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Moda, Cultura e Identidade

SENAI – Centro de Tecnologia da Indústria Química e Têxtil – CETIQT

Administração Nacional do SENAI


Armando de Queiroz Monteiro Neto
Presidente do Conselho Nacional do SENAI

José Manuel de Aguiar Martins


Diretor Geral do Departamento Nacional do SENAI

Conselho Técnico-Administrativo do SENAI/CETIQT


Antonio Cesar Berenguer Bittencourt Gomes
Presidente

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Maria Lúcia Paulino Telles
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Alexandre Figueira Rodrigues
Diretor Geral

Renato Teixeira da Cunha


Diretor de Educação e Tecnologia

Dácio Lara de Lima


Diretor de Operações
Ana Paula Lima de Carvalho
Gláucia Centeno

Moda, Cultura e Identidade

Senai/Cetiqt
Rio de Janeiro, 2010

3
Copyright 2010. SENAI/CETIQT
Nenhuma parte desta obra poderá ser reproduzida, transmitida e gravada, por qualquer meio eletrônico,
mecânico, por fotocópia e outros sem prévia autorização, por escrito, do SENAI/CETIQT e do(s) autor(es).

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CA – Coordenação Acadêmica
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Coordenadora de Pós Graduação, Pesquisa e Extensão

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Coordenação Geral: Ana Paula Abreu-Fialho
Consultora técnica: Irina Aragão
Design Educacional: Cristina Mendes e Flávia Busnardo
Revisão: Mariana Souza
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Diagramação: Rejane Megale Figueiredo
Ilustrações e edição de imagens: José Carlos Garcia
Normalização: Biblioteca Alexandre Figueira Rodrigues – SENAI/CETIQT
Impressão e acabamento: Sol Gráfica

Apoio
Departamento Nacional do SENAI

Ficha catalográfica

Carvalho, Ana Paula Lima de.


Moda, cultura e identidade / Ana Paula Lima de Carvalho; Gláucia Centeno. Rio de Janeiro:
SENAI/CETIQT, 2010.
220 p.
ISBN: 978-85-60447-29-9
1. Moda. 2. Cultura. 3. Identidade cultural. I. Centeno, Gláucia. II. Título.
                                           CDU 391:316.7

SENAI/CETIQT
Rua Dr. Manuel Cotrim, 195 – Riachuelo
20960-040 – Rio de Janeiro – RJ
www.cetiqt.senai.br
Sumário |

Apresentação 7

Aula 1 9
A moda como expressão cultural e identitária
Aula 2 27
Formas e expressões – Identificando aspectos
culturais nas formas de vestir
Aula 3 45
Os movimentos culturais e suas influências na Moda - Parte 1
Aula 4 69
Os movimentos culturais e suas influências na Moda - Parte 2
Aula 5 89
Nação, Cultura e Identidade
Aula 6 109
A formação cultural brasileira e as representações
contemporâneas da cultura
Aula 7 141
Design de Moda e identidade no Brasil contemporâneo
Aula 8 179
A pós-modernidade e o sujeito pós-moderno:
as narrativas midiáticas e as novas identidades
Aula 9 205
Moda: essência do consumo e arena dos discursos contemporâneos
Apresentação |

Esta disciplina está pautada em três dimensões distintas, mas que se


relacionam quando o assunto é Design. Vamos falar, a partir de agora, da
relação moda, cultura e identidade.
Certamente, você já deve ter percebido como a cultura influencia os
gostos e a propagação dos mesmos em uma determinada sociedade. Por
meio da cultura de um determinado povo, percebemos as negociações do
sujeito com o seu tempo. Grande parte dessas negociações lida diretamente
com a cultura material ou o mundo dos bens, considerados agentes vitais ca-
pazes de estabelecer uma ligação com o mundo. Ao acessá-los, construímos
e reconstruímos nossas identidades. Por isso, algumas vezes queremos pare-
cer mais jovens; em outras, mais maduros; ou ainda mais formais, ou quem
sabe, despojados. Tudo muda de acordo com o espírito do tempo!
A moda tem sido um discurso viável por meio do qual negociamos a
construção de identidades e atualizamos processos culturais vigentes. Por
meio dela, também percebemos as distensões provocadas pelo embate entre
mercado local e o global. No Brasil, o fortalecimento do Design posiciona o
país como um potencial-centro para a geração de novos negócios nesse seg-
mento. O setor ganha relevância e credibilidade, consolidando sua imagem
internamente ao se projetar no exterior, com a abertura de espaços e opor-
tunidades de crescimento. É a nossa cultura e a nossa identidade “ganhando
o mundo”!
Mas este é apenas o começo de um tempo de muitas reflexões que
prometem render bons frutos. E você está convidado a compartilhar desse
momento. Leia, pesquise, reflita, experimente! Vamos viver juntos mais esta
experiência!

Gláucia Centeno

7
Aula

A moda como expressão cultural e identitária


1
Seus Objetivos:
Ao final desta aula, esperamos que você seja capaz de:
1. Relacionar os conceitos de moda aos conceitos de
cultura e identidade.

2 horas de aula
Moda, Cultura e Identidade

1. No mundo da moda, tudo muda!

Desde seu surgimento no Ocidente, no final da Idade Média e início do


Renascimento, a moda apresentou-se como um sistema pautado pela sedução,
pela busca do novo, pelo desuso acelerado dos bens e pela predominância do
efêmero, ou seja, algo que muda com rapidez. Por meio da moda é possível
pertencer a um grupo e destacar-se, tornar-se igual ao outro, mas não total-
mente. Esta é, sem dúvida, a essência da moda.

Homens – passaram a usar Homens – casaco(justo até


Surge a confecção
capas feitas em tecidos a cintura e sem gola), colete
industrial, com a invenção
caros e meias feitas em (bordado) e calção (até o
da máquina de costura,
tricô. joelho). Camisa com rendas
fazendo assim surgir uma
Homens – uso do gibão e por baixo do casaco.
Mulheres – os decotes co- produção em massa de
da beca.
meçam a ser explorados, Mulheres – roupas mais roupas e, consequente-
Mulheres – vestido justo abandono do véu, e um soltas e com linhas fluidas, mente, a “populariza-
até até a cintura, abrindo corpete de vestido ajusta- as saias se ampliavam para ção” da moda. Na linha
em uma saia pregueada do que tinha o efeito de o lado, chegando a 4,5 oposta disso, surge a Alta
até o chão. um espartilho apertado. metros. Costura.

Séc. XIII Séc. XIV Séc. XV Séc. XVI Séc. XVII Séc. XVIII Séc. XIX Séc. XX

Nobreza – uso de tecidos Homens – modificações nos tra- Homens – calções, gibão, Homens – traje de montaria:
caros e joias. jes medievais, os sapatos não capa curta pendendo no casaca e cartola. Os calções são
eram mais pontudos. O recorte ombro, chapéu de aba substituídos pelas calças, moda.

Fonte: Adaptado de História da moda.


nas roupas formava roupas larga adornado com uma O luxo ainda persiste no uso dos
compostas por tiras. As meias pluma e as botas com coletes e gravatas e nas golas
eram costuradas nos calções. a extremidade superior altíssimas das camisas.
Chapéus em forma de boinas. virada.
Mulheres – Século marcado por
Mulheres – saias amplas e bor- Mulheres – um corpete grandes mudanças de estilo,
dadas, blusa e uma beca caindo decotado e com uma fita principlamente no vestuário
em pregas até o chão com a de seda na frente, anágua feminino. Surge a grande marca
cintura marcada. As mangas e beca. do século XIX na vestimenta
tornam-se largas. feminina, a crinolina. A mulher
passa a ter a forma de um triân-
Gibão: espécie de colete gulo, auxiliada pelos xales.
curto acolchoado na fren-
te e apertado para realçar
Um breve resumo da evolução da moda pelos séculos, desde seu surgimento até o século XX.
o peito; acabava na altura
dos quadris e era usado
com um cinto.
Beca: traje característico A moda sempre se mostrou um veículo eficiente na articulação de dife-
da época. Era ajustada
rentes contextos − sociais, artísticos, econômicos, religiosos, etc. −, capaz de
nos ombros e caía solta,
presa por um cinto. O manifestar conceitos, valores e ideologias, por meio de sua linguagem fugaz e
comprimento era varia-
do (mais comprida para repleta de significados. Tais conceitos, valores e ideologias relacionam-se entre
cerimônias especiais), si formando um sistema capaz de constituir a própria cultura. E é por se rela-
e as mangas amplas; a
gola era alta e reta. cionar de forma estreita com a cultura que a moda vem permitindo as mais
Crinolina: espécie de
variadas interpretações, tornando visíveis questões relativas aos contextos já
saia que fazia entufar o
vestido. mencionados anteriormente.

11
Aula 1

Nos mais variados modelos culturais existentes no planeta, o consumo


da aparência se constitui num elo entre o sujeito e o grupo social a que perten-
ce. E é por meio da cultura que se constroem modelos identitários que marcam
a trajetória de um grupo ou de uma nação.
Ainda nesta aula você conhecerá com mais detalhes esse conceito de
modelos identitários, de grande importância para o assunto que estamos tra-
tando. A língua, a culinária, os rituais, a religiosidade, assim como o hábito de
vestir-se e enfeitar-se revelam muito do sujeito, de sua cultura e, sobretudo, de
sua identidade.

Fonte: Stock Xchange | Foto: Diana Morales


Fonte: Flickr | Foto: Daniel Zanini H.

Foto: Ariel da Silva Parreira


Fonte: Stock Xchange |
Fonte: Stock Xchange | Foto: donzeladef
Fonte: Flickr | Foto: garryknight

Fonte: Flickr | Foto: Arkangel

Cada cultura tem seus costumes, crenças, valores, hábitos e essas características constituem a identidade do
sujeito pertencente a determinado grupo social.

O processo histórico da construção da aparência ideal é algo que re-


percute no próprio sistema da moda. Desde o surgimento da moda, existem
padrões – valorizadores da novidade e do tal desuso acelerado, do culto ao
efêmero – que devem ser seguidos. Estes padrões são indicados hoje em dia
pelas tendências. Portanto, embora se fale muito de individualidade, há ainda
uma busca pela padronização, pela construção da “aparência ideal”.
Tal fato vem sendo incentivado e conduzido pelas transformações eco-
nômicas, sociais e culturais dos últimos cinco séculos. O repertório cultural
e as sociabilidades (interações sociais) são elementos que contribuem para a
construção dos desejos e vontades do sujeito.

12
Moda, Cultura e Identidade

Sociabilidades?!
Sociabilidades é um termo bastante utilizado no campo da moda e diz res-
peito às relações que estabelecem no campo do social e suas especificidades. Quando
se fala em “sociabilidades privadas”, se está falando dessas relações sociais no espaço
privado e que proporcionaram, ao longo da história, um conhecimento das práticas do
vestir, por exemplo.

A disciplina Moda, Cultura e Identidade tem como objetivos:


• apresentar o fenômeno moda como expressão da cultura e da construção
identitária dos sujeitos, estimulando a reflexão sobre o papel da moda
enquanto arena dos discursos contemporâneos. Esses discursos dizem
respeito a toda e qualquer representação dos ideais contemporâneos ex-
pressos por meio de suportes, como design, artes, tecnologia, etc.
• exercitar a capacidade crítica de interpretação dos novos comportamen-
tos (presentes na sociedade contemporânea). O sujeito, sua relação com
o tempo, o espaço e o outro e sua relação com a cultura globalizada;
• promover a investigação sobre a existência ou não de uma identidade
na moda brasileira a partir do entendimento do Brasil enquanto “cal-
deirão cultural”.
No Brasil, os traços da mistura, revelados pelos nossos hábitos e costumes,
e a repercussão dos mesmos em nossos gostos e desejos também se repercutem
na moda. Vamos identificar os principais elementos formadores de um conceito
de moda no Brasil, sua relação com as representações da cultura e a formação da
identidade brasileira. Mostraremos também como os principais representantes
da moda brasileira vêm se apropriando de um fenômeno recente no País e tam-
bém no exterior – “o comércio da brasilidade”.

2. “Diga-me o que vestes que eu te direi quem és”

“Somente um tolo não julga pelas aparências”


(Oscar Wilde)

A citação destacada foi escrita no final do século XIX por Oscar Wilde,
um escritor inglês e crítico mordaz da sociedade de sua época. Ela traduz a
importância que dedicamos às aparências. Mas será que todas as pessoas se
preocupam com sua aparência? A resposta provavelmente é sim. Você, ao pro-

13
Aula 1

curar um batom com maior fixação ou um gel que facilita o barbear e deixa a
pela macia, está se preocupando com a aparência, mesmo que não esteja se
dando conta disso.

Fonte: Flickr | Foto: Daisuke Shirako


Fonte: Flickr | Foto: dotbenjamin

Hoje em dia é difícil encontrar alguém que não se preocupe com a aparência. É claro que alguns se preocupam
mais, outros menos, mas de certa forma todos estão buscando a melhor aparência.

Muito além da beleza ou da feiura, a aparência ideal – a que nos distin-


gue, nos destaca, a que nos posiciona em um grupo social, a que realça nossas
qualidades – é um dos elementos de maior prestígio na contemporaneidade.
A moda é um tema amplamente abordado na contemporaneidade, sobre-
tudo por fazer a interface com o mundo da comunicação e do consumo. Podemos
ver essa interface com a comunicação e o consumo na mídia de diversas formas:

• nos anúncios publicitários;


• no apelo das marcas;
• nos megadesfiles;
• nas revistas;
• na supervalorização de designers e top models, entre outros.

Além disso, ela nos ajuda a pensar os discursos – meios pelos quais se ex-
pressam valores contemporâneos −, além de ser um mecanismo eficiente no mo-
nitoramento dos diferentes estilos de vida e comportamentos. Esses discursos são
formas de levar ao sujeito informações pertinentes à sua cultura, ao seu tempo.
Como já mencionado anteriormente, as principais engrenagens que mo-
vimentam a moda são:

• sedução; • desuso acelerado;


• novidade; • temporalidade efêmera.

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Moda, Cultura e Identidade

Podemos ainda imaginar a moda como resultado da relação do sujeito


com a cultura na qual está inserido. Se este sujeito é criativo por natureza e a so-
ciedade e a cultura nas quais está inserido têm um movimento próprio e constan-
te, logo é natural que ele crie e recrie sua relação com o meio. É neste espaço de
criação e inovação – constituído pela mudança constante − que se dá a formação
de hábitos e comportamentos, entre eles o de se vestir. Veja o esquema a seguir:

MODA = SUJEITO + CULTURA


O sujeito está em relação com a sociedade e sua cultura e, assim, constrói um espaço de criação, onde se insere
a moda.

A moda é, e sempre foi, um reflexo dos padrões culturais que compõem


a história. Na pós-modernidade, o “eu” ganha novas representações. E é esta
dinâmica, impressa nos novos hábitos e comportamentos, que se faz presente
nas representações do ato criativo de vestir-se e enfeitar-se. Por meio da moda
nos comunicamos, ou seja, dizemos quem somos, quem não somos ou quem
gostaríamos de ser.

Pós-modernidade
Em A condição pós-moderna, o filósofo francês Jean-François Lyotard relacio-
na o conceito de pós-modernidade à descrença nos grandes relatos ou nar-
rativas (os grandes sistemas filosóficos nos quais baseamos nossa consciência e nossa
ação) da modernidade e sua substituição pelos pequenos relatos. A expressão também
designa a cultura após as transformações ocorridas em relação à crise que afetou a
ciência, a literatura e as artes no final do século XIX.

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Aula 1

Fonte: Flickr | Foto: rajtantajtanmovement


Fonte: Flickr | Foto: LordKhan

Fonte: Stock Xchange | Foto: Andre Bogaert

Vestir-se e enfeitar-se é um ato criativo que tem relação com a cultura. É através desse ato que nos comunicamos
e deixamos impressa nossa “marca”, com as escolhas que fazemos neste vasto mundo da moda.

A substituição constante e seguida dos objetos é um privilégio da moda. O


consumidor de moda configura-se em um aprendiz, pois desde o surgimento da
moda, ele dedica mais tempo à atividade de escolha de seus vestuários e acessórios.
Para isso, ele precisa estar informado para distinguir o produto que está na moda
daquele que não está e para saber qual mensagem ele estaria passando às pessoas.
Nas roupas, por exemplo, podem ser observadas categorias de tempo,
espaço e atividade. O vestuário é, portanto, um meio pelo qual categorias e
principios culturais são codificados e manifestados.

O Diabo Veste Prada


Andrea Sachs é uma jovem que conseguiu um emprego na Runaway Ma-
gazine, a mais importante revista de moda de Nova York. Ela passa a tra-
balhar como assistente de Miranda Priestly, principal executiva da revista.
Apesar da chance que muitos sonhariam em conseguir, logo Andrea nota que trabalhar
com Miranda não é tão simples assim.
No filme há uma revelação de como funcionam e se organizam os bastidores da
moda. Ele retrata a realidade em que estamos inseridos: o ter é mais importante do que
o ser, e a moda é um grande exemplo disso.
As roupas são símbolos que não só tem finalidades estéticas, mas também represen-
tam uma interpretação própria de cada ser humano da realidade, o que uma pessoa trans-
mite à sociedade. Desse modo, quando Andrea se apresenta na entrevista de emprego,
ela é taxada como a pessoa menos indicada para preencher tal cargo, devido ao seu modo
simples de se vestir. Ao passar da trama, a jovem jornalista percebe que seu vestuário in-
Fonte: Cronic
terfere nas relações sociais que possui dentro da empresa e aos olhos de sua diabólica che-
fe, e por isso transforma completamente sua aparência. Vale a pena assistir a esse filme!

16
Moda, Cultura e Identidade

O antropólogo norte-americano Grant McCracken realizou um


dos mais importantes trabalhos sobre a relação cultura e consumo e
sua operacionalidade enquanto sistema na contemporaneidade.
Ele também identificou na moda um meio eficaz de demonstrar
esta relação. Para ele, a transferência de significados da cultura para os
bens no mundo da moda se dá por meio de três situações:
A) Primeiramente, o sistema da moda, assim como a publicida-
de, toma novos estilos de se vestir ou de mobiliar a casa e
os associa a categorias e princípios culturais estabelecidos.
Assim, o significado transporta-se do mundo culturalmente
constituído para o bem, o produto.
B) A segunda capacidade do sistema de moda é que:
ele realmente inventa, de modo modesto, novos significados
Fonte: Wikipedia Commons

culturais. Esta invenção é empreendida por “líderes de opi-


nião”, que ajudam a moldar e a refinar o significado cultural
existente, encorajando a reforma de categorias e principios
culturais. (McCRACKEN, 2003, p. 110)
Um vestido típico do século XVI. Nessa época, C) Em uma terceira situação, o sistema da moda procura se en-
as mulheres pertencentes à nobreza, vestiam- gajar, não apenas na invenção de significados culturais, mas
se com espartilhos, vestidos com armações e
rufos (nome das peças sobrepostas às golas ou também na reforma radical destes significados. Parte do signi-
colocadas diretamente no pescoço). Nesta des-
ficado cultural das sociedades industriais ocidentais está sub-
crição podemos perceber referências ao tem-
po, espaço e atividade (século XVI, nobreza). metido às mudanças constantes e profundas da sociedade.
Como vimos até agora, a moda está diretamente ligada à cul-
tura e a seu caráter dinâmico e simbólico. Nesse sentido, podemos
identificar o homem e seus hábitos, inclusive o de enfeitar-se, como
resultado do meio cultural em que foi socializado.

Atividade 1 - Objetivo 1

Vamos começar a colocar em prática alguns dos conceitos abordados até


aqui. Leia a situação a seguir.
Uma padaria é um lugar que, independentemente do quão requintada
for, não faltam pães, frios e a tradicional “média” – o café com leite. É um local
frequentado por diversos tipos de pessoas, não é mesmo? Mas se você for à
tarde, em torno das três horas, perceberá que encontrará um determinado pú-
blico. Geralmente, nesse horário, é mais provável encontrarmos mulheres que
trabalham meio período, são donas de casa ou aposentadas, além dos idosos,
aposentados em sua maioria.

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Aula 1

Normalmente, as pessoas não se arrumam muito para ir à padaria. En-


tão, é pouco comum encontrarmos mulheres de salto alto e vestidos mais ela-
borados e homens de “roupa social” – pessoas vestidas desta maneira, muito
provavelmente estão apenas de passagem. É comum encontrarmos pessoas
que estão vestidas de maneira mais casual, frequentemente até de chinelos.
Quanto ao horário, quem mora perto de uma padaria sabe que do meio
para o final da tarde é a hora das boas fornadas − e pão francês é um tipo de
pão bastante frequente na mesa do brasileiro. Então o pão francês quentinho
é o atrativo deste período do dia para tal público que se veste de maneira mais
casual ao ir a uma padaria.
Neste exemplo, o pão francês é um elemento da cultura do brasileiro. Este
elemento é o atrativo para pessoas que têm uma determinada identidade e a
moda perpassa os hábitos das pessoas como um elemento de comunicação de
padrões, ideias, comportamentos...
Agora é a sua vez de ir ao trabalho. Busque na sua cidade três lugares
frequentados por diferentes públicos. Fotografe esses lugares, bem como as
pessoas que os frequentam. Observe as fotos e anote suas observações a res-
peito dos locais e das pessoas, buscando relacionar moda, cultura e identidade,
como fizemos no exemplo da padaria.

Local 1: _____________________________________________________
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Local 2: _____________________________________________________
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Local 3: _____________________________________________________
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Comentários: ________________________________________________
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Moda, Cultura e Identidade

Resposta e comentário

Como você deve ter percebido, existem locais onde os códigos são mais
visíveis. Por exemplo, num restaurante frequentado por executivos, podemos
perceber homens e mulheres de terno ou terninho, sapatos, bolsas e pastas so-
ciais. Em outro restaurante, estilo botequim de beira de praia, podemos perceber
pessoas vestidas de forma mais despojada. Isso não significa que um executivo
não possa frequentar este ambiente no final do expediente. Aliás, esta é uma
prática muito comum, sobretudo em cidades como o Rio de Janeiro. O contrário
não é impossível, mas é menos provável, pois quem usa terno e gravata ou um
terninho não se sente à vontade em lugares que não tenham ar condicionado
ou ainda com cheiro de fritura. São questões simples que levam à construção de
espaços identitários específicos com os quais as pessoas se relacionam ou não.
Devemos tomar cuidado, no entanto, para não estabelecermos regras rí-
gidas quando falamos de comportamento de moda, pois quanto aos botequins,
por exemplo, estes vêm ganhando status nos últimos tempos. No Rio de Janeiro,
dezenas deles foram transformados em espaços confortáveis, modernos e capa-
zes de abrigar os mais variados tipos de público, inclusive de classe A. Esta é uma
tendência que vem sendo trazida para a moda. Um ícone fashion que exempli-
fica esta questão é a sandália Havaianas. Até pouco tempo atrás era usada por
pessoas de classes mais baixas e não possuía nenhum apelo de moda; hoje, no
entanto, é usada pelas classes mais altas, por famosos e formadores de opinião.

3. Moda, Cultura e Identidade

“A natureza dos homens é a mesma.


São seus hábitos que os mantêm separados.”
(Confúcio)

O homem é herdeiro de um processo que reflete o conhecimento e a


experiência adquiridos pelas numerosas gerações que o antecederam. A ma-
nipulação adequada e criativa desse patrimônio cultural permite as inovações
e as invenções.
Por outro lado, é importante pensar a cultura como uma espécie de lente
através da qual o homem vê o mundo. Podem ser consideradas manifestações
da cultura de um povo:
• crenças;
• arte;

19
Aula 1
Fonte: Stock Xchange | Foto: sanja gjenero

• moral;
• leis;
• conhecimentos;
• costumes; ou
• hábitos.

O homem é capaz de ver o mundo e se relacionar com ele através da cultura, adquirindo crenças, conhecimen-
tos, costumes, etc.

A moda é, portanto, mais uma forma de expressão da cultura e pode ser


interpretada pelos “olhos” de diversas áreas de conhecimento, como História,
Sociologia, Antropologia, Psicologia, Comunicação, Economia ou Design.

Fonte: Stock Xchange | Foto: Maciej Lewandowski


Fonte: Flickr | Foto: patti hanskis

Fonte: Flickr | Foto: trash it

No campo do design, as culturas se tornam visíveis e podem ser consumidas em forma de produto.

“Temos o direito a sermos iguais quando a diferença nos


inferioriza. Temos o direito a sermos diferentes
quando a igualdade nos descaracteriza.”
(Boaventura de Souza Santos)

A moda, por ser eficiente na articulação de diferentes contextos, vem


mostrando-se uma relevante fonte capaz de promover e reafirmar tendências
e comportamentos ao longo da história. Embora os meios pelos quais a moda

20
Moda, Cultura e Identidade

se propaga venham se alterando significativamente nos últimos tempos, ela


ainda guarda aquilo que constitui o seu viés mais paradoxal: garantir ao sujeito
a condição de integrar-se ao grupo, mas, ao mesmo tempo, diferenciar-se dele.
Em qualquer lugar do mundo, as mais variadas formas de interferir na
aparência − seja por meio de vestuário, acessórios, maquiagens, pinturas corpo-
rais − acabam por construir um elo entre indivíduo e grupo. E é por meio da cul-
tura que se criam os modelos identitários que marcarão a trajetória deste grupo.

Fonte: Flickr | Foto: armandoaanache

A cultura indígena é muito peculiar: possui vestimentas, costumes, crenças, idioma e rituais muito específicos.
Entretanto, essas características podem sofrer variações de uma tribo para outra, até mesmo dentro de um
mesmo país. Não há uma só cultura; existem culturas, formadas por grupos de sujeitos que possuem modelos
identitários semelhantes.

Na contemporaneidade, onde muitos “eus” vivem dentro de cada um


de nós, a moda tornou-se elemento indispensável na projeção destes papéis
desempenhados pelo sujeito. Um sujeito agora não mais comprometido com
ideologias e modelos estáticos, mas dentro de uma perspectiva onde a única
fronteira é o desejo de romper com suas próprias limitações. Assim, podemos
perceber a moda como um canal eficiente na relação sujeito-grupo.
Se o indivíduo lhes for desconhecido, os observadores podem obter, a
partir de sua conduta e aparência, indicações que lhes permitem utilizar a ex-
periência anterior que tenham tido com indivíduos aproximadamente pareci-

21
Aula 1

dos com este que está diante deles ou, o que é mais importante, aplicar-lhes
esteriótipos não comprovados. (GOFFMAN, 1975, p. 11)
Em A representação do eu na vida cotidiana, Goffman (1975) trata da
representação teatral a que está vinculado o sujeito no exercício de suas ativi-
dades diárias:
• a maneira como se apresenta a si mesmo e as suas atividades às outras
pessoas;
• os meios pelos quais dirige e regula a impressão que formam a seu
respeito;
• as coisas que pode ou não fazer, enquanto realiza seu desempenho
diante delas.

Fonte: Stock Xchange | Foto: Mike Johnson

Em nossas atividades cotidianas estamos a todo o momento representando, pois nos preocupamos com como
o “outro” nos vê.

Goffman (1975) destaca ainda que a vida apresenta situações reais, mas
algumas vezes bem ensaiadas. E é aqui, ora no desempenho real de um papel,
ora na encenação incontestável, que encontramos formas explícitas de perce-
bermos a moda enquanto sistema de representações.
A moda tem muito a ver com a vida real, mas também pode ser entendida
como algo feito para iludir e enganar. Muito tem se falado sobre a manipulação
exercida pela moda ou sobre a ditadura da moda e suas consequências sobre a
sociedade. Mas é fato que a moda, principalmente nos dias de hoje, tornou-se
um discurso capaz de transmitir a essência de um grupo − não apenas no que
diz respeito a seus gostos pessoais, como também suas crenças e valores.
Zygmunt Bauman acredita que vivemos no líquido mundo moderno das
identidades fluidas. As pessoas em busca de identidade se vêem invariavel-
mente diante da tarefa intimidadora de “alcançar o impossível”. (BAUMAN,
2005, p. 17) Assim, a “identidade” estaria mais para a invenção do que para a
descoberta, algo que precisaria ser construído a partir do zero ou escolhido
22
Moda, Cultura e Identidade

entre alternativas (ibid 2005, p. 21-22). Agora cabe a cada indivíduo capturar
suas identidades em pleno vôo.
Nesta perspectiva, Bauman indaga: “como alcançar a unidade na (apesar
da?) diferença e como preservar a diferença na (apesar da?) unidade”? (ibid
2005, p. 48). Este questionamento acerca da condição identitária na contempo-
raneidade se sobrepõe à própria essência do sistema da moda: como parecer-
se (estar na moda) e ao mesmo tempo diferenciar-se (inovar)?; como diferen-
ciar-se, se o que buscamos é a unidade (do mundo das tendências)?
Independentemente das respostas para tais questões, é possível afirmar
que a moda é, sem dúvida, uma das ferramentas mais eficientes para se mape-
ar o mundo das identidades – um espaço confuso, contestado, onde se perpe-
tuam muitos embates.

O campo de batalha é o lar natural da identidade. A identidade é


uma luta simultânea contra a dissolução e a fragmentação; uma inten-
ção de devorar e ao mesmo tempo uma recusa resoluta a ser devorada...
(BAUMAN, 2005, p. 84)

As teorias que explicam a moda como fenômeno da modernidade dão


conta de que a base de seu surgimento está em compartilhar gostos, hábitos,
conceitos, ideias e, sobretudo, o novo, elemento indispensável para a valoriza-
ção da diversidade. Para reconhecer a novidade é preciso dominar o aparato
cultural que a constitui.
A moda se encarrega de conferir todo e qualquer tipo de significado aos
objetos, e os consumidores utilizam esse significado com propósitos totalmente
culturais, sejam eles:
• para expressar categorias e princípios culturais;
• cultivar ideias;
• criar e sustentar estilos de vida;
• construir noções de si;
• criar e sobreviver a mudanças sociais.
Nesse sentido, é possível afirmar que a moda é, ao mesmo tempo, resul-
tado das construções identitárias que se dão no âmbito das culturas e agente
das transformações que repercutem no campo da cultura e das identidades.
Os mundos do design, da publicidade e da moda, criadores dos bens que
consumimos, são eles próprios importantes autores de nosso universo cultural.
Eles atuam continuamente para moldar, transformar e dar vida a esse universo
cultural. Na próxima aula, veremos como podemos identificar aspectos cultu-
rais por meio da moda. Até lá!

23
Aula 1

Atividade 2 - Objetivo 1

Pesquise, em sites ou revistas de moda, imagens de moda de três di-


ferentes épocas. Por exemplo: anos 60, anos 80 e século XXI. Após observar
várias imagens para cada período, selecione uma imagem de cada que seja
extremamente significativa e descreva as peças de vestuário e acessórios usa-
das e comente de que forma elas reproduzem o comportamento e a cultura
daquele momento.

Resposta e comentário

Você pode ter visto muitas coisas diferentes em sua pesquisa. Algumas
que lhe chamaram mais atenção, outras menos. Deixo exemplos do que espe-
rava que você percebesse: vamos supor que eu tenha escolhido para os anos 60
a imagem de uma jovem de minissaia, para os anos 80 uma mulher de terninho
com ombreiras e gravata e, por fim, para o século XXI, uma jovem com uma
bolsa de grife, sandália Havaianas e um minivestido floral. O que isso repre-
senta? No primeiro caso poderíamos citar a questão da revolução feminina, da
liberdade conquistada pelas mulheres em decorrência de alguns fatores, como
a descoberta da pílula, por exemplo. No segundo caso, estamos falando de
uma época onde as mulheres passaram a disputar com os homens um espaço
no mercado de trabalho e, para isso, nada mais natural do que se vestir como
eles! E, no último caso, temos o retrato do “tudo ao mesmo tempo agora”. Não
há mais regras, tudo é permitido e cada um busca o seu estilo.

Conclusão

Os sentidos atribuídos ao tempo, ao espaço e ao sujeito repercutem, con-


temporaneamente, no surgimento de novas construções identitárias. Mapear
tais modelos e suas metamorfoses exige não apenas o domínio do redimensio-
namento da cultura e dos novos valores, mas principalmente das práticas que
trazem consigo códigos importantes para decifrar a rota por onde seguem as so-
ciedades. Entre os fenômenos de maior representatividade hoje está a moda, me-
canismo altamente eficiente para o monitoramento de novos comportamentos.
Nesta aula, pudemos acompanhar como a moda se relaciona com a cul-
tura e a identidade. A partir disto será possível compreender como são or-
ganizados simbolicamente os produtos de moda disponíveis no mercado e a

24
Moda, Cultura e Identidade

apropriação desses bens por parte do consumidor. Dessa forma, perceberemos


que a moda não reflete apenas status, poder ou superioridade, mas também
o prazer, a satisfação pessoal, a felicidade e, por que não dizer, a cidadania.
Por meio de experiências, sensações e emoções, hoje em dia, acessamos os
elementos culturais disponíveis e construímos nossas identidades.

Para uma segunda olhada...

A moda sempre se mostrou um veículo eficiente na articulação de di-


ferentes contextos, capaz de manifestar, por meio de sua linguagem fugaz e
repleta de significados, elementos presentes na cultura de um povo. E é por se
relacionar de forma estreita com a cultura que a moda vem permitindo as mais
variadas interpretações, tornando visíveis questões sociais, políticas, religio-
sas, econômicas e artísticas.
A moda é resultado da relação do sujeito com a cultura na qual está inse-
rido. Neste espaço de criação e inovação – constituído pela mudança constante
− se dá a formação de hábitos e comportamentos, entre eles o de se vestir. Por
meio da moda nos comunicamos, ou seja, dizemos quem somos, quem não
somos ou quem gostaríamos de ser.
A moda vem mostrando-se uma relevante fonte capaz de promover e
reafirmar tendências e comportamentos ao longo da história. Ela é capaz de
garantir ao sujeito a condição de integrar-se ao grupo, mas, ao mesmo tempo,
diferenciar-se dele. Principalmente nos dias de hoje, ela tornou-se um discurso
capaz de transmitir a essência de um grupo − não apenas no que diz respeito
a seus gostos pessoais, mas também suas crenças e valores. A moda é uma das
ferramentas mais eficientes para se mapear o mundo das identidades – um
espaço confuso, contestado, onde se perpetuam muitos embates. Os mundos
do design, da publicidade e da moda, criadores dos bens que consumimos,
são eles próprios importantes autores de nosso universo cultural. Eles atuam
continuamente para moldar, transformar e dar vida a esse universo cultural.

Referências

BAUMAN, Zygmunt. Identidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.


GOFFMAN, Erving. A representação do eu na vida cotidiana. Petrópolis: Vozes, 1975.
LYOTARD, Jean-François. A condição pós-moderna. 5. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1998.
McCRACKEN, Grant. Cultura e consumo. Rio de Janeiro: Mauad, 2003.

25
Aula 1

Sites consultados
CRANIK. Disponível em: <http://www.cranik.com>. Acesso em 7 jan. 2010.
FLICKR. Disponível em: <http://www.flickr.com>. Acesso em 7 jan. 2010.
HISTÓRIA da moda. Disponível em: <http://www.portaisdamoda.com.br/historiamoda~
moda~A+historia+da+moda.htm>. Acesso em: 7 jan. 2010.
SHVOONG. Disponível em: <http://pt.shvoong.com/books/1747909-diabo-veste-prada-
filme/>. Acesso em: 7 jan. 2010.
STOCK Exchange. Disponível em: <http://www.sxc.hu>. Acesso em 7 jan. 2010.
WIKIPEDIA Commons. Moda entre os anos de 1500 e 1550. Disponível em: <http://
pt.wikipedia.org/wiki/Roupa#Renascimento>. Acesso em: 7 jan. 2010.

Sites Recomendáveis para consultas:


BEM legaus! Disponível em: <www.bemlegaus.com>. Acesso em: 7 jan. 2010.
THE COOL hunter. Disponível em: <www.thecoolhunter.net>. Acesso em: 7 jan. 2010.

26
Aula

Formas e expressões – Identificando aspectos


culturais nas formas de vestir
2
Seus Objetivos:
Ao final desta aula, esperamos que você seja capaz de:
1. Reconhecer a moda como suporte para expressão de
valores simbólicos;
2. Identificar na cultura contemporânea elementos para a ge-
ração de novos comportamentos;
3. Distinguir os estilos a partir dos referenciais de moda.

2 horas de aula
Moda, Cultura e Identidade

1. Um mundo de símbolos

A organização dos ícones da moda e sua propagação entre o público é,


ao mesmo tempo, uma questão fácil de perceber (no mercado, por exemplo),
mas complexa de analisar, do ponto de vista teórico, pois está repleta de nu-
ances simbólicas. Hoje não se utilizam determinadas peças de vestuários sim-
plesmente para demonstrar poder ou superioridade, como no início da Era da
Moda. Acessar esses bens hoje significa também acessar o prazer, a satisfação
pessoal, a felicidade e, por que não dizer, a cidadania. O consumo de moda
está marcado, sobretudo, pela experiência, pelas sensações e pelas emoções.
Isto permite o surgimento de novas construções identitárias, como vimos
na Aula 1. Mapear estas mudanças exige não apenas o domínio do redimen-
sionamento da cultura e dos novos valores, mas principalmente das práticas
que trazem consigo códigos importantes para decifrar os hábitos e costumes
de uma sociedade.
Diante disso, a moda se destaca como elemento importante que pode
ser interpretado a partir da cultura e das representações sociais, ou seja, de
que forma modelos culturais vêm influenciando o comportamento das socie-
dades em relação a seus hábitos.
Nesse sentido, é importante a interpretação do espaço urbano no reco-
nhecimento das manifestações dos diferentes estilos de vida e suas represen-
tações. A leitura da cidade é um meio eficiente de acessar suas estruturas reais
e imaginárias e o dinamismo de seu espaço, sempre promotor das representa-
ções culturais e ao mesmo tempo das simultaneidades. No ir e vir agitado das
cidades modernas, tudo
se dá rapidamente e ao
mesmo tempo. Neste ce-
nário, só há uma certeza:
o sujeito estará sempre
em busca de seus desejos
insaciáveis.
Fonte: Stock Xchange | Foto: Simona Dumitru

É no espaço urbano que podemos


perceber diferentes culturas, diferen-
tes estilos de vida representados.

29
Aula 2

Por isso é importante a interpretação do sujeito, ou seja, como ele é capaz


de construir o seu próprio eu e quais os sinais que ele emite na tentativa de denun-
ciar ao outro suas vontades. Assim, podemos perceber a moda como senha para:
• acessar e identificar os novos comportamentos;
• articular os discursos urbanos, como a música, a arte, o consumo;
• construir os mitos da contemporaneidade, como as marcas, por exem-
plo. Uma bolsa Louis Vuitton, um carro Mercedes, uma caneta Mont-
Blanc são hoje verdadeiros mitos que representam o mundo do luxo.
Um aspecto revelador de novos tempos passa pelo discurso da diversida-
de sociocultural. Segundo Martin-Barbero (2008), a estetização da vida cotidiana,
aliada a outros fatores, poderia ser uma das causas da fragmentação dos compor-
tamentos cotidianos em estilos de vida distintos. Poderia estar aí um dos motivos
para a necessidade de mapear a diversidade em busca de laços comuns entre os
sujeitos, organizando-os em grupos com hábitos, gostos e estilos de vida distintos.
No espaço demarcado pela oferta e procura de mercadorias, o sujeito
busca o seu lugar, tenta reconhecer-se e vive a inusitada e, muitas vezes, utópi-
ca experiência de ser vários num só.
Nesta aula, você verá como a moda sur-
preende ao traduzir a cultura na qual o sujeito
está inserido em produtos de vestuário como
os que usamos no dia a dia. Esta tradução se
dá através de símbolos com os quais nos rela-
cionamos desde ainda muito pequenos.
Na juventude passamos a vivenciar
outras experiências e, mais uma vez, nos
deparamos com outros elementos que nos
ajudarão a montar um universo simbólico. É
por meio dele que nos relacionaremos com
o mundo na fase adulta e até mesmo quan-
do já estamos mais velhos. Mas essa história
de dizer que crianças não devem usar ma-
Fonte: Future Concept Lab

quiagem ou saltos altos, que homens não


usam rosa e que velhinhas não podem usar
minissaia parece não estar com nada. Hoje
tudo é possível. Você verá por quê.

No espaço urbano os sujeitos buscam seu lugar e podem representar diversas identidades em uma só pessoa.
Imagens gentilmente cedidas pelo Observatório Internacional “Street Signals”, do Future Concept Lab, Instituto
Italiano de pesquisa e consultoria estratégica.

30
Moda, Cultura e Identidade

2. Cotidiano e diversidade

A cidade moderna é o lugar da multiplicidade, do inumerável e do ino-


minável, onde a descontinuidade contínua e a transitoriedade permanente ga-
nham formas de engrenagens que movimentam, sem parar, esta máquina de
produzir instantes – pequenos fragmentos que dão à cidade inúmeras caras.
Nesta multiplicidade, real e ideal se confrontam. Neste modelo de cida-
de, o consumo – sobretudo das
novidades produzidas pelo pro-
gresso e pela técnica – se estabe-
lece como recurso eficiente para
satisfazer e acalmar, pelo menos
por algum tempo, o sujeito que
circula o tempo inteiro, interes-
Fonte: Stock Xchange | Foto: Dmitry Samodelov

sado por tudo e, ao mesmo tem-


po, por nada.

São tantas as ofertas disponíveis no mercado


hoje que o consumidor se permite escolher
mais, motivado pela sensação de que algo
muito melhor e que seja ‘a sua cara’ o espera
na próxima esquina.

Na cidade moderna, uma espécie de pedagogia do visual se instala.


A partir de um cenário construído, executa-se a adequação dos sujeitos aos
Pedagogia do visual: padrões vigentes. Alguns recursos que representam a visibilidade fazem-se ne-
Uma espécie de didáti-
ca própria onde apren- cessários − a moda é um deles. Para Lipovetsky (1991, p. 69), “foi ao longo da
demos como devemos
segunda metade do século XIX que a moda, no sentido moderno do termo,
nos comportar e o que
usar, o que facilita o re- instalou-se”, podendo ser atribuída a ela o que ele veio a chamar de “organi-
conhecimento entre as
zação do efêmero”.
pessoas.
Em O Império do Efêmero, o referido autor aponta as principais trans-
formações experimentadas pela moda ao longo do século XIX. Segundo ele, a
moda moderna se articula, de um lado, com a Alta Costura e, de outro, com a
confecção industrial.
É também no século XIX que a moda se vincula definitivamente ao uni-
verso feminino. Outro dado importante nas representações da moda na mo-
dernidade é a aquisição de um status de artista por parte dos criadores de
moda. Nessa época, os estilistas ou criadores eram chamados de costureiros.

31
Aula 2

Tal fato denuncia em parte os novos encaminhamentos do mercado que


confere ao costureiro o atributo de um profissional como outro qualquer. É bem
verdade que muito mais valorizado pelo fato de seu produto ter um status de arte.

