoram texto, comparar dois textos,
realizar inferências e sínteses
vendidas oficialmente para um público que dados sobre uma grande fonte de prazer e (Ribeiro, 2003).
facilmente poderia ser classificado como leitura que são as bancas de jornal. 18 Pesquisa encomendada pela
popular. Para o desenvolvimento do argu- Não obstante, é forçoso salientar que Associação Brasileira de Celu-
lose e Papel, Sindicato Nacio-
mento deste artigo, é importante registrar neste item, em 2001, segundo o Instituto nal dos Editores de Livros, Câ-
também que grande parte dos consumido- Verificador de Informações, 14.132.700 mara Brasileira do Livro e Asso-
ciação Brasileira de Editores de
res do mercado fonográfico é de estudantes revistas circularam em território nacional. Livros, em 2000-01.
MEIOS DE COMUNICAÇÃO DE
lar, apontava que as revistas faziam parte
do universo de leitura das operárias. Te-
EDUCATIVA
cida como leitura legítima, de tante ressaltar aqui que a prática entre elas
um pouco mais de 1.000 títu- estava associada à compra e à constante
los em circulação, em todo o
território nacional, em média troca e circulação dos exemplares. Nesse
42% têm como hábito lê-los, ou
seja, praticamente a mesma por- sentido, é possível inferir um efeito multi- A TV, ainda que tenha uma história mais
centagem de indivíduos com 8 plicador desses números (19). recente, e com vocação educativa menos
ou mais anos de escolaridade.
No entanto, é importante colo- Em 2000, segundo o Anuário Estatísti- explícita, com o passar dos anos, sem que
car as diferenças dessa prática
entre as grandes capitais. Se-
co de Mídia, comercializaram-se 931 títu- o perseguisse, acabou por ser uma útil fer-
gundo o Ibope, os cariocas los de revistas, sendo os que mais se desta- ramenta na educação de nosso imaginário
(69,8%), os recifenses (65,1%),
seguidos dos moradores de Por- cam, como foi visto anteriormente, os refe- social. As produções seriadas, as novelas,
to Alegre (64,4), são os que rentes a um segmento feminino e adoles- programas de entrevistas ou shows de varie-
mais têm o gosto pela leitura de
jornais. Fortaleza destaca-se cente. No entanto, é expressivo o número dades, conseguiram conquistar a audiência
com um índice de apenas
25,7% de leitores. de 370 títulos relativos a revistas que pode- de milhares de brasileiros, e como cultura
20 Interesse geral/atual (66), eco-
riam ser qualificadas também como para- de massa, acabou por servir como espaço
nomia/negócios (49), arquite- didáticas. Ou seja, revistas de “vulgariza- de produção de um conhecimento e de uma
tura/decoração/paisagismo
(48), medicina/odontologia ção” de saberes e competências, conselhos, leitura sobre o Brasil e seu povo.
(44), informática/games (33), dicas de estilos de vida variados, compe- Segundo pesquisas (Ortiz, Borelli, Ortiz
agropecuária (36), alimenta-
ção/bebidas/gastronomia tindo com as orientações que podem e de- Ramos, 1989), a TV e sua programação
(29), auto/moto (29), constru-
ção/engenharia (29), market- vem ser adquiridas nas escolas. Tal como eram vistas como um empreedimento de
ing/propaganda (29). verificado com a mídia televisiva e radio- grande valor pedagógico. Logo no seu iní-
21 Victor Hugo, Alexandre Dumas, fônica, a produção de entretenimento im- cio, na década de 50, herdeira de uma esté-
A. J. Cronin, Charles Dickens,
entre outros. presso, via revistas especializadas, amplia tica literária do teatro e do cinema, muitas
22 Vale ressaltar que na década o acesso à informação para um público vezes engajada e comprometida com um
de 50 o Brasil contava apenas diversificado e jovem ideal de cultura das elites, a TV conta com
com 2.000 aparelhos de TV e
em 1955, 170 mil; vinte anos Os títulos mais relevantes, em termos uma produção forte de teleteatros e com a
depois, ou seja, 1975, com 10
milhões. numéricos, se encontram na área da arqui- colaboração de uma série de dramaturgos
23 Segundo pesquisa da Marplan,
tetura, decoração e paisagismo (49), infor- de renome (21). Ainda pouco comercia-
entre pessoas de 15 a 64 anos, mática/games (33), construção e engenha- lizável, pois só alcançava um público res-
o gosto pelos programas de
auditório vem sofrendo quedas. ria (29), arte, cultura e educação (20), entre trito, tinha espaço para produções de cará-
Entre as classes A e B, em outros (20). Assim, seria interessante cha- ter mais experimental (Ortiz, Borelli, Ortiz
1994, 64% diziam ter interes-
se por programas de auditório. mar atenção para o fato de que todas elas Ramos, 1989) (22).