Fonte: Wikipedia

Exemplo de costureiro importante no século XIX: Charles Worth (na imagem acima). No início do século XX,
temos Poiret, Chanel, Schiapareli.

3. Estilos e referências culturais

A Modernidade representou o rompimento com o passado. A arte se


transformou em algo cotidiano e, mais tarde, novos conceitos passam a ser
introduzidos, como o do design, por exemplo. Por este processo de estetização
da vida cotidiana, a representação do mundo dá lugar à intervenção no mun-
do, instalando-se então a diversidade estética.
As diferenças entre gerações, o mínimo de um horizonte cultural exis-
tente entre elas, traz à tona o que Martin-Barbero (2008) chamou de fraturas
estéticas, elementos que podem ser considerados como a provável causa da
fragmentação dos hábitos e comportamentos sociais. Pode estar aí a origem
do que se convencionou chamar de estilos de vida.
Para Bourdieu (2007, p. 64), a identidade social define-se e afirma-se na
diferença. Nesse sentido, os estilos de vida seriam o que ele denominou de
“produtos sistemáticos dos habitus”, um tipo de sistema de classificação que
irá formar o que entendemos como produção e apreciação do ‘gosto’. Preferi-
mos uma coisa e não outra porque somos capazes de classificar tudo de acordo
com nossa vivência cultural.
32
Moda, Cultura e Identidade

Nesta complexa engrenagem, recursos eficientes (todos os atribuídos às


práticas que alimentam este sistema, como o consumo, por exemplo) surgem
como mecanismos capazes de aproximar ou afastar ainda mais os consumido-
res em torno de seus gostos. Nos últimos tempos, a expressão estilo de vida
tornou-se corriqueira em inúmeras situações. Hoje esta expressão, no âmbito
dos negócios, pode representar:
• para o mercado, um vetor importante na identificação de padrões
de comportamento de consumo e
• para o consumidor, uma chave para organizar simbolicamente o nú-
mero crescente de mercadorias disponíveis, reduzindo a pluralidade
de escolhas e ordenando, assim, as práticas de consumo. A cultura
material está repleta de símbolos e o consumidor organiza-se simboli-
camente. Por meio do que o outro usa, sabemos se o seu poder aqui-
sitivo é alto ou baixo, se é intelectual, aventureiro, sensual, recatado.
A mídia, sobretudo a publicidade, é um meio eficiente na promoção da
novidade e de suas representações no campo do consumo. Ela desempenha a
tarefa de classificar mercadorias e sujeitos, fazendo com que ambos se relacio-
nem por meio de modelos identitários construídos.
Podemos selecionar modelos identitários e associarmos produtos a eles.
Carro e Aventura, por exemplo. Podemos ter aventureiros com maior ou menor
poder aquisitivo, por isso temos carros mais caros e mais baratos. Outro exemplo:
Perfume e Sensualidade. Todas as mulheres querem ser sensuais, ou pelo menos
a maioria. Algumas podem
gastar mais, outras me-
nos; algumas são mais
provocativas, outras mais
tímidas. Por esse motivo,
o apelo das campanhas
publicitárias será diferen-
ciado: provocante para
as audaciosas, românti-
cos para as românticas,
ativo e enérgico para as
atuantes e decididas.
Fonte: Flickr | Foto: jturn

A mídia promove a novidade no


mercado da moda, classificando
mercadorias e sujeitos.

33
Aula 2

Se, para o mercado posicionar o sujeito em um determinado estilo de


vida é garantia de sucesso na hora da compra, para o sujeito a identificação do
seu estilo de vida entre as possibilidades de consumo existentes no mercado é,
sem dúvida, uma experiência confortável e prazerosa. Afinal, diante de tanto
apelos, o mapeamento da sociedade e sua segmentação em estilos é a chave
para organizar simbolicamente e classificar o número crescente de mercado-
rias disponíveis, reduzindo a pluralidade de escolhas.
Diante do fato de que as práticas de consumo estão diretamente ligadas
a um sistema de significados gerador de símbolos que são acessados a partir
de um sistema de identificação próprio, podemos interpretar a necessidade de
classificação dos sujeitos de acordo com seus estilos de vida a partir de algu-
mas referências já mencionadas anteriormente.
Em Consumo Autoral, publicação resultante do trabalho desenvolvido
no Future Concept Lab, um dos mais importantes centros de pesquisa e estudos
de comportamento e consumo do mundo, Francesco Morace (2009) apresenta
o que poderíamos chamar de caminhos por onde deverá andar o mercado
global nos próximos anos. O autor apresenta questionamentos e mudanças de
comportamentos geradas por novas forças vetoras, muitas delas direcionadas
a partir da crise global.
Morace destaca que esta é uma das causas para a mudança sensível no
perfil dos consumidores nas últimas décadas. Hoje, segundo ele, o consumidor
está menos influenciado pelo charme das grandes marcas e pela persuasão
oculta da publicidade e mais pela sua própria atuação enquanto autor e pro-
tagonista de suas escolhas pessoais. Há um novo espírito em que não existe
um único estilo a ser seguido, passando-se do chamado “lifestyle” para o “life
occasion” ou ocasião de vida.

Consumo Autoral
Este livro de Francesco Morace (2009) traz como ideia central o fato de
que o consumidor de hoje é uma espécie de empresa criativa, e cada vez
mais o mercado deverá estar preparado para confrontar-se com ele. O
Consumo Autoral é na realidade um neologismo e se propõe a falar do consumidor atu-
al em duas dimensões: a de autor (tendo voz ativa nas suas escolhas de consumo) e a
de ator (recusando a banalidade do consumo em favor de uma experiência ativa). “Este
Fonte: Tudo Mercado.

consumidor é a figura do futuro”, afirma Francesco Morace. “Ele não é apenas um con-
sumidor passivo, que se adequa às ofertas, mas um protagonista em termos criativos.
Nesta perspectiva, fica cada vez mais difícil distinguir entre aquilo que nós consumimos
e aquilo que nós mesmos produzimos”, diz. Fonte: Livraria da Travessa.

34
Moda, Cultura e Identidade

O mundo das mercadorias e dos produtos se confronta, a partir de agora,


com um “consumidor autor” e o mundo das mídias e da comunicação com o
“espectador autor”. Ambos se relacionam com a inovação, e suas experiências
estéticas estão ligadas ao “sentir”. Isto faz com que o mercado seja repensado,
recriado, redesenhado, se transformando permanentemente.
Para Morace, o novo percurso será menos focado no tecnológico e mais
no cultural. Haverá uma nova percepção das idades, e as mudanças provocadas
por esse fenômeno modificarão também os hábitos e gostos, sobretudo na
moda. Neste modelo, ter uma idade avançada não significa ter que se com-
portar como tal. Ser adulto não significa não poder usar roupas ou acessórios
Sociedade intergera-
cional: sociedade que com personagens infantis. E as crianças também não precisam se vestir com
comporta a convivência vestidinhos rodados e sapatinhos estilo boneca. Agora todo mundo pode usar
harmoniosa de diferen-
tes gerações, sobretudo o que der na telha.
nos mesmos segmentos Estamos falando de novas performances, onde adquirem grande rele-
de consumo.
vância produtores de novas estéticas, que, segundo a idade e o país, podem se
tornar influenciadores na economia global e na sociedade intergeracional.
Grupos geracionais:
grupos que se formam Depois da Atividade 1, veremos os dez grupos geracionais aos quais o
em gerações pautadas autor se refere em sua obra Consumo autoral e como eles reproduzem a cultu-
não por idades, mas por
comportamentos, e que ra na qual os grupos geracionais estão inseridos por meio dos produtos que
geram novos conceitos.
utilizam, sejam eles bens ou serviços.

Atividade 1 – Atende aos objetivos 1 e 2

Esta atividade é bem interessante, tenho certeza de que vai gostar! Procure
em álbuns de fotografias antigos de sua família os trajes que usavam e tente criar
um breve perfil para estas pessoas a partir do que vestiam. Depois, compare esses
perfis com o perfil atual de cada um de seus familiares que foram observados.

Resposta e comentário

O objetivo desta atividade é verificar se as pessoas mantêm o mesmo “esti-


lo”. Se elas mantêm um estilo, é importante prestar atenção no que foi alterado.
Quem foi hippie, por exemplo, nos anos de 1970, pode ter permanecido despojado,
irreverente, mas certamente não continua se vestindo como se estivesse acabado
de chegar de Woodstock. Já uma outra pessoa pode ter mudado completamente o
seu estilo. Nestes casos, percebemos que a moda pode nos ajudar a reforçar valo-
res simbólicos que pretendemos reforçar ou ocultar os que pretendemos valorizar.

35
Aula 2

3.1. Os dez grupos geracionais

Os grupos geracionais não são simplesmente os novos targets de mer- Targets: Alvos, objetos
a serem atingidos. No
cado, mas produtores de novas possibilidades para targets transversais. Veja o caso, público-alvo.
esquema a seguir, com as faixas etárias dos diferentes grupos:

Mind Builders

Singular Women

DeLuxe Men

Normal Breakers

Pleasure Growers

8 anos 60 anos

10 20 30 40 50

Linker People

Unnique sons

Posh Tweens

Expo Teens

Sense girls

Nesse esquema, a linha do tempo foi dividida marcando de dez em dez anos. Nele, estão identificados os dife-
rentes grupos geracionais.

a) Posh Tweens (meninos e meninas de 8 a 12 anos)


Este grupo é formado por pré-adolescentes que curtem novidades, talvez
os únicos a seguir as lógicas tradicionais da última moda, em que as estéticas são
Fashion victims: Vítimas
homologadas e reconhecíveis e podem ser identificadas por meio de marcas e
da moda; aquelas pesso-
grifes. São de fato fashion victims. Utilizam a tecnologia com muita desenvoltura as que seguem a moda
sem analisar criticamen-
e influenciam seus pais em termos de consumo e decisão de compra. Os Posh Twe-
te se o que estão vestin-
ens constroem a própria identidade a partir do consumo de moda e acessórios. do está adequado ao seu
estilo.
Exemplos relacionados ao grupo: Nolita Pocket (www.nolitapocket.it),
American Girl Place (www.americangirl.com), personagens de filmes e seria-
dos do momento.
36
Moda, Cultura e Identidade
Fonte: Future Concept Lab

Fonte: Future Concept Lab


De olho na moda, os posh tweens representam um novo target de consumo.
Imagens gentilmente cedidas pelo Observatório Internacional “Street Signals”, do Future Concept Lab, Instituto
Italiano de pesquisa e consultoria estratégica.

b) Expo Teens (meninos e meninas de 12 a 20 anos)


Neste grupo, os adolescentes vivem a própria identidade como “exposi-
ção”. Gostam de se “exibir”, de se expor ao mundo tecnológico; fazem uso dos
códigos de suas tribos e são sensíveis a várias linguagens, sobretudo à música.
Neste grupo, moda se encontra com arte e design.
Exemplos relacionados ao grupo: reality shows, flash
mobiles, lojas que permitem ao consumidor vivenciar inúme-
ras experiências inusitadas.
Fonte: Future Concept Lab

Fonte: Future Concept Lab

Para este grupo, a criação e a exposição do “novo” são as principais apostas.


Imagens gentilmente cedidas pelo Observatório Internacional “Street Signals”, do Future Concept Lab, Instituto
Italiano de pesquisa e consultoria estratégica.

37
Aula 2

c) Linker People (homens e mulheres de 20 a 35 anos) Multiplayers: Pesso-


Conhecidos como multiplayers, vivem a condição urbana como um in- as que têm capacidade
para realizar múltiplas
finito reservatório de estímulos (todos que possam despertar seus sentidos). atividades.
São curiosos e interessados em experimentar
novas tecnologias, estão abertos a qualquer
combinação inesperada, sobretudo se mes-
clarem mídia e experiência pessoal. Possuem
uma necessidade de reelaborar o mundo e
os contextos à sua volta de maneira única e

Fonte: Flickr | Foto: JB London


criativa, utilizando a tecnologia como plata-
forma integrada e sempre em contato com o
mundo externo.
Exemplos relacionados ao grupo: sites
de relacionamento, de demonstração de fil-
mes de experiências próprias, blogs.

Atividades como Le Parkour e


o uso de tecnologias como o
iPhone são característicos dos
linker people.
Fonte: Flickr | Foto: William Hook

d) Unique sons (homens e mulheres de 20 a 35 anos)


Individualistas, egocêntricos, narcisistas e consumistas, esta é a geração
dos filhos únicos. Estão sempre à procura dos irmãos que nunca tiveram. Re-
presentam o motor da nova sociedade de consumo e são empenhados em ati-
vidades criativas e em performances econômicas que constituem seu horizonte
existencial. Para eles, o sucesso é uma necessidade. Do ponto de vista estético,
são pessoas fascinantes, com antigas regras de elegância que permitem jogos
de combinações mais ou menos audaciosas. A geração de jovens chineses de
classe média a alta é um bom exemplo desse grupo.
Exemplos relacionados ao grupo: sites de relacionamento, produtos ex-
clusivos como roupas com design diferenciado.

38
Moda, Cultura e Identidade
Fonte: Future Concept Lab

Os “filhos únicos” buscam “companhia” na tecnologia, nas


novas representações artísticas e na moda.
Imagem gentilmente cedida pelo Observatório Internacional
“Street Signals”, do Future Concept Lab, Instituto Italiano de
pesquisa e consultoria estratégica.

e) Sense girls (mulheres de 25 a 40 anos)


São mulheres refinadas, sensíveis e exóticas. Não acompanham a vulga-
ridade midiática e estão no centro de uma revolução ética e estética que marca
uma mudança de paradigmas. São as novas mulheres de 30 anos que manifes-
tam suas emoções através de suas escolhas cotidianas de consumo. Têm uma
forte consciência de si mesmas e sabem o que querem. Tecnologia e natureza
fazem parte das experiências de vida dessas mulheres.
Exemplos relacionados ao grupo: praticam ioga, frequentam spas e ho-
téis com propostas de relaxamento, beleza, sofisticação e saúde.
Fonte: Flickr | Foto: thomaswanhoff.

Fonte: Future Concept Lab

Mulheres desse grupo, por saberem o que querem, procuram serviços com sofisticação e que envolvam natureza
e tecnologia.
A imagem da direita foi gentilmente cedida pelo Observatório Internacional “Street Signals”, do Future Concept
Lab, Instituto Italiano de pesquisa e consultoria estratégica.

39
Aula 2

f) Mind Builder (homens de 35 a 50 anos)


Estes homens são os novos burgueses intelectuais. Donos de uma perso-
nalidade ímpar, podem ser reconhecidos como uma nova versão dos existen-
cialistas. Apaixonados pelo estudo do pensamento humano e pela leitura, são
cosmopolitas e possuem vocação para atuar em áreas como
tecnologia e serviços. São fortemente atraídos pelas artes,
filosofia e ciência.
Exemplos relacionados ao grupo: cafés de livrarias, cur-
sos sobre filosofia e cultura contemporânea, galerias de arte.

Fonte: Future Concept Lab


Fonte: Flickr | Foto: C. Yu.

Os Mind Builders são apaixonados pela leitura e pelo pensamento humano, frequentadores de cafés, livrarias
e sebos.
A imagem da direita foi gentilmente cedida pelo Observatório Internacional “Street Signals”, do Future Concept
Lab, Instituto Italiano de pesquisa e consultoria estratégica.

g) Singular Women (mulheres de 35 a 50 anos)


São mulheres audaciosas, seguras de si, sem preconceitos e cada vez
mais conscientes da própria força. Para esta mulher, é vital manter acesa a rela-
ção com os esteriótipos como uma forma de preencher com energia e diversão
o cotidiano. Ela vive a liberdade com alegria e sensualidade, é independente,
engajada em causas importantes, pautando sua vida por meio da autonomia
em todos os sentidos.
Exemplos relacionados ao grupo: itens de perfumaria (Dove, Victoria’s Se-
cret), seriados com mulheres que refletem sobre o cotidiano de forma divertida
(Sex and the City, Desperate House Wifes).

40
Moda, Cultura e Identidade

Imagem de divulgação
Fonte: Future Concept Lab

Nas ruas ou nas telas, a Singular Women está por toda parte.
A imagem da esquerda foi gentilmente cedida pelo Observatório Internacional “Street
Signals”, do Future Concept Lab, Instituto Italiano de pesquisa e consultoria estratégica.

h) DeLuxe Men (homens de 45 a 60 anos)


Os códigos e conceitos de luxo se redefinem no mercado
atual. O que antes era considerado inacessível e restrito a raras exceções, hoje
é considerado como luxo necessário, possibilitando ser atingido por homens
de classe média alta, principalmente numa faixa etária de 45
a 60 anos. Este grupo valoriza o prestígio e a distinção.
Exemplos relacionados ao grupo: relógios de marca
(Rolex), roupas de alta-costura (Armani), acessórios de luxo
(Louis Vuitton).
Fonte: Stock Xchange | Foto: Alfred Neumann
Fonte: Future Concept Lab

DeLuxe Men: grupo de homens entre 45 e 65 anos que valorizam o prestígio e a distinção.
A imagem da esquerda foi gentilmente cedida pelo Observatório Internacional “Street Signals”, do Future Concept
Lab, Instituto Italiano de pesquisa e consultoria estratégica.

41
Aula 2

i) Normal Breakers (homens e mulheres de 45 a 60 anos)


O grupo, caracterizado por ter uma visão crítica e criativa da realidade,
considera que a normalidade e a transgressão convivem e se sobrepõem a todo
tempo. Procuram estar sempre aliados à tecnologia e às estratégias de compar-
tilhamento. Para eles, o social e o
individual caminham lado a lado
e buscam sempre um modo de in-
tegrar esses dois opostos.
Exemplos relacionados ao

Fonte: Flickr | Foto: World Economic Forum


grupo: personalidades que lutam
pela causa ambiental ou contra a
fome (Al Gore e Bono Vox), roupas
feitas de algodão orgânico, aces-
sórios feitos de material reciclado,
calçados que utilizam a borracha
de pneus (chinelos Goóc).

Al Gore e Bono Vox são exemplos de normal breakers. Nesta


foto, estavam no Fórum Econômico Mundial, em Davos, em
janeiro de 2008.

j) Pleasure Growers (homens e mulheres acima de 60 anos)


Estabilizados economicamente e acompanhados do grande filtro que é a
maturidade, esses “velhinhos” quebram os conceitos dados à terceira idade com
um comportamento juvenil e espontâneo. Aproveitam a
vida, doutrinados por algo como Carpe Diem, e são adep-
tos de viagens e mudanças estéticas.
Exemplos relacionados ao grupo: marcas como
Ralph Lauren e Dockers, personalidades como Mick Jag-
ger e Vivienne Westwood.
Fonte: Flickr | Foto: mikebaird

Fonte: Flickr | Foto: buildscharacter

O comportamento juvenil e espontâneo dos Pleasure Growers.

42
Moda, Cultura e Identidade

Conclusão

Como acabamos de ver, é possível identificar por meio de hábitos e com-


portamentos, sobretudo os de vestir, características pertinentes a um grupo e à
cultura na qual está inserido. É no espaço cultural que encontramos referenciais
simbólicos que irão compor a personalidade dos produtos que são criados para
esses consumidores. Os grupos destacados aqui possuem interesses e compor-
tamentos diversificados e cada vez mais procuram expressar suas ideias, pen-
samentos, sentimentos e estilo de vida. É por isso que dizemos que a moda
reproduz de forma eficiente os traços culturais e identitários de uma época.

Atividade 2 – Objetivo 3

Agora que você conhece vários grupos e suas formas diferentes de se


comunicar, escolha um deles e, em seguida, procure em revistas ou na internet
no mínimo 15 imagens de produtos que fazem parte do seu estilo de vida.
Poderão ser usados produtos de moda, decoração, acessórios, design, gastro-
nomia, literatura, entretenimento, locais como praias, cidades, etc. As imagens
devem ser organizadas em um documento do Word ou Power Point e devem
traduzir fielmente o grupo analisado. Em seguida, escreva um texto de dez
linhas explicando a escolha das imagens.
Ao concluir sua atividade, poste o arquivo com as imagens e o texto no
Ambiente desta disciplina, na parte de atividades. Atenção: você deve enviar
um arquivo único. Assim, se decidir enviar sua atividade em Power point, insira
um slide com o texto de explicação da escolha das imagens.

Para uma segunda olhada...

A moda é sem dúvida suporte para expressão de valores simbólicos, e o


espaço das ruas deve ser percebido como cenário importante onde acontecem
manifestações dos diferentes estilos de vida e suas representações. Ao iden-
tificar no espaço urbano características culturais, estamos identificando mo-
vimentos e ações que poderão vir a se transformar em tendências no futuro.
A moda se apropria das ruas e da cultura urbana com muita frequência para
poder abastecer o mercado com produtos inovadores e que atendam os mais
variados estilos de vida, afinal diversidade e inovação são as palavras chaves
na contemporaneidade.

43
Aula 2

Referências

BOURDIEU, Pierre. A distinção: critica social do julgamento. Rio Grande do Sul: Zouk,
2007.
LIPOVETSKY, Gilles. O império do efêmero: a moda e seu destino nas sociedades mo-
dernas. São Paulo: Companhia das Letras, 1991.
LIVRARIA Travessa. Disponível em: <http://www.travessa.com.br/CONSUMO_AUTO-
RAL_AS_GERACOES_COMO_EMPRESAS_CRIATIVAS/artigo/daa6dd55-ac24-482a-8726-
dc8fc08e680a>. Acesso em: 27 jan. 2010.
MORACE, Francesco. Consumo autoral. São Paulo: Estação das Letras e Cores, 2009.
FLICKR. Disponível em: <http://www.flickr.com/photos/jturn/242205970/>. Acesso em:
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em: 27 jan. 2010.
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Acesso em: 27 jan. 2010.
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em: 27 jan. 2010.
FLICKR. Disponível em: <http://www.flickr.com/photos/chihyulin/2363513272/>. Acesso
em: 27 jan. 2010.
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Acesso em: 27 jan. 2010.
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em: 27 jan. 2010.
FLICKR. Disponível em: <http://www.flickr.com/photos/buildscharacter/414896243/>.
Acesso em: 27 jan. 2010.
FUTURE Concept Lab. Disponível em: <www.futureconceptlab.com>. Acesso em: 27 jan.
2010.
MARTIN-BARBERO, Jesús. Anotações realizadas durante o curso Cartografias da Sensibi-
lidade e da Tecnicidade, ministrado pelo prof. Jesús, no Programa de Pós Graduação da
ECO/UFRJ, entre 8 e 12 de setembro de 2008.
STOCK Exchange. Disponível em: <http://www.sxc.hu/photo/770449>. Acesso em: 27
jan. 2010.
STOCK Exchange. Disponível em: <http://www.sxc.hu/photo/874365>. Acesso em: 27
jan. 2010.
STOCK Exchange. Disponível em: <http://www.sxc.hu/photo/352889>. Acesso em: 27
jan. 2010.
TUDO Mercado. Disponível em: <http://www.tudomercado.com.br/tm/aviso/img_avi-
sos/Submarino_21567551.jpg>. Acesso em: 27 jan. 2010.
WIKIPEDIA. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Worth.jpg>. Acesso
em: 27 jan. 2010.

44
Aula

Os movimentos culturais e suas


influências na moda – parte 1
3
Seus Objetivos:
Ao final desta aula, esperamos que você seja capaz de:
1. Reconhecer a moda e sua evolução sob o ponto de
vista da cultura;
2. Identificar diferentes estilos a partir de referenciais dos mo-
vimentos culturais que marcaram a Era da Moda.

2 horas de aula
Moda, Cultura e Identidade

1. Diferenciando as eras...

Agora que você já é capaz de articular as especificidades da relação


Moda, Identidade e Cultura (Aula 1) e de perceber como as questões culturais
estão presentes naquilo que vestimos hoje em dia (Aula 2), vamos voltar no
tempo e perceber de que forma a moda vem reproduzindo padrões culturais a
partir do século XVI, quando instala-se efetivamente o que chamamos de Era
da Moda. Vejamos o quadro abaixo:

A Era do Costume e a Era da Moda

Era do Costume Era da Moda


Da Pré-História à Idade Média Do Renascimento até os dias atuais

Prestígio da Antiguidade Dignificação do Presente

Imitação dos ancestrais Imitação dos modelos presentes

Permanência Mudança

Glória a Deus Glória ao homem

Tradição Culto à novidade

A Era da Moda se diferencia em muitos aspectos da Era do Costume. O


Renascimento: Período
homem, desde as primeiras civilizações até a Idade Média, costumava valorizar
que se inicia no século
XIV e termina no século seu passado, não cultuava as novidades e era temente a Deus. Na forma de ves-
XVI, sendo marcado por
tir, usava o mesmo tipo de traje que usavam os seus ancestrais. Com a chegada
transformações na cul-
tura, na sociedade, na do Renascimento, muita coisa mudou. Surge então o gosto pelo “novo”, um
economia, na política e
na religião. Caracteriza a
excelente cenário para o nascimento da moda.
transição do feudalismo Como você já sabe, a moda revela o que somos não só porque tem um
para o capitalismo na
Europa. significado social, mas porque busca justamente a novidade, portanto, pela
mudança de costumes que, por sua vez, são produtos de um contexto histórico
e cultural. Não é à toa que a moda é considerada também como uma expres-
são coletiva, seja de grupos culturais, seja de classes sociais. Como expressão
cultural de uma época, a moda reproduz o efêmero.
Nesta aula, que será dividida em duas partes, vamos falar sobre três mo-
mentos importantes da Era da Moda, onde as manifestações culturais tiveram
especial importância na formação dos gostos e estilos de cada época, além, é
claro, das identidades dos sujeitos. Os períodos históricos que estudaremos
são os seguintes:
Parte 1 – Séculos XVI, XVII, XVIII e XIX
Parte 2 – Séculos XX e XXI

47
Aula 3

PARTE 1

2. Séculos XVI, XVII e XVIII – A moda das grandes cortes

Faremos um recuo no tempo para compreender a importância do adven-


to da perspectiva para a produção de uma nova forma de registrar, portanto
olhar, os acontecimentos e suas relações com o passado constituído pelas civi-
lizações greco-romanas, que compõem o legado cultural ocidental. Compreen-
der as especificidades da Arte em cada época nos ajuda a interpretar a cultura
e também a moda produzida naquele período.
A perspectiva a que nos referimos aqui reflete uma alteração não apenas
na representação pictórica, mas também na forma de pensar do homem, que pas-
sa de teocêntrica (centrada em Deus) para antropocêntrica (centrada no homem).
Na Idade Média, os artistas não tinham interesse em desenvolver uma
perspectiva que representasse o mundo natural. O interesse era o mundo es-
piritual e, para tanto, criaram a chamada “perspectiva” hierárquica, também
chamada perspectiva teológica, na qual as personagens mais importantes são
representadas em tamanho muito maior que as outras personagens. A estru-
tura social estratificada do período medieval e que extrapolou na Renascença
foi marcada pelos que guerreavam (nobreza) e trabalhavam (camponeses). No
topo da pirâmide social estava o clero, representante terreno de Deus na Terra,
do qual tinha o controle de todos os segmentos sociais através do tempo da

48
Moda, Cultura e Identidade

oração, estabelecendo, assim, as diferenças sociais e o controle das almas até


o final do século XVIII.

A pirâmide social na Idade Média.

Fonte: Wikimedia Commons

Ilustração da tradução em Francês antigo da Histoire d’Outremer, de Guillaume de Tyr, c. 1200-1300. As linhas em
cada lado do templo deveriam, quando paralelas, encontrar-se em algum ponto. Elas não o fazem.

Além do surgimento da perspectiva no campo da Arte, o Renascimento


guarda ainda outras características, tais como:
• a forte presença do Humanismo - que fez surgir novo olhar sobre o
homem e sobre a cultura;
• o surgimento de novas construções sociais, como o reconhecimento
do espaço da cidade, a percepção do corpo, a ascensão da burguesia
e, como dissemos, pelo surgimento da moda.

49
Aula 3

Fonte: Wikimedia Commons

Fonte: Wikimedia Commons


No período renascentista, a identificação das formas masculina e feminina é reforçada pelo vestuário.

O traje sofreu um reflexo dessa confluência de perspectiva e da imita-


ção da natureza como arte. O jogo de luz e cor saiu das telas para a produção
cultural de uma sociedade que levou mais de trezentos anos para inserir-se no
conceito de modernidade, tão caro aos historiadores de Arte.
Pensemos na seguinte questão: Se um determinado momento da nossa
história é nomeado de Renascimento, precisamos lembrar: renascimento de
quê? Neste caso, nos referimos ao renascimento do clássico greco-romano, ou
seja, um olhar para um tempo da Antiguidade com a percepção do presente
com todas as suas idiossincrasias, pois não se tratava de uma cópia do passado.
As roupas femininas e masculinas passam a ter como função a expressão
de todos os valores desta sociedade, uma sociedade preocupada, acima de
tudo, com a aparência. Nos salões da nobreza surgiam as novas modas, que
eram imediatamente copiadas pela burguesia ávida por manifestar também os
sinais de poder e prestígio.
Às sociedades de corte do século XVI ao XVIII atribui-se a autoria das
criações de todas as novidades surgidas nesse período no campo da moda. To-
dos queriam manifestar sua importância, poder e influência por meio de uma
moda que reproduzia o culto ao ócio e às aparências.

50
Moda, Cultura e Identidade

No vestuário feminino, são três as peças fundamentais da época:


• o espartilho;
• a farthingale;
• o rufo.

Vamos ver com mais detalhes cada uma dessas peças.

Espartilho – corpete que afinava a cintura, elevando a postura. Veja, na


imagem a seguir, a evolução do espartilho nos séculos XVI, XVII, XVII e XIX,
respectivamente.

Do século XVI ao século XIX: a evolução do espartilho.

Farthingale – armação arredondada usada sob as saias para dar volume


aos vestidos.

As armações, além de exibir a riqueza dos tecidos usados nos trajes, acentuavam as formas femininas.

51
Aula 3

Rufo – peça armada de renda usada em volta do pescoço. Possuía várias


camadas de renda e era usada por homens e mulheres. O rufo era um sinal
de privilégio aristocrático, pois tinha a função de demonstrar prestígio social.
Confeccionado em diversos modelos, foi, posteriormente, diminuindo, dando
origem às golas caídas de tecido liso com pouca renda, geralmente brancas.

Fonte: Wikimedia Commons

Detalhe do rufo, peça comum ao vestuário feminino e masculino. (Sir Henry Unton 1586 – National Portrait
Gallery, Londres).

2.1. Uma rainha que ditou moda

Símbolo da Era do Ouro inglesa, a rainha Elisabeth I (1553 a 1603) era


conhecida por sua personalidade forte e também pelos títulos que lhe foram
atribuídos, como “a rainha Virgem” ou ainda “a Gloriana”, em função da con-
solidação do império inglês. Na era elizabetana, a produção artística foi valo-

52
Moda, Cultura e Identidade

rizada e incentivada pela própria rainha, tanto na poesia como no teatro (des-
taque para Shakespeare), narrando os amores proibidos na corte. Referências
da natureza, como flores, animais, símbolos e fenômenos naturais, emblemas
alegóricos, acessórios e adornos pessoais (coroa, colares de pérolas, brincos,
entre outros mostrados nos quadros
de época) e cores revelavam signi-
ficados específicos e referências de
um período de domínio e renasci-
mento cultural.
Elisabeth também foi fonte
de inspiração para a moda. Em seus
trajes não faltavam vestimentas ri-
camente ornadas em ouro, pedras,
pérolas, babados e saias armadas e
volumosas.

Fonte: Wikimedia Commons


The Ditchley Portrait, por Marcus Gheeraerts
the Younger, 1592.

Na imagem anterior, vemos a representação máxima do poder da rai-


nha. Numa demonstração da ascensão do domínio inglês sobre áreas conquis-
tadas, a rainha está posicionada de forma austera e centralizada sobre o mapa
da Inglaterra, retratando ainda seu prestígio. O traje ajuda a compor esta ima-
gem de superioridade: Elisabeth veste o espartilho, a farthingale e o rufo, além
de pérolas e bordados. Algumas vezes, também, apareciam tingidos num tom
avermelhado.
O traje masculino renascentista era formado basicamente pelo calção e
pelo gibão, além do rufo, dos sapatos achatados na ponta - estilo bico de pato
–, da boina e das meias coloridas que cobriam toda a perna. Elas tinham como
função proteger do frio e ainda reforçar os ideais do humanismo, destacando
ainda mais as formas do corpo. Na imagem a seguir, vemos Henrique VIII, pai
de Elisabeth e seu antecessor no trono inglês. Henrique VIII, assim como Fran-
cisco I, rei de França, eram os modelos de elegância na época.

53
Aula 3

Humanismo
O Humanismo tinha como principal característica o enaltecimento das ações
humanas e valores morais como respeito, liberdade, justiça, honra, amor e
solidariedade. Para isso, pretendia abolir a tradição intelectual medieval, buscando na
Antiguidade Clássica elementos para a elaboração de uma nova cultura pautada na
crença de que o homem é a fonte de energias criativas ilimitadas, possuindo uma dis-
posição inata para a ação, a virtude e a glória.
O Humanismo se desenvolveu e se manifestou em vários momentos da história e
em vários campos do conhecimento e das artes, como: na Antiguidade, com a filosofia e
as artes e no século XIX; durante o Positivismo, com a valorização do pensamento cien-
tífico, destacando-o como única forma de progresso. No Renascimento, foi resgatado
por escritores e artistas plásticos que reviveram em suas obras os valores humanistas
da cultura greco-romana.
O antropocentrismo (homem é o centro de tudo) norteou o desenvolvimento inte-
lectual e artístico dessa fase, valorizando os sentimentos e o corpo humano. De pecami-
noso e abominável, o corpo passou a ser idolatrado e exibido. Por isso a moda, a partir
deste período, reforça de forma tão evidente a diferença entre as formas femininas e
masculinas.
Fonte: Wikimedia Commons

Fonte: Wikimedia Commons

Henrique VIII (“O Moço Henrique VIII”, de Hans Holbein - 1534-36. Coleção Thyssen-Bornemisza, Madri – Espa-
nha) e Francisco I (“Francis I”, de Jean Clouet, 1485-1541): monarcas que lançaram moda.

54
Moda, Cultura e Identidade

Os pequenos adultos
No período renascentista, os recém-nascidos eram enrolados por alguns me-
ses em faixas de tecidos - no estilo dos cueiros atuais -, ficando somente com
a cabeça à mostra. Quando cresciam um pouco mais, crianças de ambos os sexos eram
cobertas com vestidos de mangas largas. Por volta dos 6 anos, começavam a usar trajes
idênticos aos dos adultos, inclusive com rufos, armações e espartilhos. Até o final do século
XVIII, quando surgem os ideais iluministas, as crianças não eram percebidas como crianças,
não havia brinquedos e muito menos roupas confortáveis feitas especialmente para elas.
Para conhecer mais sobre este assunto, vale a pena acessar o link: http://www.scri-
bd.com/doc/19716181/PHILIPPE-ARIES-Historia-social-da-crianca-e-da-familia

Fonte: Wikimedia Commons | Autor: Giacomo Augusto 2

Fonte: Wikimedia Commons

Charles II e sua irmã Mary vestem roupas semelhantes às de um adulto daquela época, enquanto seu irmão, Ja-
mes (à direita da imagem), dois anos mais novo, ainda usa vestidos (Anthony van Dyck. Torino, Galleria Sabauda,
Itália). Na obra “As Meninas” (Diego Velázques, 1656, Museo Del Prado - Madri), as crianças também aparecem
representadas vestindo roupas de adultos, inclusive espartilhos e panier – uma armação lateral.

55
Aula 3

3. O três mosqueteiros e a representação do Barroco

No século XVII surge o Barroco, um novo estilo comprometido com a


representação da expressão e da emoção genuína do homem. A intensidade
e o jogo de luz e sombra se destacam nas obras de Caravaggio, Rembrandt e
Velázquez.
O modelo absolutista, bem como as formas de ostentação de seu poder,
permanecem. Na moda, percebe-se um processo de desconstrução do traje femi-
nino e masculino, mais especificamente a partir da segunda metade do século.
Nesta fase também destacamos o Heroísmo Barroco, representado pela
figura dos “três mosqueteiros”, personagens da obra de Alexandre Dumas
que leva o mesmo nome. Fiéis escudeiros do rei, os mosqueteiros eram sinô-
nimo de lealdade e bravura e seus trajes chamavam
a atenção por onde quer que passassem. Eles
usavam os calções na maioria abaixo dos
joelhos, gibão mais comprido, capa, cha-
péu de aba larga adornado com plumas,
botas e cabelos longos.
As roupas femininas ganham mais
volume; os vestidos possuem mangas
bufantes. O rufo foi gradativamente
sendo substituído por uma gola com
formato mais caído (bastante visível
nas golas dos mosqueteiros).

A desconstrução da forma e o uso de golas em renda,


em substituição ao rufo. Ilustrações de Wenceslaus
Hollar, 1645.

56
Moda, Cultura e Identidade

Entre os principais personagens deste período está Luís XIV - o Rei Sol -,
que fez de Versalhes (França), na segunda metade do século XVII, a corte mais
prestigiada e copiada no mundo inteiro. De lá saíam as novidades em regras
de etiqueta, comportamento e, principalmente, moda.

Fonte: Wikimedia Commons

Fonte: Wikimedia Commons


Luís XIV (Hyacinthe Rigaud, 1701, Apollo Salon no Château de Versailles’ Grand Apartment) – o Rei Sol − e desta-
que de uma característica da época: O rufo caído (Wybrand de Geest, 1625).

O Renascimento Cultural e a Revolução Científica, concretizada pelas ex-


periências de Newton, Descartes, Galileu-Galilei, entre outros, culminaram no
surgimento do Iluminismo no século XVIII. A era da razão, do conhecimento,
da liberdade e também do exagero nos modos de vestir marcam o período que
veremos a seguir.

4. Rococó: o auge do exagero

57
Aula 3

Estamos chegando ao final desta primeira fase e, como já vimos, o sécu-


lo XVIII é a última parada nesta corrida pela ostentação dos valores da nobreza.
A etiqueta social e a lógica do prestígio se destacam, promovendo ainda mais
os sentidos e os novos valores da corte. Neste período, acontecimentos impor-
tantes ocorrem, como a Revolução Industrial, a independência americana e a
Revolução Francesa. Mas até o final do século a nobreza permanece lançando
moda – uma moda cada vez mais luxuosa e exagerada.
Amparada pelo Rococó e suas formas rebuscadas, mas ao mesmo tempo
leves e delicadas, a moda apresenta-se por meio da riqueza dos adornos e dos
bordados nas roupas, além de fitas, babados, laços e até artigos de decoração.
s perucas e penteados podiam chegar a 80 centímetros de altura. So-
bre eles eram colocados enfeites de toda ordem, como flores, pássaros e até
barcos em miniatura. As armações tornaram-se ainda maiores e os decotes
se tornaram mais ousados. A moda ainda era dada como referência da corte,
sobretudo a de Versalhes.
Fonte: Wikimedia Commons

Fonte: Wikimedia Commons

A imagem à esquerda (1778, Galerie des Modes) caracteriza os penteados da época. Na imagem à direita vemos
Maria Antonieta (Elisabeth Vigée-Lebrun, 1778). Nela estão bem demonstradas as características do Rococó na
moda (bordados, fitas, babados e laços nas roupas, além de adornos sobre os penteados).

Para os homens, a moda era usar um casaco comprido aberto e orna-


mentado na frente e com rendas e botões nos punhos; colete bordado, feito
em tecido diferente do casaco; calção até abaixo dos joelhos; sapatos com

58
Moda, Cultura e Identidade

Tricórnio: chapéu de salto e fivelas de ouro e chapéu tricórnio. Por baixo do casaco vestia-se uma
três pontas com aba vira-
da para cima. camisa enfeitada com rendas no punho, no peito e na gola.

Fonte: Wikimedia Commons

Trajes masculinos do século XVIII.

Com a Revolução Francesa, em 1789, o clima de luxo e ostentação é


substituído pelo culto à simplicidade e à vida no campo, bem ao estilo inglês.
Passam a ser valorizados, então, os trajes mais simples, tanto para os homens
(uso de casaco, calça comprida, botas e coletes justos) quanto para as mulhe-
res. As saias perdem seu volume e começam a formar apenas um pequeno
volume atrás.
A ordem agora era tirar a corte de cena e implementar um Estado bur-
guês. A falta da tradição na rotina aristocrática por parte desses novos perso-
nagens fez com que se buscassem referências na cultura greco-romana, tanto
para os homens quanto para as mulheres. As cinturas subiram para baixo dos
seios e os sapatos foram substituídos pelas sapatilhas sem salto.
Esta primeira fase nos mostrou - assim como vimos na Aula 2 em relação
à contemporaneidade - como os valores do Renascimento, do Barroco e do
Rococó estiveram presentes nas representações do vestuário de cada um dos
períodos correspondentes.

59
Aula 3

Atividade 1 – Objetivos 1 e 2

Para fixar esses conhecimentos, propomos que escolham um dos filmes


listados abaixo e realizem a tarefa a seguir.

Filmes:
• Século XVI (Romeu e Julieta, Shakespeare Apaixonado, Elisabeth, Eli-
sabeth – a era do ouro)
• Século XVII (O homem da máscara de ferro e Os três mosqueteiros)
• Século XVIII (Ligações perigosas, Amadeus e Maria Antonieta)

Você deverá assistir ao filme, observando principalmente seu figurino.


Em seguida, você deverá escolher um personagem e fazer uma observação
detalhada de seu traje, listando suas principais características. Depois disso,
procure na internet imagens atuais de moda que tenham como referência o
estilo identificado no filme. Você deverá escolher, no mínimo, dez peças. Valem
roupas, acessórios e penteados. As peças devem ser coladas num painel e, em
um pequeno texto de 5 linhas, você deverá explicar qual personagem escolheu
e as principais características de seu traje, procurando estabelecer uma relação
com as imagens atuais que tem como referência o estilo adotado pelo perso-
nagem escolhido.

Resposta e comentários

Os filmes são uma excelente referência para pesquisarmos a cultura de


uma época e suas representações, como a moda, por exemplo. Por isso, sem-
pre que estamos criando uma coleção ou desenvolvendo algum projeto é im-
portante recorrer à filmografia. Mas é bom deixar claro que os filmes, embora
retratem uma mesma época, possuem gêneros diferentes e nem sempre fazem
a mesma abordagem. Podemos ter filmes que retratem uma mesma época sen-
do comédia, drama, romance, ficção, aventura. Isso pode alterar o figurino, no
seu conceito. Então, fica a dica: ao realizar uma pesquisa, é sempre bom contar
com a maior variedade possível de fontes, entre eles livros, jornais, revistas,
anúncios, etc.