Agora, esse percentual caiu
artificial, imigração, sindicalismo, entre popular de massa (24). 24 Mas pode-se falar ainda de
uma outra faceta da TV, ou seja,
outros, reinauguram as disposições edu- Cabe relatar neste item também a evo- sua extraordinária tradição em
cativas da TV em um dos seus gêneros lução dos usos do rádio e do cinema como Telecursos. Uma pesquisa mais
aprofundada sobre o tema ain-
menos prestigiados, a novela. veículos educativos. Se historicamente da está por ser feita.
OS SENTIDOS DA CULTURA
didáticos ou populares. Uma literatura fá-
cil, de alto caráter educativo e comporta-
mental, que parece conquistar mais espaço
em nosso público do que o conhecimento e Para o desenvolvimento do argumento
o gosto pela literatura clássica e erudita deste artigo seria interessante ainda fazer
promovidos pela escola. Um outro exem- uma breve digressão sobre a noção de cultu-
plo interessante da circulação de livros ra, e, nesse sentido, creio que Thompson
menos “nobres” no Brasil refere-se à Li- (1995) oferece algumas pistas importantes.
vraria do Povo. Fundada em 1879, no Rio Fazendo um breve apanhado da histó-
de Janeiro, comercializava livros usados e ria desse conceito, Thompson registra que
era freqüentada por estudantes e escritores uma das primeiras utilizações da noção
desconhecidos (Hallewell, 1985; Mira, remetia à idéia de cultivo ou cuidado de
1995). Em seu clássico Cultura Popular algum elemento, tal como grãos e animais
na Idade Moderna (1989), Peter Burke vai (até 1500), e, mais recentemente, o cultivo
salientar que a alfabetização crescente vi- da mente humana (1500 em diante). A dis-
vida na ocasião do Renascimento, na Euro- tinção entre cultura (bens espirituais) e ci-
pa, não tivera as conseqüências que os re- vilização (bens materiais), tão bem funda-
ligiosos supunham. Os camponeses liam mentada por Norbert Elias (1990), docu-
livros pequenos de no máximo 30 páginas, mentou ainda os sentidos variados da no-
almanaques, folhetos de notícias. Leitura ção de cultura em países europeus, como
simples, vocabulário relativamente peque- Inglaterra, França e Alemanha (Thompson,
no e construções não elaboradas. Nesse 1995, p. 167; Elias, 1990, pp. 21-5).
sentido, conclui Burke, a imprensa ampliou Para nosso interesse, vale ressaltar, não
ao invés de destruir a cultura popular tradi- obstante, que a noção de cultura sempre
cional. Ainda que não se possa fazer uma carregou um forte viés evolucionista e
analogia direta com a realidade atual no etnocêntrico. Ou seja, grande parte dos pres-
Brasil, seria interessante colocar que a ex- supostos desta noção são forjados dentro
pansão de um público leitor cultivado é de uma tradição iluminista que favoreceu o
resultado de séculos de educação. Por ora, sentido elitista e restrito do conceito (Mar-
o que se tem, e já não é pouco, é expressão tín-Barbero, 2003; Bollème, 1988; Bour-
de uma significativa demanda de informa- dieu, 1979, Cuche, 2002). Para essa tradi-
ções e saberes especializados. ção a cultura expressa a idéia de desenvol-
Não obstante, para finalizar este item, vimento, enriquecimento, evolução, um
caberia registrar que o aspecto formador e/ salto em relação a outros estágios anterio-
ou educativo de um imaginário ficcional res de civilização. Até hoje não é difícil
das mídias não é prerrogativa da cultura encontrar fortes vestígios dessas represen-
brasileira. Martín-Barbero (1995) salien- tações entre nós. Só muito recentemente a
tava, nos anos 80, que a cultura de países noção de cultura assumiu o sentido de um
como México (cinema), Argentina (rádio), processo ou produto de um esforço materi-
DE ELITE
o registro da cultura culta. Tornar-se-ia
popular então a cultura que sofre uma ava-
liação segundo seus usos, sua identifica-
Por último, para pensar a cultura en- ção, sua apreensão pelas classes populares.