60
Moda, Cultura e Identidade

5. O Século XIX: a cidade e a moda

Antes de começarmos a falar da moda neste período, é importante men-


cionar, brevemente, o contexto histórico-cultural. Com o fim do Absolutismo,
uma nova ordem se instala na moda: menos ostentação, mais simplicidade,
conforto e praticidade. Os salões da corte não são mais o cenário das novida-
des. Agora, as ruas ganham importância, pois o espaço urbano é visto com o
espaço da multiplicidade, da diversidade, das identidades. A mobilidade social
se dá na cidade, cada vez mais tecnológica e industrial. A metrópole sugere a
ideia de multidão e velocidade.
A partir de 1820, o movimento Romântico traz à tona o ideal romântico,
criando uma época de mitos e heróis. Se a Revolução Industrial trouxe o pro-
gresso e a mecanização, o Romantismo agregou
o sentimento, a emoção e a espontaneidade. Os
espaços são socialmente definidos (homens na
rua e mulheres em casa), demarcando a presença
da moral vitoriana e os rituais sociais. As mulhe-
res precisavam exibir um estilo frágil, desampa-
rado, vulnerável, dependente dos homens. Em
várias cenas de filmes que retratam este período,
como E o vento levou, por exemplo, mulheres
são representadas dessa forma.
Fonte: Flickr | Foto: Madmoiselle Lavender

Cena do filme “E o vento levou”.

61
Aula 3

As ruas agora passam a ser o referencial de visibilidade, fazendo da moda


seu principal discurso. Um personagem importante neste novo cenário são os
dândis – homens que conservaram o estilo aristocrático e se comportavam de
acordo com as regras de etiqueta e bom gosto, mantendo no modo de vestir a
elegância e o refinamento. Os dândis eram sujeitos vaidosos, dependentes da
metrópole, do discurso urbano, da velocidade - para eles o que importava era
fazer parte desta nova ordem, frequentando os espaços sociais onde conquis-
tariam maior visibilidade. Veja a seguir as características deste personagem
que ainda hoje encanta os estudiosos do século XIX.

Fonte: Wikimedia Commons


Fonte: Wikimedia Commons

O Dandismo foi um movimento que surgiu na Inglaterra entre 1800 e 1830, criado por George Brummel,
e acabou por ditar as regras do vestuário masculino por todo o século XIX, valorizando a sobriedade e
a elegância.
O traje do dândi era composto por: casacos, coletes – normalmente feito em tecidos sofisticados e cores Plastron: lenço usado
diferentes −, calças compridas ajustadas, camisas brancas de gola alta, cartola e plastron. O estilo dândi como acessório principal
não permitia o uso de peças amassadas ou deformadas, pois a arrogância e a sofisticação eram suas em volta do pescoço.
principais características.

Ao longo do século XIX, o clima de prosperidade e estabilidade promove


uma euforia na sociedade. O período marcado pelo final do século XIX e início
do XX ficou conhecido como Belle Époque e caracterizou-se pelo modo de vida

62
Moda, Cultura e Identidade

festivo e vivo, onde os passeios pela cidade são a grande novidade. O progres-
so trouxe a luz elétrica, o motor à combustão, a máquina de costura, as expo-
sições universais e também novos movimentos de renovação estética, como o
Art Nouveau, estilo inspirado nas formas curvas e orgânicas da natureza.

6. A moda do século

No início do século XIX, as mudanças puderam ser percebidas na moda


masculina a partir do uso de casacos de caça ingleses, calças muita parecidas
com as que são usadas hoje em dia, lenços no pescoço (plastron), golas altas
e botas. Como falamos na aula anterior, é nesse século que a roupa masculina
perde seu caráter decorativo e rico em detalhes, passando a se tornar mais só-
bria e com poucas modificações ao longo da histó-
ria. A influência inglesa deste período sobre a moda
masculina se mantém até os dias de hoje.
Para as mulheres, a ideia também era manter
a simplicidade e o conforto, botando abaixo as es-
truturas rígidas do século anterior. Por isso, o uso
de vestidos leves que mais pareciam camisolas pre-
dominam neste período. Feitos de tecidos leves e
transparentes, normalmente na cor branca, tinham
decotes marcados e a cintura deslocada para baixo
do busto. Os xales eram peça fundamental do ves-
tuário. Este período foi denominado Império, como
Fonte: Wikimedia Commons

uma referência ao período greco-romano que for


forte influência nos vestuários.

A leveza e a simplicidade nos trajes do início do século XIX.

Como vimos, o espírito da época se reproduz fielmente nos trajes masculi-


no e feminino, mas como a história não para e a moda também não, novos mo-
delos vão despertar os desejos da sociedade da época. Com a chegada do Roman-
tismo, os trajes femininos mudam radicalmente. Dos vestidinhos leves, passamos
novamente a modelos mais pesados, com muito volume e muitos detalhes.
A partir desse período a moda passa a ser uma preocupação feminina,
e não masculina. Portanto, os homens bem-sucedidos, em vez de demonstra-

63
Aula 3

rem seu sucesso por meio de suas próprias roupas, o faziam na figura de suas
mulheres. Eram elas que deveriam mostrar o quanto seus maridos eram im-
portantes. Assim, tem início o uso de vestidos coloridos em sedas, brocados e Relicário: colar com um
tafetás, com mangas bufantes – chamadas de manga pernil de carneiro −, saias pingente de metal que
se abre. Dentro, podem
arredondadas pelo uso da crinolina e cintura marcada, além de muitos acessó- ser colocadas imagens
de santos como também
rios e adornos pessoais, como broches, pulseiras, relicários e leques.
fotos.

Fonte: Wikimedia Commons

O uso da crinolina, a cintura fortemente marcada e o uso de relicários, como adornos, são características do
início do século XX.

O prestígio da burguesia, bem como os frutos da Revolução Industrial (o


surgimento de máquinas capazes de produzir uma variedade maior de produ-
tos, além de um sistema de compra e venda de produtos em espaços apropria-
dos da cidade), possibilitaram o surgimento da Alta-Costura, em 1850. Charles
Frederick Worth foi quem deu os primeiros passos em direção ao estabeleci-
mento de uma “ditadura da moda”, agora nos padrões mercadológicos.

64
Moda, Cultura e Identidade

Como vimos anteriormente, este período também é marcado pelo estilo


vitoriano que se deu graças à influência da Rainha Vitória, que permaneceu no
trono inglês durante toda a segunda metade do século XIX (desde 1837). Figura
puritana (devido a rigidez e moralidade), a Rainha imprimiu à sociedade da
época novas regras de conduta. Com a morte de seu marido, o Príncipe Albert,
em 1861, ela passa a usar o luto e assim permanece até sua morte, em 1901.
Isto mudou novamente os padrões da moda feminina. As mulheres passaram
a usar roupas mais recatadas, menos decotadas durante o dia e em cores escu-
ras. Foi assim que a cor preta, normalmente mais usada pelos homens, passou
a ser aceita também pelas mulheres.
Fonte: Wikimedia Commons

Fonte: Wikimedia Commons

A Rainha Vitória (Franz Xavier Winterhalter, 1842, Osborne House, Isle of Wight), ainda na juventude, e aos 70
anos (Anne E. Keeling, The Project Gutenberg eBook, Great Britain and Her Queen).

Na Belle Époque, os volumes diminuem e as mulheres trocam as crino-


linas por anquinhas (pequenas armações colocadas sobre a parte traseira do
quadril). A cintura se ajusta ainda mais, fazendo dos espartilhos a peça prin-
cipal do período. Condenados pelos médicos da época por conta do mal que
causavam à saúde das mulheres – algumas chegavam a tirar algumas costelas
para chegar às medidas exigidas pela moda –, os espartilhos eram os responsá-
veis pela silhueta em “S”, que projetava o busto para frente e quadril para trás.

65
Aula 3

Ainda neste período, as roupas esportivas e de banho aparecem demar-


cando novos espaços sociais, como os clubes, as quadras, os campos de golfe
e as praias.

Fonte: Wikimedia Foudation / Imagem em domínio público.


Fonte: Wikimedia Commons

Apesar do desconforto, os espartilhos garantiam o glamour das mulheres da época.

Depois de ver tantas características dos diversos estilos que perpassaram


a moda pelos séculos, que tal ver uma imagem resumo dos diversos vestuários,
mais especificamente do final do século XVIII e de todo o século XIX?

66
Moda, Cultura e Identidade

Fonte: WIKIMEDIA Commons

A evolução da moda do final do século XVIII ao final do XIX.

67
Aula 3

Estamos chegando ao final desta primeira parte deste conteúdo, mas


antes de darmos continuidade, propomos uma atividade onde você irá soltar
a imaginação e ainda relacionar os conceitos estéticos da época aos conceitos
atuais. Este, aliás, é um dos objetivos desta aula! É dessa forma que também
percebemos o quanto estamos construindo e reconstruindo nossas identida-
des com base na cultura de cada época.

Atividade 2 – Objetivo 2

Você irá criar um modelo de vestido para ser usado nos dias de hoje,
com referências em um dos principais momentos do século XIX apresentados
aqui. Você poderá desenhar à mão, no computador ou ainda recortando e co-
lando pedaços de papel até formar um vestido. Se quiser ousar ainda mais, que
tal confeccionar um vestidinho de boneca tendo as formas do início do século
como referência, ou o Romantismo ou ainda a Belle Époque? Depois, é só foto-
grafar e enviar a foto para seu tutor e colegas de turma verem e comentarem,
no Ambiente Virtual, na atividade (re)inventando Moda.
Recomendações:
1. o arquivo que você colocar no ambiente deverá estar em formato JPEG;
2. não deixe de conhecer e comentar os trabalhos dos colegas!

Resposta e comentários

E então... Imagino que tenham gostado de criar uma peça nova com inspi-
ração no passado. Aliás, isto é o que mais vemos na moda contemporânea. Como
você deve ter percebido, sempre que recriamos alguma coisa ficamos na dúvida se
mantemos ou inovamos na forma, na cor, no material a ser usado. Na verdade, as
formas sempre são a maior referência de uma época, mas os materiais, bem como
as cores, são detalhes importantes que podem ou não ser mantidos. Hoje vemos
muitas peças inspiradas no passado, mas confeccionadas com novos materiais, mais
tecnológicos ou ainda ecologicamente corretos. Isso é uma prova de que a moda
muda, mas seu passado será sempre um ponto de partida para as novas criações.

Sites consultados:

FLICKR. Disponível em: <www.flirck.com>. Acesso em: 20 jan. 2010.


WIKIMEDIA Commons. Disponível em: <http://commons.wikimedia.org/wiki/Main_Page>.
Acesso em: 20 jan. 2010.

68
Aula

Os movimentos culturais e suas


influências na moda – parte 2
4
Seus Objetivos:
Ao final desta aula, esperamos que você seja capaz de:
1. Reconhecer a moda e sua evolução sob o ponto de
vista da cultura;
2. Identificar diferentes estilos a partir de referenciais dos mo-
vimentos culturais que marcaram a Era da Moda.

2 horas de aula
Moda, Cultura e Identidade

1. Séculos XX e XXI – Moda e liberdade

Na Aula 03, vocês conheceram as representações culturais que marca-


ram a moda desde a época do Renascimento até o século XIX. Agora, dando
continuação à nossa linha do tempo “fashion”, vamos apresentar os elemen-
tos responsáveis pela mudança dos padrões de identidade predominantes nos
séculos XX e XXI.

2. As primeiras décadas (1900–1930)

A chegada do século XX põe fim aos bons tempos de glamour da Belle


Époque. A Primeira Guerra Mundial instala uma crise na Europa - que se acen-
tua no final dos anos 1920 - e a quebra da Bolsa de Nova York - em 1929 - ace-
nam para a chegada de tempos difíceis, onde contenção e economia serão as
palavras-chaves.
Fonte: Stock Xchange | Foto: Rafael Ortman

A Primeira Guerra Mundial e a Quebra da Bolsa de Nova York deixam o mundo abalado em todos os seus setores:
políticos, econômico e social.

Os “anos loucos”, como são chamados os anos 1920, trazem uma onda
de contrastes, onde libertinagem se sobrepõe à decência, pobreza à riqueza e
a normalidade à loucura. Por outro lado, os movimentos de reforma social e
artística revolucionam a Europa, internacionalizando a cultura. A identidade
social e pessoal do povo europeu se transforma...
71
Aula 4

Para as mulheres, os acontecimentos dessa década funcionam como um


motivo a mais para usar e abusar da moda. Afinal, elas agora ganham um
pouco mais de liberdade, já que precisam ingressar no mercado de trabalho,
exercendo atividades consideradas, até então, exclusivamente masculinas,
pois muitos homens haviam ido para a guerra.

Fonte: Wikimedia Commons

Fonte: Wikimedia Commons

O estilo dos anos 1920.


Paul Poiret (1879-1944):
Estilista francês que se
O começo do século XX traz uma moda ornamental e fluida, inspirada tornou famoso por libe-
rar as mulheres de usar
na cultura de países diversos, nos espetáculos e exposições. Do Oriente, vieram o espartilho, propondo
uma silhueta mais solta.
turbantes, túnicas bordadas e mantôs. Esses novos trajes atendiam ao desejo
Começou a carreira fabri-
das mulheres da época, já cansadas de vestimentas formais e desconfortáveis. cando guarda-chuvas e
vendendo desenhos. Em
Caem também os espartilhos, e a silhueta feminina deixa de ter suas curvas 1900, começa a trabalhar
acentuadas. Paul Poiret é um dos responsáveis por essa mudança: dizem ter com Worth, o famoso
costureiro inglês. Depois
sido ele o autor da queda dos espartilhos. de quatro anos, abriu
sua própria maison.
A moda dos anos 1920 é uma moda mais democrática, andrógina e
Fonte: Comunidade Moda
divertida. Sobem as saias, e as mulheres passam a adotar comportamentos
Andrógino: Que tem
masculinos, como usar cabelos curtos, fumar em público e dirigir. Entre os características femininas
criadores que mais se destacam estão Madeleine Vionnet, Jeanne Lanvin, Jean e masculinas ao mes-
mo tempo. No caso da
Patou e Coco Chanel. moda, algo andrógino
Chanel revolucionou a moda por trazer para o universo feminino peças pode ter característi-
cas masculinas, mas ser
e formas que até então eram privilégio dos homens, como calças, camisas, destinado ao público
feminino, ou, ainda, ter
além dos clássicos como o tubinho preto, os sapatos bicolores e as bolsas com
características femini-
correntes. nas, mas ser dedicado ao
público masculino.

72
Moda, Cultura e Identidade

Fonte: Stock Xchange | Foto: Cindy Leszczynski

Fonte: Flickr | Foto: Ilovemypit


Você pode imaginar por que esse tipo de corte de cabelo chama-se Chanel? É porque veio como influência de
Coco Chanel, importante estilista dos anos 1920 e que tem influência até hoje no mundo da moda.

Para os homens, a calça, o colete, a camisa, a gravata e o paletó eram as


peças usadas. Desde que a moda masculina inglesa se estabeleceu em fins do
século XVIII, nenhuma mudança importante se deu neste segmento.

Coco antes de Chanel


Este filme conta a história de Gabrielle “Coco” Chanel, que começa a vida
Fonte: Imagem de divulgação

como uma órfã teimosa e, ao longo de uma jornada extraordinária, se tor-


na a lendária estilista de alta-costura que personificou a mulher moderna
e se tornou um símbolo atemporal de sucesso, liberdade e estilo. O filme fala da trajetória
de Chanel, uma garotinha que é deixada junto com a irmã num orfanato no coração da
França. Ela se torna uma artista de cabaré e uma humilde costureira que conserta bainhas
nos fundos de uma alfaiataria de cidade pequena. Uma rebelde que considera as conven-
ções de sua época opressoras e prefere usar as roupas dos homens com quem se envolve…
Interessante, não é mesmo? Então assista ao filme!
Fonte do texto: INTERFILMES | Fonte da imagem: UOL

2.1. Anos Difíceis (1930-1945)

Com a crise chegando ao final dos anos 1920, o mundo vive dias difíceis.
A cultura do racionamento e do reaproveitamento passa a fazer parte do dia
a dia da sociedade. O glamour e a sofisticação são vistos apenas nas telas do
cinema, que se transforma numa “válvula de escape” para a crise, além de se
tornar o grande difusor da moda e dos novos comportamentos. Astros e estre-
las de Hollywood são as referências para o público, principalmente feminino,
que passa a copiar das telas modelos de roupas e penteados.

73
Aula 4

O figurino das estrelas


Entre os principais destaques do cinema neste período, está a
figurinista Edith Head, indicada para 35 Oscars, dos quais levou

Fonte: Flickr | Foto: dovima_is_devine


oito por seu trabalho como figurinista em mais de 1.100 filmes durante
os 29 anos em que comandou o departamento de figurinos dos estúdios
Paramount. Head fazia tanto sucesso com seus figurinos que passou a ser
cláusula contratual nos trabalhos de algumas atrizes. A figurinista chegou
a ganhar quatro Oscars consecutivos: A Herdeira (1949, com Olivia de Ha-
villand), Sansão e Dalila (1950), All About Eve (1950, com Bette Davis) e
Um Lugar ao Sol (1951). O vestido de camadas e camadas de tule usado
Elizabeth Taylor em Um Lugar ao Sol foi confeccionado com a etiqueta Edith
Head e todas as pós-adolescentes americanas correram para adquiri-lo. Mas
seu maior talento não estava na criação propriamente de um modelo, e sim na sensi-
bilidade para escolher o modelo correto, seu ou de outro estilista, e na capacidade de
se autopromover, conquistando generosos espaços na mídia. Head morreu em 1981, às
vésperas de seus 84 anos.

Apesar do clima de crise, a moda dos anos 1930 traz de volta a sensua-
lidade e abusa de formas mais ajustadas e decotadas. Os vestidos mostram as
costas em generosos decotes e a cintura volta para o lugar, acentuando as cur-
vas femininas. Entre os principais criadores deste período, podemos destacar
Madeleine Vionnet, Madame Grés, Balenciaga, Lanvin e Nina Ricci.
Fonte: Flickr | Foto: dovima_is_devine

Fonte: Flickr | Foto: dovima_is_devine

Fonte: Flickr | Foto: dovima_is_devine

Decotes e formas mais ajustadas no estilo dos anos 1930.

74
Moda, Cultura e Identidade

No final dos anos 1930, com o início da Segun-


da Guerra Mundial (1939 – 1945), a crise na Europa se
agrava ainda mais. O racionamento de produtos de
toda ordem, entre eles mantimentos, atingiu a indús-
tria têxtil, e a moda feminina mudou mais uma vez –
masculinizou-se – e passou a inspirar-se nos uniformes
militares. No auge da recessão, as mulheres driblavam
a crise aplicando detalhes diferenciados em blusas e
saias para garantir um certo ar de novidade. Nos cabe-
los, chapéus, lenços e turbantes são alternativas para
os penteados que agora não mais contavam com os
cuidados assíduos dos profissionais especializados.
Fonte: Flickr | Foto: dovima_is_devine

Anos 1940: menos tecidos e mais sobriedade.

Uma Europa de tempos difíceis...


Para saber mais sobre esses tempos difíceis, leia Moda e Guerra, um livro que analisa
o cotidiano na França durante a Segunda Guerra Mundial. Dominique Veillon conta
como o país sobreviveu à imposição de pesadas leis de reserva de estoques e limitações
drásticas de recursos para a fabricação de roupas e acessórios, além de mostrar de que
forma os franceses improvisavam para não perder a fama de lançadores de moda:
VEILLON, Dominique. Moda e guerra. Rio de Janeiro: Zahar, 2004.
Fonte: CATÁLOGO Zahar.

Com o fim da II Guerra, a alta-costura, que havia sido esquecida, ressur-


ge ainda mais poderosa. Mas, do outro lado do Atlântico, nos Estados Unidos,
um outro fenômeno desponta – o ready to wear ou prêt-à-porter: a produção
de roupas em escala industrial e ainda assim pautada nas mudanças da moda.
No final dos anos 1940, Christian Dior daria o primeiro passo em direção a mais
uma vertiginosa mudança no cenário da moda. A criação do New Look trouxe
de volta a feminilidade e a sofisticação.

75
Aula 4

Fonte: Flickr | Foto: Sacheverelle

Em 1947, Dior lança a moda New Look: muito tecido era gasto para confeccionar um vestido bem amplo. A cintu-
ra era bem marcada e os sapatos eram de saltos altos. Também eram usadas luvas e outros acessórios luxuosos,
como peles e joias.

2.2. O Pós-Guerra (1950)

Conhecidos como os Anos Dourados, os anos 1950 resgatam o luxo, a fe-


minilidade e a autoestima, um bom motivo para consumir, desde eletrodomés-
ticos, maquiagens, tintas para cabelos e uma infinidade de produtos. Nesse
cenário, surge um segmento até então esquecido pelo mercado: os jovens. Eles
são a grande descoberta da década, pois além de consumir uma série de pro-
dutos criados especialmente para eles, também lançam moda, pois não acei-
tam mais usar as mesmas roupas de seus pais. Pela primeira vez na história, o
mercado passa a pensar neste público, que busca incansavelmente encontrar
a sua própria identidade.
No cinema e na música, ícones como Marlon Brando, James Dean e Elvis
Presley incorporavam o tom de rebeldia que marcaria as gerações juvenis a
partir de então.
Entravam também para a história como símbolos máximos da juventude
o jeans e a camiseta.

76
Moda, Cultura e Identidade

Fonte: Imagem de divulgação

Os Anos Dourados foram importantes para a ascensão dos jovens no mercado da moda. As mulheres usavam
vestidos ou saias rodados com blusas coladas no corpo. Já os homens começavam a usar jeans e camiseta.

No final dos anos 1950, uma personagem que também acabou ficando
para sempre na história surge nos Estados Unidos: a boneca Barbie.

Amando-a ou odiando-a, Barbie é um ícone mundial


Fonte: Flickr | Foto: dpstyles

A Barbie completou 50 anos em 2009, com um corpo de 20. Mas qual é a


história dela e sua importância para a moda?
A Barbie foi introduzida pela primeira vez em fevereiro de 1959. Ela foi criada por
Elliot Handler, o fundador da Mattel, Inc., e sua esposa, Ruth. Depois de reparar no in-
teresse da filha por bonecas de mulheres adultas, Ruth Handler sugeriu a ideia de uma
boneca adulta, que depois ela nomeou com o nome de sua filha, Barbara. A princípio, a
imagem feminina da boneca e seu rosto pintado baralharam opiniões e poucos teriam
imaginado que mais de 35 anos depois Barbie seria um dos mais bem-sucedidos e du-
radouros brinquedos do mercado.
Para manter a imagem glamorosa da Barbie sempre atualizada, os designers da Mat-
tel fornecem à boneca cerca de uma centena de novas roupas cada ano. O vestuário da
Barbie também foi criado por designers mundialmente famosos, como Yves Saint Lau-
rent, Christian Dior, Valentino, Perry Ellis, Oscar de la Renta, e Bob Mackie. Desde 1959,
mais de 105 milhões de metros de tecido foram usados para criar roupas da Barbie.
Se você quiser conhecer mais sobre a história da Barbie, acesse: http://www.portais-
damoda.com.br/noticiaInt~id~17995~n~barbie:+a+historia+da+boneca+que+completa
+50+anos+em+2009.htm

77
Aula 4

Atividade 1 – Objetivos 1 e 2

Até agora você ficou sabendo o que está por trás dos modismos criados
até a metade do século XX. Antes de darmos continuidade à aula, vamos fa-
zer a seguinte atividade. Você deverá escolher uma década desde o início do
século XX até os anos 1950. Você irá pesquisar alguns ícones de vestuário e
acessórios que marcaram a década. Por exemplo, o jeans, a camiseta, o estilo
New Look, o biquíni, o turbante, o scarpin, o chapéu cloche. Conte a história
do ícone escolhido em, no máximo, 20 linhas.
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Respostas e comentários

Agora que você já sabe um pouco mais sobre a peça que pesquisou, que
tal buscar imagens originais e comparar com versões atuais da mesma, criadas
por estilistas no mundo inteiro? Dessa forma, você perceberá o quanto é possível
criar em cima de uma mesma peça de vestuário e como isso tem sido feito pelos
criadores contemporâneos que buscam no passado referências para suas cria-
ções. Veja o jeans, por exemplo: desde seu surgimento, no final do século XIX,
ele passou por grandes mudanças em sua modelagem, estilo, cor, textura e aca-
bamentos. Apesar de muito antigo, é uma peça que se renova a cada temporada.
78
Moda, Cultura e Identidade

2.3. As décadas da coletividade (1960 e 1970)

Embora diferentes, os anos 1960 e 1970 trazem o espírito da coletivida-


de. A valorização da juventude na década de 1950 se amplia, trazendo ques-
tionamentos, críticas e posicionamentos que deixaram marcas. Movimentos
como Flower Power e Black Power fizeram a sociedade refletir sobre si mesma.

Movimentos dos anos 1960


Símbolo da ideologia da não-violência e de repúdio à Guerra do Vietnã, o
Flower Power (poder das flores) é um termo frequentemente usado para se
referir aos anos 60 e ao movimento hippie, que, no final da década, enfatizou ainda o
orgulho racial por meio do Black Power (poder negro). Os dois movimentos tiveram
repercussão na moda, com o uso de cabelos crespos e volumosos, como os dos negros
americanos, e no uso de flores em estampas e aplicações artesanais em roupas e tam-
bém nos cabelos.

A chegada do homem à lua, nos anos 1960, acena para a possibilidade


de se pensar o mundo sob uma ótica futurista. Surgem o psicodelismo da Op
Art e a inovação da Pop Art, que transformava latas de sopa e rostos de gente
famosa em obras de arte.

O “pai” da Pop Art: Andy Warhol


Um nome muito conhecido no movimento da Pop Art é Andy Warhol. Este artista
fazia belas obras de arte usando o rosto de pessoas famosas.
Para conhecer melhor a obra deste grande artista, acesse os links apresentados a
seguir. Dois desses links estão disponibilizados na língua inglesa, mas mesmo que você
não tenha domínio deste idioma, vale a pena ver as apresentações de power point que
estão disponibilizadas. Assim, você pode conhecer um pouco da obra de Andy e do
movimento Pop Art.

Museu de Andy Warhol − www.warhol.org/default.asp


Warhol e o século XX − http://edu.warhol.org/20c_ppt.html
Galeria de imagens de obras de Andy Warhol – www.ocaiw.com/galleria_maestri/
gallery.php?id=702&catalog=pitt&lang=pt

79
Aula 4

Nem mesmo a moda escapou ilesa dessa tendência futurista. Criadores


como Yves Saint Laurent, Paco Rabane, André Courrèges e Pierre Cardin usa-
ram e abusaram de materiais sintéticos e pouco convencionais para criar a
estética da década. Mas as novidades não param por aí: os jovens continuam
aprontando e das ruas surge a minissaia. As mulheres passam a usar o terni-
nho, que teve como referência o smoking masculino.
Com tantas novidades, os homens se rendem aos apelos da moda e pas-
sam a adotar outras peças além do terno. Entre elas estão: jaquetas, calças
mais justas e camisas coloridas.
O culto ao futuro, trazido com a conquista espacial, e os novos com-
portamentos ditados pelos jovens se sobrepõem aos ideais da contracultura,
trazendo à tona um movimento de
liberdade do qual os hippies são os
principais representantes. No festi-
val de Woodstock, em 1969, nos Es-
tados Unidos, eles deixaram clara
sua posição de contestação a toda e
qualquer manifestação de violência e
preconceito. O lema “Faça amor, não
faça guerra” ficou evidente também
na moda. Roupas unissex, simples,
confortáveis, com interferências arte- Fonte: Flickr | Foto: Tobyotter

sanais vieram para ficar, mostrando,


mais uma vez, que os jovens querem
mostrar a sua cara e manter viva na
estrutura social sua identidade.
Fonte: Wikimedia Common

Janis Joplin e Jimmy Hendrix, ícones do movimento hippie.

80
Moda, Cultura e Identidade

A onda de contestações trouxe ainda os movimentos feminista, pacifista,


gay, dando também à década um clima de festa e de multiplicidade. Tudo pas-
sa a ser possível. Na moda, Calvin Klein e Ralph Lauren trazem propostas mais
confortáveis e despojadas, adequadas aos novos tempos, valorizando ainda o
que chegaria à consagração definitiva nos anos 1980: as grifes.
Hits do glam, do rock, do punk e do disco convivem entre si e dominam as
pistas, fazendo os corpos suados se movimentarem cada vez mais. É justamente
neste momento que surge uma dos grandes temas da contemporaneidade: o cul-
to ao corpo e à juventude. Das dietas vegetarianas rigorosas dos anos 1970 para
as academias foi um pulo. E daí para o silicone, a lipoaspiração e todo o arsenal
de alternativas garantido pela tecnologia cosmética foi apenas questão de tempo.

Fonte: Imagem de divulgação

John Travolta em “Os embalos de sábado à noite” encantou com seus movimentos sensuais e contagiantes.

Os Embalos de Sábado a Noite


Neste filme, produzido em 1977, Tony Manero (personagem de John Travolta) é um
jovem que vive no Brooklin. Ele é um excelente dançarino de disco music e só fica feliz
nos fins de semana, depois de passar a semana trabalhando em uma loja de tintas. En-
quanto se prepara para participar de um concurso em uma discoteca – ele se perfuma e
se veste de um jeito “fashion” para dançar –, ele vive uma crise amorosa.
É um filme bem animado! Vale a pena assistir!
Texto: adaptado de Adoro Cinema.

81
Aula 4

2.4. As décadas do individualismo (1980-1990)

O corpo sintetiza de maneira muito clara o espírito individualista dos


anos 1980 e 1990. Com a mudança de alguns valores relacionados a família,
casamento, sexualidade, política, nada mais restou a não ser investir no “self”
(ou seja, em si mesmo). Esta é a época do boom da malhação, não apenas do
corpo, mas também da mente. A terapia psicanalítica está em alta.
Como vimos anteriormente, o ideal da aparência perfeita começa no final
dos anos 1970 e ganha velocidade nos anos 1980, respaldada pela valorização
das formas entre ídolos da década, como Madonna. Os cuidados com o corpo
denunciam outra questão cultural bastante forte nos anos 1980: a guerra dos
sexos provocada pelas disputas no campo do trabalho. As mulheres buscam
igualar-se aos homens ocupando os principais cargos, antes destinados a eles.
Para isso, vestem-se como eles: usam coletes, ombreiras, gravatas, suspensórios.
Fonte: Flickr | Foto: djwudi

Madonna virou referência de beleza e estilo.

Os anos 1980 são a década dos contrastes. Surge o conceito de grupos


urbanos e a ideia do supermercado de estilos propagada pelo escritor Ted Po-
lhemus. A globalização traz a internacionalização da moda. Paris divide com a
Inglaterra, a Itália, o Japão, entre outros países, o título de lançador de tendên-
cias. Agora, elas estão por toda a parte. Do Japão vem, por exemplo, a cultura
minimalista que irá marcar os anos 1990. O que passa a vigorar é a valorização
do look mais simples, com menos elementos, eliminando os exageros. Como
se dizia na época, “menos é mais”.
82
Moda, Cultura e Identidade

A década de 1980 traz também um certo gosto pelo passado – os brechós


viraram moda na época e as releituras aparecem com toda força relembrando
o Barroco, o Romantismo, os anos 1960. Um certo “clima” de fim de século es-
tava no ar. Mas essa tendência não é compartilhada por todos. Os yuppies, por
exemplo, queriam, pelo contrário, ostentar um estilo moderno e sofisticado e
viver a vida intensamente, de preferência rodeados por marcas famosas.

Fonte: Stock Xchange | Foto: Mihai Eustatiu

Fonte: Flickr | Foto: spratmackrel


Yuppies e punks: as tribos estão por toda a parte.

Os grupos urbanos se multiplicam e, nos anos 1990, não mais estão com-
prometidos ideologicamente. A onda agora é ser o que se quer ser pelo tempo
que for necessário, seja grunge, dragqueen, cluber, raver.
À cultura global da moda se soma a necessidade de construir identidades
que representem as nações. Nos anos 1990, países como o Japão, a África, a
China, os do leste europeu e, por que não dizer, o Brasil investem na criação de
traços que possam identificar seus produtos. Este é um fenômeno bastante inte-
ressante no final do século passado e que será tema de nossas próximas aulas.
Os novos talentos, tanto no Brasil quanto no exterior, ocupam espaço
no mercado, trazendo à tona um trabalho que traz a marca de uma geração
de profissionais formados por escolas de design. É o caso de John Galliano,
Alexander McQueen, Stella McCartney e, no Brasil, Alexandre Herchcovitch e
Fause Haten.

83
Aula 4

Neste final de século, outros fato-


res importantes se aproximam da moda,
como as preocupações com o meio
ambiente e as questões sociais. No de-
senvolvimento da tecnologia têxtil e de
práticas sustentáveis, vemos a chance de
ampliar ainda mais esse mercado.

Fonte: Flickr | Foto: spratmackrel


Kate Moss, a modelo que representou o ideal de beleza
dos anos 1990.

2.5. O século XXI e o fim do consenso na aparência!

Os atentados terroristas contra o World Trade Center, nos Estados Uni-


dos, marcaram o início do século XXI. Aproveitar a vida e curtir os prazeres do
momento parecem ser a saída para estes tempos imprevisíveis. O aquecimento
global provoca desastres ecológicos no mundo inteiro. É tempo de incertezas,
questionamentos, rompimentos, apropriações e, sobretudo, de reflexões. O es-
tilo lúdico, inocente e romântico é resgatado como tentativa de alívio ao caos.
Fonte: Stock Xchange | Foto: Mike Gieson

Fonte: Stock Xchange | Foto: B S K

Atentados terroristas, como o que atingiu as torres gêmeas do World Trade Center, assim como problemas am-
bientais, trazem muitas incertezas e a necessidade de reflexões, no início do século XXI.

Um mix de tudo o que já se viu nas últimas décadas poderia ser inter-
pretado como uma espécie de tributo àqueles tempos em que éramos felizes
e não sabíamos. A tecnologia se apresenta como uma arma poderosa, criando

84
Moda, Cultura e Identidade

novos hábitos. Mudanças importantes se dão também no campo do consumo.


Vimos, na Aula 2, como se comporta o sujeito contemporâneo em diferentes
faixas etárias e pudemos concluir que as diferenças de idade não são hoje
representativas quando se fala de moda,
pois a onda agora é “ser jovem o tempo
inteiro”, independentemente da idade.
Imprimimos cada vez mais traços
individuais às nossas atitudes. Não foi à
toa que surgiu a customização na moda,
uma forma de nos tornarmos ainda mais
diferentes, acrescentando novos valores
ao que consumimos e usamos. E se pu-
dermos aguçar nossos sentidos através
dessas práticas, como vimos na Aula 2,
melhor ainda.
Uma das principais questões nes-
Fonte: Flickr | Foto: Annie Mole

te século, onde o tempo passa a ser um


bem precioso, é a necessidade de per-
ceber o mundo por meio de imagens.
São elas as principais responsáveis pela
representação de identidades e culturas.
Não é à toa que a moda se valorizou tan-
to nas últimas décadas, afinal, como di-
riam os mais exagerados: “diga-
me o que vestes, que eu te direi
quem és...”.
Extremismos à parte, em
tempos de globalização as trans-
culturalidades estão em alta e
apontam para a necessidade de
reconhecimento e valorização
das culturas locais. Nas próximas
aulas falaremos deste assunto
Fonte: Flickr | Foto: LHOON

usando como referência o caso


do Brasil e o espaço destinado à
cultura de moda no país.

No século XXI, as diferentes culturas estão representadas na moda.

85
Aula 4

Atividade 2 – Objetivos 1 e 2

Nesta atividade, você irá pesquisar sobre tribos urbanas. Você deverá es-
colher uma delas e realizar uma pesquisa detalhada. Temos algumas sugestões:
punks, hippies, emos, clubbers, ravers, yuppies, patricinhas, surfistas, skatistas,
entre outras. O trabalho deverá conter: uma descrição das características da
década na qual está localizada a tribo escolhida, uma descrição das caracterís-
ticas da tribo – como se comportam, que tipo de lugar frequentam, que estilo
de música ouvem, o que vestem etc. Por último, você deverá ilustrar o trabalho
com um painel contendo imagens sobre a tribo e os elementos de moda que
a caracterizam. Esta atividade deve ser entregue através do ambiente virtual.

Respostas e comentários

Ao realizar este trabalho, você deve ter percebido como as referências


visuais dizem muito a respeito da cultura na qual estão inseridas. Se você pes-
quisou os punks, por exemplo, deve ter percebido o quanto da contestação e
da inconformidade destes jovens do final dos anos 1970 estão presentes na-
quelas jaquetas de couro, nos jeans rasgados, nos acessórios em couro e me-
tal, nos cabelos coloridos e espetados. Mais interessante ainda é perceber o
quanto dessa cultura se diluiu ao longo do tempo. Hoje você pode ver o ‘estilo
punk’ nas passarelas de um desfile de alta-costura ou ainda numa loja de de-
partamentos, o que não significa que quem o use seja rebelde, contestador e
inconformado. É apenas uma questão de estilo...

Conclusão

Na Aula 3 e nesta aula, discutimos sobre a questão das representações


culturais na moda ao longo da história e constatamos que todas as alterações
sociais, políticas e econômicas têm consequências na mudança dos padrões
identitários dos grupos que pertencem a uma sociedade.
Nesse sentido, é importante estar atento aos movimentos que a própria
sociedade impõe, pois por trás deles podem estar explicações importantes que
justificam o uso de espartilhos, armações, minissaias, jeans surrados ou ainda
um terninho feminino.
A essência da moda está em interpretar por meio de formas, cores e
texturas, as mudanças que acontecem no mundo.

86
Moda, Cultura e Identidade

Para uma segunda olhada...

Muitas foram as transformações da sociedade que acabaram por dei-


xar marcas na moda de cada época. Assim foi no início da Era da Moda, nas
cortes; depois, no século XIX, com a construção do espaço da cidade e a
necessidade de configurar a rua como representação destes novos padrões.
No século XX, tivemos muitos momentos em que a moda mudou radical-
mente para acompanhar essas transformações: a chegada das mulheres ao
mercado de trabalho, a ida do homem à lua, a contracultura, a globalização,
os atentados terroristas são apenas alguns exemplos de transformações que
repercutiram na moda.
Hoje, em pleno século XXI, novos valores podem ser encontrados no cul-
to ao presente, à imagem, à juventude, ao prazer e à felicidade. Vivemos, como
já falamos, uma espécie de sobreposição de ideias, conceitos e valores. E a
moda, como não poderia deixar de ser, acompanha tudo isso, apresentando-se
como elemento capaz de revelar os valores de uma época. Neste mix contem-
porâneo que reúne tendências de todos os tipos, vemos claramente a necessi-
dade de resgatar alguns valores como a ética, a preocupação com a ecologia e
principalmente a nossa história.

Referências

LAVER, James. A roupa e a moda. São Paulo: Cia. das Letras, 1989.
LIPOVETSKY, Gilles. O império do efêmero. São Paulo: Cia. das Letras, 1989.
MOUTINHO, Maria Rita. A moda no século XX. Rio de Janeiro: Senac, 2000.

Sites consultados:
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sabado-noite>. Acesso em: 27 de jan. 2010.
Almanaque Folha Online. Disponível em: <http://almanaque.folha.uol.com.br/moda_
index.htm>. Acesso em 27 jan. 2010.
CATÁLOGO Zahar. Disponível em: <http://www.zahar.com.br/catalogo_detalhe.asp?id=
0856&CLIP=1>. Acesso em: 27 jan. 2010.
CATRACA livre. Disponível em <http://catracalivre.folha.uol.com.br/2010/05/galeria-
olido-faz-mostra-de-cinema-em-homenagem-a-moda/>. Acesso em: 28 set. 2010.
COMUNIDADE moda. Disponível em: <http://www.comunidademoda.com.br/historia-
da-moda-king-of-fashion-paul-poiret.html>. Acesso em: 27 jan. 2010.

87
Aula 4

THE COSTUMER’S manifesto. Disponível em: <http://www.costumes.org/history/100


pages/costhistpage.htm>. Acesso em: 27 jan. 2010.
FLICKR. Disponível em: <www.flickr.com>. Acesso em: 27 jan. 2010.
História da moda. Disponível em: <http://www.modahistoria.blogspot.com>. Acesso
em: 27 jan. 2010.
INTERFILMES. Disponível em: <http://www.interfilmes.com/filme_20910_Coco.Antes.
de.Chanel-%28Coco.avant.Chanel%29.html>. Acesso em: 27 jan. 2010.
LILIAN Pacce. Disponível em: <http://msn.lilianpacce.com.br/tag/edith-head/>. Acesso
em: 27 jan. 2010.
Portais da moda. Disponível em: <http://www.portaisdamoda.com.br/>. Acesso em: 27
jan. 2010.
STOCK Xchange. Disponível em: <www.sxc.hu>. Acesso em: 27 jan. 2010.
UOL. Disponível em: <http://pipocacombo.virgula.uol.com.br/wp-content/uploads/
2009/08/coco-antes-de-chanel-poster-4.jpg>. Acesso em: 27 jan. 2010.
WIKIMEDIA Common. Disponível em: <http://commons.wikimedia.org/wiki/Main_
Page>. Acesso em: 27 jan. 2010.

88
Aula

Nação, cultura e identidade


5
Seus Objetivos:
Ao final desta aula, esperamos que você seja capaz de:
1. Reconhecer o conceito de nação e o fato de a moda
ser expressão da cultura de uma nação;
2. Analisar o fenômeno do ressurgimento dos ‘nacionalismos’
na cena contemporânea;
3. Contextualizar os potenciais criativos de uma nação e identificar,
na moda produzida por um país, referenciais de sua história e voca-
ções particulares.

2 horas de aula
Moda, Cultura e Identidade

1. Um pouco de dejavú e um pouco de fast forward

Nas primeiras aulas dessa disciplina, conhecemos a relação moda, cul-


tura e identidade em três momentos distintos. Na Aula 1, compreendemos o
significado de cada um desses elementos e suas relações. Na Aula 2, identifi-
camos nas formas de vestir contemporâneas sinais desses processos culturais
e identitários. Por fim, nas Aulas 3 e 4, viajamos ao passado e identificamos o
quanto a cultura pode ser responsável pela mudança de comportamentos do
sujeito, inclusive no modo de vestir.
A partir de agora, vamos mergulhar em nossa cultura, na cultura brasilei-
ra, para aprofundar um pouco mais esses conhecimentos, verificando, já nesta
aula, a relação da nação com seus criadores e, sobretudo, com seus processos
criativos, principalmente no campo da moda.
Na Aula 6, vamos falar sobre a formação cultural brasileira e de que for-
ma ela está representada na contemporaneidade. E, por fim, nas Aulas 7 e 8,
conheceremos um pouco da história da moda no Brasil e sua relação com o
design, com a cultura e com a nossa identidade.

2. O renascimento do nacionalismo

A diversidade cultural é, cada vez mais, o destino do mundo moderno.