quanto processo de reprodução, transfor- Nesse sentido, tudo pode ser popular (cul-
mação e criação cultural, bem como espa- tura, literatura, música, a cultura de massa)
ço de uma luta simbólica, o que mais nos desde que seja apropriada pelo grupo que
interessa nesta reflexão é atentar para o fato denominamos popular (30).
de que os sistemas sociais não se reprodu- Mais importante que isso, a noção de
zem espontaneamente submetidos apenas popular, segundo Bollème (1988) e Martín-
a constantes estratégias de dominação de Barbero (2003), grande parte herdeira da
ordem material e de ordem física. Para visão dos românticos, deriva da idéia de
Canclini, seria necessário ainda investir no comunidade orgânica, pura, autêntica, uni-
controle simbólico das práticas culturais da por laços naturais e telúricos. Nesse sen-
(Canclini, 1983; Bourdieu, 1979). Ou seja, tido, ao mesmo tempo que os autores do
é necessário investir em estratégias de im- romantismo recuperam positivamente o
posição de normas e padrões culturais que conceito, pois o concebem como uma ma-
ajudam a legitimar a ordem social vigente nifestação pura e imaculada, o conceito
a partir de mecanismos que legitimem e popular é reduzido a uma autenticidade ou
reifiquem consensos. Não obstante, quais ausência de contaminação/hibridização
seriam as práticas que possibilitariam a com a cultura hegemônica e/ou dominante.
naturalização de uma ordem cultural? E, ao reforçar essa autonomia, ao negar a
Tentando desenvolver este argumento, circulação cultural das manifestações po-
valeria a pena recuperar um pouco da his- pulares, o que realmente se nega é o pro-
tória dos conceitos cultura popular e cultu- cesso histórico de formação do popular, o
ra de elite. Em O Povo por Escrito (1988), caráter de sua hibridização. Nesse sentido,
Genneviève Bollème denuncia a ambigüi- é preciso chamar atenção para o fato de que
dade do conceito popular. A autora identi- se a cultura popular for concebida longe da
fica a imprecisão, a grande variabilidade dinâmica histórica, ao se recusar o sentido
nas formas de se conceber a noção de po- processual e relacional das expressões, o
pular. Para nosso objetivo aqui é importan- que se resgata é uma cultura que não pode
te colocar que Bollème apresenta uma hi- olhar senão para o passado, uma cultura-
pótese bastante interessante. Para ela, cul- patrimônio, ou seja, folclore de arquivo ou
tura popular deve ser apreendida como uma de museu nos quais conserva a pureza ori-
relação. Ou seja, a cultura popular explicita ginal de um povo primitivo (Bollème, 1988;
uma forma de interpretar aquilo que é rela- Martín-Barbero, 2003).
tivo ao povo, ao popular. Mais do que isso, Vemos assim que a qualidade, o em-
a palavra popular faz mais do que simples- prego ou o modo pelo qual somos levados
mente designar uma relação, ela acusa. Para a entender ou a apreciar uma cultura como
a autora, a palavra popular expressa um popular não dependem absolutamente do
30 Assim, chamar de popular uma julgamento, uma tomada de posição, que que ela é em si mesma, mas da essencial
cultura, por mais volumosa e
disparatada que seja, é reduzi- retira elementos do conjunto de uma cultu- relação que temos com ela. Dizer que é
la à uniformidade de um julga- ra e os classifica segundo alguns padrões. popular uma cultura é explicitar uma rela-
mento mas é também glorificá-
la pois é popular também aqui- Uniformidade, homogeneização, pouca ela- ção que expressa uma divisão nos padrões
lo que agrada a todos. Daí
resulta ser a palavra popular
boração, simplicidade, adjetivos que po- culturais que conhecemos. Declarar po-
uma faca de dois gumes, que dem desclassificar estes elementos segun- pular uma cultura ou um objeto é afirmar
pode explicitar ao mesmo tem-
po sucesso mas também simpli- do julgamentos exteriores a ele. É como uma relação, é engajar-se assim em um
cidade e superficialidade. que se a palavra popular fosse um reativo, discurso classificador que, por um lado,
Nada mais fugaz, com efeito,
do que a popularidade. ou seja, é como se cultura popular se opu- estabelece fronteiras entre a cultura letra-
OS USOS DA CULTURA
ções excludentes e maniqueístas em relação
à cultura popular e seus desdobramentos, a
cultura de massa. Terreno propício para po-
Nesse sentido, Bourdieu ajuda-nos a larizar as expressões culturais julgando cri-
pensar a função da escola e seus divul- ticamente a variedade da produção midiática
gadores no processo de construção das re- e as escolhas populares dessa produção.
presentações classificadoras sobre o saber
escolar. Com uma missão colonizadora,
CONSIDERAÇÕES FINAIS
desde o século XV, a escola propõe-se a
expandir seu império cultural para as mas-
sas incultas, ignorantes, supersticiosas e
irracionais. Assumindo a educação esco- “O populismo não é outra coisa que a in-
32 Lembro que apenas 45% têm
mais de 8 anos de escolari- lar como reguladora do comportamento dos versão do etnocentrismo […]” (Bourdieu,
dade.
segmentos populares e iletrados, morali- 1979).
33 Posto isso, a família e a escola, zando espíritos e formando quadros para o
para Bourdieu, são dois subes-
paços sociais fundamentais no mercado de trabalho, as instituições for- O objetivo deste artigo foi refletir sobre
processo de aquisição desse re-
curso. Família e escola podem mais do ensino sempre agiram disciplinan- a cultura de massa no contexto das preocu-
ser classificadas tanto como do, chamando à ordem civilizada amplos pações educativas do mundo contemporâ-
instâncias produtoras de bens
culturais como mercados de cir- contigentes populacionais (Nóvoa,1998; neo. Chamei atenção para uma nova confi-
culação desses bens. Para ele,
a competência cultural adquiri-
Durkheim, 1995; Burke, 1989). guração cultural e, portanto, educacional, a
da nesses espaços é definida Para desenvolver o argumento deste que a sociedade brasileira teve acesso ao
pelas condições de aquisição.
Ou seja, de um lado, o apren- artigo, lembro que, para desempenhar a con- longo de sua história. Apresentando dados
dizado precoce e insensível, tento essas funções, a escola utiliza-se de sobre o crescimento da oferta de produtos
efetuado desde a primeira in-
fância, no seio da família, e várias estratégias de consagração coletiva. da cultura de massa e a paralela demanda
prolongado adquirido fora do
ambiente familiar, nas institui- Entre elas destaco a desclassificação e a de informações e entretenimento do públi-
ções de ensino ou na esfera do desvalorização dos modos populares e co pude observar que a produção midiática
trabalho. A distinção entre es-
ses dois tipos de aprendizado iletrados do saber e do estilo de vida popu- complementa há muito a cultura e o saber
refere-se a uma certa maneira
de adquirir bens culturais e sim-
lar. A literatura registra fartamente que, escolar. Foi minha intenção desconstruir
bólicos e com eles se familiari- pouco a pouco, um processo lento mas sociologicamente um certo julgamento
zar, por um aprendizado esco-
lar que o pressupõe e o com- decisivo de inferiorização da cultura/edu- elitista que se tem sobre uma variedade de
pleta. De outro, o aprendizado cação dos segmentos pouco escolarizados produtos da mídia. Nesse sentido, busquei
tardio, complementar àquele,
metódico e acelerado. foi promovido pelas instâncias educativas. as raízes da tradição cultural brasileira e
ABREU, Márcia. “Os Números da Cultura”, in Vera Ribeiro (org.). Letramento no Brasil. São Paulo, Global, 2003, pp. 33-46.
ADORNO, T. & HORKHEIMER, M. Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro, Zahar, 1996.
ALMEIDA, Alfredo Dias d’. “Ensino Supletivo pela TV: um Potencial Mal Aproveitado”, in Cadernos de Pesquisa (65).
São Paulo, maio de 1988, pp. 66-71 .
ALTHUSSER, Louis. Aparelhos Ideológicos do Estado. São Paulo, Ed. São Paulo, 1989.
BAKHTIN, Mikhail. A Cultura Popular na Idade Média e no Renascimento – o Contexto de François Rebelais. São
Paulo, Annablume/Hucitec, 2002.