Ao mesmo tempo em que se misturam referências de diversos lugares, apa-
rentemente sem uma preocupação legítima com a procedência de cada uma
delas, um fenômeno interessante se estabeleceu nas últimas décadas: o enal-
tecimento dos valores nacionais e o resgate do passado histórico.
Nesse sentido, tornou-se importante refletir sobre a relação dessa di-
versidade com as formas de identidade nacional e cultural, principalmente
aquelas que tentam assegurar sua legitimidade adotando versões fechadas da
cultura e recusando-se ao engajamento. Para Stuart Hall, “o ressurgimento do
nacionalismo e de outras formas de particularismo no final do século XX, ao
lado da globalização e a ela intimamente ligado, constitui, obviamente, uma
reversão notável, uma virada bastante inesperada dos acontecimentos” (HALL,
2006, p. 96).
Hall está se referindo a um sentimento de nacionalismo aflorado que
se destaca na retomada de antigos modelos culturais, no enaltecimento das
raízes e de símbolos que possam representar tal sentimento. Em países da
América Latina, por exemplo, o estigma do “colonizado” gerou limitações nos
processos de construções identitárias.

91
Aula 5

Desde o início dos anos 1990, porém, movimentos esporádicos passaram


a valorizar referências locais como sinal de representatividade. Este fenômeno
denuncia uma alteração nos padrões de comportamento até então vistos. O
reconhecimento e o orgulho de suas raízes marcam, de forma surpreenden-
te, um novo referencial na vida desses povos. Olhar para si mesmo sem os
incômodos questionamentos e comparações de outras épocas é, de fato, algo
novo na história e, certamente, um recurso importante na geração de novos
processos identitários.

Chocar para conquistar


Nos anos 1980 e 1990, a marca italiana Benetton inovou o mundo da publi-
cidade ao usar em suas campanhas imagens do fotógrafo Oliviero Toscani,
que mostravam, entre situações irreverentes e chocantes, cenas reveladoras de novos
tempos. Imagens da união entre raças e de povos de diferentes religiões e credos foram
exploradas por muito tempo, alertando para a questão da diversidade e da necessidade
de uma convivência pacífica entre os povos. Estas imagens foram substituídas, poste-
riormente, por mensagens que abordavam temas polêmicos e delicados, como a AIDS,
a guerra, a política, ou até mesmo a ajuda humanitária. Ao longo de sua história, a Be-
netton fomentou o debate sobre temas contemporâneos, atraindo a atenção da mídia
e provando que a função da publicidade não era mais apenas vender produtos, e sim
criar e manter uma imagem.
Para ver mais imagens deste fotógrafo e conhecer mais a campanha da Benetton,
acesse os links:
http://press.benettongroup.com/ben_en/image_gallery/campaigns/?branch_
id=1109
http://zielcom.wordpress.com/2008/05/08/campanha-da-benetton/
http://www.olivierotoscanistudio.com/

A ideia de que o mundo agora é lugar de união que promove um maior


diálogo entre nações, blocos e civilizações e não apenas a simples extensão
da modernidade gera algumas possibilidades de repercussão em relação ao
sujeito. Para Stuart Hall (2006), a crise de identidade que se instala é vista como
parte de um processo mais amplo de mudança, responsável pelo deslocamen-
to de estruturas centrais das sociedades modernas e por abalar os alicerces
que garantiam uma estabilidade no mundo social. Descentrada, deslocada e
fragmentada – assim ele descreve a identidade do homem contemporâneo.
Neste cenário, mecanismos de conexão surgem como alternativa ao caos e às
distensões.

92
Moda, Cultura e Identidade

Para Baumann (1999), existem duas razões óbvias para essa nova safra
de reivindicações à autonomia ou independência, segundo ele “erroneamente
descrita como uma ‘ressurgência do nacionalismo’ ou como uma ressurreição/
reflorescimento das nações” (BAUMAN, 1999, p. 62). Uma delas seria a tenta-
tiva de encontrar um modo de proteger-se dos ventos globalizantes, a outra a
reavaliação do pacto tradicional entre nação e Estado, pois os Estados vivem
hoje um processo de enfraquecimento, tendo cada vez menos benefícios a ofe-
recer em troca da lealdade exigida em nome da solidariedade nacional.
Esta necessidade de proteção aos efeitos da globalização gerou um mo-
vimento de ‘volta ao passado’, que faz uso da memória como lastro para re-
encontrar um tempo em que nos sentíamos mais seguros e protegidos. Esse
comportamento pode ser interpretado como uma tentativa de encontro com
nossa verdadeira identidade. No campo do consumo, é cada vez mais visível
o apelo a imagens de tempos distantes na moda, no design, na música, entre
outros. O retrô e o vintage são exemplos deste fenômeno.
Peças inspiradas em épocas já fixadas na memória trazem uma espécie
de segurança e conforto ao sujeito, que vive o caótico tempo presente, tenha
ele participado ou não do período evocado.
O problema da falta de segurança no planeta inteiro esbarra na carência
de ferramentas e matérias-primas adequadas para a manutenção da ordem,
sem que sejam agredidos os direitos individuais, conforme comenta Bauman
(1999), fazendo coro com vários teóricos da cultura contemporânea.
A fim de que os sujeitos possam se sentir únicos, confortáveis e seguros,
há uma tendência tanto à construção como à fortificação de espaços particu-
lares, sejam eles condomínios fechados ou nações – ainda que estas apareçam
mitificadas em evocações do passado. O renascimento do “nacionalismo” cor-
responde a uma busca desesperada por “alternativas de solução local para
problemas gerados globalmente”. (BAUMANN, 1999, p. 66)

3. A formação da Nação e seus reflexos na construção da


identidade

A construção da identidade e suas relações com o sentimento de na-


cionalidade podem ser interpretadas de muitas formas. Para Bauman, “a ‘na-
turalidade’ do pressuposto de que ‘pertencer-por-nascimento’ significava (...)
pertencer a uma nação foi uma convenção arduamente construída”, uma vez
que, por motivos políticos, as ‘nações’ foram todas artificialmente ‘unificadas’,
configurando, na verdade, entidades imaginadas (BAUMAN, 2005, p. 29).

93
Aula 5

Do ponto de vista da cultura, encontra-se em muitos autores, como, por


exemplo, Vilém Flusser (1920-1991), o respaldo necessário para pensar que, tal
qual a nação, a identidade também é fruto de um processo construtivo no qual
a imaginação age como um dos principais suportes.

(...) quando o homem se assumiu como sujeito do mundo, quando recuou


um pouco para poder pensar sobre ele, isto é, quando se tornou homem,
assim o fez graças a sua capacidade de imaginar esse mundo. Assim criou
um mundo de imagens que fizesse a mediação entre ele e o mundo dos
fatos, com os quais estava perdendo contato à medida que retrocedia
para observá-los. Mais tarde, aprendeu a lidar com esse seu universo
imagético graças a outra capacidade humana – a de conceber. Ao pensar
por meio de conceitos, o homem tornou-se não somente o sujeito de um
mundo objetivado de fatos, mas também de um mundo objetivado de
imagens. (FLUSSER, 2007, p. 120-121)

Em Comunidades imaginadas (2008), Benedict Anderson nos mostra


que, mais que inventadas, nações são imaginadas a fim de fazer sentido para
a alma e constituir objetos de desejos e de projeções. Anderson mostra ain-
da que a ideia de nacionalismo pauta-se na noção de que é preciso extrair
o ‘antigo’ do novo, bem como encontrar naturalidade num passado que, na
maioria das vezes, além de recente, não passa de uma seleção, com frequên-
cia, consciente.
A nação é – dentro de um espírito antropológico – uma comunidade po-
lítica imaginada; quase uma questão de parentesco ou religião. Nesse sentido,
ela é tão limitada como soberana, na medida em que inventa ao mesmo tempo
em que mascara. Não há, portanto, comunidades “verdadeiras”, pois qualquer
uma é sempre imaginada e não se legitima pela oposição falsidade/autentici-
dade. Na verdade, o que as distingue é o “estilo” como são imaginadas e os
recursos de que lançam mão para proceder a tal intento.
Influenciado por Walter Benjamin, Anderson mostra como os discursos
da nacionalidade são caracterizados pela noção de simultaneidade, que inau-
gura uma ideia de tempo vazio e homogêneo. São abolidas as divisões cro-
nológicas claras e, em seu lugar, estabelecem-se regimes de temporalidade
que jogam o passado e os momentos de fundação para a esfera do mito. O
romance e o jornal, por esse motivo, proporcionariam os meios técnicos ideais
para “re-presentar” o tipo de comunidade imaginada a que corresponde uma
nação. Aí estaria o fenômeno do capitalismo editorial, que demonstra como
é, por meio do material impresso, que a nação se converte numa comunidade
sólida, recorrendo constantemente a uma história previamente selecionada.

94
Moda, Cultura e Identidade

Para corroborar suas teses, Benedict Anderson se vale de reflexões do


historiador francês Ernest Renan − Qu’est ce qu’une nation? (1882) −, centradas
na questão de que a essência de uma nação reside na possibilidade de seus
membros terem em comum não só muitas características como também mui-
Genealogia: significado
tos esquecimentos. Para Renan, “(...) ‘já ter esquecido’ tragédias que precisam
de estirpe, linhagem,
origem; ciência que tem ser incessantemente ‘lembradas’ revela-se um mecanismo típico na construção
por objeto a pesquisa da
posterior das genealogias nacionais” (apud ANDERSON, 2008, p. 274).
origem e da filiação das
famílias. Exposição cro- O nacionalismo, no final do século XIX, época de Renan, representa-
nológica da filiação de
um indivíduo.
va uma nova forma de consciência surgida da necessidade de perpetuar as
conquistas da burguesia, em termos de cidadania, honrando as heranças do
passado. Todas as mudanças profundas na consciência, porém, trazem con-
sigo amnésias, que originam narrativas. Tanto os registros oficiais - certidões
de nascimento e óbito, contratos, arquivos médicos, documentos em geral -,
como os pessoais - diários, fichas de anotações, cartas, álbuns de fotografias,
etc. - evidenciam a realidade da perda da memória, ao mesmo tempo em que
cultuam a sua perpetuação: “Desse estranhamento deriva um conceito de pes-
soa, de identidade (...) a qual, por não poder ser ‘lembrada’, precisa ser narra-
da” (ANDERSON, 2008, p. 278).
As nações, assim como as pessoas que as compõem, têm um começo e
um fim, mas suas datas de nascimento e de morte não são claramente identifi-
cáveis, uma vez que não obedecem a causas naturais. Por isso, o nacionalismo
não significa o despertar de determinado grupo para a autoconsciência, mas
sim a invenção de uma nação - no sentido de “falsificação”, não de criação -
onde ela não existia: “(...) ela é imaginada como uma comunidade porque,
independentemente da desigualdade e da exploração efetivas que possam
existir dentro dela, a nação sempre é concebida como uma profunda camara-
dagem horizontal” (ANDERSON, 2008, p. 34).
No Brasil, por exemplo, sabemos quando o país foi “descoberto”, quan-
do tornou-se colônia, império e república, mas sua história enquanto nação
se estabeleceu ao longo dessas etapas e por meio da relação entre os povos
distintos que por aqui passaram. A contribuição cultural de cada um desses
perfis, aliada aos contextos sociais e políticos, formou um ideal de nação que
é concebido e interpretado pelo povo, passando assim pelo viés do imaginário
ao qual se refere Anderson.
Para McCracken (2003), como grade conceitual de um mundo cultural-
mente constituído, as categorias culturais determinam o modo como este
mundo será segmentado em parcelas discretas e inteligíveis, além de definir
como será feita a organização de tais parcelas. Ao agir de acordo com o “plano
de ação” da cultura, os membros de uma comunidade estariam determinando

95
Aula 5

essas distinções, a fim de tornar real o mundo que criam consistente


com o que imaginam. De certa forma, “os membros de uma cultu-

Fonte: Stock Xchange | Foto: Sigurd Decroos


ra estão constantemente engajados na construção e na consti-
tuição do mundo em que vivem” (McCRAKEN, 2003, p. 103).
Criar um passado e construir uma narrativa são ga-
rantias de projeção de um futuro. No exercício de lembrar
e esquecer, imaginar e projetar, a nação acaba por se
constituir em uma história contada e atualizada perma-
nentemente. Em virtude dessa dinâmica, para Renan, a na-
ção é uma espécie de plebiscito diário.

Atividade 1 – Objetivo 1

O que você entendeu sobre o conceito de nação? Além das informações


presentes nesta aula, busque outras definições para nação e procure relacioná-
las no espaço wiki disponível em nosso ambiente virtual. Você deverá formular
um conceito e adicioná-lo na wiki.

4. O mapa da moda

Como pudemos perceber até aqui, o conceito de nação é muito amplo.


Podemos entendê-la como algo palpável que pode ser percebido no seu ter-
ritório, na sua geografia, nos traços de seu povo e nos fatos históricos que a
percorreram. Mas podemos entendê-la também como resultado de um proces-
so imaginário, onde a cultura e a identidade são ingredientes fundamentais.
Quando pensamos na moda e em como ela se desenvolveu em dife-
rentes nações, temos um quadro bastante objetivo que pode nos mostrar um
exemplo de como a cultura e a identidade de um povo se reflete nos hábitos
de vestir. Com base no que vimos na Aula 4, onde percebemos as principais
influências culturais na moda de cada década do século XX e nesse início de
XXI, vamos agora passear pelas capitais da moda. Mais uma vez, buscando em
seu passado e sua história as referências para compreender um pouco mais
por que determinados estilos e modismos são e serão sempre característicos
de uma determinada nação.

96
Moda, Cultura e Identidade

4.1. As Capitais da Moda e seus estilos

Embora a tecnologia facilite o trabalho na hora das compras e as con-


fecções estejam localizadas em diversos lugares, o design de moda tem sua
origem em alguns pontos do planeta onde a maioria dos estilistas trabalha.
Todas elas são importantes na pesquisa de tendências, mas cada uma tem sua
identidade ou estilo. Além de serem preferidas por quem trabalha no mercado
pela conveniência e facilidade de distribuição, são também fonte de inspiração
para criadores no mundo todo. Vamos conhecer agora um pouco do estilo de
cada uma dessas capitais e seus principais representantes:
Fonte: Stock Xchange | Foto: Martin Fabricius

a) MILÃO
Berço do Renascimento, a Itália transferiu sua própria história para a
moda. O gosto pelo belo e a habilidade no planejamento e na execução dos
projetos de design fizeram deste lugar um dos principais cenários da moda. Mas
nem sempre foi assim. Devastada pela Segunda Guerra, a Itália demorou a re-
erguer-se, mas com a recuperação veio também a ocupação de uma posição de
destaque na indústria da moda em razão de seu excelente trabalho artesanal.
Hoje, a moda ocupa a segunda posição na indústria nacional, depois do
setor alimentício, e o país é o maior exportador de roupas e tecidos do mundo,
além de dominar os setores de calçados, couro e malharia, destacando-se tam-

97
Aula 5

bém na produção de roupas masculinas. Milão é uma cidade que respira moda
e design e onde se concentram grande parte das indústrias.
Toda essa cultura de moda está representada também no povo. Os ita-
lianos costumam gastar grande parte de sua renda em roupas e acessórios,
além de serem muito exigentes quanto à qualidade dos produtos, pois sabem
reconhecer uma boa mercadoria.
O estilo “made in Italy”, conhecido no mundo inteiro, brinca de forma
sutil com cores e texturas e pode ser percebido nas criações de Giorgio Arma-
ni, Gianfranco Ferre, Versace, Fendi, Dolce e Gabbana, Byblos e Missoni. Além
destes, podemos citar Pucci, Prada e Salvatore Ferragamo, que passaram por
reestruturações que rejuvenesceram seu estilo, sendo agora líderes de mer-
cado. No estilo esportivo, Stone Island, Bluemarine, Sisley, Emporio Armani e
Max Mara se destacam.
Fonte: Wikimedia Commons | Foto: Jan Schroeder

Fonte: Flickr | Foto: A Continuos Lean

Giorgio Armani e Salvatore Ferragamo.

b) PARIS
Cidade onde nasceu a alta-costura, Paris guarda os valores tradicionais
da moda. Embora o mundo da moda esteja em constante mutação, é para lá
que se voltam os olhos atentos do mercado a cada lançamento de coleção.
Como já sabemos, foi lá que Charles Frederick Worth abriu, em meados do
século XIX, seu atelier - de onde saíam as criações mais desejadas pelo público
feminino.
O estilo do design francês é marcado pela pureza da silhueta associada
à complexidade do corte. Métodos tradicionais de alfaiataria, com uso de es-
truturas e forros internos, e um acabamento cuidadoso, além de um trabalho
manual altamente qualificado, ainda são os preferidos.

98
Moda, Cultura e Identidade

Há uma tradição de amplos investimentos nos negó-


cios de moda por parte do governo francês, que oferece
subsídios para os estilistas que utilizam mais de 90% de te-
cidos franceses em suas coleções. As empresas atuam em
cooperação e investem em experimentos, e a televisão es-
tatal se encarrega da ampla divulgação da moda francesa,
promovendo ainda mais os negócios.
Espaço onde estilistas do mundo todo realizam suas
ambições criativas, Paris tornou-se um centro internacional
para a indústria. Mas, apesar de abraçar toda essa diversida-
Fonte: Wikimedia Common | Foto: Tristan Nitot

de, Paris ainda guarda os valores da moda tradicional france-


sa, representados na alta-costura. No topo do mercado, ela
dita os preços mais altos, está construída sobre o prestigio e
o sucesso das peças únicas, sob medida e finalizadas à mão.
Entre as principais casas de alta-costura hoje em ati-
vidade estão: Valentino, Versace, Chanel, Dior, Lacroix, Gi-
venchy, Balmain, Balenciaga, Lanvin e Yves Saint-Laurent.
Os desfiles das coleções de alta-costura acontecem
tradicionalmente após os desfiles de prêt-à-porter e os in-
gressos são estritamente para convidados.

Luz na passarela!
Para conhecer um pouco mais sobre o mundo da alta-costura, acesse os links abaixo e
assista aos desfiles de Primavera Verão 2010 de Channel e Dior.
http://www.youtube.com/watch?v=eWEm0ED4Ye8&feature=related
http://www.youtube.com/watch?v=pHqGC5yJSbE&NR=1

As coleções do prêt-à-porter são exibidas em Paris em fevereiro e em se-


tembro, representando uma ampla variedade de roupas feitas para o mercado
de atacado, lojas de departamentos e butiques. Ao contrário do que acontece
com os desfiles da alta-costura, os do prêt-à-porter competem com os desfiles
de pronta entrega em outras capitais da moda, realizados aproximadamente
na mesma época.
Como pudemos perceber, apesar do ritmo veloz das tendências, a moda
francesa ocupa lugar de destaque e pode ser reconhecida por suas qualidades
em qualquer parte do mundo. É a história e a cultura de um país impressos no
estilo mais requintado e respeitado do mundo.

99
Aula 5

Alta-costura é privilégio de apenas duas mil mulheres no mundo!


As casas de alta-costura hoje não são mais tão lucrativas. Estas casas criam
produtos com preços proibitivos para (pasmem vocês!) uma clientela de
aproximadamente apenas duas mil mulheres em todo o mundo. Muitas casas de alta-
costura fazem parte de conglomerados, como o LVMH (Louis Vuitton, Möet Henessy), Linha de difusão: linha
que negociam as marcas de luxo por enormes quantias de dinheiro. As coleções são comercial, de maior pro-
dução.
usadas como propagandas glamurosas para outros produtos do conglomerado, como
cosméticos, perfumes e acessórios, linhas de difusão, demi-couture e licenças. Demi-couture: roupas
sob medida e que po-
Para resistir ao fim, as casas de alta-costura hoje contratam jovens designers que te-
dem ser customizadas,
nham “atitude” para renovar sua imagem. É o caso de John Galliano, na Dior; Alexander mas são vendidas em
McQueen, na Givenchy (até 2001); Stella McCartney, na Chloé (até 2001) e Michael Kors, lojas.

na Céline (até 2004).


Fonte: Wikimedia Common | Foto: Eric Pouhier

Fonte: Wikimedia Common | Foto: Arnaud 25


Fonte: Flickr | Foto: luisvilla

Exemplos de casas de alta-costura - Maison Chanel, Dior e Lacroix. Christian Lacroix no 20° Ano da Alta-Costura
em Catwalk - Arles (França), em julho de 2008.

100
Moda, Cultura e Identidade

c) LONDRES
Os britânicos têm fama de criarem uma moda rebelde e excêntrica. De
Mary Quant e a lendária Biba, nos anos 1960, a Vivienne Westwood e Alexan-
der McQueen, mais recentemente, os estilistas britânicos têm se saído bem na
liderança do mercado jovem e na promoção da mudança de rumo na moda,
ditando as regras quando o assunto é novas ideias.
Mais uma vez, podemos dizer que grande parte da irreverência e da crí-
tica, representadas no estilo britânico, tem sua origem na história e na cultura
de uma nação. Nos anos 1960, Londres era a efervescente capital da moda. Em
seguida, nos anos 1970, a moda das ruas revelou o jeito punk de ser, além de
outros estilos inspirados na cena musical da época. Aí está a origem da voca-
ção inglesa para uma moda jovem e descontraída.
Diferentemente do que acontece na França, o governo inglês investe
pouco nos negócios de moda, restando aos talentos criativos formados naque-
le país a absorção rápida do mercado externo. Além de McQueen, John Gallia-
no e Stella McCartney cruzaram as fronteiras do país e deixaram sua marca na
poderosa indústria da moda francesa.
Hoje as coleções de moda produzidas na Inglaterra podem ser vistas na
London Fashion Week, organizado pelo British Fashion Council (BFC). Criado
em 1983, o BFC apoia os estilistas britânicos em início de carreira, realizando
desfiles e concursos e fazendo a interface entre as universidades de moda do
Reino Unido e as empresas.

Grandes estilistas de Londres


Para conhecer um pouco mais sobre o talento dos destaques da moda inglesa, acesse o
site dos principais estilistas e veja algumas de suas criações:
http://www.alexandermcqueen.com/
http://www.stellamccartney.com/smcmobile/index-wap.asp
http://www.johngalliano.com/

Outros nomes da moda inglesa


Entre outros nomes da moda inglesa, estão os rebeldes mais conceituais Hussein
Chalayan, Shelley Fox, Jessica Ogden, Tristan Weber e Robert Carey-Williams. Já
entre os estilistas de prêt-à-porter de nível internacional, estão Nicole Farhi, Rifat Ozbek,
Jasper Conran, Betty Jackson e Clements Ribeiro (um dos integrantes da dupla é brasileiro).
Ainda destacam-se Paul Smith, na moda masculina; Joe Casely-Hayford, Oswald Boateng
e Charlie Allen, na revitalização do estilo clássico; além das grandes redes de lojas, como
Marks & Spencer, Top Shop, Burton’s Menswear, Dorothy Perkins e Miss Selfridge.

101
Aula 5

d) NOVA YORK
A indústria de confecção norte-americana cresceu em volta dos bairros
de imigrantes operários do Lower Eeast Side de Manhattan, no século XIX. O
surgimento da máquina de costura e dos moldes de papel rapidamente trans-
formou os ateliers dos costureiros do bairro em indústria.
O cinema hollywoodiano, como vimos na aula anterior, foi o maior
responsável pela propagação do “american way of life” por todo o mundo.
A moda, copiada de Paris, parecia ganhar vida própria nas telas de cinema.
Hollywood ajudou a promover um estilo bem americano e um tipo de beleza
e elegância esguia. As cerimônias do Oscar ainda hoje são uma referência no
lançamento de tendências.
Durante a Segunda Guerra, o fim do contato com Paris fez com que a in-
dústria americana passasse a contar com sua própria criatividade. Profissionais
europeus fugiram para os Estados Unidos e se empregaram no mercado de
alta-moda de Nova York e Hollywood, mas foi no mercado de roupas femininas
para o trabalho que surgiram as maiores inovações. A combinação da indústria
nacional do algodão com o investimento na criação de roupas de trabalho e
esportivas deu origem ao que chamamos hoje de casual wear americano. Esta
foi a maior contribuição dos Estados Unidos à industria da moda.
O maquinário, o desenvolvimento de fibras e tecidos e as técnicas de
produção de massa de baixo custo garantiram a li-
derança do país no cenário da moda mundial. Com
o fim da guerra, a mulher americana já tinha criado
um estilo próprio e teve dificuldades para aceitar
as imposições do New Look, de Dior. Surgem então
estilistas como Claire McCardell e Bonnie Cashin,
que ofereciam às clientes uma moda fácil de usar
e autenticamente nacional. Nos anos 1960, Jackie
Kennedy se tornou a embaixadora oficial dos es-
tilistas americanos, promovendo ainda mais o
nacionalismo na moda. Entre eles, estavam Main-
bocher e Norman Norell, que mais tarde vieram a
ser referência para outros criadores, como Halston,
Fonte: Flickr | Foto: emaspounder

Ralph Lauren, Calvin Klein, Perry Ellis, Liz Claiborne


e Donna Karan.

O estilo simples e elegante de Jackie Kennedy.

102
Moda, Cultura e Identidade

Embora ignorada até a virada do milênio no cenário tradicional da moda pa-


risiense, a moda americana conquistou fama no mercado internacional com Calvin
Klein e Donna Karan, que abriram passagem para outros nomes como: Tom Ford,
Marc Jacobs, Richard Yyler, Michael Kors. Entre as marcas que captaram o estilo
americano de vestir destacam-se: The Gap, Espirit, Tommy Hilfiger, Nike, Timberland.

Fonte: Wikimedia Common | Foto: David Shankbone

Fonte: Wikimedia Common | Foto: Edgar de Evia


Donna Karan e Ralph Lauren.

Entre os mais recentes estilistas estão Patricia Field, Norma Kamali, Bet-
sey Johnson, Anna Sui, Zac Posen e Jeremmy Scott. Nas marcas de vanguarda,
destacam-se Imitation of Christ, As Four e Carlos Miele (brasileiro e dono da
MOficcer) e, entre as mais comerciais, Limited, J. Crew, Gap, Banana Republic.
O Council of Fashion Designers of America é o responsável pela orga-
nização do lançamento das coleções produzidas em Nova York, bem como
eventos de premiação de coleções e de novos talentos, além de incentivar o
desenvolvimento profissional de novos designers.
A confecção de roupas é a principal indústria do estado e da cidade de Nova
York e a quarta maior do país, movimentando bilhões de dólares a cada ano.

e) TÓQUIO
Mesmo sem a tradição de moda dos outros países, o Japão surpreendeu
o cenário da moda nos anos 1980 ao trazer para as passarelas formas soltas,
longas e esculturais que não se adequavam as formas do corpo, cores escu-
ras, bainhas inacabadas, rasgos e buracos que remetiam ao punk e tecidos
incomuns, porém altamente tecnológicos. Essa verdadeira revolução na moda
trouxe à cena nomes como os de Issey Myiake, Rei Kawakubo e Yohji Yamamo-
to, influenciando mais tarde, nos anos 1990, os designers belgas.
103
Aula 5

Continuando na proposta de tentar perceber um pouco da nação nos


criadores e suas criações, podemos dizer que os japoneses trouxeram para a
moda ocidental, pela primeira vez na história, a cultura do Oriente. As roupas
a partir de então não eram mais cortadas de forma tão “certinha” e não havia
mais a necessidade de finalizar cada peça do mesmo jeito.
Graças ao esforço desses criadores, Tóquio tornou-se mais uma capital
da moda.

Japão – surpreendendo também na moda

Fonte: Catálogo Livraria da Travessa


Outro grande fenômeno da moda japonesa concentra-se em Harajuku,
bairro de Tóquio, onde despontaram, entre o final dos anos 1990 e
início do século XXI, um grupo de jovens de muita personalidade que
ousaram, mais uma vez, desafiar as regras do “certo e errado”, misturando tradição e
vanguarda. Conhecidas no mundo todo, as inúmeras tribos que frequentam o local pos-
suem gostos e estilos diferentes. Para conhecer um pouco do estilo destes irreverentes
jovens, você pode ler “Fruits”, de Soichi Aoki, da editora Phaidon, um livro que traz
fotos bastante interessantes.

4.2. Outros destinos...

Além das capitais vistas aqui, outros lugares vêm se destacando na propa-
gação das novidades do mundo da moda e, consequentemente, emprestando a
esse universo tão dinâmico e multi-imagético um pouco de sua história e cultura.
Fonte: Stock Xchange | Foto: Martin Fabricius

104
Moda, Cultura e Identidade

Estilistas belgas como Anne Demeulees-


ter, Martin Margiela, Dries van Noten, Walter
van Beirendonck e Dirk Bikkembergs coloca-
ram a Antuerpia no mapa da moda. Eles vêm
produzindo uma moda intransigentemente à
frente de seu tempo, flertando com a aborda-
gem pós-moderna e conceitual das roupas,
também levantada pelos japoneses. Hoje no-
vos nomes se destacam, como: Josephus Thi-
Fonte: Flickr | Foto: ilovesorbet.blogspot.com

mister, Olivier Theyskens, Bernard Wilhelm,


Véronique Branquinho e Lieve van Gorp.

Criação de Walter van Beirendonck.

Barcelona também se transformou em mais uma parada nesse roteiro


pelas capitais da moda. O espírito de Gaudi, predominante na arquitetura da
cidade com seu estilo divertido e sério, colorido e de linhas orgânicas, está
presente em algumas marcas como Custo Barcelona, Victorio e Lucchino, Tony
Miro, Adolfo Dominguez, Loewe e Josep Front. Fonte: Flickr | Foto: David Shankbone

O estilo Custo Barcelona.

105
Aula 5

Na Alemanha, Düsseldorf é considerada a capital da moda, abrigando


vários eventos importantes da indústria têxtil, além de marcas conhecidas,
como Hugo Boss, Helmut Lang e Jil Sander, que hoje pertencem a empresas
italianas e japonesas.

Fonte: Flickr | Foto: odolphie

Fonte: Flickr | Foto: iirraa


Hugo Boss, que também atua na linha de perfumaria.

No Extremo Oriente, Hong Kong e Taiwan já promovem suas próprias


semanas de moda, dominando os mercados da costa do Pacífico. A Austrália,
que sempre sofreu com a diferença de estações do Hemisfério Norte, também
tem hoje independência suficiente para realizar sua própria semana de moda.
O mapa da moda inclui também África, América do Sul e Leste Europeu.

A moda por todo o mundo


Para conhecer mais sobre o que rola na moda por todo o mundo, acesse os links a
seguir:
http://www.lmff.com.au/ - L’Oreal Melbourne Fashion Festival Inverno 2010, a sema-
na de moda australiana.
http://mais.uol.com.br/view/f4d5g8hwtbxo/estilista-une-moda-e-patriotismo-em-
desfile-na-colombia-0402386CE0B98346?types=A& - desfile realizado na Colômbia em
2009, onde o estilista Daniel Hoyos trouxe para a passarela inspirações patrióticas.
http://www.abril.com.br/fotos/semana-moda-russia-verao-2009/ - semana de moda
da Rússia - verão 2009.

106
Moda, Cultura e Identidade

Atividade 2 – Objetivos 1, 2, 3

Agora que já conhece as principais capitais da moda, você irá escolher


uma delas e realizar uma pesquisa sobre seus principais representantes no
campo da moda. O trabalho deverá apresentar uma comparação entre dois
designers (um com mais experiência no campo da moda e outro mais jovem
neste campo), onde deverão constar informações sobre a história desses pro-
fissionais, suas trajetórias, principais características, coleções mais emblemáti-
cas e, ainda, de que forma se pode perceber em suas criações a representação
de suas nacionalidades.
Sua atividade deverá conter, no máximo, duas laudas e deve ser enviada
pelo ambiente virtual.

Resposta e Comentários

Experientes ou não, os criadores de moda representam em suas coleções


questões que fazem parte de sua época e de sua nação. Como você deve ter
percebido em sua pesquisa, algumas destas questões se repetem, outras, no
entanto, são muito recentes, conferindo ao trabalho de criação um tom de
originalidade e inovação.

Conclusão

Depois desse passeio pela moda e suas nacionalidades, vimos que, apesar
da globalização e da tendência recente de negociação das marcas com conglo-
merados internacionais, os designers têm procurado inovar, mas sem comprome-
ter o estilo das marcas e, sobretudo, suas origens. Manter uma marca de tradição
sem que ela perca sua identidade é o segredo para que ela seja lembrada sempre.
No Brasil, a moda também vem passando por um momento muito pe-
culiar. O fenômeno da apropriação da brasilidade nas duas últimas décadas
mostra não apenas que estamos em sintonia com o mundo, mas que estamos
menos incomodados com o reconhecimento de nossas raízes e mais preocupa-
dos com a apropriação de nossa cultura. Isto prova que, cada vez mais, todos
querem falar de si, de suas histórias, de suas raízes, de sua cultura. E nada me-
lhor do que a moda e o design para expressar esse sentimento. Nas próximas
aulas continuaremos falando desse assunto, usando como referência o Brasil,
sua ampla cultura e a manifestação dessa referência no campo da moda.

107
Aula 5

Para uma segunda olhada...

Nesta aula iniciamos uma nova discussão – a que relaciona as questões


da identidade e da cultura, que já vínhamos abordando anteriormente, com o
conceito de nacionalidade e, sobretudo, com o recente fenômeno de propaga-
ção dos nacionalismos. Consequência dos ventos globalizantes, o enaltecimen-
to dos valores da Nação tem sido visto como um caminho para se preservar e
exibir, para quem não os conheça, os referenciais de um país e de seu povo.

Referências

ANDERSON, Benedict. Comunidades imaginadas: reflexões sobre a origem e a difusão


do nacionalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
BAUMAN, Zygmunt. Globalização: as consequências humanas. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 1999.
___. Identidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.
___. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.
___. DENTZIEN, Plinio Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.
FLUSSER, Vilém. O mundo codificado: por uma filosofia do design e da comunicação”.
São Paulo: Cosac Naify, 2007.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. São Paulo: DP&A Editora,
2006.
JONES, Sue Jenkyn. Fashion design: manual do estilista. São Paulo: Cosac Naify, 2005.
McCRACKEN, Grant. Cultura e consumo. Rio de Janeiro: Mauad, 2003.

Sites consultados:
CATÁLOGO Livraria da Travessa. Disponível em: http://www.travessa.com.br/FRUITS/ar-
tigo/ebb6c3f7-60c7-4919-8d7a-641b5b648528. Acesso em: 1 mar. 2010.
FLICKR. Disponível em: <www.flickr.com>. Acesso em: 1 de mar. 2010.
STOCK Xchange. Disponível em: <www.sxc.hu>. Acesso em: 1 mar. 2010.
WIKIMEDIA Common. Disponível em: <http://commons.wikimedia.org/wiki/Main_Page>.
Acesso em: 1 mar. 2010.

108
Aula

A formação cultural brasileira e as representações


contemporâneas da cultura
6
Seus Objetivos:
Ao final desta aula, esperamos que você seja capaz de:
1. Reconhecer os principais elementos formadores da
cultura brasileira;
2. Relacionar a identidade brasileira à história da Nação e do
povo brasileiro;
3. Identificar as representações contemporâneas da cultura brasilei-
ra, inclusive na moda.

Pré-requisitos:
Para um melhor aproveitamento desta aula, é importante
que você relembre os conceitos de nação e nacionali-
dade, assuntos apresentados na Aula 05.

4 horas de aula
Moda, Cultura e Identidade

1. Para e repara...

“Essa crioula tem o olho azul


Essa lourinha tem cabelo bombril
Aquela índia tem sotaque do Sul
Essa mulata é da cor do Brasil”
(Paralamas do Sucesso – “Lourinha Bombril”)

Na aula anterior, percebemos que a identidade da moda está relaciona-


da diretamente à sua própria história e também à personalidade de seus cria-
dores e aos locais onde é produzida. Mesmo que as informações hoje sejam
absorvidas por todos, ao mesmo tempo e em todos os lugares, não é difícil
perceber a carga cultural impressa na moda. No Brasil, isto é bastante evidente.
O estilo colorido, sedutor e descompromissado, independentemente das ten-
dências, aparece em todas as temporadas. Sabe por quê?
Porque vivemos num país onde as cores estão por toda a parte: na na-
tureza, no folclore, na culinária... O clima proporciona o uso de roupas leves e
confortáveis, apropriadas para dançar o samba, o pagode, o funk, o forró e en-
frentar o trabalho duro do dia a dia. Sem muitos pudores, o brasileiro expõe seu
corpo naturalmente, afinal, com uma costa repleta de praias paradisíacas, quem
resiste a um biquíni, uma canga, um chapéu e... uma água de coco, no Nordeste,
ou quem sabe um chopinho no Rio de Janeiro, ou ainda a um chimarrão no Sul?
Fonte: Stock Xchange | Foto: Fernando Mengoni
Fonte: Stock Xchange | Foto: Martin Fabricius

Fonte: Stock Xchange | Foto: Luisa Migon

De norte a sul do país, “tem gosto pra tudo”.

Embora o país seja muito grande e os hábitos sejam diferentes em cada re-
gião, a alma brasileira está por toda a parte. Nesta aula, conheceremos um pouco
mais desse estilo que já encantou e ainda encanta muita gente no mundo inteiro.

111
Aula 6

2. A formação cultural brasileira

No Brasil, a constituição do Estado se deu pela sobreposição de etapas,


desde o início do século XVI. Por aqui, vivemos a experiência de ser Colônia,
Império e República sem uma efetiva participação, nesses estágios, da massa
de cidadãos que ia, aos poucos, formando nosso “caldeirão cultural”. Os desti-
nos políticos do país eram comandados por uma elite de origem europeia, mas
a formação de seu povo se deu pela miscigenação efetiva de brancos, negros e
índios, cujas influências culturais ainda hoje são percebidas na música, na dan-
ça, na religiosidade, na culinária, na língua e nas bases da convivência social.
Estes fatores, por si só, seriam suficientes para justificar um sentimento
de nacionalidade que perambula, desde outros tempos, por caminhos vagos
e indefinidos. No Brasil, é possível perceber, na história, elementos distintos e
até mesmo contraditórios, tal qual foi a formação cultural do país.
Para pensar a questão da identidade brasileira é preciso, de alguma for-
ma, recorrer aos atributos do conceito de nação e nacionalidade, já explorados
na aula anterior.
O dilema brasileiro pautado na mistura e na ambiguidade é questão cen-
tral no pensamento de vários autores brasileiros, como:

a) Gilberto Freyre,
b) Sergio Buarque de Holanda,
c) Darcy Ribeiro,
d) Roberto DaMatta.

Vamos ver então o que cada um desses autores escreveu sobre a nação
brasileira.

a) Gilberto Freyre
Gilberto Freyre (1933), em Casa grande e senzala, afirmou: “Talvez em
parte alguma se esteja verificando com igual liberdade o encontro, a interco-
municação e até a fusão harmoniosa de tradições diversas, ou antes, antagô-
nicas, de culturas, como no Brasil” (FREYRE, 1975, p. 52).
A obra revolucionou os estudos no Brasil, tanto pela novidade dos con-
ceitos quanto pela qualidade literária. Gilberto Freyre foi buscar nos diários
dos senhores de engenho e na vida pessoal de seus próprios antepassados a
história do homem brasileiro. Para o escritor, é significativa a participação da
estrutura até mesmo arquitetônica da Casa Grande na constituição da socieda-
de brasileira e de suas determinações culturais. A senzala complementaria a
instituição colonial.

112
Moda, Cultura e Identidade

Nesse cenário, tudo gira em


torno da figura masculina. O patriar-
ca detém o controle sobre escravos,
familiares, seus filhos e descendentes,
sua cônjuge, entre outros elementos
que se abrigam em sua propriedade
agrária. A casa grande é um símbolo
que agrega a todos, pois manifesta o
potencial de acolher os membros que
compõem esta comunidade.
Gilberto Freyre, em sua obra,
reforça a ideia de que a miscigenação
concretizada entre ibéricos, indígenas
e africanos contribuiu para a constitui-
ção cultural positiva do povo que se
desenvolveu em terras brasileiras.

b) Sérgio Buarque de Holanda


Sérgio Buarque de Holanda
(1936), em Raízes do Brasil, criticou
as interpretações positivistas, anali-
Caudilhismo: movimen- sando e compreendendo o Brasil e
to político caracterizado
pelo exercício de poder os brasileiros por meio de elementos
divergente da democra- como trabalho e aventura, método e
cia representativa em
que há uma reunião em capricho, meios rural e urbano, buro-
torno da figura dos cau-
cracia e caudilhismo, norma pessoal
dilhos - lideranças políti-
cas carismáticas ligadas e impulso afetivo. No capítulo de seu
a setores tradicionais da
livro sobre o “homem cordial”, Holan-
sociedade (como milita-
res e grandes fazendei- da fala sobre como o brasileiro rece-
ros) e que baseiam seu
poder no populismo.
beu o peso das “relações de simpatia”
que dificultam a sua incorporação
“normal” a outros agrupamentos, in-
compatibilizando-se com as relações
impessoais características do Estado.
O “homem cordial” de Sérgio Buarque de Holanda não pressupõe bondade,
mas somente o predomínio dos comportamentos da aparência afetiva, inclusi-
ve suas manifestações externas, não necessariamente sinceras nem profundas,
que se opõem aos ritualismos da polidez.

113
Aula 6

Holanda diz ainda que somente pela transgressão da ordem doméstica


e familiar é que nasce o Estado e que o simples indivíduo se faz cidadão, con-
tribuinte, eleitor, elegível, recrutável e responsável, ante as leis da sociedade.

Seria engano supor que essas virtudes possam significar ‘boas maneiras’,
civilidade. São antes de tudo expressões legítimas de um fundo emotivo
extremamente rico e transbordante. (...) Nenhum povo está mais distante
dessa noção ritualista da vida do que o brasileiro. Nossa forma ordiná-
ria de convívio social é, no fundo, justamente o contrário da polidez. Ela
pode iludir na aparência – e isso se explica pelo fato de a atitude polida
consistir precisamente em uma espécie de mímica deliberada de mani-
festações que são espontâneas no ‘homem cordial’: é a forma natural de
vida que se converteu em fórmula. (...) No “homem cordial”, a vida em
sociedade é, de certo modo, uma verdadeira libertação do pavor que ele
sente em viver consigo mesmo, em apoiar-se sobre si próprio em todas as
circunstâncias da existência. Sua maneira de expansão para com os outros
reduz o indivíduo, cada vez mais, à parcela social, periférica, que no brasi-
leiro – como bom americano – tende a ser a que mais importa. Ela é antes
um viver nos outros (...). (HOLANDA, 1995, p. 146-147)

Para Sérgio Buarque de Holanda, no Brasil, a aversão ao formalismo é


explicável. A vida íntima do brasileiro nem é bastante coesa, nem bastante
disciplinada, para envolver e dominar toda a sua personalidade, integrando-
a, como peça consciente, ao conjunto social. Ele é livre para se abandonar a
todo o repertório de ideias, gestos e formas que encontre em seu caminho,
assimilando-os frequentemente sem maiores dificuldades.

c) Darcy Ribeiro
Dentro desse desafio de explicar o povo brasileiro, o antropólogo Darcy
Ribeiro (1995) reuniu em sua obra O povo brasileiro um conjunto de pesquisas
que culminam em uma teoria do Brasil até então inédita. Preocupado em enten-
der por quais caminhos passamos que nos levaram a distâncias sociais tão pro-
fundas no processo de formação nacional, Darcy descreve como se deu a gesta-
ção do Brasil e dos brasileiros como povo. Nessa reconstituição, ele fala da união
ocorrida entre portugueses, índios e negros, matrizes étnicas do brasileiro.
Para ele, a mestiçagem fez nascer um novo gênero humano − nova gen-
te, mestiça na carne e no espírito.