BOLLÈME, Geneviève. O Povo por Escrito. São Paulo, Martins Fontes, 1988.
BOSI, Ecléa. Cultura de Massa e Cultura Popular – Leituras de Operárias. Petrópolis, Vozes, 1978.
BOURDIEU, Pierre. La Distinction Critique Sociale du Jugement. Paris, Minuit, 1979.
________. Escritos de Educação. Org. Nogueira & Catani. Petrópolis, Vozes, 1998.
BUCCI, Eugênio. “Como a Violência na TV Alimenta a Violência Real – da Polícia”, in Revista USP, 48, São Paulo,
dez./fev./2000-01.
________. A TV aos 50 anos. Criticando a Televisão Brasileira no seu Cinqüentenário. São Paulo, Fundação
Perseu Abramo, 2000.
BURKE, Peter. Cultura Popular na Idade Moderna. São Paulo, Companhia das Letras, 1989.
CANCLINI, Nestor Garcia. As Culturas Populares no Capitalismo. São Paulo, Brasiliense, 1983.
CASTRO, Cláudio M. & FRANCO, Maria Aparecida. “Caminhos e Descaminhos da Educação de Adultos no Brasil”, in
Cadernos de Pesquisa, 33, São Paulo, maio de 1980, pp. 45-60.
CERTEAU, Michel de. A Invenção do Cotidiano – Artes de Fazer. Petrópolis, Vozes, 1994.
CHARLOT, Bernard. Da Relação com o Saber – Elementos para uma Teoria. Porto Alegre, Artmed, 2000.
COSTA, Marisa V. “Ensinando a Dividir o Mundo: as Perversas Lições de um Programa de Televisão”, in Revista
Brasileira de Educação, 20, maio-ago./2002, pp. 71- 82.
DUBET, Bernard. Sociologia da Experiência. Lisboa, Instituto Piaget, 1996.
DURKHEIM, Emile. La Education Moral. Buenos Aires, Losada, 1947.
________. A Evolução Pedagógica. Porto Alegre, Artes Médicas, 1995.
ELIAS, Norbert. O Processo Civilizador. Rio de Janeiro, Zahar, 1990.
ESPINHEIRA, Ariosto. Radio e Educação. Rio de Janeiro, Companhia Editora Nacional, 1934.
FANUCCHI, Mario (org.). “Dossiê 80 Anos de Rádio”, in Revista USP, 56, São Paulo, dez.-fev./2002-03.
FERRÉS, Joan. Televisão Subliminar – Socializando através de Comunicações Despercebidas. Porto Alegre, Artmed, 1988.
FISCHER, Rosa Maria B. “Problematizações sobre o Exercício de Ver: Mídia e Pesquisa em Educação”, in Revista
Brasileira de Educação, 20, maio-ago./2002, pp. 83-94.
FRANCO, Marília. “Você Sabe o que Foi o Ince”. Texto apresentado na III Semana da Educação, FE-USP, 2000.
GIDDENS, Anthony. As Conseqüências da Modernidade. São Paulo, Unesp, 1991.
GINZBURG, Carl. O Queijo e os Vermes. São Paulo, Companhia das Letras, 1987.
HALLEWELL, Laurence. O Livro no Brasil – sua História. São Paulo, Edusp, 1985.
KELLNER, Douglas. A Cultura da Mídia. Bauru, Edusc, 2001.
KEHL, Maria Rita. “Imaginário e Pensamento”, in Sujeito, o Lado Oculto do Receptor. M. Souza (org.), São Paulo,
Brasiliense/ECA-USP, 1995.
________. “Televisão e Violência do Imaginário”, in A TV aos 50, 2000.
KENSKI, Vani Moreira. “Novas Tecnologias – o Redimensionamento do Espaço e do Tempo e os Impactos no Trabalho
Docente”, in Revista Brasileira de Educação, n. 8, maio-ago/1998, pp. 58-71.
LIMA, Venício A. de. Mídia – Teoria e Política. São Paulo, Fundação Perseu Abramo, 2001.
MACHADO, Arlindo. A Televisão Levada a Sério. São Paulo, Senac, 2000.
MARTÍN-BARBERO, Jesús. Dos Meios às Mediações. Comunicação, Cultura e Hegemonia. Rio de Janeiro, Ed. UFRJ, 1997.
Publicações Específicas