Novo porque surge como uma etnia nacional, diferenciada culturalmente


de suas matrizes formadoras, fortemente mestiça, dinamizada por uma

114
Moda, Cultura e Identidade

Cultura sincrética: di- cultura sincrética e singularizada pela redefinição de traços culturais
versidade cultural ou
delas oriundos. Também novo porque se vê a si mesmo e é visto como
cultura formada por
vários elementos de ori- uma gente nova, um novo gênero humano diferente de quantos existam.
gens distintas. Povo novo ainda, porque é um novo modelo de estruturação societária,
que inaugura uma forma singular de organização sócio-econômica, fun-
dada num tipo renovado de escravismo e numa servidão continuada ao
mercado mundial. Novo, inclusive, pela inverossímil alegria e espantosa
vontade de felicidade, num povo tão sacrificado, que alenta e comove a
todos os brasileiros. (RIBEIRO, 1995, p. 19)

Ao contrário do que se podia imaginar, um conjunto tão variado de ma-


trizes formadoras não resultou num conjunto
multiétnico. Para Darcy (1995), “os brasileiros
se sabem, se sentem e se comportam como
uma só gente, pertencente a uma mesma et-
nia”. Mas essa unidade não significa unifor-
midade, pois o homem se adaptou ao meio
ambiente, criando modos de vida diferentes
e com a urbanização houve uma uniformi-
zação dos brasileiros, sem eliminar suas di-
ferenças. Segundo Darcy (1995), fala-se em
todo o país uma mesma língua, só diferen-
ciada por sotaques regionais. “Mais do que
uma simples etnia, o Brasil é um povo nação,
assentado num território próprio para nele
viver seu destino”.

d) Roberto DaMatta
Outra referência nos estudos antropológicos da cultura brasileira é Ro-
berto DaMatta. Autor de Carnavais, Malandros e Heróis (1979), A casa e a rua
(1984) ou O que faz o brasil, Brasil? (1984), DaMatta revela, em suas obras, o
Brasil, os brasileiros e sua cultura através do cotidiano, das festas populares,
das manifestações religiosas, do Carnaval, das regras estabelecidas nos espa-
ços da casa e da rua.
Para o antroplógo, a complexidade do Brasil surge daí. Sua diversidade
se compara à diversidade dos rituais, conjunto de práticas consagradas pelo
uso ou pelas normas, a que os brasileiros se entregam. Para DaMatta, o que
faz o brasil, Brasil é essa imensa e inesgotável “criatividade acasaladora”. Esse
pensamento pode explicar em parte nossa vocação para a criação de tantos

115
Aula 6

produtos inovadores, não apenas no design e na moda, mas tam-


bém no cinema, na música, nas artes, na culinária.
Para entender um pouco mais sobre a formação da identi-
dade brasileira e conhecer um pouco da obra de DaMatta (1984),
você deverá ler agora um trecho do primeiro capítulo de O que faz
o brasil, Brasil?

O que faz o brasil, Brasil? A questão da identidade

(...) Na certeza de que as visões do Brasil a partir de suas


coisas oficiais, sagradas, sérias e legais são as mais corren-
tes e familiares, quero aqui revelá-lo por meio de outros
ângulos e de outras questões. Não se trata mais da visão
exclusivamente oficial e bem-comportada dos manuais de
história social que se vendem em todas as livrarias, e os pro-
fessores discutem nas escolas. Mas de uma leitura do Brasil
que deseja ser maiúsculo por inteiro: o BRASIL do povo e
das suas coisas. Da comida, da mulher, da religião que não
precisa de teologia complicada nem de padres estudados. Das leis da ami-
zade e do parentesco, que atuam pelas lágrimas, pelas emoções do dar e
do receber, e dentro das sombras acolhedoras das casas e quartos onde
vivemos o nosso quotidiano. Dos jogos espertos e vivos da malandra-
gem e do carnaval, onde podemos vadiar sem sermos criminosos e, assim
fazendo, experimentamos a sublime marginalidade que tem hora para
começar e terminar. Deste Brasil que de algum modo se recusa a viver de
forma totalmente planificada e hegemonicamente padronizada pelo di-
nheiro das contas bancárias ou pelos planos qüinqüenais dos ministérios
encantados pelos vários tecnocratas e ideólogos que aí estão à espera
de um chamado. BRASIL com maiúsculas, que sabe tão bem conjugar lei
com grei, indivíduo com pessoa, evento com estrutura, comida farta com
pobreza estrutural, hino sagrado com samba apócrifo e relativizador de
todos os valores, carnaval com comício político, homem com mulher e até
mesmo Deus com o Diabo. Por tudo isso é que estamos interessados em
responder, nas páginas que seguem, esta pergunta que embarga e que
emociona: afinal de contas, o que faz o brasil, BRASIL?
Note-se que se trata de uma pergunta relacional que, tal como faz a pró-
pria sociedade brasileira, quer juntar e não dividir. Não queremos ver um
Brasil pequeno e outro grande, já feito. Não! Queremos, isto sim, des-
cobrir como é que eles se ligam entre si; como é que cada um depende
do outro, e como os dois formam uma realidade única que existe con-
cretamente naquilo que chamamos de “pátria”. Numa linguagem mais
precisa e, mais sociológica, dir-se-ia que o primeiro “brasil” é dado nas
possibilidades humanas, mas que o segundo Brasil é feito de uma combi-

116
Moda, Cultura e Identidade

nação especial dessas possibilidades universais. O mistério dessa escolha


é imenso, mas a relação é importante. Porque ela define um estilo, um
modo de ser, um “jeito” de existir que, não obstante estar fundado em
coisas universais, é exclusivamente brasileiro. Assim, o ponto de parti-
da deste ensaio é o seguinte: tanto os homens como as sociedades se
definem por seus estilos, seus modos de fazer as coisas. Se a condição
humana determina que todos os homens devem comer, dormir, trabalhar,
reproduzir-se e rezar, essa determinação não chega ao ponto de especifi-
car também que comida ingerir, de que modo produzir, com que mulher
(ou homem) acasalar-se e para quantos deuses ou espíritos rezar. É pre-
cisamente aqui, nessa espécie de zona indeterminada, mas necessária,
que nascem as diferenças e, nelas, os estilos, os modos de ser e estar, os
“jeitos” de cada qual. Porque cada grupo humano, cada coletividade con-
creta, só pode pôr em prática algumas dessas possibilidades de atualizar
o que a condição humana apresenta como universal. As restantes ficam
como uma espécie de fantasma a nos recriminar pelo fato de as termos
deixado nos bastidores, como figuras banidas de nosso palco, embora
estejam de algum modo presentes na peça e no teatro.
No fundo, essa questão do relacionamento dos universais de qualquer
sistema com um sistema específico é das mais apaixonantes de quantas
existem no panorama das Ciências Humanas. Trata-se, sempre, da ques-
tão da identidade. De saber quem somos e como somos; de saber por que
somos. Sobretudo quando nos damos conta de que o homem se distingue
dos animais por ter a capacidade de se identificar, justificar e singularizar:
de saber quem ele é. De fato, a identidade social é algo tão importante
que o conhecer-se a si mesmo através dos outros deixou os livros de filo-
sofia para se constituir numa busca antropologicamente orientada. Mas
o mistério, como se pode adivinhar, não fica na questão do saber quem
somos. Pois será necessário descobrir como construímos nossas identi-
dades. Sei que sou José da Silva, brasileiro, casado, funcionário público,
torcedor do Flamengo, carnavalesco da Mangueira, apreciador incondi-
cional das mulatas, católico e umbandista; jogador esperançoso e invete-
rado da loto, porque acredito em destino — e não outra pessoa qualquer.
Em sendo José, não sou Napoleão ou William Smith, cidadão americano
de Nova York; ou Ivan Ivanovich, patriota soviético. Posso distinguir-me
assim porque me associo intensamente a uma série de atributos especiais
e porque com eles e através deles formo uma história: a minha história.
Mas como é que sei o que sou? Como posso discutir a passagem do ser
humano que nasci para o brasileiro que sou?
Como se constrói uma identidade social? Como um povo se transforma
em Brasil? A pergunta, na sua discreta singeleza, permite descobrir algo
muito importante. É que no meio de uma multidão de experiências dadas
a todos os homens e sociedades, algumas necessárias à própria sobrevi-
vência, como comer, dormir, morrer, reproduzir-se etc., outras acidentais

117
Aula 6

ou superficiais: históricas, para ser mais preciso — o Brasil foi descoberto


por portugueses e não por chineses, a geografia do Brasil tem certas ca-
racterísticas como as montanhas na costa do Centro-Sul, sofremos pres-
são de certas potências européias e não de outras, falamos português e
não francês, a família real transferiu-se para o Brasil no início do século
XIX etc. Cada sociedade (e cada ser humano) apenas se utiliza de um nú-
mero limitado de “coisas” (e de experiências) para construir-se como algo
único, maravilhoso, divino e “legal”...
Sei, então, que sou brasileiro e não norte-americano, porque gosto de
comer feijoada e não hambúrguer; porque sou menos receptivo a coisas
de outros países, sobretudo costumes e idéias; porque tenho um agudo
sentido de ridículo para roupas, gestos e relações sociais; porque vivo no
Rio de Janeiro e não em Nova York; porque falo português e não inglês;
porque, ouvindo música popular, sei distinguir imediatamente um frevo
de um samba; porque futebol para mim é um jogo que se pratica com os
pés e não com as mãos; porque vou à praia para ver e conversar com os
amigos, ver as mulheres e tomar sol, jamais para praticar um esporte; por-
que sei que no carnaval trago à tona minhas fantasias sociais e sexuais;
porque sei que não existe jamais um “não” diante de situações formais
e que todas admitem um “jeitinho” pela relação pessoal e pela amizade;
porque entendo que ficar malandramente “em cima do muro” é algo ho-
nesto, necessário e prático no caso do meu sistema; porque acredito em
santos católicos e também nos orixás africanos; porque sei que existe des-
tino e, no entanto, tenho fé no estudo, na instrução e no futuro do Brasil;
porque sou leal a meus amigos e nada posso negar a minha família; por-
que, finalmente, sei que tenho relações pessoais que não me deixam ca-
minhar sozinho neste mundo, como fazem os meus amigos americanos,
que sempre se vêem e existem como indivíduos!
Pois bem: somando esses traços, forma-se uma seqüência que permite di-
zer quem sou, em contraste com o que seria um americano, aqui definido
pelas ausências ou negativas que a mesma lista efetivamente comporta.
A construção de uma identidade social, então, como a construção de uma
sociedade, é feita de afirmativas e de negativas diante de certas questões.
Tome uma lista de tudo o que você considera importante — leis, idéias
relativas a família, casamento e sexualidade; dinheiro; poder político; re-
ligião e moralidade; artes; comida e prazer em geral — e com ela você
poderá saber quem é quem. Não é de outro modo que se realizam as
pesquisas antropológicas e sociológicas. Descobrindo como as pessoas
se posicionam e atualizam as “coisas” desta lista, você fará um “inventá-
rio” de identidades sociais e de sociedades. Isso lhe permitirá descobrir
o estilo e o “jeito” de cada sistema. Ou, como se diz em linguagem an-
tropológica, a cultura ou ideologia de cada sociedade. Porque, para mim,
a palavra cultura exprime precisamente um estilo, um modo e um jeito,
repito, de fazer coisas.

118
Moda, Cultura e Identidade

Mas é preciso não esquecer que essas escolhas seguem uma ordem.
É certo que eu inventei um “brasileiro” e um “americano” que o acompa-
nhava por contraste linhas atrás, mas quem me garante que aquilo que
disse é convincente para definir um brasileiro foi a própria sociedade bra-
sileira. Ou seja: quando eu defini o “brasileiro” como sendo amante do fu-
tebol, da música popular, do carnaval, da comida misturada, dos amigos e
parentes, dos santos e orixás etc., usei uma fórmula que me foi fornecida
pelo Brasil. O que faz um ser humano realizar-se concretamente como
brasileiro é a sua disponibilidade de ser assim. Caso eu falasse em elegân-
cia no vestir e no falar, no gosto pelas artes plásticas, na visita sistemática
a museus, no amor pela música clássica, na falta de riso nas anedotas, no
horror ao carnaval e ao futebol etc., certamente estaria definindo outro
povo e outro homem. Isso indica claramente que é a sociedade que nos
dá a fórmula pela qual traçamos esses perfis e com ela fazemos desenhos
mais ou menos exatos.
Tudo isso nos leva a descobrir que existem dois modos básicos de
construir a identidade brasileira: o de fazer o brasil, Brasil...
Num deles, utilizamos dados precisos: as estatísticas demográficas e
econômicas, os dados do PIB, PNB e os números da renda per capita e da
inflação, que sempre nos assusta e apavora. Falamos também dos dados
relativos ao sistema político e educacional do país, apenas para constatar
que o Brasil não é aquele país que gostaríamos que fosse. Essa classifi-
cação permite construir uma identidade social moderna, de acordo com
os critérios estabelecidos pelo Ocidente europeu a partir da Revolução
Francesa e da Revolução Industrial. Aqui, somos definidos por meio de
critérios “objetivos”, quantitativos e claros. É assim, sabemos e desco-
brimos com surpresa, que algumas sociedades se definem. Realmente,
a Inglaterra, a França, a Alemanha e, sobretudo, os Estados Unidos são
quase exclusivamente definidos por meio deste eixo classificatório que é,
ele mesmo, invenção sua. Mas, no caso do Brasil e de outras sociedades, o
problema é que existe outro modo de classificação. A identidade se cons-
trói duplamente. Por meio dos dados quantitativos, onde somos sempre
uma coletividade que deixa a desejar; e por meio de dados sensíveis e
qualitativos, onde nos podemos ver a nós mesmos como algo que vale a
pena. Aqui, o que faz o brasil, Brasil não é mais a vergonha do regime ou
a inflação galopante e “sem vergonha”, mas a comida deliciosa, a música
envolvente, a saudade que humaniza o tempo e a morte, e os amigos que
permitem resistir a tudo...
É uma descoberta importante, creio, dizer que nós temos dado muito
mais atenção a um só desses eixos classificatórios, querendo discutir o
Brasil apenas como uma questão de modernidade e de economia e polí-
tica; ou, ao contrário, reduzindo sua realidade a um problema de família,
de relações pessoais e de cordialidade. Para mim, não se trata nem de
uma coisa nem de outra, mas das duas que são dadas de modo simultâ-

119
Aula 6

neo e complexo. Nessa perspectiva, que é a deste pequeno livro, a chave


para entender a sociedade brasileira é uma chave dupla. De um lado, ela
é moderna e eletrônica, mas de outro é uma chave antiga e trabalhada
pelos anos. É típica de nosso sistema essa capacidade de misturar e aca-
salar as coisas que tenho discutido no meu trabalho como uma atividade
relacional, de ligar e descobrir um ponto central. Conhecemos e convi-
vemos com suas manifestações políticas (a negociação e a conciliação) e
econômicas (uma economia que é estatizante e ao mesmo tempo segue
as linhas mestras do capitalismo clássico), mas de certo modo não discu-
timos as suas implicações sociológicas mais profundas. E, para mim, essas
implicações se escondem nesta ligação — ou capacidade relacional — do
antigo com o moderno, que tipifica e singulariza a sociedade brasileira.
Assim, conforme tentarei mostrar nas páginas que seguem — e com a
ajuda do talento gráfico de Jimmy Scott —, o que faz o brasil, Brasil é uma
imensa, uma inesgotável criatividade acasaladora. Sustento que, enquan-
to não formos capazes de discernir essas duas faces de uma mesma nação
e sociedade, estaremos fadados a um jogo cujo resultado já se sabe de
antemão. Pois, como ocorre com as moedas, ou teremos como jogada um
“brasil”, pequeno e defasado das potências mundiais, Brasil que nos leva
a uma autoflagelação desanimadora; ou teremos como jogada o Brasil
dos milagres e dos autoritarismos políticos e econômicos, que periodica-
mente entra numa crise.
Será preciso, portanto, discutir o Brasil como uma moeda. Como algo que
tem dois lados. E mais: como uma realidade que nos tem iludido, precisa-
mente porque nunca lhe propusemos esta questão relacional e revelado-
ra: afinal de contas, como se ligam as duas faces de uma mesma moeda?
O que faz o brasil, Brasil? (...)

Atividade 1 – Objetivo 1

Os autores que acabamos de ver criaram suas obras, em grande parte, para
tentar responder a uma pergunta que também nos fazemos ainda hoje. A per-
gunta é: o que é ser brasileiro? Você saberia responder o que é ser brasileiro hoje?
Que tal pesquisar um pouco mais sobre uma das obras apresentadas e
construir um texto de até 15 linhas respondendo à pergunta? Você deve enviar
seu texto para seu tutor, no ambiente virtual de aprendizagem.

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Moda, Cultura e Identidade

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Resposta e comentários

O que você vai construir como definição do que é ser brasileiro hoje
certamente tem relação com as experiências que já viveu, com sua maneira de
enxergar o mundo, com as pesquisas que fez para realizar essa atividade, com
diversos aspectos que não conseguimos nem elencar aqui. Assim, não existe
uma resposta única que esteja certa para essa atividade. Por isso, seu tutor lhe
dará um retorno individual sobre sua atividade, no ambiente virtual do curso.

3. Muitos povos em um só

Como vimos, a cultura brasileira é, por essência, a combinação dos opos-


tos em suas formações originais, ou seja, a reunião de diversos elementos cul-
turais que se interrelacionaram em diferentes momentos da história. É no ca-
lor desta pluralidade de sensações, pensamentos e discursos que construímos
alguns modelos de identidade, tornando aceitável a ideia de que ainda não
sabemos ao certo quem somos, portanto, também oscilamos em convicções
quanto à aceitação e ao reconhecimento de nossa própria história. Isto reper-
cute, em parte, na autoestima e na valorização da própria cultura.
Grande parte desses modelos se deve à formação cultural que agregou
elementos de diversas culturas.
Os três grupos principais formadores da cultura brasileira são:
• os indígenas, que viviam no Brasil antes da chegada dos portugueses;
• os portugueses, que colonizaram o país a partir de 1500;
• os negros, trazidos da África e escravizados por quase quatro séculos.

121
Aula 6

Desta mistura de costumes e tradições, nasceu o Brasil e o povo brasileiro.


Conhecedores dos mistérios da floresta e de todo seu potencial, os indí-
genas praticavam a cultura de subsistência, viviam em grupos, andavam nus e
cultuavam os espíritos da floresta. De sua cultura, absorvemos o hábito do ba-
nho, de dormir em redes, o uso da mandioca na culinária, e também a língua.
Muitas palavras da língua tupi são hoje utilizadas na Língua Portuguesa, entre
elas: abacaxi, tapioca, urubu, ipanema, entre outras.

Fonte: WIKIMEDIA Commons (sob licença de GNU Free License)


Fonte: Agência Brasil | Foto: Valter Campanato

A cultura indígena se destaca na formação da identidade brasileira.

Ao chegarem ao Brasil, os portugueses trouxeram a religião católica, a


língua, além de outros hábitos desenvolvidos com a chegada da Corte, como
a realização de festas e comemorações nos moldes europeus, o gosto pelas re-
gras de etiqueta, assim como pela moda e pelos objetos de luxo, além de uma
culinária repleta de quitutes bastante calóricos, como doces e frituras.
Fonte: WIKIMEDIA Commons

Fonte: WIKIMEDIA Commons

D. Pedro I e a primeira missa realizada no Brasil.

122
Moda, Cultura e Identidade

Com a chegada dos escravos vindos da África, mais alguns ingredientes


culturais se sobrepõem à cultura já existente por aqui. A língua, a religião, a
dança, a culinária e a maneira de se vestir influenciaram os hábitos no Brasil. A
cultura africana é uma das mais fortes hoje no Brasil. O sincretismo religioso é
uma prova disso, bem como a música brasileira, que se renova constantemen-
te, mas sem esquecer o ritmo contagiante que nasceu nas tribos da África.

Fonte: WIKIMEDIA Commons

Fonte: WIKIMEDIA Commons


Os rituais religiosos e a culinária africana: presentes até hoje na cultura brasileira.
Fonte: Stock Xchange | Foto: ravpropag’s

Além dessas três matrizes, podemos citar ainda outras culturas que se
agregaram à brasileira, devido aos movimentos de imigração que se deram
a partir do século XIX. Vindos da Europa e da Ásia, esses povos contribuíram
para o crescimento do país e influenciaram os costume e as tradições. Entre
eles, podemos destacar:

• Italianos:
Esses imigrantes chegaram ao Brasil, a partir de 1870, para trabalhar nas
lavouras de café. Mas no início do século XX, mudaram-se para a cidade de São
Paulo para trabalhar nas fábricas, e para o Rio Grande do Sul, onde passaram
a cultivar a uva e a produzir o vinho. Foram eles que também trouxeram as
massas, a pizza e palavras como “tchau”, por exemplo.
Fonte: Stock Xchange | Foto: ilker

Fonte: Stock Xchange | Foto: ilker

Os italianos trouxeram como influência à culinária brasileira as deliciosas pizzas e massas.

123
Aula 6

• Alemães:
Chegaram ao Brasil a partir de 1824 e passaram a viver no sul do país,
mais especificamente nos estados de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul. De
pequenos proprietários de terras passaram a donos de fábricas e frigoríficos.
Entre os hábitos absorvidos da cultura alemã, estão os de consumir cerveja,
salsicha e outros tipos de frios.

Fonte: Wikimedia Commons | Foto: Gustavo Kunst

Fonte: WIKIMEDIA Commons


Oktoberfest, festa tradicional alemã, que acontece em Blumenau, Santa Catarina.

• Espanhóis:
Eles chegaram ao Brasil a partir de 1930 para trabalhar como sapateiros,
carpinteiros e mecânicos em São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e
Bahia. Com eles, aprendemos a comer grãos, como ervilha e grão-de-bico.
Fonte: Stock Xchange | Foto: Steve Ford Elliott
Fonte: Stock Xchange | Foto: amr safey

O hábito de comer grãos como ervilha e grão de bico é uma influência espanhola.

124
Moda, Cultura e Identidade

• Japoneses:
Para trabalhar no campo, no interior de São Paulo e Paraná, os imigran-
tes japoneses começaram a chegar por aqui em 1908. Além de abrirem lavan-
derias e restaurantes, alguns se destacaram nas artes, como Manabu Mabe e
Tomie Ohtake.

Fonte: WIKIMEDIA Commons

Fonte: WIKIMEDIA Commons


Kasato Maru, o navio que trouxe mais de 700 japoneses para o Brasil em 1908. Ao lado, o bairro da Liberdade –
um pedaço do Japão em plena São Paulo.

• Árabes:
Vieram principalmente do Líbano e da Síria. Além de trazerem o quibe, a
esfirra e o pão sírio, os árabes se estabeleceram no comércio e alguns se desta-
caram na literatura. Entre eles, Raduan Nassar e Milton Hatoum.
Fonte: Flickr | Foto: Ron Diggity
Fonte: Flickr | Foto: andremarmota

SAARA: comércio popular no Centro do Rio de Janeiro, onde árabes e judeus convivem em paz há mais de 100
anos. O quibe é uma especialidade árabe que se tornou comum no prato dos brasileiros.

125
Aula 6

• Judeus:
Eles vieram de vários países da Europa e Ásia, fugindo da guerra e de
perseguições religiosas. Aqui se dedicaram principalmente ao comércio e pre-
servaram sua tradição religiosa e seus costumes. Muitos se destacaram na cul-
tura como é o caso de do pintor Lasar Segall.

Lasar Segall
Para conhecer obras de Lasar Segall, acesse o site do seu museu, disponível em:
www.museusegall.org.br.

Atualmente, chegam ainda ao Brasil pessoas de muitas partes do mundo,


mas o maior número de imigrantes atualmente vem da Coreia do Sul e da China.

Atividade 2 – Objetivos 2 e 3

Agora que você já relembrou aspectos importantes da formação cultural


brasileira, que tal buscar na moda algumas referências destas culturas? Muitos
designers brasileiros encontraram referências para suas criações nas histórias
dessa gente que chegou ao Brasil em busca de uma nova vida. Você deverá
pesquisar e encontrar um designer ou marca que tenha se inspirado em algum
desses povos para desenvolver sua coleção ou algum tipo de produto. O traba-
lho deverá conter um breve histórico do designer e um relato sobre a coleção
ou peça criada, suas características, a época em que foi criada, além, é claro, de
imagens representativas do tema.
Seu trabalho deve ter, no máximo, duas laudas e deve ser enviado atra-
vés do ambiente virtual.

Resposta e comentários

Como você deve ter percebido, toda cultura é muito rica e são as suas in-
terpretações – seja nas artes, na música, na literatura ou no design − que a man-
têm viva. Por isso, fique atento ao que acontece no mundo e, quando viajar, não
faça apenas os roteiros turísticos convencionais; procure buscar informações
sobre os lugares, suas histórias, seu povo, sua cultura. Quem sabe não estará aí
a inspiração para a criação de uma nova coleção de roupas e acessórios.

126
Moda, Cultura e Identidade

Mais sobre a nossa diversidade cultural


Para conhecer um pouco mais sobre a diversidade cultural bra-
sileira, assista à serie O povo brasileiro, baseada na obra cen-
tral do antropólogo Darcy Ribeiro, um dos maiores intelectuais
brasileiros do século XX. Em 10 programas, o autor responde à
questão “quem são os brasileiros?”, investigando a formação
do nosso povo. Co-produzida pela TV Cultura, GNT e a Fundar,
a série conta com a participação de Chico Buarque, Tom Zé,
Antônio Cândido, Aziz Ab’Saber, Paulo Vanzolini, Gilberto Gil,
Hermano Vianna, entre outras personalidades.

4. A apropriação da cultura

Em Cultura popular: uma introdução, o sociólogo Dominic Strinati (1999)


discutiu, entre outros temas, a questão da cultura popular e sua transformação em
mercadoria. Ele reuniu alguns argumentos que foram importantes para concep-
ção de cultura popular no século XX. Strinati questiona se as origens de uma dada
cultura estariam no próprio povo, como expressão autônoma de seus desejos e de
suas experiências; na imposição dos que detêm o poder, como forma de controle
social ou em uma interação entre vontade popular e interesse de governantes.
Pode ser que o surgimento da cultura, na forma de mercadoria, tenha prio-
rizado os critérios de rentabilidade e de negociação em detrimento da qualidade,
do talento artístico, da integridade e do desafio intelectual. É difícil saber se a ex-
pansão do mercado assegura seu caráter genuinamente popular, porque tornou
acessíveis mercadorias que o povo realmente deseja ou se fabricou tais demandas.
Por isso, é complicado identificar o que prevalece quando a cultura popular é ma-
nufaturada industrialmente e comercializada de acordo com critérios de mercado.
O papel ideológico da cultura popular talvez seja doutrinar o povo, indu-
zindo-o a aceitar ideias e valores que assegurariam a continuidade da domina-
ção dos governantes. Por outro lado, a cultura das massas poderia representar
uma revolta e uma oposição ao poder, expressando de maneira sutil, impercep-
tível e incipiente a subversão das formas dominantes de pensamento e ação.
(STRINATI, 1999, p. 21)
Como propõe Strinati (1999), é importante questionar se a cultura popu-
lar seria representada pelo povo ou pela elite; se, enquanto mercadoria, reper-
cute os desejos do mercado; se representa doutrina ou reação. Esta indefinição
é bastante recorrente na pós-modernidade.

127
Aula 6

Estas perspectivas são importantes para se pensar, no sentido da apro-


priação da brasilidade, se esta estaria efetivamente relacionada aos elementos
da cultura popular.

5. As novas representações da cultura no Brasil

Pensar o fenômeno de consumo das representações do Brasil pelos próprios


brasileiros e também no exterior é de suma importância. No país, principalmente
no campo da moda, as inspirações sempre passaram distante de todos os símbolos
convencionalmente chamados de nacionais, pelo menos até o final do século XX.
O valor do produto brasileiro no âmbito do design de moda vem cres-
cendo a cada temporada. Veja no quadro a seguir alguns números da indústria
de moda no Brasil:

Alguns números da moda no Brasil


A indústria da moda no Brasil movimenta 50 bilhões de reais por ano e em-
prega 1,7 milhão de pessoas. São 30 mil empresas funcionando hoje no país.
O interesse pelo setor vem crescendo cada dia mais, fato ilustrado pelo aumento do
número de cursos de moda no país: quatro, em 1997; cerca de 150, em 2009.
Dados divulgados no site da ABIT (Associação Brasileira da Indústria Têxtil) não dei-
xam dúvidas quanto à relevância dos setores têxtil e de confecção para a geração de
emprego e de renda no país. Com base em números do IBGE, a cadeia têxtil e de confec-
ção contribui para o PIB da Indústria Geral com 4,9% do total, bem mais do que vários
outros segmentos e quase o mesmo que toda a indústria extrativa (5%). A referida ca-
deia é a sétima colocada, dentre os 24 subsetores analisados, do ranking “Contribuição
para o PIB da Indústria de Transformação”.
No entanto, pode-se ainda melhorar o painel, elevando a área para o quinto lugar,
com peso no PIB industrial de 6,8%, se for adicionado ao conjunto o segmento de cal-
çados, tal qual propõe o MDIC (Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio
Exterior), com o conceito de SMB (Sistema da Moda Brasil).
Quanto à geração de empregos, ainda segundo a ABIT, o setor fica muito acima dos
outros vinte e dois destacados, assumindo a segunda colocação da lista, com 10,6% de todo
o emprego da Indústria Geral. Com a inclusão dos produtores de calçados, o segmento de
vestuário − indústrias têxtil, de confecção e de sapatos − responderia por 16,5% de todos os
empregos do setor. Um dos dez principais mercados do mundo, na área têxtil, o Brasil tem
alguns dos maiores parques fabris do planeta. Segundo principal fornecedor de índigo do
mundo e terceiro de malha, o país está entre os cinco principais produtores de confecção,
sendo um dos oito maiores mercados de fios, filamentos e tecidos da indústria internacional.

128
Moda, Cultura e Identidade

Não são apenas os números que apontam na direção da autossuficiência


e do reconhecimento internacional. O valor do produto brasileiro no âmbito
do design de moda vem crescendo a cada temporada. Se antes a moda brasi-
leira não era reconhecida como viável dentro do mercado internacional, hoje o
quadro é outro. A legitimação externa foi acompanhada de uma identificação
interna com muitos produtos e marcas criados no Brasil. Portanto, mais do que
monitorar o crescimento do setor, é preciso investigar as principais causas do
boom que alavancou a moda brasileira nas duas últimas décadas.
Independentemente dos elementos formadores desta tendência, é certo
que o fenômeno de estarmos nos reconhecendo dentro do que se convencionou
chamar de moda genuinamente brasileira passa pela questão da formação da
identidade e da cultura. Se a moda for entendida como uma expressão cultural
e a cultura como algo dinâmico e em constante movimento, é possível acreditar
que, em função deste processo de mudança, a relação da cultura com os objetos,
usos e costumes se intensifica. Isto é próprio da cultura, e da moda também.
Outro aspecto que vale a pena ressaltar em relação à moda é a questão
do desejo e da sedução. Ao ser atraído por algum objeto, o sujeito não está
apenas se relacionando com a materialidade, mas também com as significa-
ções que a cercam.
McCracken (2003) reafirmou o papel do criador no processo de elabo-
ração dos significados do produto. Segundo o antropólogo, os designers dão
início à tarefa de conformar o significado dentro do mainstream e de investi-lo
Mainstream: corrente
principal, objetivo final. nos bens de consumo, que deixará as mãos do designer e entrará em qualquer
um dos contextos que o consumidor escolher para si próprio. Assim, o desig-
ner precisa transformar o objeto de tal maneira, que o espectador/dono perce-
ba seu significado cultural: “O objeto precisa deixar as mãos do designer com
suas novas propriedades simbólicas plenamente expostas em suas novas pro-
priedades físicas”. (McCRACKEN , 2003, p. 112)
Uma das mais recentes contribuições
para a compreensão das práticas de consu-
mo no Brasil, sobretudo no que diz respeito
à apropriação do sentimento de brasilidade,
é o projeto DNA Brasil: tendências e conceitos
emergentes para as cinco regiões brasileiras,
resultado de uma parceria entre o Future Con-
cept Lab e o SENAI Cetiqt.
A pesquisa pretendia identificar carac-
terísticas da cultura brasileira que pudessem
contribuir na formulação de ideias que ser-

129
Aula 6

vissem como inspiração para o desenvolvimento de novos produtos e servi-


ços. Buscaram-se, nessa oportunidade, traços da cultura nacional e do com-
portamento social dos brasileiros, sem qualquer pretensão de representar
a identidade do país como um todo. Esses traços pontuam possibilidades,
caminhos a serem desbravados e analisados como meio de conceber no-
vas ideias em design, comunicação e estratégias de negócios. A proposta é
oferecer um material que possa provocar a imaginação de profissionais de
diferentes áreas através do reconhecimento das características culturais da
sua própria nação.
A base do projeto foi o Programa MindStyle, uma matriz conceitual ali-
mentada por dados − coletados em pesquisas de campo e de escritório − a
partir dos quais é montada uma tabela de correlações com indicações acerca
de cenários futuros. Essas cenas decodificam estilos de pensar, acreditando
que a aproximação entre os indivíduos, suas sociedades e culturas se dá por
comparação de estilos de pensamento. O programa é divido em 16 áreas, que
representam tendências mundiais. Na adaptação da pesquisa para o Brasil, fo-
ram escolhidos os onze MindStyles − “Unique & Universal”, “Square & Share”,
“Magnetic & Magmatic”, “Deep & Daily”, “Creative & Critical”, “Sixth & Sense”,
“Crucial & Correct”, “Core & Care”, “Net & Nomadism”, “Essencial & Existencial”
e “Choc & Chaos” −, que se adaptam à realidade local das cinco regiões brasi-
leiras. Veja-os detalhadamente a seguir:

a) Unique & Universal – O primeiro indicador trata daquilo que seria


único, mas, ainda assim, universal tendência que opõe as ideias de
global e de local. Identificada de forma mais clara na região Nordes-
te do país, um de seus principais conceitos é a singularidade origi-
nal (“original uniqueness”), que denomina algo pertencente a uma
determinada cultura, mostrando sua “cara”, embora se renove (no
Brasil, seriam exemplificações desse conceito as sandálias Havaianas
e o trabalho dos irmãos Campana). No processo de difusão cultural,
os códigos de polinização (“pollination codes”) se apresentam como
metáfora da transferência do pólen de uma flor para a outra, resul-
tando na sua reprodução. Esse modelo dá conta de experimentações
ousadas em diversos setores, entre eles a música, com exemplos no
movimento tropicalista, da década de 1960, e no trabalho da cantora
Marisa Monte, desde o final dos anos 1990.

130
Moda, Cultura e Identidade

Irmãos Campana
Conhecidos internacionalmente como Irmãos Campana, Fernando e Hum-
berto nasceram no interior paulista e criaram o Estúdio Campana há pouco
mais de vinte anos. Humberto, formado em Direito, criava peças, objetos e algum mo-
biliário, e Fernando, arquiteto, foi trabalhar com o irmão. Enquanto o design interna-
cional caminhava para a industrialização, Fernando e Humberto seguiram em outra
vertente, resgatando o trabalho artesanal.
A história dos dois começou em uma feira, onde Fernando, 45 anos, e Humberto,
53, compraram um rolo de cordas. Este elemento popular ganhou forma nas mãos dos
designers e se transformou na peça Vermelha, cadeira responsável pela projeção inter-
nacional da dupla e hoje pertencente ao acervo do Museu de Arte Moderna de Nova
York (MoMA). Eles foram os primeiros designers brasileiros a expor nesse museu.
Do design aos materiais, todas as peças têm um ar transformador. Sarrafos, cordas,
bonecas de pano e reciclados trazem novas interpretações para móveis e objetos.
No mundo da moda, os brasileiros assinaram modelos exclusivos para a grife Lacos-
te, além de lançarem uma linha com três sapatilhas e uma bolsa para a Melissa.
Uma referência do design brasileiro, os Campana já viajaram pelo mundo todo, fa-
zendo exposições pessoais e coletivas, workshops, palestras e cursos, ganharam inú-
meros prêmios, têm suas obras expostas nos principais museus do mundo e são hoje
reconhecidos pela crítica especializada como designers de maior criatividade deste iní-
cio do século XXI.
Veja algumas das criações dos Irmãos Campana no site: http://arteparaocoracao.
blogspot.com/2009/07/made-in-brasil-designers-irmaos-campana.html

b) Square & Share – A tendência do compartilhamento dos espaços re-


ais ou virtuais se refere às situações que
revitalizam o capital emotivo − a histó-
ria afetiva entre sujeitos e locais − ao
qual não se quer renunciar. Encontrada
na região Sudeste, abrange tanto a reu-
Imagem de divulgação | Fonte: HIPERIMAGEM

nião espontânea de pessoas em espa-


ços públicos (“plaza culture”) − even-
to “Rolling Stones in Rio” −, quanto a
vivência do jogo (“multiplayer world”)
e do lúdico em diversos mundos − a
guerra de travesseiros no Parque do Ibi-
rapuera, em São Paulo, em 2009.

131
Aula 6

c) Magnetic & Magmatic – Usando as imagens do mag-


netismo − atração forte e inexplicável, que emana de al-
guém ou de algo – e do magmatismo – movimentação
lenta de massa fluida −, o mindstyle vê o presente como
experiência magnética capaz de atrair o passado, mas de
se movimentar, imperceptivelmente, em direção ao futu-

Fonte: Imagem de divulgação


ro. Nas regiões Centro-Oeste e Norte do país, paisagens
contam histórias por meio de lendas (“storytelling lands-
capes”), que explicam a formação dos rios, das monta-
nhas e dos acidentes geográficos. O trabalho do fotógrafo
mineiro Sebastião Salgado mostra os excluídos, realçando
os contrastes do país. Em termos das chamadas narrativas
coletivas (“collective narrations”), nas quais se transmite tanto a iden-
tidade coletiva como a individual, há, entre outros exemplos, o filme
Narradores de Javé (2003), de Eliane Caffé, e as novelas Páginas da
Vida (2003) e Mulheres apaixonadas (2006-2007), ambas escritas por
Manoel Carlos e transmitidas pela TV Globo.

d) Deep & Daily – Remete às experiências profundas do cotidiano ao


extraordinário, a partir da normalidade. Fazem parte deste contexto
a valorização do tempo e sua otimização na geração de um cotidia-
no criativo, como o jornal Destak, distribuído gratuita-
mente no metrô do Rio. Avançando na questão, pode-
se dizer que há ocasiões especiais (“extra occasions”)
que se difundem até se tornarem ritos consolidados:
o hábito de frequentar cafeterias nos centros urbanos;
a promoção de eventos esportivos; a visita à árvore
de Natal na Lagoa Rodrigo de Freitas (RJ), entre ou-
Imagem de divulgação | Fonte: G1 O Globo

tros exemplos. É possível, também, vivenciar algo co-


mum como extraordinário (“daily extra”), através da
restituição de sua beleza − presentear alguém com
algo simples, porém embalado de forma atraente. Os
trabalhos de Helio Oiticica (1937-1980) e os livros de
Paulo Coelho, por exemplo, trazem experiências com-
plexas para o nível da naturalidade.

132
Moda, Cultura e Identidade

e) Creative & Critical – Relacionado à transgressão e à ironia, à arte


marginal ou de minorias − como o rap −, o quinto conceito de criati-
vidade crítica encontra-se representado no Sul e no Nordeste. A ener-
gia criativa (“vital & positive expression”) passa a ser um elemento de
experiência cotidiana − carnavais brasileiros −, enquanto ocorre uma
quebra de regras (“normal breaking”) no exercício de uma normalida-
de, como se vê no filme O cheiro do ralo (2006), de Heitor Dhalia, e no
livro O menino maluquinho (1980), de Ziraldo.

Os blocos de rua, no Carnaval carioca, são um exemplo deste Mind Style. Fonte: Flickr | Foto: Rodrigo Soldon

f) Sixth & Sense – Com o objetivo de revitalizar a sensibilidade humana,


valoriza-se a noção de sexto sentido, mas ligada à imaginação e aos
prazeres das sensações. A estética passa a permear mais efetivamente
os setores da vida moderna, não se limitando apenas ao estilo e à
imagem, mas também à competência da sensibilidade. Para apreciar
as obras dos arquitetos Oscar Niemeyer e Paulo Mendes da Rocha, por
exemplo, é necessário aguçar a percepção através dos cinco sentidos
(“material hyperception”). Cruzando sentidos com emoção e criativi-
dade visionária (“emotional creativision”), pode-se acompanhar os
passos do bailarino Ismael Ivo. A marca Osklen, criada em 1989 por
Oskar Metsavaht, também se enquadra nessa contextualização por
sua trajetória que vai além do mundo da moda, chegando a se tornar
um avançado projeto de produto e proteção do planeta.

133
Aula 6

Fonte: Flickr | Foto: thinkretail

Fonte: Flickr | Foto: thinkretail


g) Crucial & Correct – O sétimo conceito, que trata da construção de
novos parâmetros de ação nos processos gerenciais (ações sociais) e
no dia a dia (atividades comunitárias), recebe a alcunha de “Crucial e
Correto”. Reportando-se tanto à economia solidária (“ethic enterpri-
se”) – Coopa-Roca, cooperativa de artesãs da Rocinha (RJ) – quanto
a recursos cruciais (“crucial resources”), os novos critérios de escolha
para o consumo (biodiesel e energias renováveis) são exemplos desses
estilos. As iniciativas voltadas para a produção cultural, que visam a
implementar projetos civis e sociais de forma limpa e informativa, sem
esquecer o entretenimento − Cidade Limpa e Bienal de São Paulo –, tra-
balham na linha da comunicação correta (“correct communication”).
Fonte: SENAI CETIQT

Criação da CoopaRoca, no Rio.

134
Moda, Cultura e Identidade

h) Core & Care – O oitavo mindstyle diz respeito ao cuidado consigo,


com o outro e com o espaço circundante, estimulando a desacelera-
ção do dia a dia, com maior ênfase nas experiências vividas profun-
damente. Vendo a cidade como um laboratório de inovação criativa,
em busca de caracterização e distinção, ressalta-se, nela, o conforto e
o bem-estar para a coletividade (“public core”). O caminho Niemeyer,
em Niterói, seria uma boa aplicação de tal conceito.

Fonte: Flickr | Foto: Charlie Phillips


Fonte: Flickr | Foto: Poldavo (Alex)

Caminho Niemeyer em Niterói, no Rio de Janeiro.

i) Net & Nomadism – O nomadismo, graças à tecnologia, refere-se à


mobilidade, como ocorre nos trabalhos em rede e em projetos com-
partilhados (“worknet e project sharing”). Usar o talento individual e
os recursos midiáticos que
fazem desse talento um
benefício coletivo (“talent
& self company”) significa
ter o nome relacionado a
uma pessoa jurídica com
proximidade maior en-
Fonte: Flickr | Foto: Sérgio Savaman Savarese

tre marca e pessoa, como


sempre fez a apresentado-
ra Xuxa Meneghel.

Xuxa é um exemplo de proximidade da pessoa


jurídica com a própria marca.

135
Aula 6

j) Essencial & Existencial – Aquilo que é es-


sencial para a existência busca a simplici-
dade e a autenticidade em experiências

Fonte: Flickr | Foto: dennis and aimee jonez


individuais e coletivas, como a loja de
móveis e artigos de decoração Tok Stok.
Na aventura existencial (“existencial ad-
venture”), deve-se usufruir da liberdade
de escolha. A mente passa por constante
processo de construção (“mind building”)
e o pensamento propulsiona comporta-
mentos e escolhas. Consequentemente,
a atividade intelectual assume uma res-
ponsabilidade coletiva − loja FNAC e Livraria Cultura.

l) Choc & Chaos – Por fim, a inovação e a criatividade como consequ-


ências do choque e do caos colocam em relevo conexões inesperadas
(“unexpected links”) e suas adaptações. As campanhas da marca de
lingerie Duloren, por exemplo, utilizam uma linguagem de transgres-
são de conceitos, com a exibição de freiras em roupas íntimas e de
situações de homossexualidade. As formas caóticas de criatividade
(“shock & virtual energy”) usam o choque para a geração do novo,
como se vê no Carnaval no Rio.

Polêmica na moda
Acesse os links a seguir e veja campanhas da marca Duloren que causaram polêmica:
http://criativodegalochas.blogspot.com/2004/08/anncio-polmico-para-duloren.html
http://www.mulheresdecueca.com/Visibilidade%20Lésbica%20na%20Publicidade%20
–%20Du%20Loren.htm

A partir desse extenso mapeamento, o coordenador do projeto, Fran-


cesco Morace, acredita que “o Brasil é certamente o País com a taxa mais alta
de imaginário no mundo, seja como quantidade de estímulos, seja como qua-
lidade dos conteúdos”, podendo se impor através de seus próprios valores e
de suas próprias sensibilidades. Cada região contribuirá para o renascimento e
para o relançamento do país, apontando para cada uma delas e para projetos
específicos em que emergem os talentos do lugar.

136
Moda, Cultura e Identidade

Grade conceitual de um mundo culturalmente constituído, as catego-


rias culturais determinam o modo como este mundo será segmentado em
parcelas discretas e inteligíveis, além de definir como será feita a organiza-
ção de tais parcelas. Ao agir de acordo com o “plano de ação” da cultura,
os membros de uma comunidade estariam determinando essas distinções,
a fim de tornar o mundo que criam consistente com o que imaginam. De
certa forma, “os membros de uma cultura estão constantemente engajados
na construção e na constituição do mundo em que vivem” (McCRACKEN,
2003, p. 103).
Aplicando os conceitos vistos na compreensão do fenômeno da moda
brasileira, no início do século XXI, percebe-se que, em termos de criação, já
passamos pela reprodução preguiçosa − ou, talvez, imatura − dos mitos tra-
dicionais. No final da década de 1990, as marcas de moda reproduziam, em
estampas ou aplicações, elementos da cultura indígena ou africana, como
penas e sementes, na tentativa de criar uma moda nacional. Com o passar
de cerca de uma década, percebeu-se que, para construir, era preciso, pri-
meiramente, desconstruir. Só então temáticas brasileiras inspiradas na mú-
sica, na literatura, no cangaço, na favela e na religiosidade passaram a ser
pesquisadas com certa profundidade para, depois, tornarem-se referencial
para coleções. No discurso visual da moda, marcas e designers como Osklen,
Ronaldo Fraga, M. Officer, Lino Villaventura, Gilson Martins e Isabela Capet-
to, entre tantos outros, começaram a trazer, para as passarelas e também
para as ruas, uma interpretação mais contemporânea e menos caricata da
cultura nacional.
Para o antropólogo Everardo Rocha (2009), pensar o consumo na cultura
brasileira passa por investigar tanto o imaginário midiatico que nos envolve
quanto nossas práticas e experiências concretas de compra e usos.

Através da investigação do consumo podemos encontrar um entendimen-


to daquilo que na ideologia da sociedade brasileira pode estar no plano
global, no qual são compartilhadas experiências culturais contemporâne-
as, bem como em um plano local, em que aparece o que nos é marcada-
mente singular. (ROCHA , 2009, p. 179-180)

Nesse sentido, a produção e o consumo de moda brasileira mostram-


se eficientes cenários para a realização de observações dos espaços local e
global, em virtude da vitrine de procedimentos e resgates culturais em que
se converteram.

137
Aula 6

Atividade 3 – Objetivo 3

Agora que você já conhece um pouco mais sobre as representações


contemporâneas da nossa cultura, escolha um dos mindstyles apresentados
anteriormente e tente encontrar em sua cidade produtos – bens ou serviços
− que estejam sendo oferecidos no mercado e que se encaixam nessa catego-
ria. Atenção: não necessariamente precisamos encontrar produtos de moda.
Valem eventos, tipos de serviços, locais de entretenimento e produtos de qual-
quer segmento – alimentos, publicações, tecnologia, cosmeticos. Fotografe
esses produtos e faça um texto de aproximadamente dez linhas explicando a
sua escolha.

Resposta e comentários

Você deve ter percebido como é cada vez mais frequente a venda de
bens e serviços que procuram representar de alguma forma a cultura local. No
Rio de Janeiro, por exemplo, a praia é um espaço democrático por onde pas-
sam diferentes tribos. No espaço da praia podemos encontrar produtos bem
característicos daquele ambiente ou ainda da cidade como um todo. Podemos
citar como exemplo o Mate Leão, o biscoito Globo, o Sucolé, entre outros. Al-
guns deles chegaram literalmente a virar moda.
Fonte: Flickr | Foto: Claudia midori

Fonte: Divulgação

138
Moda, Cultura e Identidade

Conclusão

Como pudemos ver nesta aula, a cultura brasileira, formada a partir da


junção de diversos povos que se estabeleceram no Brasil desde o tempo da co-
lonização, se apresenta, de um lado, por meio da diversidade, das diferenças,
dos opostos, como tão bem apresentaram alguns ícones do pensamento nacio-
nal, como Sergio Buarque de Holanda e Gilberto Freyre e, por outro, através da
unidade, que se dá no sentimento, na alma, no estilo.
Independentemente de seus diferentes sotaques, os brasileiros carre-
gam na alma o mesmo sentimento e é esse sentimento que se apresenta, no
cenário global contemporâneo, como um grande diferencial para o mercado,
sobretudo o de moda.

Para uma segunda olhada...

Na aula de hoje pudemos relembrar os principais elementos formadores


da cultura brasileira, a questão da construção da identidade nacional e sua rela-
ção com a história da Nação e do povo brasileiro. Identificamos ainda as prin-
cipais representações contemporâneas da cultura brasileira, inclusive na moda,
por meio do trabalho desenvolvido pelo Future Concept Lab de Milão em parce-
ria com o Senai Cetiqt. Na próxima aula você vai conhecer um pouco mais sobre o
surgimento do design no Brasil e os desdobramentos da cultura de moda no País.

Referências

DALPRA, Patricia (Org). DNA Brasil: tendências e conceitos emergentes para as cinco
regiões brasileiras. São Paulo: Estação das Letras e Cores, 2009.
DaMATTA, Roberto. O que faz o brasil, Brasil? Rio de Janeiro: Rocco, 1984.
FREYRE, Gilberto. Casa grande e senzala. Rio de Janeiro: Record, 1975.
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo: Cia das Letras, 1995.
McCRACKEN, Grant. Cultura e consumo. Rio de Janeiro: Mauad, 2003.
RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Cia das
Letras, 1995.
ROCHA, Everardo. Cultura, consumo e ritual: notas sobre a identidade brasileira. In:
DALPRA, Patrícia (Org.). DNA Brasil: tendências e conceitos emergentes para as cinco
regiões brasileiras. São Paulo: Estação das Letras e Cores, 2009.
STRINATI, Dominic. Cultura popular: uma introdução. São Paulo: Hedra, 1999.

139
Aula 6

Sites consultados
ABIT. Disponível em: <http://www.abit.org.br/site/texbrasil/default.asp?id_menu=2&
idioma=PT>. Acesso em: 2 mar. 2010.
EVERYBODY loves the sunshine. Disponível em:
<http://elts.wordpress.com/2007/11/02/narradores-de-jave/>. Acesso em: 2 mar. 2010.
FLICK. Disponível em: <www.flickr.com>. Acesso em: 2 mar. 2010.
G1 O GLOBO. Disponível em: <g1.globo.com. Acesso em 02 de março de 2010.
http://criativodegalochas.blogspot.com/2004/08/anncio-polmico-para-duloren.html
http://www.mulheresdecueca.com/Visibilidade%20Lésbica%20na%20Publicidade%20
–%20Du%20Loren.htm>. Acesso em: 2 mar. 2010.
HIPERIMAGEM. Disponível em: <http://hiperimagem.org/oqrp/category/crise/>. Acesso
em: 2 mar. 2010.
SENAI. CETIQT. Disponível em: <http://www.cetiqt.senai.br/blog/comportamento/?cat=
10>. Acesso em: 2 mar. 2010.
STOCK Xchange. Disponível em: <www.sxc.hu>. Acesso em: 2 de mar. 2010.
WIKIMEDIA Commons. Disponível em: <www.commons.wikimedia.org>. Acesso em: 2
de mar. 2010.

140
Aula

Design de Moda e identidade no Brasil contemporâneo


7
Seus Objetivos:
Ao final desta aula, esperamos que você seja capaz de:
1. Reconhecer o desenvolvimento nacional no setor têx-
til do século XIX aos dias atuais;
2. Identificar as diferentes formas de produção de Moda e de
identidade no Brasil contemporâneo.

4 horas de aula
Moda, Cultura e Identidade

1. A presença do design no Brasil...

Agora que você já é capaz de articular as especificidades da relação


Moda, Cultura e Identidade, assunto visto na Aula 1, e de perceber como as
questões culturais estão inseridas na moda, que, por sua vez, influencia na
mudança de comportamento, assuntos vistos nas Aulas 2 e 3, vamos apresen-
tar alguns conceitos não só do design de Moda, mas de identidade cultural no
Brasil contemporâneo.
Nesta aula, iremos apresentar como se desenvolveu o design no Brasil,
com destaque para a moda. A partir dessa abordagem, vamos problematizar
o processo de construção de uma identidade cultural constituída no contexto
histórico brasileiro.

2. Um pouco de história...

A história do design no Brasil está diretamente associada ao processo


de industrialização das potências europeias, porém ocorreu de forma tardia.
No final do século XIX, tivemos um surto industrial que viabilizou o desenvol-
vimento da indústria têxtil, que, por sua vez, alavancou o desenvolvimento da
moda no Brasil.
Nossa organização industrial deu-se de forma precária, uma vez que não
tínhamos o know how (conhecimento) para o desenvolvimento do processo
produtivo. Por outro lado, tínhamos mão de obra disponível, tanto dos ex-
escravos quanto dos imigrantes.
Fonte: Flickr | Foto: Gerson Tavares

Instalações da antiga Companhia Têxtil Brasil Industrial, em Paracambi, estado do Rio de Janeiro. Foi a primeira
grande fábrica de tecidos de algodão do Brasil.

143
Aula 7

A indústria brasileira, sobretudo a têxtil, necessitava não só de uma


impressão mecânica dos tecidos, mas de um padrão decorativo para assegu-
rar lucros para o fabricante, sem investimento adicional de mão de obra. A
tradição nacional no setor industrial, a partir do século XIX, era produto da
presença da mão de obra do imigrante. A escravidão retardava o processo de
desenvolvimento do setor têxtil no que se refere à mão de obra e ao mercado
consumidor.
A nossa produção industrial têxtil era de tecidos de algodão sem mui-
ta tecnologia, se compararmos com a produção inglesa, por exemplo. Mas,
mesmo que a produção requeresse técnica específica, isto é, tanto em novas
impressões mecânicas dos tecidos em escala de produção industrial e não de
forma artesanal, quanto na adoção de um aprimoramento de um padrão de-
corativo, a produção continuava incipiente e sempre espelhada no modelo de
produção internacional. Quando mencionamos padrão internacional, estamos
nos referindo à produção em grande escala e, portanto, no modelo fordista.
Observando a evolução do design no Brasil, nos deparamos com as
velhas questões do passado (mão de obra não especializada − presença de
uma mão de obra imigrante −, necessidade de importação de tecnologia,
sobretudo inglesa, e falta de técnica para reparação das máquinas aqui no
Brasil) quando comparamos com o desenvolvimento industrial em escala in-
ternacional. O design não representava somente um ganho maior de lucro,
mas também valor agregado aos produtos, já que se configurava como uma
exclusividade e vantagem com relação à concorrência nas atividades relacio-
nadas ao comércio. Na verdade, reproduzíamos o modelo internacional, mas
tínhamos algumas variáveis internas que se mesclavam com a produção em
grande escala. A questão que responderemos com você é: Quais são essas
variáveis internas?
A nossa tradição histórica de permanecermos na dependência de impor-
tações europeias até a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) nos abre espaço
para outras questões: que moda produzimos após este período? Reprodução
ou inovação?
Tentaremos responder essas questões a partir de um passeio histórico ao
Brasil Imperial (1840-1889). Sabemos que, mesmo com algumas tentativas de
desenvolvimento industrial, como a Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacio-
nal e de Indústrias com o Visconde Mauá, a nossa tradição econômica esteve
sempre baseada em uma economia agroexportadora, onde o café era o pro-
duto de destaque no setor de exportação, desde o século XIX até aproximada-
mente os anos 1930.

144
Moda, Cultura e Identidade

Crescimento da Indústria Têxtil Nacional


A Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional e de Indústrias foi criada no
Primeiro Reinado, precisamente após a independência do Brasil, em 1822,
visando não só um espaço para discussão teórica sobre os conceitos de evolução, ciên-
cia e tecnologia, mas a busca pela equiparação ao desenvolvimento industrial europeu.
Foi, primeiramente, um órgão consultivo do Estado, concedendo licenças e premiações
para aqueles que desenvolvessem projetos de máquinas agrícolas. No Segundo Reina-
do, esse mesmo órgão promoveu a Primeira Exposição de Indústria Nacional e, poste-
riormente, projetou o Brasil no cenário internacional na Exposição Universal de Londres
(1862). Nos dias atuais, foi incorporada à confederação Nacional de Indústria (CNI).

Com o advento da indústria têxtil nacional, houve a participação efetiva


do imigrante no processo produtivo têxtil, pois eles dominavam os setores fa-
bris, se compararmos com a mão de obra recém-liberta – o ex-escravo.
A invenção mais significativa nesse processo de desenvolvimento in-
dustrial foi, sem dúvida, a máquina de costura (a partir de 1859). Com essa
nova invenção, vários segmentos sociais poderiam desenvolver uma peça de
roupa para compor a vestimenta da família. Era a produção caseira ou do-
méstica que viabilizava o processo de desenvolvimento fabril, mesmo que
em pequena escala.
No entanto, havia uma tentativa de ampliação desse processo de produ-
ção, buscando um mercado em escala nacional. Mas como fazer isso se a nossa
dependência econômica era inglesa até a Primeira Guerra Mundial (1914-1918)
e depois passamos para a dependência econômica dos Estados Unidos (a par-
tir de 1919 até o processo de Globalização)? Essa questão será respondida ao
longo da aula, pois a partir da década de 1970 até hoje em dia, ganhamos certa
autonomia no setor de confecção e de marcas no campo da moda, que proje-
tam o Brasil em nível internacional, não é mesmo?

Quando começou a Globalização?


A maioria dos historiadores afirma que o início da Globalização é datado da
queda do Muro de Berlim, em 10 de novembro de 1989. Outros afirmam que,
com o fim da União Soviética, ocorrida em dezembro de 1991, houve efetivamente o fim
da Guerra Fria, e o fenômeno da Globalização tornou-se o início de uma nova era, em
escala internacional, em todas as esferas, tanto de produção quanto cultural.

145
Aula 7

Fonte: Wikimedia Commons | Foto: Adam Jones


Foto: Imagem em domínio público
Fonte: Wikimedia Commons |

O uso da máquina de costura: passado e presente.

A divulgação e popularização do consumo de tecidos são provenientes


da necessidade de uma sociedade brasileira inserida no sistema capitalista in-
ternacional. Isso porque de nada adiantava ter a matéria-prima, por exemplo,
o algodão, se não tínhamos o maquinário necessário para a produção e, até
mesmo, mão de obra mais especializada.
O eixo Rio-São Paulo representava o desenvolvimento industrial e urba-
no no cenário nacional. Houve um processo gradativo de uma aglomeração de
mão de obra operária nesses locais, próximo às fábricas. Podemos citar como
bons exemplos dessa concentração em torno dos centros industriais e urbanos
a presença de fábricas de tecido, como a Companhia de Tecidos Nova América
(1925-1991), localizada no bairro de Del Castilho (sede do atual shopping Nova
América - em 1991, as instalações foram desativadas e a fábrica foi transferida
para a unidade de Fonte Limpa, no município de Duque de Caxias), e a Con-
fiança (1878- 1964), em Vila Isabel (atual Supermercado Extra Boulevard), que
formaram vilas operárias.
Em São Paulo, podemos citar como exemplo a formação da Vila Operária
Americana (fundação em 1875 e fechamento em 1976), na Carioba, até o início
da década de 1950. Após ser emancipada de Campinas, Americana se firmaria
como principal pólo têxtil da América Latina.
O desenho das cidades foi feito não só com a referência das fábricas,
mas também pela presença da ferrovia, que constituiu um elemento facilitador
para a escoação de produção para os portos, tanto do Rio de Janeiro quanto de
Santos, em São Paulo. Os traçados das cidades seguiam à risca a linha perpen-
dicular formada pela malha ferroviária, que, por sua vez, servia para compor
uma formação de núcleos urbanos em função do lugar da fábrica.

146
Moda, Cultura e Identidade

“Confiança” na guerra
Durante a Segunda Guerra Mundial, a Fábrica Confiança foi a única forne-
cedora de tecidos para a confecção dos uniformes das Forças Armadas do
Brasil. Desse modo, é possível perceber o comprometimento do setor fabril com as
questões políticas contidas na Era Vargas (1930-1945 / 1950-1954).

A expansão da cultura do algodão no Brasil é datada entre 1862 e 1875,


impulsionada pela Guerra de Secessão (1861-1865), que afetou as áreas produ-
toras do sul dos Estados Unidos, que, naquela época, eram o maior fornecedor
desta matéria-prima para o desenvolvimento industrial têxtil inglês. Assim, com
a falta de matéria-prima para compor a industrialização inglesa, coube ao Brasil,
na época do Segundo Reinado (1845-1889), a produção agrícola algodoeira para
exportação, cujo objetivo era suprir a escassez do algodão no setor têxtil inglês.
Após a Guerra de Secessão, os Estados Unidos retornaram a exportação
do algodão para a Inglaterra e o Brasil continuou a produzi-lo, porém sem gran-
des estímulos econômicos por parte dos setores governamentais. As primeiras
tecelagens paulistas e algumas cariocas surgiram nesta conjuntura histórica. Um
bom exemplo foi a indústria de “fiação, tecidos e tinturaria” (1875-1901), na Fa-
zenda São Domingos (Carioba - São Paulo), e a Fábrica Aliança, que foi considera-
da uma das mais importantes do setor no Rio de Janeiro. A referência da fábrica
alterou a composição sociocultural da população do bairro e, consequentemen-
te, sua arquitetura e seu urbanismo. O comércio não só cresceu, como também
se diversificou em função do desenvolvimento fabril, que permitia, para além de
um crescimento espacial do bairro, o crescimento das atividades culturais.
Fonte: Wikimedia Commons | Foto: Imagem em domínio público

O desenvolvimento fabril como formação de núcleos urbanos ao longo do século passado.

147
Aula 7

3. Sociedade capitalista: a moda é consumo permanente

A roupa deve ser considerada um objeto de pouca durabilidade, até mes-


mo descartável (roupas baratas), pois ela é o único objeto de consumo que
leva dois anos para ficar pronto, considerando todo o processo, desde a pro-
dução da fibra têxtil, até sua comercialização em uma loja. Além disso, a roupa
renova-se a cada seis meses, com uma regularidade marcada pelas tendências
do momento.
Lipovetsky (1989, p. 160) define a moda a partir da ótica da sociedade
de consumo: “[...] a moda consumada, o tempo breve da moda, seu desuso
sistemático tornaram-se características inerentes à produção e ao consumo de
massa [...]”. Na verdade, a moda é uma representação social e econômica da
lógica do sistema capitalista, que se circunscreve na produção e no consumo
imediato dos objetos do setor têxtil.
Assim, a moda, muito mais do que um invólucro do corpo na sociedade
de consumo, representa um código de indicação tanto da posição social, quan-
to de atitudes (comportamento) daqueles que a consomem em um contexto
histórico específico. Portanto, a roupa é mais um dos objetos materiais da His-
tória e do Design. Apesar de o tempo físico torná-la desvanecida, a roupa re-
dimensiona a produção da moda enquanto registro de costumes e valores em
um tempo de longa duração (entende-se por mudanças culturais e a própria
produção material contida nas sociedades capitalistas) presente nas socieda-
des de consumo.
Para se ter uma noção dessas mudanças da moda de acordo com o con-
texto histórico específico, vamos citar um caso. No Brasil, ocorreu a gradati-
va substituição da produção da moda de alta-costura para o prêt-à-porter,
quando tanto a moda carioca quanto a paulista estavam influenciadas pela
produção europeia e, posteriormente, pela norte-americana, conforme pode
ser verificado nas revistas da época Vida Doméstica (publicação mensal de
março de 1920 até junho de 1963), Da Semana (publicação semanal de maio
de 1900 até janeiro de 1959), Jornal das moças (publicação semanal de feve-
reiro de 1914 até 1961), e Fon-fon (publicação de abril de 1907 a 1958), tendo
como critérios conceituais de análise o estilo, o comportamento e a produção
de moda.

148
Moda, Cultura e Identidade

Fonte: Wikimedia Commons | Foto: Domínio público


Fonte: Agência Fiocruz de Notícias

Fonte: Flickr | Foto: Solange C


Capas de algumas das revistas que circularam no Brasil na época do Pós-Guerra.

Acreditamos ser importante compreender o desenvolvimento industrial


têxtil da moda para o público feminino que lentamente se insere no mercado
de trabalho, no período Pós-Segunda Guerra Mundial.
Ressaltamos que as elites femininas carioca e paulista não estavam inse-
ridas no mercado de trabalho. Muito pelo contrário, elas mantêm o status quo
de uma sociedade burguesa e elitista, conforme podemos observar nas divul-
gações das revistas mencionadas anteriormente e nos manuais de boas ma-
neiras, que estabelecem um código do que seja viver na sociedade moderna.
Entre eles, por exemplo, o Em sociedade dita como deve ser o comportamento
de sociabilidade a partir das etiquetas sociais, para a mulher que pretende fre-
quentar os espaços da sociedade, além daqueles que são contínuos no seu dia
a dia, na família e com os amigos.
Estes códigos de boas maneiras, de tratamento no lar e na sociedade es-
tabelecem diversas regras que determinam o tipo de mulher socialmente aceita
neste período. Léa Paixão (1965, p. 116), além de estabelecer um verdadeiro
guia de etiqueta, enfatiza o papel da mulher moderna de forma bem esclarece-
dora e chama a atenção para o verdadeiro lugar da mulher, quando afirma que

a época em que vivemos expõe a mulher a todos os perigos. A liberdade


que sonham não deve ser essa! E ser a liberdade de escolher entre os
homens aquele que a dignifica com seu culto de veneração e respeito.

Acreditem, moças de hoje, a vida só tem valor para as mulheres quando


passada num lar honesto, embora simples, onde impera o respeito mú-
tuo, a compreensão e a virtude.

149
Aula 7

Vocês podem ser esportivas, ágeis, corpos esguios e silhuetas maravilho-


samente bem proporcionadas. Vocês podem e devem viver a deliciosa
vida a que a mulher tem direito nesta metade do século XX, mas lembre-
se de que em tudo deve pairar o bom senso e a providência.

A autora faz, depois, uma lista das qualidades que a mulher moderna
deve adquirir para ser considerada uma boa dona de casa. Ela deve tratar des-
de as finanças do lar, até a costura, além de estar sempre bonita e elegante.
Ainda segundo Paixão (ibid, p. 269), estas senhoras estão fadadas a se-
rem as rainhas do lar, porém não há muita diferença entre o traje destas e o das
mulheres que trabalham fora, cujo vestuário deve ter os seguintes atributos:
“distinção, elegância, simplicidade, comodidade e deve ser prático, econômi-
co, durável e resistente ao longo uso”. A autora enumera apenas quatro tipos
de profissões para o universo feminino e os seus adequados trajes de trabalho:
a balconista e a operária (uso de roupas sóbrias ou de uniforme predetermi-
nado pela loja ou magazine), como também a escriturária e a datilógrafa. Cha-
mamos a atenção para o fato de que, em nenhum momento, essa mulher que
trabalha fora do lar é valorizada, até porque as profissões apresentadas são Bureau de Style: Escritó-
rio de estilo. Usa-se essa
para as classes subalternas e não para a elite. expressão para designar
Portanto, quando falamos sobre moda, um significado pejorativo vem um espaço que não so-
mente possui peças de
à tona: a associamos a um assunto supérfluo de senhoras abastadas que po- roupa para compor uma
dem frequentar desfiles, comprar vestimentas de marca e encomendar a um indumentária feminina
ou masculina, mas que
consagrado estilista um “modelito” exclusivo, confeccionado em um ateliê ou faça uma composição de
em um Bureau de Style. Na verdade, esta visão é limitada e não reproduz os um determinado estilo
de época ou para prestar
verdadeiros valores e códigos que estão presentes no simples ato de vestir um serviços de tendências
de moda. Às vezes essa
corpo no dia a dia, frente às necessidades da vida urbana e industrial. A partir
expressão é também
do final da Segunda Guerra Mundial foi que verificamos as mudanças culturais utilizada para referir-se
às pequenas lojas que
e a produção de um design de moda com traços de uma construção de identi-
oferecem um tipo de
dade brasileira. estilo para atender um
segmento de consumo
Não estamos afirmando que, ao longo da história da moda no Brasil, não específico de moda.
houve uma procura por um traço de identidade brasileira. A própria expressão
do modernismo, que reflete a busca por este conceito, fez a elite cultural da
época mostrar essas referências associadas às culturas indígenas e africanas,
que, a partir da década de 1960, fizeram-se mais presentes, porém sob a refe-
rência do movimento negro norte-americano.

150
Moda, Cultura e Identidade

Fonte: Wikimedia Commons | Foto: Domínio público

Fonte: Flickr | Foto: gi varga


Expressões culturais brasileiras na arte e na moda: uma identidade em construção.

Esta parte da aula apresenta as seguintes questões para pensarmos na


construção de uma moda brasileira e, consequentemente, de um designer bra-
sileiro: O que se entende por moda brasileira:
• moda adaptada ou moda regional?
• moda copiada ou original?
• moda cultural ou moda sazonal?
• moda irreverente e tropical ou moda proveniente de um modelo social?

4. A moda nos anos 1940 e 1950 – Europa e Brasil

De acordo com James Laver, Paris foi derrotada pelos alemães em 1940,
mas a moda não, pois enfrentou o desafio de tecidos sintéticos, novos proces-
sos de fabricação, mão de obra escassa e restrições na confecção. Na verdade,
“as roupas da época da guerra demonstraram com que força a moda reflete
a situação econômica e política vigente, a atmosfera do momento” (LAVER,
1989, p. 252).
Esta atmosfera é refletida em fatores que vão desde materiais para a pro-
dução da modelagem, até a nostalgia de um tempo não mais seguro, no qual
há uma diminuição da vida privada (leia-se ambiente do lar) em relação à vida
pública da mulher (ambiente do trabalho nos mais variados setores, sobretudo
têxtil, como a mão de obra das costureiras para a alta-costura).

151
Aula 7

Assim, tanto na Europa como nos Estados Unidos, houve uma tendên-
cia para o luxo e para a nostalgia da Belle Époque, ratificada através do “New
Look” de Dior, em 1947, composto por modelos de cinturas apertadas, saias
muito amplas e meticulosamente forradas, blusas estruturadas, sapatos altos,
pouco práticos, mas maravilhosos, e chapéus grandes” (ibid, p. 257). A política
de racionamento de roupas, imposta pelo governo britânico, por exemplo, foi
ignorada pelas mulheres, que cada vez mais se apertavam com cintas – “ves-
pas” – para compor o novo Look.
A Inglaterra, assim como todas as potências beligerantes, sofreu com a
Segunda Guerra, pois a economia internacional foi abalada pela substituição
da industrialização de vários setores do planejamento de moda para a produ-
ção em grande escala em materiais bélicos. Com o final da guerra, em 1945,
vários setores industriais foram gradativamente repondo sua atuação de pro-
dução e, consequentemente, de mercado. Os setores industrial têxtil e de avia-
mentos não fugiram à regra, permitindo, assim, um espaço para a inovação,
como, por exemplo, o New Look de Dior, citado anteriormente.
O prêt-à-porter tornou-se uma forma elegante, moderna e confortá-
vel de se vestir para atender aos segmentos abastados, mas também à classe
média urbana, democratizando a moda. O ritmo da produção das coleções
sazonais respeitava um planejamento rigoroso que visava um produto de qua-
lidade, com preço acessível, possibilitando uma diversificação maior de ofer-
tas. Esse sistema de moda foi inaugurado a partir de Dior, com o New Look,
que modificou o design da roupa feminina e divulgou novos padrões a serem
seguidos pelas mulheres que primavam pelo “bom gosto” e pelo capricho.
Assim, a moda do prêt-à-porter foi parte integrante das mudanças culturais
e estruturais de comportamento na sociedade que consumiu essa produção.

Na natureza nada se perde... tudo se transforma!


A título de curiosidade, as revistas já citadas de época apresentavam dicas
para o leitor de como fazer o aproveitamento de roupas, retalhos, inclusive
tecidos de decoração nas roupas mais antigas, cujo objetivo era criar um “novo produ-
to”, isto é, reformado.

Destacamos o estilo de moda produzido nos anos 1940 e 1950 por ter
um significado histórico de mudanças de valores, costumes e comportamen-
tos, não só na perspectiva de importação do modelo cultural norte-americano,
mas também o como se traduziu e o porquê da existência da influência desta
moda no cotidiano da sociedade brasileira.
152
Moda, Cultura e Identidade

Fonte: Flickr | Foto: dovima is devine


Fonte: Flickr | Foto: Sacheverelle

Do modelo ao cotidiano das ruas: uma presença do New look de Dior.

Nas décadas de 1940 e 1950, a moda foi marcada por dois momentos de
mudanças conjunturais, pois a Segunda Guerra Mundial estabeleceu a divisão
de estilos na produção da moda nos períodos da Guerra e do Pós-Guerra. O
primeiro estilo referia-se à sua própria adequação a modelos inspirados em
uniformes militares de caráter utilitarista. Dessa forma, fazia-se necessária a
padronização e a produção em grande escala no setor industrial, não somente
bélico, mas em qualquer setor, como a moda, que necessitava do uso de mais
tecnologia para atender à demanda e à oferta.
Assim, objetivando a diminuição de custos, estas mudanças tornariam a
roupa mais econômica. A partir daí, a moda passou a ser mais acessível para os
diversos segmentos sociais. O segundo estilo a ser produzido, já no Pós-Guerra,
foi derivado da manutenção dos recursos provenientes dos setores de indus-
trialização, que levou à melhor adaptação da moda feminina ao universo fabril.
No caso do Brasil, podemos afirmar que a moda dita padrões espelhados
nos modelos norte-americano, francês e italiano e que, portanto, (re)produzi-
mos e nos apropriamos dos valores de outras culturas. Porém, quando analisa-
mos este processo à luz das estruturas, como propõem Braudel (1989) e, poste-
riormente, Vovelle (1987), há clareza de que só é possível uma discussão sobre
a moda nesta conjuntura, no fervilhamento do imediato Pós-Grande Guerra,
com o estabelecimento de dois blocos econômicos antagônicos: Estados Uni-
dos capitalista e URSS socialista.

153
Aula 7

Nesse período, a produção da moda tornou-se mais veloz. Foi nos Es-
tados Unidos que se cunhou a expressão ready made para, posteriormente, a
alta-costura francesa codificar e internacionalizar o prêt-à-porter e, a partir de
então, esta produção ganhou a Europa e chegou ao Brasil através dos ateliês,
no imediato Pós-Segunda Guerra. Um dos ateliês mais expressivos foi a Casa
Canadá, no Rio de Janeiro, que iniciou os desfiles na década de 1940 e apresen-
tou o primeiro desfile de moda brasileira, em 1952, em São Paulo. Não pode-
mos deixar de citar a importância de dona Mena Fiala para a moda brasileira
no campo da alta-costura.

Mena Fiala: um grande nome da moda brasileira


A professora Cristina Seixas da Faculdade Senai-Cetiqt é também produto-
ra da Interfashion e possui um material publicado no endereço eletrônico
http://www2.uol.com.br/modabrasil/biblioteca/grandesnomes/dona_mena/index2.htm
mostrando a importância de dona Mena para o desenvolvimento da moda brasileira.

De acordo com Durand, nos anos 1950 o Brasil estava em situação eco-
nômica favorável, pois

[...] o dólar, barato, facilitava viagens de negócios ou de lazer ao exterior.


O progresso dos Estados Unidos e o brilho de Hollywood fascinavam os
brasileiros de classes altas e médias. A indústria têxtil nacional, orgulhosa
de suas exportações e de sua atividade fabril durante a guerra, almeja-
va conquistar a faixa dos tecidos finos consumidos no Brasil. (DURAND,
1988, p. 73)

Sabemos que o tecido de algodão era a principal fibra nacional, como já


dito anteriormente, matéria-prima de um pano bem adaptado ao clima quente
do país. Algumas tecelagens, como a Matarazzo (SP) e a Bangu (RJ), sabiam
que era hora de intervir no campo da moda, mas ainda desconheciam como
fazê-lo. A questão que se coloca é: se havia maior produção têxtil, quem iria
consumi-la? Sem dúvida o mercado, seja com as costureiras em domicílio, seja
nas lojas ou até mesmo nos Bureau de Style.

154
Moda, Cultura e Identidade

Fonte: Imagem de divulgação


Fábrica de Tecidos Bangu.

O contexto histórico é a base que possibilita a representação do imagi-


nário de época. No caso em questão, são os anos decorrentes do Pós-Guerra
que apresentam um cenário de reconstrução e de legitimação do poder norte-
americano constituído pelo célebre slogan: American way of life. Outras socie-
dades, como o Brasil, importavam este cenário. No entanto, ao mesmo tempo
em que importavam artigos de luxo, como as meias de nylon e tecidos com
texturas industrializadas como rayon, helanca, entre outros, as indústrias na-
cionais buscavam se adaptar às novas tecnologias têxteis.
Podemos verificar esse cenário na Companhia Progresso Industrial do
Brasil (Bangu). Com o término da Segunda Guerra Mundial, ela buscou manter
um bom nível de produção têxtil, alimentada pelas novas tecnologias prove-
nientes do setor americano. Segue um trecho de depoimento de Carlos Guido
Del Soldato, diretor técnico da Companhia dos tecidos Bangu:

[...] Em 1950 eu fiz uma viagem aos Estados Unidos em que tive a opor-
Mercerizar: Tratar o al- tunidade de comprar novas máquinas para a fábrica. Como o parque
godão com substâncias
industrial europeu havia sido destruído pela guerra, só os americanos
químicas, como o hi-
dróxido de sódio, obje- podiam nos fornecer aquelas máquinas, as melhores da época. Eram
tivando promover uma máquinas de mercerizar, estampar, chamuscadeiras, que nos permitiam
produção têxtil mais ela-
borada, seguindo, assim, um acabamento mais nobre, mais moderno. Ao mesmo tempo começa-
o processo produtivo de ram a aparecer novos tipos de corantes que reagiam muito bem com a
qualidade na produção
fibra do algodão. [...] Isso era ajudado, naturalmente, pela publicidade
em grande escala.
dos Desfiles Bangu, uma promoção de grande sucesso. (DEL SOLDATO,
1989, p. 39)

155
Aula 7

Companhia Progresso Industrial do Brasil


A Companhia Progresso Industrial do Brasil − a Fábrica de Tecidos Bangu
(1889– 2007) − representou um centro convergente de produção, de merca-
do, de mão de obra e de comércio para o desenvolvimento urbano da região. A influên-
cia da fábrica de tecidos foi uma referência de urbanismo até os idos anos 1970.
No campo da moda, esta Companhia chegava a patrocinar desfiles para as moças
que sonhavam em se tornar miss Brasil e até mesmo Universo, com concursos de clubes
e de representante do Estado da Guanabara, tendo como premiação 10 a 12 metros de
tecido da fábrica Bangu. (SILVA, 1989, p. 40- 48)

Os desfiles de moda patrocinados pela Bangu, nos anos 1950, revelam a


apropriação de uma moda internacional, adaptada aos padrões nacionais com o
uso de algodão nos modelos de matriz europeia e norte-americana. Os desfiles
de moda da Bangu foram um acontecimento para a (re)produção dos mode-
los, pois qualquer pessoa provida de algum capital podia comprar um tecido da
Bangu, confeccionar qualquer peça da indumentária referente à época e, assim,
estar adaptada ao processo de assimilação cultural tão presente neste período.
Neste contexto, se esboça o imaginário de uma época em que a moda é
mais uma representação social idealizada em uma sociedade urbana industrial
eufórica, com capacidade de consumo entre os segmentos sociais pertencen-
tes à elite e à burguesia urbana, objetivando uma imagem de semelhança com
a prosperidade dos Estados Unidos.

Promovendo a moda nacional


Os desfiles promovidos pela Fábrica de Tecidos Bangu eram um grande su-
cesso na década de 1950. O primeiro deles foi organizado por D. Candinha
Silveira, esposa de um dos proprietários da Fábrica Bangu, em 1951, para arrecadar
fundos em benefício da Obra da Pequena Cruzada.
Neles, além da apresentação dos tecidos e modelos, elegia-se a Miss Elegante Ban-
gu, que ganhava como prêmio uma viagem à Europa. No final da década de 1950, o
concurso de Miss Elegante Bangu aconteceu no Maracanã, com as candidatas ao título
adentrando o gramado com elegantes vestidos até o meio das pernas. A temática deste
desfile era a valorização da moda brasileira, focando o uso de estampados e lisos no
tecido de algodão de produção nacional.

156
Moda, Cultura e Identidade

Poucos anos depois, a Cia. Brasileira Rhodiaceta, filial do importante


grupo têxtil e químico francês Rhône-Poulenc, iniciou a produção de fibras sin-
téticas no Brasil. A maioria dessas fábricas desapareceu, principalmente por
não conseguir acompanhar as inovações tecnológicas, após a década de 1950.
Independentemente das fábricas se adaptarem aos novos tecidos com com-
posição desses materiais sintéticos, não houve incentivo governamental para
o desenvolvimento desse setor e, muitas vezes, o tecido importado saía mais
barato do que o produzido no Brasil. Assim, algumas fábricas não aguentaram
as novas exigências de mercado e entraram em um processo de falência, sobre-
tudo nos anos 1970 (período da ditadura militar no Brasil).
Mesmo assim, houve a presença de alguns tecidos sintéticos com pro-
dução nacional, como o Ban-lon, o Albène, o Rhodianyl, a Helanca e o Tergal.
Para que esses tecidos se destinassem ao consumo de massa, era indispensável
fazê-los entrar no mercado pelos segmentos sociais mais abastados, pois, des-
sa forma, passava pela aprovação de costureiros, colunistas sociais e mulheres
de alta sociedade. Portanto, estes segmentos sociais “ditavam” o gosto e eram,
tradicionalmente, indiferentes ao artigo da indústria nacional, considerado or-
dinário e inferior ao artigo importado. Assim, para que o artigo nacional pu-
desse ganhar destaque, sua adesão
pela classe alta era indispensável. O
setor têxtil nacional buscava a Fran-
ça como inspiração por ter tradição
em grande estilo e ser liderança da
moda feminina internacional.
Fonte: Prefeitura de Santo André (SP)

Fábrica Rhodiaceta ao fundo e Estrada de Ferro de


São Paulo Railway à frente, em 1930.

4.1. Estilistas de projeção nacional

Para não restringirmos o design de moda somente no período do Pós-


guerra, temos um leque de costureiros brasileiros que despontaram no cenário
da moda nacional a partir dos anos 1960: Guilherme Guimarães, Clodovil, Zuzu
Angel, Denner, entre outros. Todos sofreram influência cultural da produção de

157
Aula 7

moda, seja europeia, seja norte-americana. Um bom exemplo foi Guilherme


Guimarães, que não apreciava o prêt-à-porter por não valorizar a exclusividade
como a alta-costura, e sua produção tinha uma referência ao estilo americano e
não ao francês (naquela época era de praxe reproduzir a alta-costura parisiense).
Zuzu Angel não era uma estilista bem aceita na época pela alta socieda-
de carioca. Mas com a perda de seu filho nos porões da ditadura militar, nos
anos 1970, usou a sua criação enquanto forma de protesto ao governo norte-
americano com os famosos anjos que compunham sua coleção feminina. Não
devemos esquecer que Zuzu sempre utilizava os bordados do Nordeste como
representação simbólica de uma moda nacional.
Clodovil foi um costureiro que já fazia moda desde os anos 1960 e teve
como reconhecimento profissional o prêmio de primeiro costureiro a receber
o “Agulha de ouro”. A forma de produção de Clodovil era o prêt-à-porter para
as famílias ricas da época, como a Diniz e a Matarazzo, ambas pertencentes ao
estado de São Paulo.
Nas décadas posteriores aos anos 1960, vários estilistas compuseram sua
criação e produção de moda associadas a uma marca nacional, como Maria Bo-
nita, Gregório Fraganello, entre outros, que foram responsáveis em mostrar as
grifes internacionais com um traçado contendo uma construção de identidade
nacional − seja com o uso de materiais (couro, algodão orgânico, pedrarias,
etc.), seja com a inserção de artesanato regional (bordados, crochês, tricô, mi-
çangas, etc.) −, que compõe o design de moda brasileira.
Fonte: Wikimedia Commons | Foto: Fabio Pozzebom/ABr
Fonte: UOL Estilo | Foto: Imagem de divulgação

Denner e Clodovil foram estilistas de grande expressão, tanto no cenário da moda nacional, como internacional.

158
Moda, Cultura e Identidade

Atividade 1 - Objetivo 1

Como você percebeu através da leitura da aula, demos enfoque ao de-


senvolvimento do setor têxtil no eixo Rio de Janeiro e São Paulo. Entretanto,
na atualidade, há regiões do Brasil que contribuem para o desenvolvimento
da indústria têxtil e, consequentemente, para a produção da moda brasileira.
Você pode reconhecer um desses polos industriais nas proximidades da sua
residência? Identifique e explique o setor e o tipo de produção de moda que
estão sendo desenvolvidos na região selecionada por você.

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Resposta e comentários

Citaremos quatro polos de moda saindo do eixo Rio e São Paulo, que
tanto desenvolvemos ao longo dessa aula. A geografia da moda em regiões
representa a pluralidade cultural existente no Brasil. Alguns polos de moda
estão situados em Minas Gerais e produzem moda íntima, malha e tricô, sendo
referência nacional de confecção e moda. Outro estado que possui um polo de
moda é o Paraná, que desenvolve o jeans atendendo as marcas Ellus, Zoomp,
entre outras. O nordeste pode ser contemplado tanto pelo estado do Ceará
quanto pelo estado de Pernambuco. O primeiro atua no segmento de moda
íntima e praia, enquanto o segundo atua em moda íntima, jeans e surfwear.
Espero que você tenha percebido que a moda brasileira é um fenômeno
urbano e se serve de um centro convergente de transformações desde a pro-
dução, ao desenvolvimento da coleção, com um design de moda cada vez mais
autônomo no setor da criação, da confecção, da distribuição do vestuário em
grandes marcas e lojas que emergem nos cenários nacional e internacional.
Uma excelente fonte de pesquisa sobre dados mais atuais dos polos de moda
nacional está no site da ABITT.

159
Aula 7

Atividade 2 – Objetivo 2

Observe o painel de imagens a seguir e responda às seguintes questões:


a) Quais as imagens que mais se aproximam do nosso cotidiano?
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b) Quais os elementos selecionados (forma, proporção, cores, entre ou-


tros) em cada imagem justificam as “permanências” e “mudanças” contidas no
campo da moda?
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c) Observe a riqueza dos detalhes das roupas; pesquise sobre o compor-


tamento e os movimentos culturais de cada época apresentada. Seria possível
mostrar a evolução dos costumes utilizando as últimas tendências da moda
como referência de cada época?
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Fonte: Letras.com.br | Foto: Imagem de divulgação
Fonte: Drop music Z Foto: Imagem de divulgação
Fonte: Wikimedia Commons | Foto: Domínio público

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Moda, Cultura e Identidade

Fonte: Wikimedia Commons | Foto: Domínio público

Fonte: Wikimedia Commons | Foto: Maurício Cardim / AgênciaFM

Fonte: Stock Xchange | Foto: Nicholas Sales

(2)

Fonte: Wikimedia Commons | Foto: Domínio público

(7)
(5)
(3)

161
Aula 7

Resposta e Comentários

A proposta deste painel de imagens é provocar algumas indagações so-


bre a importância dos movimentos culturais ocorridos no Brasil de forma cro-
nológica, porém apontando para as “permanências” e “mudanças” tão caras
no campo da história da moda e, portanto, no campo da identidade e cultura.
O desafio é permitir que você possa destacar referências contidas no passado e
no presente, diferenças essas que ultrapassam a cronologia, pois se inserem na
busca constante por uma identidade nacional, portanto, de cultura associada
ao comportamento de uma época.

a) Sem dúvida, as imagens 5 e 7 são as mais próximas do nosso cotidia-


no, pois a primeira, mesmo sendo referência de uma moda pertencen-
te aos anos de 1960, mostra-se com uma influência na indumentária
atual. A imagem dos músicos quase uniformizados representa um
continuísmo da linha sportwear, não é mesmo?

b) Imagem 1: O uso de acessórios como brinco, colar e prendedor de


cabelo fazem a composição da indumentária. O próprio vestido e seus
aviamentos (como botões forrados) hoje em dia quase não são utiliza-
dos, até porque a produção é em série ou prêt-à-porter, usando botões
de vários materiais, sobretudo de composição plástica, buscando o ba-
rateamento do custo do produto final. Houve também uma mudança
na utilização dos tecidos: atualmente usam-se mais tecidos sintéticos
do que orgânicos, até porque um tecido de 100% algodão é caro.

Imagem 2: O mostrar as pernas está cada vez mais presente em nos-


sa cultura, sobretudo a partir dos anos 1970, pois antes representa-
va uma falta de pudor desnudar o corpo. O comprimento das saias
encurtou bastante do Pós-guerra aos nossos dias: foram mais de 30
centímetros de altura retirados da saia que ia abaixo do joelho e hoje
chega na altura quadris.

Imagem 3: Apesar de Carmen Miranda ser um ícone nacional, ela é


Shantung: ou xantun-
uma portuguesa que inventou moda com as sandálias plataforma, gue, é a denominação
de tecido de seda pro-
muito presente nos dias de hoje, assim como o uso de muitas pulseiras duzido manualmente
e de colares, como também das saias com fendas variáveis para facili- em uma província chine-
sa chamada Shantung.
tar o movimento, que são referências de permanência na atualidade. Desde o século XX, este
tecido sofre mistura em
Imagem 4: A cantora Celly Campelo, sucesso nos anos 1950, deixa a sua composição com al-
referência dos bailes de 15 anos que acontecem nos dias de hoje, so- godão e raiom. Hoje em
dia é utilizado em rou-
bretudo o uso de tecidos com brilho, cetim, shantung. O próprio de- pas para noite.

162
Moda, Cultura e Identidade

sign do vestido com cintura bem marcada e tomara que caia lembra o
estilo do New Look de Dior.

Imagem 5: Veja que há uma variedade de estilos, peças, formas, com-


primento de toda a indumentária, seja feminina ou masculina. No
vestuário masculino, estão presentes desde o terno ao jeans e calças
confeccionadas em tecido tergal e seus similares, com cintura alta e
vinco (que não se usa mais). Essa ausência do vinco marca, portanto,
uma mudança, não só na peça de vestuário, como também de com-
Chamisier: Vestido com portamento, já que se fazia necessária uma passadeira para manter o
forma de camisão, usado
vinco nas calças. No vestuário feminino há uma variedade de compri-
solto com um cinto sob a
cintura ou em volta dos mento de vestidos que, por sua vez, iam da forma tubinho (referência
quadris. Na imagem, o
vestido chemisier é bran-
dos anos 1960) ao chamisier (referência no final do século XIX).
co com um cinto em vol-
ta dos quadris, deixan-
Imagem 6: Mais uma vez a permanência de indumentária referente
do-o retilíneo, pois não aos anos 1960, mas que estão presentes na atualidade. É o ir e vir do
marca a cintura.
estilo indiano, a influência do movimento negro e, consequentemen-
te, da influência cultural que transcende a época que a produz.

Imagem 7: A imagem enfatiza a permanência da blusa polo e da calça


cumprida na indumentária masculina, que não sofreram alterações na
atualidade.

c) Nesta questão você poderá se debruçar com os movimentos dos anos


1960, tais como: hippie, negro, a tropicália no Brasil. A influência da
Belle Époque para compor a indumentária de Chiquinha Gonzaga, assim
como os valores culturais franceses sendo absorvidos no cotidiano da
Capital da república − Rio de Janeiro. Você pode pesquisar até o remode-
lamento da paisagem carioca no início do século XX à luz da Belle Épo-
que. A influência cultural dos anos 1920, denominados “anos loucos”,
com a mudança de comportamento feminino, desde o corte de cabelo
bem curto, até o vestido estilo melindrosa que retorna eventualmente
ao cenário nos desfiles atuais. Outra questão que você poderá desen-
volver é o processo de aculturação proveniente do American way of life
no Brasil, a partir do final da década de 1940, apropriando-se do ícone
Carmen Miranda como aquela que representa brasilidade, tanto no pas-
sado quanto no presente. Enfim, essa questão não se esgota aqui; basta
observar as coleções Primavera/Verão 2010 presentes nos desfiles que
você poderá perceber que os anos 1980 foram revisitados com o retorno,
sob um novo olhar de utilização, de ombreiras, calças fuseau em tecidos
brilhantes, entre outros elementos que se colocam na atualidade.

163
Aula 7

5. A moda na construção da identidade do sujeito

Se a moda é vista apenas como manifestação de produção de estética


feminina, temos que avaliar a sua importância enquanto objeto de produção
de costumes e valores sociais. A moda é uma representação das manifestações
do inconsciente coletivo de um determinado grupo, em constante relação com
o seu tempo.
O historiador Roche (1989) afirma que as roupas devem ser estudadas
como evidência das atitudes e valores de seus usuários. Nesse sentido, uma
história que parece, à primeira vista, preocupada unicamente com a superfície,
se revela como um meio de investigar estruturas profundas.
Através da busca pelo verbete moda em alguns dicionários dos anos
1940 e 1950, encontramos significados como “Uso geralmente adaptado no
que respeita ao vestir. Costume, uso geral; uso que depende do capricho” (BI-
VAR, 1949, p. 467) e “o uso geralmente adotado de vestir ou de fazer qualquer
coisa e que varia segundo o gosto, o capricho ou a vontade” (FREIRE, 1954, p.
3461). A partir daí, podemos entender como era o conceito de moda no perí-
odo demarcado e, ainda, compreender melhor o que se entende por gosto,
capricho ou vontade que estão contidos neste conceito de moda.
Compreendemos a moda, então, enquanto um sistema composto de
signos, os quais indicam uma forma de linguagem não-verbal, estabelecendo
uma comunicação. A escolha individual é que possibilita a construção do seu
discurso, ao selecionar as cores dos variados tipos de tecidos, além dos adere-
ços, no meio da diversidade e das diversas opções. Portanto, a construção de
identidade se verifica a partir da inserção do sujeito no contexto social, políti-
co, econômico e estético.
Na verdade, a escolha daquilo que se quer vestir sofre interferências das
diferentes subjetividades envolvidas neste processo (gosto, vontade, desejo, en-
tre outros), como também no campo do consumo que o mercado expõe a cada
coleção apresentada nas vitrines, independentemente do segmento social. “A
moda é para todos”, desde as grifes e seu público específico, até a moda con-
sumida nas lojas de departamentos ou de rua. Assim sendo, o sujeito muitas
vezes é a própria representação do consumo de moda em um determinado
Linguagem de vesti-
contexto social, no qual experimenta as oportunidades de mercado, conforme menta: São os signos
que compõe a indu-
suas necessidades ou simplesmente pelo apelo de uma sociedade de consumo. mentária, ou seja, peças
Esta linguagem da vestimenta estaria diretamente associada a uma de roupa, maquiagem,
acessórios de moda. Re-
perspectiva histórica, pois pode ser vista como resultante das possíveis mudan- presentam o conceito de
ças psicossociais e, ainda, de comportamento ao longo das décadas de 1940 e beleza presente em cada
época em suas respecti-
1950, no contexto internacional. A moda, assim, tende a imprimir a forma de vas sociedades.

164
Moda, Cultura e Identidade

vestir de um grupo ou de indivíduos que convivem em uma determinada so-


ciedade. Desse modo, pode ser um veículo da representação dos significados
de costumes e valores na hierarquização sociocultural.
Segundo Bourdieu (1974, p. 135-136), a posição e a função do “sistema de
instâncias de consagração no campo de produção e circulação de bens simbólicos
e das relações [...] vinculam tal sistema ao campo da produção erudita para poder
defini-lo em relação ao campo da indústria cultural”. Dessa maneira, a moda se
circunscreve nesta posição de indústria cultural (como produto de todo o proces-
so produtivo, da fiação, passando pela passarela e, finalmente, chegando ao con-
sumo – atividade comercial), como cultura média ou arte média produzida pela
classe burguesa que comanda suas escolhas técnicas e estéticas. Produz-se moda
de forma mais acessível e clara para atingir um público maior. Esta produção re-
sulta da conjunção da constituição do produto de um sistema gerador de lucro,
que absorva o máximo possível de público, para outro que constitui o resultado
de transações e compromissos entre as diferentes categorias de agentes envolvi-
dos em um campo de produção técnica e socialmente diferenciada.
A moda tem significados variados no mundo contem-
porâneo. Todavia, representa para a sociedade o objeto da di-
ferença, isto é, a seleção do vestuário, dos acessórios e das co-
res, formatos e texturas podem determinar não somente um
estilo próprio de um sujeito associado ao seu contexto, mas
uma forma de tornar-se identificado no mundo globalizado.
A moda feminina de elite carioca e paulista constru-
ída no imaginário social no período das décadas de 1940
e 1950 permitem vislumbrar um corte que, em uma abor-
Fonte: Flickr | Foto: Alaz-

dagem crítica e contextualizada, reflete as transformações


político-sociais da sociedade brasileira.
Até mesmo em períodos mais recentes, se estuda
moda enquanto um tema que evidencia um dos processos
de mudanças nas relações sociais que se refletem no
modo de vestir, relações essas que podem ser reto-
madas e revisionadas através de estilos, tão frequen-
tes na atualidade, e não apenas da moda de vestir.
Fonte: Flickr | Foto: Alaz-

A Ellus trouxe sua coleção inspirada nos punk-rockers, com presença tam-
bém de hits do inverno europeu. Já Ronaldo Fraga, no desfile de Inverno
de 2008 do São Paulo Fashion Week, criou uma nova linha que, segundo
ele, é um “vasculho” da história de suas 25 coleções. O outono-inverno foi
batizado de “A Loja de Tecidos” e, para isso, as modelos desfilaram em meio
a um varal de roupas em tule.

165
Aula 7

A moda deve ser entendida como acontecimento histórico na sua pro-


dução e nas relações de trabalho, sendo modificadora não apenas no universo
da produção, mas enquanto uma das agentes de transformação do comporta-
mento social. Afinal, o que é ter um estilo próprio quando se observa a padro-
nização de modelos como representantes da moda de uma época?
Talvez o sentido da moda valha como objeto de estudo para o Design,
não porque represente o cotidiano de como se vestem os sujeitos de uma deter-
minada sociedade em uma época, mas porque a moda representa a linguagem
das roupas contidas nos corpos que estão inseridos em determinados segmen-
tos sociais. Alguns desses segmentos sociais impõem seus valores e dominam
os demais segmentos que são excluídos da moda oficial, mas que criam, em
contrapartida, a sua própria moda underground. Portanto, a moda é um objeto
de revelação das ações de determinados sujeitos no cotidiano social.
Os estudos do Design realizam análises teóricas e práticas acerca da for-
ma, da função, da modelagem, da estética e da criatividade tão presentes no
mundo da moda.
Fonte: Wikimedia Commons | Foto: Alexkon

Fonte: Flickr | Foto: zoer

Dos hippies aos neohippies; dos punks aos metaleiros e grunges: as tribos urbanas como expressões de identi-
dade cultural.

A moda de uma época nunca é esquecida pelos contemporâneos, por-


que ela representa muito do que fomos e somos na sociedade, algumas ve-
zes reproduzindo valores, outras vezes rompendo com um estilo. Mas, com
certeza, a moda nos faz acreditar que enquanto o corpo se veste, a produção

166
Moda, Cultura e Identidade

cultural se compõe com a arte de saber inovar na moda, independentemente


dos recursos tecnológicos, tão necessários ao tempo da confecção e da indus-
trialização da moda brasileira.
Quando se estuda vestuário de moda, há uma associação direta com a
imagem produzida e aquela que se reflete no instante que consumimos, seja
em uma ocasião/evento específicos, seja no dia a dia. Na verdade, quando nos
vestimos, há uma predeterminação de escolha, gosto e desejo a ser satisfeito
pelo sujeito, ainda que atribuamos à moda uma (re)produção de um momento.
Para que uma nova coleção de moda seja lançada, é preciso um planeja-
mento nos setores têxtil e industrial de, pelo menos, dois a três anos. Assim, a
escolha de cor, material e design são determinados previamente para cada cole-
ção (primavera/verão e outono/inverno), compondo os sistemas de significação.
Os sistemas de significação consistem na relação proveniente entre o
sujeito (usuário) e o objeto (moda do prêt-à-porter), assim possibilitando uma
dinâmica no contexto social e ideológico. No caso em questão, esse contexto
seria a atmosfera do Pós-Guerra no Brasil, mais especificamente no eixo Rio e
São Paulo, com a (re)produção de moda do prêt-à-porter internacional.
Sobre os sistemas de significação, podemos promover uma discussão a
partir das seguintes questões: o que se produz em um determinado contexto
social e ideológico? Por que se produz? Para quem se produz? Se responder-
mos a estas questões, estaremos definindo este sistema de significações.
A moda representa um papel decisivo nos sistemas de significações pre-
sentes no imaginário de cada época. Segue um esquema para melhor elucidar
a relação dos pares sujeito, objeto, imaginário e Design.

A relação existente entre o sujeito e o objeto produzido pode ser uma representação do imaginário de uma
época. O design de moda se insere neste processo por ser um resultado dos sistemas de significações. Portanto,
a moda do prêt-à-porter, por exemplo, é mais uma alternativa para os designers de moda que primam pela con-
tinuidade de desenvolvimento de uma coleção com base na produção cultural do seu tempo.

167
Aula 7

Na verdade, esse esquema serve para o desenvolvimento da moda atual


desde que substituamos o objeto por qualquer forma de moda enquanto iden-
tidade de cultura, no caso em questão, a cultura brasileira.

6. As mulheres e a moda

Dario Caldas (2004, p. 202) define a sociedade de consumo como aquela


que “(...) criou um paradoxo todo seu: quanto mais satisfeito o consumidor e
quanto mais se repete a fórmula marqueteira da satisfação das necessidades e
desejos, mais insatisfeito ele fica!”.
Com base nesta definição e a partir das observações feitas sobre o com-
portamento da mulher das décadas de 1940 até os dias atuais, constatamos que
a busca constante das mulheres pela igualdade no campo profissional com os
homens foi resultado da “necessidade” de satisfação junto aos desejos femini-
nos que, após a década de 1970 com referência contínua ao lema “paz e amor”,
do uso das estampas florais como elementos de identidade e até mesmo um
certo romantismo, a mulher ansiava cada vez mais pela novidade, seja no cam-
po das necessidades materiais, seja no campo da subjetividade do consumo.
Um dos aspectos que influenciaram a linguagem formal do vestuário
feminino no decorrer das décadas de 1980 e 1990 foi a
maior ocupação da mulher no campo profissional. A for-
ma que transparecia essa influência era através do visual
feminino mais rígido, com algumas referências do visu-
al masculino, principalmente nas mulheres que fizeram
parte do movimento yuppie, nos anos 1980.
Fonte: Flickr | Foto: Dubo.cl

Fonte: Yuppy life

Da formalidade da indumentária masculina à equiparação da vestimenta feminina no mundo do trabalho: a


vertente yuppie de comportamento e cultura.

168
Moda, Cultura e Identidade

Uma tribo elegante


Uma tribo urbana pertencente aos anos 1980 era os yuppies, que possuíam
um requinte pela aparência, representado pelo uso de uma roupa impecável
sem dobras e amassados. A ideia era de um retorno à moda de alfaiataria com blazers
(peças masculinas) e taillers (peças femininas) usadas por jovens adultos de classe mé-
dia a alta, em busca do sucesso profissional associado à aparência impecável. Afinal,
eram os bem-sucedidos no mercado de trabalho, com poder de compra elevado.

Na atualidade, o estilo da década de 1980 vem sendo cada vez mais re-
visitado por grandes estilistas, como Marc Jacobs, Stefano Pilati e Alber Elbaz,
acrescentado de um aspecto mais lúdico (mais alegre, menos formal) e, ao
mesmo tempo, sem perder o glamour tão presente no imediato Pós-Segunda
Guerra. A moda se democratizou no Pós-Guerra tanto com o estabelecimento
do prêt-à-porter, quanto com a diversidade de público para cada tribo e, mui-
tas vezes, há uma mistura de produções culturais reverberando na produção de
moda. É o velho caldeirão de expressões culturais na moda atual.
A mídia é a principal responsável pela divulgação da produção de moda
ao longo das décadas e seus respectivos modistas ou estilistas através de pro-
gramas como os seriados nacionais e as novelas. A divulgação feita pelos meios
midiáticos (televisão, jornal, revistas, cinema, etc.) permite um repertório de
referências da moda, desde as roupas, passando pelas músicas e chegando até
o material gráfico das produções televisivas e cinematográficas.
FFonte: Imagem de divulgação

Fonte: Vinilnet

A novela Dancing Days, em 1979, tornou-se um ícone de reprodução de moda quando houve uma febre do uso
de meias lurex com sandálias no estilo da personagem interpretada pela atriz Sonia Braga. Já o filme Menino do
Rio mostrava a moda praia e o modelo de moda carioca sendo divulgado em escala nacional.

169
Aula 7

Se a moda é vista apenas como manifestação de produção de estética


feminina, temos que avaliar a sua importância enquanto objeto de produção
de costumes e valores sociais. A moda é uma representação das manifestações
do inconsciente coletivo de um determinado grupo em constante relação com
o seu tempo.
A moda não deve ser analisada sob o ponto de vista de um objeto que
veste um corpo e o compõe com acessórios, mas como revelação das manifes-
tações culturais e sociais. Afinal, para qual classe social os estilistas prestam o
seu serviço? Quem consome a moda? Quem é consumido pela moda? Quem
revela o que é moda? Quem produz moda? Quem se torna moda? Quem defi-
ne o que está fora de moda?
São essas indagações que nos levam a investir no estudo da moda en-
quanto um dos objetos de investigação do sujeito produtor de manifestações e
valores sociais. Estas manifestações estão dentro daquilo que chamamos ima-
ginário coletivo, o qual produz uma forma de estilizar a moda no seu tempo
e que, muitas vezes, está na dimensão futura, isto é, uma moda de vanguarda
que somente os grupos mais ousados utilizam como instrumento viabilizador
para satisfazer os seus desejos, se concretizando na irreverência do vestir, e
propor uma nova imagem social.
O que quero ressaltar é que somos produto de um tempo, portanto
apreendemos códigos sociais e de comportamento que se expandem ou se
manifestam na produção cultural. E a moda é reflexo dessa produção. Para os
sociólogos e antropólogos, a moda é vista como um fenômeno, enquanto para
os designers ela é produto de uma época relacionada à produção cultural de
uma sociedade.
A moda de uma época nunca é esquecida pelos contemporâneos porque
ela representa muito do que fomos e somos na sociedade, algumas vezes re-
produzindo valores, outras vezes rompendo com um estilo, mas, com certeza,
a moda nos faz acreditar que, enquanto o corpo se veste, a alma se desnuda
para produzir a arte de saber pensar a moda no seu tempo.

Atividade 3 – Objetivo 2

Explique o processo de “permanências” e “mudanças” culturais presen-


tes nas vestimentas femininas, do período Pós-Segunda Guerra Mundial (1939-
1945) aos dias atuais, com base nas imagens a seguir:

170
Moda, Cultura e Identidade

Fonte: Flickr | Foto: dovima_is_devine

Fonte: Flickr | Foto: xKimJoanne


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Resposta e comentários

Ao analisar as “permanências” e “mudanças” culturais presentes nas ves-


timentas femininas do período Pós-Segunda Guerra Mundial (1939-1945) aos
dias atuais, você deve ter pontuado a presença da alta-costura, como de Jac-
ques Fath (imagem 1) e a introdução do prêt-à-porter no imediato Pós-Guerra
no Brasil. Além disso, você deve ter feito relações entre essas formas de pro-
dução e a busca por uma identidade cultural brasileira expressa nas marcas
nacionais ou não.
A segunda imagem evidencia a permanência de elementos contidos na
indumentária feminina no período da Segunda Guerra que tanto está presente
em um estilo mais informal, porém com referências militares, como a cor cá-

171
Aula 7

qui, o quepe, os botões sobrepostos, a gola, entre outros detalhes na peça que
compõe o vestuário feminino. A alta-costura mantém o seu público cada vez
mais exigente, mas no Brasil é o prêt-à-porter que democratiza a moda e ab-
sorve outros segmentos sociais mais providos de capital. Portanto, a primeira
imagem representa a presença dos costureiros de alta-costura e suas criações
sofisticadas, enquanto a segunda imagem representa o estabelecimento do
prêt-à-porter nos dias atuais.

Conclusão

A preparação desta aula partiu de uma reflexão sobre como se desen-


volveu o setor têxtil nacional do século XIX aos dias atuais e, na medida do
possível, apresentamos esse processo enfatizando o desenvolvimento indus-
trial tardio. A partir do final do século XIX, com a presença econômica inglesa,
juntamente com a assimilação cultural na moda proveniente das revistas da
época, houve um gradativo número de modistas brasileiros. Identificamos as
diferentes formas de produção de moda e da construção de uma identidade
cultural no Brasil contemporâneo.
Algumas questões podem não ter sido aprofundadas nesta aula, como
por exemplo a questão da moda regional ou moda adaptada, mas sem dúvida
o regionalismo se entrelaça com o processo de globalização tão presente na
atualidade. Uma marca de moda deixa de ser pertencente a um território para
ganhar visibilidade e consumo além das suas fronteiras de produção. Apesar
de sabermos que a cópia é uma constante no processo de produção de moda,
há espaço para a construção de uma originalidade que faz a diferença tanto na
produção quanto no mercado.
Ainda nesta aula, apresentamos como se estabeleceu a indústria têxtil
associada ao mercado de moda e sua sazonalidade. A moda brasileira busca
por uma identidade cultural e muitas vezes até se supera, conforme apontados
na aula através dos estilistas que primam pela diferença não só de mercado,
mas de inovação. Afinal, o New look de Dior se imortalizou, assim como a nos-
sa produção artesanal de rendas, tricô e crochê que estão disputando cada vez
mais uma fatia de mercado em nível internacional.
A questão que não respondemos foi se a nossa moda é irreverente, pois
a busca constante pela brasilidade expressa no uso de cores quentes, na apre-
sentação de pouca roupa para sobressair a nudez dos corpos é uma forma de
evidenciar o país tropical proveniente (ou não) de um modelo social. Portanto,
o olhar atual na produção de moda brasileira sofre duas influências: a absorção

172
Moda, Cultura e Identidade

da moda internacional e, ao mesmo tempo, a valorização da produção nacio-


nal, seja pelos materiais, texturas e cores, seja pela busca constante por uma
identidade cultural.

Para uma segunda olhada...

A história do design no Brasil está diretamente associada ao processo de


industrialização das potências europeias.
Com o advento da indústria têxtil nacional, houve a participação efetiva
do imigrante no processo produtivo têxtil, pois eles dominavam os setores fa-
bris, se compararmos com a mão de obra recém-liberta – o ex-escravo.
A invenção mais significativa nesse processo de desenvolvimento indus-
trial foi, sem dúvida, a máquina de costura (a partir de 1859).
A divulgação e popularização do consumo de tecidos são provenientes
da necessidade de uma sociedade brasileira inserida no sistema capitalista in-
ternacional, como também do desenvolvimento da confecção para a vestimen-
ta referente a cada época.
O eixo Rio-São Paulo representava o desenvolvimento industrial e urba-
no no cenário nacional. Houve um processo gradativo de uma aglomeração de
mão de obra operária nesses locais, próximo às fábricas.
O desenho das cidades foi feito não só com a referência das fábricas,
mas também pela presença da ferrovia, que constituiu um elemento facilitador
para a escoação de produção para os portos, tanto do Rio de Janeiro quanto de
Santos, em São Paulo.
A expansão da cultura do algodão no Brasil é datada entre 1862 e 1875,
impulsionada pela Guerra de Secessão (1861-1865), que afetou as áreas produ-
toras do sul dos Estados Unidos, que, naquela época, era o maior fornecedor
desta matéria-prima para o desenvolvimento industrial têxtil inglês. As primei-
ras tecelagens paulistas e algumas cariocas surgiram nesta conjuntura histórica.
A moda é uma representação social e econômica da lógica do sistema
capitalista, que se circunscreve na produção e no consumo imediato dos ob-
jetos do setor têxtil. A roupa é mais um dos objetos materiais da História e
do Design. A roupa redimensiona a produção da moda enquanto registro de
costumes e valores em um tempo de longa duração.
No Brasil, ocorreu a gradativa substituição da produção da moda de alta-
costura para o prêt-à-porter, quando tanto a moda carioca quanto a paulista
estavam influenciadas pela produção europeia e, posteriormente, pela norte-
americana.

173
Aula 7

Tanto na Europa como nos Estados Unidos, houve uma tendência para
o luxo e para a nostalgia da Belle Époque, ratificada através do “New Look”
de Dior, em 1947. O prêt-à-porter tornou-se uma forma elegante, moderna e
confortável de se vestir para atender aos segmentos abastados, mas também à
classe média urbana, democratizando a moda.
Destacamos o estilo de moda produzido nos anos 1940 e 1950 por ter um
significado histórico de mudanças de valores, costumes e comportamentos, não
só na perspectiva de importação do modelo cultural norte-americano, mas tam-
bém o como se traduziu e o porquê da existência da influência desta moda no co-
tidiano da sociedade brasileira. No caso do Brasil, podemos afirmar que a moda
dita padrões espelhados nos modelos norte-americano, francês e italiano e que,
portanto, (re)produzimos e nos apropriamos dos valores de outras culturas.
Para não restringirmos o design de moda somente no período do Pós-
Guerra, temos um leque de costureiros brasileiros que despontaram no cenário
da moda nacional a partir dos anos de 1960: Guilherme Guimarães, Clodovil,
Zuzu Angel, Denner, entre outros. Todos sofreram influência cultural da produ-
ção de moda, seja européia, seja norte-americana.
A moda é uma representação das manifestações do inconsciente coleti-
vo de um determinado grupo, em constante relação com o seu tempo. Com-
preendemos a moda, então, enquanto um sistema composto de signos, os
quais indicam uma forma de linguagem não-verbal, estabelecendo uma comu-
nicação. A escolha individual é que possibilita a construção do seu discurso, ao
selecionar as cores dos variados tipos de tecidos, além dos adereços, no meio
da diversidade e das diversas opções.
O sujeito muitas vezes é a própria representação do consumo de moda
em um determinado contexto social, no qual experimenta as oportunidades
de mercado, conforme suas necessidades ou simplesmente pelo apelo de uma
sociedade de consumo.
A moda tem significados variados no mundo contemporâneo. Todavia,
representa para a sociedade o objeto da diferença, isto é, a seleção do vestu-
ário, dos acessórios e das cores, formatos e texturas podem determinar não
somente um estilo próprio de um sujeito associado ao seu contexto, mas uma
forma de tornar-se identificado no mundo globalizado.
A moda deve ser entendida como acontecimento histórico na sua pro-
dução e nas relações de trabalho, sendo modificadora não apenas no universo
da produção, mas enquanto uma das agentes de transformação do comporta-
mento social.
Talvez o sentido da moda valha como objeto de estudo para o Design,
não porque represente o cotidiano de como se vestem os sujeitos de uma de-

174
Moda, Cultura e Identidade

terminada sociedade em uma época, mas porque a moda representa a lingua-


gem das roupas contidas nos corpos que estão inseridos em determinados
segmentos sociais. A moda representa um papel decisivo nos sistemas de sig-
nificações presentes no imaginário social de cada época.
Um dos aspectos que influenciaram a linguagem formal do vestuário
feminino no decorrer das décadas de 1980 e 1990 foi a maior ocupação da
mulher no campo profissional.
Na atualidade, o estilo da década de 1980 vem sendo cada vez mais re-
visitado por grandes estilistas. A moda se democratizou no Pós-Guerra tanto
com o estabelecimento do prêt-à-porter, quanto com a diversidade de público
para cada tribo e, muitas vezes, há uma mistura de produções culturais rever-
berando na produção de moda.
A mídia é a principal responsável pela divulgação da produção de moda
ao longo das décadas e seus respectivos modistas ou estilistas através de pro-
gramas como os seriados nacionais e as novelas. A divulgação feita pelos meios
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177
Aula

A pós-modernidade e o sujeito pós-moderno:


as narrativas midiáticas e as novas identidades
8
Seus Objetivos:
Ao final desta aula, esperamos que você seja capaz de:
1. Identificar os conceitos de pós-modernidade e sujeito
pós-moderno;
2. Reconhecer a importância da mídia nesse contexto da pós-
modernidade;
3. Relacionar as novas construções identitárias com as narrativas
midiáticas, com foco nas telenovelas.

3 horas de aula
Moda, Cultura e Identidade

1. O que vem por aí?

Agora que já conhecemos a relação moda, cultura e identidade e tam-


bém as especificidades da cultura brasileira e suas representações na contem-
poraneidade − incluindo a história da moda no Brasil e sua relação com o de-
sign e a cultura −, vamos passar para a terceira e última etapa de nosso curso.
Esta etapa pretende relacionar a cultura global e a moda e abordará
dois assuntos importantes para se pensar a moda nos dias de hoje. Nesta aula,
falaremos sobre a pós-modernidade e a formação do sujeito pós-moderno,
incluindo o papel da mídia na construção das novas identidades e no fortaleci-
mento das práticas de consumo. E, finalmente, na Aula 10, nossa última aula,
falaremos sobre a moda como arena para os discursos contemporâneos.

2. Pós-modernidade e cultura material

A pós-modernidade, definida por alguns autores como modernidade tar-


dia, alta modernidade ou contemporaneidade corresponde, segundo Giddens
(2002), à presente fase de desenvolvimento das instituições modernas, um pe-
ríodo único em relação aos eixos básicos de tempo e espaço e também capaz
de criar novas formas de fragmentação e dispersão. Para Bauman (2005), nessa
época “líquido-moderna”, o mundo se repartiu em fragmentos e as existências
individuais foram fatiadas numa sucessão de episódios fragilmente conecta-
dos. Como consequência das instabilidades das identidades, todos pertence-
mos a várias comunidades e temos, portanto, várias identidades. Em entrevista
a Revista O Globo, o sociólogo polonês afirmou:

Esse tempo da modernidade líquida gera ansiedade e a sensação de ter


perdido algo. Não importa o quanto tentamos, nunca estaremos em dia
com o que aparentemente nos é oferecido. Vivemos um tempo em que
estamos constantemente correndo atrás. O que ninguém sabe é correndo
atrás de quê. (Revista O Globo, 26 de abril de 2009, p. 36)

Esta sensação de ansiedade e instabilidade é compensada, muitas vezes,


pelo consumo de bens capazes de proporcionar toda ordem de percepções e
experiências. Nesse esforço de localização e adaptação, McCracken (2003, p.
17) identifica os bens como instrumentos de inovação e conservação, prontos
a auxiliar os indivíduos na moderna busca “por ordem em um mundo desorde-
nado”. Na ótica do antropólogo, a revolução do consumo é a principal respon-

181
Aula 8

sável pela modificação dos conceitos ocidentais de tempo, espaço, sociedade,


indivíduo, família e estado. Por meio das ocasiões de consumo, a sociedade
contemporânea se comunica, observando e sendo observada, na alternância
dos impulsos de diferenciação e adequação. No espaço demarcado pela oferta
e pela procura de mercadorias, o sujeito busca o seu lugar, tenta reconhecer-se
e vive a inusitada e, muitas vezes, utópica experiência de ser vários em um só.

Fonte: Stock Xchange | Foto: Allie Hylton

Em um cenário pós-moderno, o sujeito busca seu lugar por meio do consumo de mercadorias, modificando-se
a si próprio constantemente.

O pós-modernismo, de acordo com Dominic Strinati (1999, p. 217-218),


descreve o nascimento de uma ordem social na qual os meios de comunicação
de massa e a cultura popular governam e moldam todas as outras formas de
relacionamentos sociais, retirando-os da sua importância e poder: “(...) os signos
da cultura popular e as imagens veiculadas pelos meios de comunicação domi-
nam (...) nosso senso de realidade e a maneira como nos definimos e vemos o
mundo ao nosso redor”. O reino do consumo – o que compramos e o que deter-
mina o que compramos – sofre, crescentemente, a influência da cultura popular.

3 – O sujeito pós-moderno

A relação do homem com o seu tempo passa pela construção de novos


significados, pelo reconhecimento de novas identidades e pelos processos de
subjetivação, nos quais produtos passam a ser pensados em outras dimensões,
com a mídia exercendo papel importante ao enaltecer seus valores e significa-
dos. Assim, as mercadorias fogem à pura funcionalidade (ou seja, à sua condição
primária), para se acentuar seu valor simbólico (ou seja, o que escapa da funcio-
nalidade e atrai o consumidor independentemente da função da mercadoria).

182
Moda, Cultura e Identidade

O reconhecimento dos padrões de comportamento, nesse sentido, apre-


senta-se como recurso eficaz na comunicação com o consumidor, pois são as
atitudes do indivíduo perante a escolha dos produtos que revelam sua perso-
nalidade − ou seu estilo de vida −, moldando sua individualidade e identidade.
Por meio do reconhecimento e da valorização dos mais variados estilos, o plu-
ralismo da identidade pós-moderna é organizado pela sociedade e explorado
pelo mercado.
No entender de McCracken (2003, p. 119), “quando o significado final-
mente vem a se assentar no consumidor, está completa sua jornada através do
mundo social”. Para ele, “uma das maneiras através das quais os indivíduos sa-
tisfazem a liberdade e a responsabilidade de sua autodefinição é pela sistemá-
tica apropriação das propriedades significativas dos bens”. Podemos comparar
esta performance com a experiência de criar a si mesmo a partir da aceitação
de significados externos ou de uma forma de reconhecimento de si mesmo nas
representações cotidianas. Nesse sentido, o consumidor pode ser visto como
alguém engajado em um “projeto cultural” cujo propósito é completar o self.

Claramente, a tarefa de autocompletar-se através do consumo não é fácil,


tampouco é sempre bem-sucedida. Muitos indivíduos buscam nos bens
tipos de significados que não existem aí. Outros buscam se apropriar de
tipos de significado para os quais não são considerados habilitados por
um reconhecimento sociológico sensato. Outros ainda tentam constituir

Fetichismo: Termo mui- suas vidas somente em termos do significado dos bens. Todas essas pa-
to usado na moda, feti- tologias consumistas são evidentes no consumo moderno, e todas elas
che, para Marx, é um ele-
ilustram como o processo de transferência de significado pode dar errado
mento fundamental da
manutenção do modo em função do indivíduo e da coletividade. (McCRACKEN, 2003, p. 120)
de produção capitalista.
O fetiche da mercado-
ria, postulado por ele, O fetichismo, por exemplo, para Strinati (1999, p. 69), é acentuado pelo
opõe-se à ideia de “valor
domínio do dinheiro, que regula as relações entre as mercadorias. Assim, as
de uso”. Estaria, nesse
caso, relacionado à fan- necessidades verdadeiras não se concretizam no capitalismo moderno, pois
tasia, ao simbolismo, a
são encobertas pelas necessidades supérfluas que esse sistema tende a alimen-
tudo aquilo que o objeto
representa fora de seu tar: “Isso acontece porque as pessoas não concretizam suas necessidades reais,
contexto funcional.
permanecendo descontentes. Como resultado do estímulo e da satisfação das
necessidades supérfluas, adquirem aquilo que pensam desejar”.
Este comportamento gera uma falsa sensação de liberdade, restrita à
escolha de bens de consumo ou à procura de marcas de um mesmo bem, pois
“o cultivo das necessidades supérfluas vincula-se ao papel da indústria cultu-
ral” (STRINATI, p. 69-70), que reflete a consolidação do fetiche da mercadoria,
modela os gostos e as preferências das massas, formando suas consciências ao
introduzir o desejo das necessidades supérfluas.

183
Aula 8

Fonte: Stock Xchange Foto: pipp


Muitas vezes as pessoas, ao consumirem, acabam por adquirir mercadorias das quais não necessitam, satis-
fazendo necessidades supérfluas e permanecendo descontentes por não terem, ainda, o que de fato pensam
necessitar.

Bauman (1999) também refletiu sobre o significado real do sujeito en-


quanto consumidor, partindo da constatação de que, como todas as outras
sociedades, a sociedade pós-moderna de consumo é estratificada. Entretanto,
é possivel distinguir uma sociedade de outra pela extensão ao longo da qual os
de “classe alta” e os de “classe baixa” se situam, marcando seu grau de mobili-
dade – sua liberade de escolher onde estar. Para ele, os mundos sedimentados
nos dois polos da nova hierarquia diferem acentuadamante e se tornam cada
vez mais incomunicáveis entre si. O acesso aos benefícios da contemporanei-
dade passaria, nesse caso, pela condição de ser ou não livre para desfrutá-los,
de possuir uma espécie de passaporte capaz de garantir a inserção no mundo.

Para o Primeiro Mundo, o mundo dos globalmente móveis, o espaço


perdeu sua qualidade restritiva e é facilmente transposto tanto na sua
versão “real” quanto na versão “virtual”. Para o Segundo Mundo, o da
“localidade amarrada”, daqueles impedidos de se mover e assim fada-
dos a suportar passivamente qualquer mudança que afete a localidade
onde estão presos, o espaço real está se fechando rapidamente. É um tipo
de provação que se torna ainda mais penosa pela insistente exibição na
mídia da conquista do espaço e do “acesso virtual” a distâncias que per-
manecem teimosamente inacessíveis na realidade efetiva. (...) Os habitan-
tes do Primeiro Mundo vivem num presente perpétuo (...). Essas pessoas
estão constantemente ocupadas e sempre “sem tempo” (...). As pessoas
ilhadas no mundo oposto são esmagadas pela carga de uma abundância

184
Moda, Cultura e Identidade

de tempo redundante e inútil, que não têm como preencher. No tempo


delas, “nada acontece”. (...) Os habitantes do Primeiro Mundo vivem no
tempo; o espaço não importa para eles, pois transpõem instantaneamen-
te qualquer distância. Foi essa experiência que Jean Baudrillard captou
com a imagem da “hiperrealidade”, em que o virtual e o real não são mais
separáveis (...). Os habitantes do Segundo Mundo, ao contrário, vivem no
espaço, um espaço pesado, resistente, intocável, que amarra o tempo e o
mantém fora do controle deles. O tempo deles é vazio: nele “nada aconte-
ce”. Para eles, só o tempo virtual da TV tem uma estrutura, um “horário”
– o resto do tempo escoa monotamente, chegando e partindo sem exigir
nada e aparentemente sem deixar vestígio (BAUMAN, 1999, p. 96-97).

Apesar dessa diferença, hoje todos estamos em movimento. E podemos,


ainda segundo Bauman (1999, p. 101), ser divididos em duas categorias – os
turistas e os vagabundos. Os primeiros deixam seu lugar quando novas oportu-
nidades ainda não experimentadas aparecem, movimentam-se de acordo com
sua vontade. Os vagabundos, mesmo que desejem, sabem que não ficarão
muito tempo parados, pois, provavelmente, em nenhum lugar onde cheguem
serão bem recebidos: “Os turistas se movem porque acham o mundo a seu
alcance (global) irresistivelmente atraente. Os vagabundos se movem porque
acham o mundo a seu alcance (local) insuportavelmente inóspito”. Para Bau-
man, os turistas viajam por vontade própria, já os
vagabundos o fazem por não haver outra escolha.
Percebemos ‘turistas’ e ‘vagabundos’ como
consumidores, embora os sonhos e desejos dos pri-
meiros sejam os responsáveis pela movimentação
do motor da globalização, enquanto os outros se
contentam com o que conseguem alcançar, expe-
rimentando mais frequentemente as frustações.
Bauman diz que a sociedade atual vive amparada
“no desenvolvimento de um senso de insuficiência
artificialmente criado e subjetivo”, para o qual nada
poderia ser mais ameaçador que a satisfação decla-
Fonte: Stock Xchange | Foto: Lotus Head

rada. Isto significa dizer que o que move a socie-


dade de consumo é o desejo de ter cada vez mais,
independentemente de quais sejam os objetos de
consumo, mesmo repetidos, se estes forem capazes
de representar o sujeito de alguma forma.

185
Aula 8

Atividade 1 – Objetivo 1

Que tal usarmos as informações aprendidas nesta aula para criar um


conceito sobre pós-modernidade? Você deverá formular em apenas uma ou
duas frases um conceito para pós-modernidade. As respostas serão colocadas
em um espaço WIKI, no ambiente virtual.

Resposta e comentários

Uma wiki permite que os documentos sejam editados coletivamente


com uma linguagem de marcação muito simples e eficaz. Assim, será interes-
sante ver um conceito de pós-modernidade construído coletivamente. Como
você fará esta atividade no ambiente virtual contando com a participação de
seus colegas, não podemos prever as definições que virão. Assim, um feedback
mais preciso será dado pelo seu tutor.

4. As narrativas midiáticas e a produção de sentido

Se o campo de batalha é o lar natural da identidade e ela faz parte da


experiência humana, podemos dizer que o processo de construção do eu, de
fato, não é tarefa fácil nos tempos de hoje. Afinal, como dissemos anteriormen-
te, as identidades se interpenetram, criando, ao mesmo tempo, sensações de
saturação e de vazios constantes. Para amenizar esses embates, as práticas de
consumo se apresentam como paliativas para a construção ideal do ‘eu’.

Cada vez mais os indivíduos estavam preparados para supor que o “self
é construído através do consumo [e que] o consumo expressa o self”
(Campbell 1983:288). Esta conexão entre consumo e individualismo –
em grande medida forjada no século XVIII, mas iniciada, como vimos,
no século XVI – é uma das grandes fusões culturais do mundo moderno
(McCRACKEN, 2003, p. 41).

Enquanto protagonistas desta sociedade, somos levados, por meio da


mídia, a representar nossos papéis de forma constante e eficiente. Os meios de
comunicação se apresentam, nesse caso, como uma forma viável ou, pelo me-
nos, como tentativa de conduzir o sujeito por caminhos não necessariamente
mais seguros, mas sim menos vulneráveis.

186
Moda, Cultura e Identidade

As narrativas midiáticas, em última instância, criam discursos convincen-


tes, monitoram as práticas cotidianas, acompanhando o que produzem e o que
é gerado de forma independente. Estabelecem, ainda, os critérios para definir
o que é bom e ruim, o que é novo e velho, moderno e ultrapassado, out e in.
Protegem, por fim, o indivíduo, orientando-o na tarefa de promover a manu-
tenção ou o descarte dessas referências e mostrando sempre uma alternativa
para suas inquietudes e saturações.

A educação de um consumidor não é uma ação solitária ou uma rea-


lização definitiva. Começa cedo, mas dura o resto da vida. (...) As ins-
tituições responsáveis pela “educação vitalícia do consumidor” são
incontáveis e ubíquas – a começar pelo fluxo diário de comerciais na
TV, nos jornais, cartazes (...) revistas “temáticas” que competem para
divulgar os estilos de vida das celebridades que lançam tendências, os
grandes mestres das artes consumistas, até chegar aos vociferantes
especialistas/conselheiros que oferecem as mais modernas receitas,
respaldadas por meticulosas pesquisas e testadas em laboratório, com
o propósito de identificar e resolver “os problemas da vida” (BAUMAN,
2005, p. 73).

Se nossos antepassados eram moldados e treinados por suas socie-


dades como produtores, somos cada vez mais moldados e treinados como
consumidores. E a mídia tem papel importante nesse processo, pois fornece
a matéria bruta que seus leitores/espectadores usam para enfrentar a ambi-
valência de sua posição social. Para Bauman, a maioria do público de TV está
penosamente consciente de que teve recusado o ingresso nas festividades
mundiais “policulturais”. À multidão de pessoas que teve o acesso negado à
versão real, a mídia fornece uma “extraterritorialidade virtual”, “substituta”
ou “imaginada”.
Muitos observam poucos. Os poucos que são observados são as celebri-
dades – habitantes de um mundo cuja principal característica é precisamente
a condição de ser observado por muitos e em todos os cantos do globo. O que
quer que falem, seus discursos sugerem “a mensagem de um estilo de vida to-
tal”. Nessa busca constante por identificações, ocorre, constantemente, a expe-
rimentação da ambivalência, da divisão entre o desejo de uma identidade ou
outra, justamente porque tememos também não conseguir voltar atrás, caso
seja necessário, ou melhor, caso já tenhamos assumido, de fato, o compromis-
so com uma única identidade.

187
Aula 8

5. Novos discursos, novas identidades, novos sujeitos

A busca de uma aparência ideal, constantemente modificada pelas estru-


turas de poder e ascensão social, é característica da sociedade ocidental desde
o fim da Idade Média. A necessidade constante de renovação encontra em pe-
ças de vestuário e em seus acessórios um meio eficaz de ostentação de signos
diversos – poder, riqueza, satisfação, felicidade, comprometimento, rebeldia.
As práticas de consumo expressam hábitos, valores e preferências que revelam
características de cada época.
As teorias que explicam a moda como fenômeno dão conta de que a
base de seu surgimento está no compartilhamento do que é considerado
novo – elemento indispensável para a valorização da diversidade – em deter-
minado contexto. Visto como um dos aspectos mais significativos da cultura
material, o design é, sem dúvida, elemento importante na manipulação dos
signos que envolvem a novidade, estejam eles no passado, no presente ou
no futuro.
Mike Featherstone (1995) adiantou que a globalização não pode ser vis-
ta como uma simples extensão da modernidade, mas, antes, como uma aber-
tura da percepção de que o mundo é um só lugar, facilitando a promoção de
um maior diálogo entre nações, blocos e civilizações.
Entretanto, o duplo deslocamento do sujeito − em relação a seu lugar
no mundo e em relação a si mesmo −, segundo Stuart Hall (2006), instala uma
crise de identidade. Esse movimento de identidades poderia explicar, ainda
que parcialmente, a busca por elementos que caracterizem cada vez mais a
individualidade.
Fonte: Stock Xchange | Foto: Sigurd Decroos

Na pós-modernidade, o sujeito vive uma crise de identidade: ao mesmo tempo em que pode assumir múltiplas
formas de ser, busca caracterizar sua individualidade.

188
Moda, Cultura e Identidade

No meio desse turbilhão, o anseio de se distinguir assume posição de


destaque porque, de acordo com Ortiz (2000, p. 94), “uma cultura mundiali-
zada deixa raízes em ‘todos’ os lugares”, transformando a noção do outro. O
mundo não perde suas fronteiras; ganha, sim, novos limites. A partir dessa
concepção de identidade, a autonomia local estaria comprometida com a
globalização.
No caso específico da moda, é preciso considerar que, sem dúvida, a
globalização teve grande influência na transformação dos hábitos e comporta-
mentos da sociedade contemporânea. O que antes era visto como gosto parti-
cular de uma determina região, hoje se difundiu e, por vezes, popularizou-se.
O ato criativo de vestir-se, enfeitar-se, por si só, sintetiza, hoje − muito mais
do que ontem − um processo de comunicação. Também por meio da roupa,
expressa-se não apenas aquilo que está no âmbito do gosto global, mas tam-
bém aquilo que faz sentido dentro do espaço local.
Os bens foram e têm sido importantes nas origens e nos desenvolvimen-
tos modernos da sociedade ocidental. Seus significados os tornam objetos no-
tórios no processo de autotransformação. Como instrumento de mudança, os
bens, segundo McCracken (2003), têm capacidade de servir como oportunida-
de de modelar um novo conceito cultural através do uso seletivo e da inovação
premeditada dos significados culturais existentes. Funcionam como uma mídia
criativa na qual a invenção pode tomar lugar através da experimentação com
os significados culturais existentes.
Por outro lado, os bens também servem como uma oportunidade para
um grupo se engajar em um diálogo interno e externo, no qual as mudanças
são contempladas, debatidas e, então, anunciadas: “Os bens, assim, funcionam
como uma dupla mídia de comunicação: tanto como boletins informativos
para mensagens internas, quanto como murais para as externas” (McCRACKEN,
2003, p. 170-172).
Na contemporaneidade, as mudanças estão diretamente relacionadas às
experimentações constantes proporcionadas, principalmente, pela pluralidade
e pela sobreposição de culturas. Alguns autores, porém, como Bauman (1999),
garantem que a proclamação da ‘era multicultural’ reflete apenas a experiência
de vida da nova elite global e que a grande maioria dos habitantes do planeta
permanece excluída do banquete mundial, não existindo, portanto, um ‘bazar
multicultural’. Poder-se-ia dizer, assim, que a livre apropriação dos bens é alar-
deada como uma forma de democratização do consumo que reconhece nos
valores atribuídos ao objeto uma espécie de ‘alma’.
McCracken (2003) sustenta que os bens ingressam no processo histórico
da vida moderna como agentes vitais de continuidade e mudança, estabele-

189
Aula 8

cendo uma ‘conexão’ com o caráter dinâmico do mundo moderno. Inúmeros


significados estão hoje impressos nesses bens.
No universo do consumo, a relação com a cultura pode deflagrar mo-
vimentos por meio dos quais irão se sedimentar os tais valores e diferenciais,
tão exaltados pelo mercado. A moda tem sido um discurso viável por meio
do qual negociamos a construção de identidades e percebemos as distensões
provocadas pelo embate entre o mercado local e o global. As marcas vêm ocu-
pando lugar de destaque no mercado. Seus criadores têm cada vez mais pro-
curado mergulhar na cultura e, com muito profissionalismo, têm encontrado
inspirações surpreendentes na criação de produtos que movimentam um dos
mercados mais rentáveis do planeta.
A mídia é uma forte aliada desse sistema, não apenas promovendo e for-
talecendo novos valores, mas, sobretudo, orientando o sujeito no sentido de
se posicionar de forma mais clara e mais autônoma diante das possibilidades
de consumo.

6. Telenovela: a passarela da moda brasileira

Muito se tem discutido sobre os efeitos da telenovela no dia a dia da


sociedade brasileira. Mais recentemente, também percebemos nas produções
que se sucedem na telinha a diversidade de situações cotidianas que surgem
protagonizadas por grandes astros e estrelas da TV. Produto consumido em
larga escala no Brasil, a telenovela já faz parte da vida dos brasileiros e se cons-
titui em um de nossos principais produtos de exportação.
Nas novelas, vemos claramente a representação dos hábitos e costumes
de nossa cultura, bem como suas transformações ao longo das últimas déca-
das. Nos identificamos com personagens, comportamentos, histórias de vida
e, principalmente, estilos. Através das telenovelas são lançados e comerciali-
zados produtos de todos os segmentos. Para nós brasileiros, a telenovela é a
grande passarela da moda brasileira!
Em “Entre tramas, rendas e fuxicos” (ARRUDA; BALTAR, 2008, p. 335),
os autores afirmam: “o poder de alavancar estilos faz da TV a personal stylist
de um grande número de telespectadores, que se deixam levar pela pequena
indústria da moda de novela.”
Para encerrarmos esta aula, você vai acompanhar agora uma linha do
tempo com os principais marcos da teledramaturgia brasileira e seus lança-
mentos inesquecíveis.

190
Moda, Cultura e Identidade

1970 – PIGMALIÃO
Nesta novela, uma viúva, vivida pela atriz Tônia Carrero, se envolve com
um feirante (Sérgio Cardoso) e decide transformá-lo radicalmente, dando a ele
um banho de loja e etiqueta. Mas quem acabou roubando a cena foi a própria
Tônia, com seu corte de cabelo que logo ganhou as ruas e recebeu o nome de
“corte Pigmalião”. Foi a primeira vez em que uma novela da TV Globo apresen-
tou um visual que fez sucesso com o público feminino.

O corte de cabelo da personagem de Tônia Carrero na novela Pigmalião fez um grande sucesso entre as mulhe-
res. Para ver mais cenas da novela e dessa personagem, acesse o vídeo no endereço: http://www.youtube.com/
watch?v=KAHsGvJGlD0

1976 – DUAS VIDAS


Um dos elementos que mais chamaram a atenção na novela de Janete
Clair foi o colar de contas brancas usado pelo aspirante a cantor Dino César,
personagem vivido pelo ator Mário Gomes.

O personagem de Mario Gomes na novela Duas Vidas lançou moda com o colar de contas brancas. Para
ver mais cenas da novela e desse personagem, acesse o vídeo no endereço: http://www.youtube.com/
watch?v=17Ob64Fgy_I

191
Aula 8

1977 – LOCOMOTIVAS
Primeira novela totalmente a cores exibida no horário das 19 horas,
a novela escrita por Cassiano Gabus Mendes lançou muitas tendências. En-
tre elas, a bolsa a tiracolo de Fernanda (Lucélia Santos) e seu penteado, as-
sim como os penteados das personagens Milena (Aracy Balabanian), Renata
(Thais de Andrade), Patricia (Elizangela) , Kiki Blanche (Eva Todor) e Celeste
(Ilka Soares). Macacões, sapatos de acrílico transparente, tamancos e bolsas
de lamê dourado eram a onda do momento, além dos vestidos e blusas com
bordados.

Os penteados das personagens da novela Locomotivas foram apenas uma das tendências que essa novela lançou.
Para ver mais cenas da novela acesse o vídeo no endereço: http://www.youtube.com/watch?v=_8WGSzBxymU

1978 – Dancin’ Days


Um clássico em se tratando de lançamento de moda em novelas, a
obra de Gilberto Braga levou às ruas as meias soquetes de lurex, coloridas e
listradas, com sandálias de salto, usadas por Julia Mattos (Sonia Braga) em
sua virada na trama. A personagem de Sonia já começou a lançar moda mes-
mo antes de sua transformação. Ao sair do presídio, apareceu com uma saia
em jeans nos joelhos, que fora comprada pela figurinista Marilia Carneiro na
extinta loja Sears. Foi o suficiente para que, na mesma semana, o modelito
invadisse as ruas da cidade. A novela também lançou entre as mulheres mais
elegantes o jeans com sandália de salto, camisa de seda e joias, elementos
usados pela personagem de Joana Fomm (Yolanda Pratini). Segundo Marilia
Carneiro, ”o jeans era visto como coisa de garotona ou de pobre” antes do
sucesso da novela.

192
Moda, Cultura e Identidade

Sônia Braga lançou moda com as meias soquetes de lurex, coloridas e listradas. A novela também levou para
as mulheres mais elegantes o uso de jeans com camisas de seda e joias, bem representadas com a personagem
da atriz Joana Fomm. Para ver mais cenas da novela acesse os vídeos nos endereços: http://www.youtube.com/
watch?v=lZ8VVsKHc7E e http://www.youtube.com/watch?v=6LdanJa425M

1980 – ÁGUA VIVA


Um brinco em forma de raio, usado por Sandra (Gloria Pires), virou uma
febre de consumo. Em dois modelos (um menor numa orelha e outro com-
prido na outra) foi copiado por mulheres de todas as classes sociais. Também
foram lançados, na mesma novela, os biquínis asa-delta de três cores.

Os brincos que a personagem interpretada por Glória Pires na novela Água Viva usava virou “febre” nas
ruas. Para ver mais sobre essa personagem da novela, acesse o vídeo no endereço: http://www.youtube.com/
watch?v=bupjXMl0Uus

193
Aula 8

1981 – BAILA COMIGO


No auge do culto ao corpo, um dos núcleos da novela de Manoel Carlos
era uma academia de dança. Segundo a figurinista Helena Gastal, naquela épo-
ca “só havia roupas de ginástica, aquela ‘coisa’ em azul marinho (...) então tive
que fabricar”. Foi quando surgiram os macacões, conjuntos de calça e casacos
coloridos, meiões de lã e faixa na cabeça, muito usados pela professora de
dança Joana (Betty Faria).

Imagem de divulgação

O estilo da professora da dança Joana, vivida pela atriz Betty Faria, ganhou espaço nas academias de dança, com
o uso dos meiões de lã, faixas na cabeça e macacões.

1985 – ROQUE SANTEIRO


A novela de Dias Gomes – escrita também por Aguinaldo Silva – levou
às ruas o estilo kitsch da viúva Porcina (Regina Duarte): turbantes, cores ber-
rantes e muito brilho nas roupas e bijuterias. O estilo mexeu até mesmo com
a própria atriz. “Eu era toda ton sur ton (tom sobre tom), recatada, tímida. Só
usava o brinco que combinava com o sapato e a bolsa. Com a Porcina, percebi
que não havia regras, apenas o desejo de se sentir amada, feliz, de bem com a
vida. Ela vinha pronta.” O figurinista Marco Aurelio definiu o estilo “embrulha-
do para presente” como “uma mistura de Carmem Miranda e Madonna, com a
descontração da carioca e um pouco da Bahia”.

194
Moda, Cultura e Identidade

O estilo da viúva Porcina na novela Roque Santeiro mexeu com as “regras” de uso de roupas e acessórios. Seu estilo
extravagante fez muito sucesso. Para ver mais sobre essa personagem da novela, acesse os vídeos nos endereços:
http://www.youtube.com/watch?v=02d5M9d3ajA
http://www.youtube.com/watch?v=yAEKiLYQtlU

1988 – VALE TUDO


Em outro grande sucesso de Gilberto Braga, a produtora de moda Solan-
ge (Lidia Brondi) lançou a moda do cabelo ruivo liso com franja reta.

O corte e a cor do cabelo da personagem Solange conquistaram muitas mulheres. Para ver mais sobre essa per-
sonagem da novela, acesse o vídeo no endereço: http://www.youtube.com/watch?v=avlPhwBwx5c

1990 – FERA FERIDA


Na novela de Aguinaldo Silva, Ricardo Linhares e Ana Maria Moretzsohn,
o destaque foi a camisa sem colarinho usada por Raimundo Flamel (Edson Ce-
lulari). O modelo, desenhado em função do tipo longilíneo do ator, foi copiado
por homens de todos os tipos físicos.

195
Aula 8

Os homens receberam muito bem o estilo lançado por Edson Celulari na novela Fera Ferida: camisa sem colari-
nho. Para conhecer um pouco mais sobre a novela e seus personagens, acesse o endereço: http://www.youtube.
com/watch?v=GlowUXBMJBk

1994 - QUATRO POR QUATRO


O figurino de Babalu (Leticia Spiller) caiu no gosto popular. Lessa de
Lacerda, figurinista da novela, comprou a maior parte das peças em lojas da
Saara, no centro do Rio: miniblusa ciganinha, saia curta e tamanco e ainda
aproveitou a ideia das meias coloridas de Dancin’ Days, como se a personagem
tivesse copiado a ideia de uma página de revista antiga. Nos cabelos, arco ou
flor artificial.

As roupas da Babalu, personagem de Letícia Spiller, fizeram um sucesso enorme nas ruas. Para conhecer um
pouco mais do estilo dessa personagem, assista ao vídeo disponível no endereço: http://www.youtube.com/
watch?v=mDWpeUbqUrg

196
Moda, Cultura e Identidade

2001 – O CLONE
Jade (Gionanna Antonelli) lançou a moda do anel-pulseira. Além do
acessório, roupas esvoaçantes, lenços coloridos, joias e maquiagens que desta-
cavam os olhos encantaram o público feminino. A novela trouxe ainda muitas
informações sobre a cultura muçulmana.
Imagem de divulgação

A novela O Clone popularizou muitos acessórios da cultura muçulmana, como os lenços e as joias, assim como
as maquiagens, que ressaltavam o contorno dos olhos.

2003 – CELEBRIDADE
A manicure Darlene (Deborah Secco), que
vivia no subúrbio e sonhava em se tornar famosa,
foi a sensação na época com suas microssaias de
pregas, blusas justas, sandálias plataformas com
meias coloridas e calcinhas transadas.
Imagem de divulgação

Minissaia de pregas e sandálias plataforma eram peças obrigatórias no


visual da manicure Darlene, personagem interpretada por Débora Secco
na novela Celebridade.

197
Aula 8

2005 – AMÉRICA
O mundo country ganhou as ruas na novela de Glória Perez. Botas, cha-
péu de cowboy e jeans justos chegaram às vitrines e às passarelas. Foi a prova
de que a moda regional pode conquistar o paÍs, quando estilizada.

Fonte: Flickr | Foto: MyEyeSees


Fonte: Flickr | Foto: katiew

A novela América trouxe para os trajes do estilo country para as ruas da cidade.

2005 – BELÍSSIMA
Vitória (Claudia Abreu) marcou época com seus vestidos longos em cre-
pe de algodão e rede de crochê ou ainda no estilo tomara-que-caia franzido
com babados na saia. Além disso, os bolerinhos de tricô e crochê, usados no
inverno, e os cabelos curtos e picotados também ganharam a preferência do
público. Na mesma novela, Safira (Claudia Raia) fez sucesso com seu figurino
sensual que deixava a mostra a lingerie.
Imagem de divulgação

Os vestidos longos da personagem de Cláudia Abreu, assim como o estilo de se vestir da personagem de Cláudia
Raia, deixando a lingerie aparecendo, foram marcas da novela Belíssima, no que se refere à moda.

198
Moda, Cultura e Identidade

2006 – COBRAS E LAGARTOS


Leona (Carolina Dieckman) roubou as atenções de quem curte moda.
Cabelos louríssimos, roupas modernas e sofisticadas, botas de salto alto e bico
fino, ombreiras dos anos 80, mangas frufru, brincos grandes e correntes de
metal completavam o figurino da vilã.

Imagem de divulgação
A louríssima Leona da novela Cobras e Lagartos chamava atenção pelo cabelo e suas roupas e acessórios
modernos.

2007 – PARAÍSO TROPICAL


A prostituta Bebel (Camila Pitanga) lançou moda ao desfilar sua sensua-
lidade sob maiôs de crochê, estampas de oncinha e cores vibrantes. Os mode-
los usados pela atriz ficaram durante meses na lista dos mais pedidos pelos fãs.
Imagem de divulgação

Bebel lançou moda com os maiôs com estampas de animais.

199
Aula 8

2009 – CAMINHO DAS ÍNDIAS


Assim como O Clone, Caminho das Índias, novela de Gloria Perez, trou-
xe para a telinha hábitos e costumes de um povo com uma cultura riquíssima.
Na moda, as cores, as texturas e principalmente os acessórios das persona-
gens femininas, interpretadas por Juliana Paes e Cleo Pires, chamaram a aten-
ção do público.

Imagem de divulgação

A novela Caminho das Índias popularizou vestuários e acessórios comuns à cultura da Índia.

2010 – VIVER A VIDA


A novela de Manoel Carlos, ambientada no mundo da moda, também
lança tendências. Além das roupas, os acessórios (como os colares) usados por
Helena (Isabel Fillardis), Luciana (Aline Moraes) e Mia, também fazem sucesso.
Imagem de divulgação

Viver a vida trouxe para a telinha roupas e acessórios, usados pelas personagens principais da trama, que fazem
muito sucesso entre as mulheres que assistem a novela.

200
Moda, Cultura e Identidade

Estes foram apenas alguns dos muitos estilos lançados pelas telenovelas.
Vestidos de noivas, brincos, bolsas, penteados, cores de cabelos e até tonali-
dades de esmaltes chamam a atenção dos telespectadores, transformando-se
em seus objetos de desejo. A Central de Atendimento ao Telespectador (CAT)
da TV Globo recebe, por dia, em torno de 1500 ligações telefônicas e cerca de
10 mil e-mails de pessoas de todos os cantos do país buscando informações
sobre roupas e acessórios usados por artistas, apresentadores e repórteres dos
programas da emissora.
É por meio de informações como estas que o público estabelece um
vínculo mais real com seus ídolos. Criar um diálogo entre a imagem e quem
está do outro lado da tela é o desafio que os figurinistas têm de enfrentar no
dia a dia. Mas hoje essa relação se tornou ainda mais dinâmica. Com as redes
sociais, já é possível ao sujeito comum opinar sobre a escolha da gravata que
William Bonner irá usar no Jornal Nacional ou ainda sobre o vestido de Patricia
Poeta, no Fantástico.

Atividade 2 – Objetivos 2 e 3

A proposta desta atividade é que você faça uma pesquisa sobre as te-
lenovelas e escolha uma que tenha marcado época, de preferência uma que
não foi citada aqui nesta aula. A partir daí, faça uma breve sinopse da mesma,
citando seus principais personagens, sobretudo aqueles que lançaram moda e,
por fim, cite quais os produtos que foram lançados nessa novela.

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201
Aula 8

Resposta e comentários

As novelas brasileiras, como vimos, são fonte inesgotável de modismos.


Em todas elas encontraremos sempre um corte de cabelo, um estilo de maquia-
gem, uma roupa ou acessório que irá encantar o telespectador, tornando-se
muitas vezes verdadeira febre, não apenas nas grandes cidades, mas em qual-
quer cidadezinha do interior do país.

Conclusão

Na contemporaneidade, cada vez mais o sujeito busca ser original, dife-


rente, único, e nada mais eficiente do que a aparência para provar isso. Não é
por acaso que a moda tenha se transformado em um discurso usado até mes-
mo por outros segmentos de mercado. Esse é o tema da nossa próxima aula.

Para uma segunda olhada...

Como vimos, a pós-modernidade se caracteriza, principalmente, pela


multiplicidade e pelo rompimento ou ainda pelo prolongamento das frontei-
ras. Nesse caso, o sujeito contemporâneo acaba por sofrer as consequências
disso, tornando-se também plural e em constante busca. Este é o cenário per-
feito para as mudanças, para o encontro com novas e possíveis identidades,
situações proporcionadas, na maioria das vezes, pela mídia - um canal eficiente
na construção de identidades.

Referências

ARRUDA, Lilian; BALTAR, Mariana. Entre tramas, rendas e fuxicos: o figurino na tele-
dramaturgia da TV Globo. São Paulo: Ed. Globo, 2008.
BAUMAN, Zygmunt. Globalização: as conseqüências humanas. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 1999.
___. Identidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.
___. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000.
FEATHERSTONE, Mike. Cultura de consumo e pós-modernismo. São Paulo: Studio No-
bel, 1995.
GIDDENS, Anthony. Modernidade e identidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002.

202
Moda, Cultura e Identidade

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. São Paulo: DP&A Editora,


2006.
McCRACKEN, Grant. Cultura e consumo. Rio de Janeiro: Mauad, 2003.
STRINATI, Dominic. Cultura popular: uma introdução. São Paulo: Hedra, 1999.

Sites consultados
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ternacional-2006.html>
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G1 O GLOBO. Disponível em: <http://g1.globo.com/Noticias/SaoPaulo/0,,MUL1094917-
5605,00-TEMA+INDIANO+DOMINA+FEIRA+DE+BIJUTERIAS+EM+SP.html>
MERCADO LIVRE. Disponível em: <http://img.mercadolivre.com.br/jm/img?s=MLB&f=
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REVISTA QUEM. Disponível em: <http://revistaquem.globo.com/Revista/Quem/foto/0,,
13338784,00.jpg>
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21521192,00.jpg>
STOCK XCHANGE. Disponível em: <www.sxc.hu>. Acesso em: 3 maio 2010.
UOL TELEVISÃO. Disponível em: <http://televisao.uol.com.br/ultimas-noticias/2007/10/
09/ult4244u416.jhtm>
YOUTUBE. Disponível em: <www.youtube.com.br>. Acesso em: 3 maio 2010.

203
Aula

Moda: essência do consumo e


arena dos discursos contemporâneos
9
Seus Objetivos:
Ao final desta aula, esperamos que você seja capaz de:
1. Identificar a moda como elemento importante na
construção da identidade do sujeito contemporâneo;
2. Relacionar a moda aos discursos contemporâneos, sobretu-
do aos relacionados ao mercado.

2 horas de aula
Moda, Cultura e Identidade

1. O consumo da aparência

A aparência ideal é um dos sonhos mais acalentados na contempora-


neidade. Ter uma figura dentro dos padrões valorizados por grupos distintos é
considerado fator de grande importância para o bem-estar e o sucesso de um
indivíduo. A moda, tema amplamente abordado em diversos campos, sobre-
tudo por fazer a interface com o mundo da comunicação e do consumo, além
de auxiliar a pensar os discursos da cena contemporânea é, e sempre foi, uma
engrenagem eficiente no monitoramento dos diferentes estilos de vida e com-
portamentos. Na análise de Gilles Lipovetsky (1989, p. 159), a generalização do
processo de moda é a principal responsável pela sociedade de consumo.
A democratização da aparência, provocada pela industrialização, apare-
ce representada no desejo de consumir moda, com a economia de consumo
passando a ser organizada pela sedução. Entretanto, como a moda se baseia
no ato de “ver”, pode-se dizer, seguindo o raciocínio do historiador e teórico
da arte Georges Didi-Huberman (1998, p. 34), que, quando a questão do ver se
liga ao sentimento de que “algo inelutavelmente nos escapa”, o ato de ver se
associa ao de perder. A crueldade da moda, e também seu fascínio, movimen-
ta-se no “olhar” que avista suas principais engrenagens: a novidade, o desuso
acelerado e a temporalidade efêmera. Por isso, sua força deve vir da adesão
ao grupo, da aparente fusão com um todo que preserva, em vez de destruir-
perder, marcas individualizantes.

novidade desuso

tempo-
ralidade

Três principais engrenagens sustentam a moda: novidade, desuso acelerado e temporalidade efêmera.

207
Aula 9

De um ponto de vista mais prático, podemos imaginar a moda como re-


sultado da relação de cada um de nós com a cultura na qual estamos inseridos.
Se somos criativos por natureza, e a sociedade e a cultura na qual estamos in-
seridos têm um movimento próprio e constante, é natural que possamos criar
e recriar constantemente nossa relação com o meio. É neste espaço de criação
e de inovação – constituído pela mudança constante – que se dá a formação de
hábitos e comportamentos, entre eles o de vestir-se.
A moda é reflexo dos padrões culturais que perpassaram a história. Na
chamada pós-modernidade, a dinâmica impressa nos novos hábitos, nas novas
modas e nos novos comportamentos se faz presente nas representações do
consumo, como vimos na Aula 09.
No caso específico da moda é preciso considerar que, sem dúvida, a glo-
balização teve grande influência na transformação dos hábitos e comporta-
mentos da sociedade contemporânea. O que antes era visto como gosto parti-
cular de uma determina região, hoje se difundiu e, por vezes, se popularizou.
Fonte: Wikimedia Foundation | Foto: Oct11988duh

Fonte: Flickr | Foto: Kimono Club

Moda: um caminho para acessar diferentes culturas.

O ato criativo de vestir-se, enfeitar-se, por si só, sintetiza hoje, muito


mais do que antes, um processo comunicacional. Por meio do que vestimos,
dizemos quem somos, quem não somos ou quem gostaríamos de ser. Tam-
bém por meio do que vestimos, expressamos não apenas aquilo que está
no âmbito do gosto global, mas também aquilo que faz sentido dentro do
espaço local.

208
Moda, Cultura e Identidade

As transformações causadas pela moda, sobretudo em relação a gostos e


preferências, são de tamanha proporção que seria difícil imaginar uma econo-
mia na qual ela não tivesse destaque. Com o crescimento da moda, divulgam-
se hábitos e padrões de comportamentos inteiramente novos. Cada vez mais,
questões de estilo e de estética se sobrepõem às utilitárias: “Que um objeto
não tenha se exaurido em sua utilidade não é mais motivo suficiente para sua
preservação; se ele é ou não capaz de satisfazer a condição mais importante de
estar na moda é agora o fator decisivo” (McCRACKEN, 2003, p. 39).
A substituição constante e seguida dos objetos é uma prerrogativa da
moda, convertendo o consumo em uma atividade muito frequente e, também,
exaustiva. O consumidor precisava dedicar mais tempo à atividade de compra
e, sobremaneira, ao aprendizado do consumo. Nesse sentido, ao longo das
épocas de evolução da moda, tornou-se essencial estar informado para distin-
guir o bem que estava em voga do que não estava e para saber qual mensagem
ele/ela estaria enviando com sua compra: “Cada vez mais eram rodeados por
objetos carregados de sentido que só podiam ser lidos por aqueles que possu-
íssem um conhecimento do código-objeto” (McCRACKEN, 2003, p. 40).
A partir de então, especialmente no início do século XX, o mundo dos
bens ganha importância entre os estudos acadêmicos. Para compreender a
evolução das sociedades, percebeu-se que era preciso investigar também
de que forma elas se relacionavam com seus bens. A cultura material deu
expressão exterior às ideias e trabalhos como o de Lévi-Strauss (1908-2009),
em particular, que nos abriu caminhos para investigar o fenômeno. Pelas
mãos do antropólogo francês, a análise estrutural demonstrou de que for-
ma podem ser identificados, em objetos da cultura material, categorias,
princípios e processos constituintes da cultura como um todo (McCRACKEN,
2003, p. 84).
Entre as funções do vestuário, por exemplo, podemos entrever fatores
econômicos, sociais, políticos, religiosos ou psicológicos, nos quais se desta-
cam categorias de tempo, de espaço e de atividade. O vestuário é, portanto,
um meio material através do qual categorias e princípios culturais abstratos
são codificados e tornados manifestos. Tal transferência de significados para
os bens, no mundo da moda, realiza-se, de acordo com McCracken, em três
estágios: combinação, criação e reformulação.
Primeiramente, ocorre uma associação de categorias e princípios cul-
turais estabelecidos com os novos estilos de se vestir. Dessa maneira, o sig-
nificado é transportado do mundo culturalmente constituído para o bem,
configurando o aspecto mais simples da capacidade do sistema de moda de
disponibilizar significado (McCRACKEN, 2003, p. 109-110).

209
Aula 9

A segunda capacidade do sistema diz respeito à sua capacidade de in-


ventar, de modo modesto, novos significados culturais. As invenções empre-
endidas por ‘líderes de opinião’, “ajudam a moldar e a refinar o significado
cultural existente, encorajando a reforma de categorias e princípios culturais”
(McCRACKEN, 2003, p. 110).
Em uma terceira situação, o sistema da moda procura se engajar não
apenas na invenção de significados culturais, mas também em sua reforma ra-
dical, funcionando como um canal de captura e de movimento desta categoria
de significado altamente inovador.

Se as fontes de significados são mais dinâmicas e numerosas, assim


também o são os agentes que apanham este significado e realizam sua
transferência para os bens de consumo. No caso do sistema da moda,
esses agentes enquadram-se em duas categorias principais. Os desig-
ners de produto são uma delas. Estes são, às vezes, os mais conspícuos
dos indivíduos, que se estabelecem em Paris ou Milão como árbitros do
design de roupas e envolvem a si mesmos, sempre que possível, em um
culto de personalidade. (...) A segunda categoria consiste nos jornalistas
de moda e nos observadores sociais. (...) Esses dois grupos são respon-
sáveis pela transferência de signficado. Normalmente, eles estabelecem
uma divisão de trabalho relativamente igualitária (McCRACKEN, 2003,
p. 111).

Assim, atesta-se a importância do papel dos criadores e da mídia na


elaboração dos significados a serem capturados pela moda. Essa função vai
ganhando força à proporção que o comportamento social converte-se em
consumo e o indivíduo fica mais e mais subordinado ao papel de consumi-
dor: “O espaço e o tempo estavam sendo reconfigurados para acomodar o
consumo e para fazer dele um elemento central da atividade social e do in-
teresse pessoal” (McCRACKEN, 2003, p. 41). O bem de consumo também con-
tinuou a transformar-se, passando a ser reconhecido como objeto de moda.
A moda, por sua vez, converteu-se indubitavelmente na categoria de design
preponderante para a maior parte dos bens a partir de então (McCRACKEN,
2003, p. 42).
Nesse sentido, percebemos a moda evoluindo para uma posição de
destaque no âmbito da cultura material. Por sua observação, passamos a
reconhecer épocas, movimentos sociais, crises econômicas e revoluções
comportamentais e, hoje, podemos vê-la representada até mesmo em seg-
mentos de produtos que, até então, não faziam uso de seus artifícios, como
carros, eletrodomésticos, artigos de higiene, entre outros. Isto se fortalece

210
Moda, Cultura e Identidade

à medida que vai entrando em cena o design. Este, por sua vez, vem es-
treitando sua relação com o conceito – tão alardeado – de inovação, junta-
mente com a tecnologia, como uma das principais ferramentas do mundo
contemporâneo.

Atividade 1 – Objetivo 1

Escolha entre alguns dos principais estilos de mercado (luxo, ecológico,


tecnológico, artesanal, popular) e componha uma colagem de imagens com
os itens que compõem o visual desses segmentos. Faça isso para seis peças.
Exemplo: ecológico: blusa com fibra de bambu, sandália de pneu reciclado,
bolsa de couro vegetal, short de algodão orgânico, colar de sementes tingidas
com corante natural, etc.

Comentários:

Como pudemos perceber, cada estilo corresponde a um conceito e a uma


visualidade. Entendemos o conceito como uma ideia, uma crença, um valor e
a visualidade como uma correspondência desse conceito por meio de formas,
texturas e cores. Os bens que compõem o cotidiano do sujeito contemporâneo
são, portanto, na grande maioria dos casos e cada vez mais, a síntese de suas
crenças, valores e ideais.

2. Foco no design

Pensar o mundo dos negócios hoje é pensar, sem dúvida, também


em design. Para exemplificar essa tendência, leia agora o texto “A
importância do design” publicado no site Papo de Empreendedor (http://
www.papodeempreendedor.com.br/empreendedorismo/a-importancia-do-
design/), onde Marcus Vinicius Pilleggi deixa bastante evidente esta relação
entre negócios e design.
Como você pode ver no texto indicado, o design é hoje um diferencial
em qualquer segmento de mercado. Por estar diretamente relacionada ao de-
sign, a moda vem se tornando também um veículo eficiente na lógica dos dis-
cursos contemporâneos. É o que veremos a seguir.

211
Aula 9

3. A moda por toda a parte

Para perceber como a moda se tornou um eficiente veículo na transmissão


de informações e um meio de comunicação dos produtos e marcas com seus
consumidores, vamos ver a partir de agora alguns segmentos de mercado que
vêm explorando em seus produtos os referenciais da moda ou do design. Você
irá se surpreender ao perceber que o conceito de moda pode estar em um carro,
uma feira de animais domésticos ou até mesmo em um rolo de papel higiênico.

3.1. Higiene

Os artigos de higiene estão entre os itens de primeira necessidade. To-


dos precisam tomar banho, lavar os cabelos, escovar os dentes, entre muitas
outras necessidades que são inerentes ao homem. Mas o que muita gente não
imaginava era que xampus, cremes e absorventes poderiam usar o discurso da
moda para reforçar a venda de seus produtos.
Vejamos o caso do papel higiênico Neve, muito conhecido dos brasileiros
em função da campanha publicitária que mostrava um mordomo trazendo o
produto numa bandeja de prata. Recentemente, a marca inovou ao lançar uma
embalagem com 12 rolos que traz ainda uma linda latinha para guardar o papel
e enfeitar o banheiro. A estampa de cada uma das latas foi idealizada por um
designer de moda. Entre eles estão Ronaldo Fraga, Isabella Capeto, entre outros.
A marca Carefree também usou como referência a moda ao patrocinar
a coleção de Cris Barros e exibir o desfile em um vídeo onde é ressaltada a
relação moda e bem-estar. Já o xampu Seda convidou, em 2009, vários cabelei-
reiros de renome para assinar as novas versões do produto.

Carefree na moda
Para assistir ao vídeo do Carefree,
Fonte: Pacce | Imagem de divulgação

clique no link abaixo:


Fonte: Flickr | Foto: Liliane Ferrari

http://www.youtube.com/watch?
v=7qfNpBrl3uI&feature=player_embedded

Inovações inspiradas na moda são cada vez mais


comuns nos artigos de higiene pessoal.

212
Moda, Cultura e Identidade

3.2. Eletrodomésticos

Quem disse que os eletrodomésticos precisam ter sempre a mesma apa-


rência? Hoje em dia existem modelos mais modernos, cores diferentes e estilos
mais arrojados que podem ser usados como elemento decorativo na sala, no
escritório, e não somente na cozinha. A Brastemp vem investindo nesse estilo
mais arrojado, com o lançamento de microondas, frigobar, fornos elétricos em
parceria com famosos designers do segmento de moda.

Fonte: Flickr | Foto: liamancio

Fonte: Flickr | Foto: liamancio


Frigobar e forninho elétrico fashion: uma tendência em alta no mercado.

3.3. Automóveis

O mercado automobilístico também vem explorando os conceitos de de-


sign e moda em seus produtos. O Kia Soul, além de aparecer em anúncios em
todas as mídias, também vem sendo muito utilizado no merchandising das
novelas. No lançamento do Linea, a Fiat descreveu o modelo como sendo um
carro para o homem contemporâneo, que valoriza a sofisticação através da
simplicidade e usa a tecnologia para tornar a sua vida mais prática e ágil.  
Como representante desse estilo de vida, Oskar Metsavaht (Osklen) foi
convidado pela empresa Fiat para criar uma linha de produtos que refletisse o
conceito do carro, com design moderno e funcional. A série Osklen Drive Linea
conta com mala de viagem, jaqueta, carteira, mocassim, porta notebook, entre
outras peças confeccionadas em materiais diversos, como couro bovino e lona
100% algodão.

213
Aula 9

Fonte: Flickr | Foto: MSVG


O mercado automobilístico recorre ao design para vender seus produtos.

Parceria Osklen e Fiat


Para ver o making off da grife Osklen Drive Linea como o estilista Oskar Metsavaht da
Osklen, acesse: http://www.youtube.com/watch?v=oxwjRUuPF3M

Trench-coat: Casaco na
3.4. Alimentos altura dos joelhos, que
protege do frio e da chu-
va. Feito em algodão,
Todo mundo sabe que o mercado de luxo vende roupas, acessórios, per- couro ou gabardine. Foi
criado por Thomas Bur-
fumes entre outras coisas, mas poder saborear um clássico trench-coat Bur-
berry, criador da famosa
berry ou uma bolsa Dior da última coleção no Chá das 5, é demais! O Hotel grife Burberry e desen-
volvido para os soldados
The Berkeley, em Londres inventou o “Prêt-à-portea”, expressão que faz uma
da I Guerra Mundial. A
brincadeira entre “prêt-à-porter” e “tea”, que significa chá em inglês. O che- peça se tornou um clás-
sico de inverno.
fe pâtissier do hotel, Mourad Khiat, inspira-se nas últimas coleções de moda
para criar quitutes que, além de graciosos, podem ser comidos. Tudo é servido
numa louça de listrinhas coloridas desenhada pelo estilista inglês Paul Smith.
Além do trench-coat na versão biscoito com toques de canela e cober-
tura de caramelo, também são servidos biscoitos de chocolate no estilo bota
acima do joelho de Roger Vivier. O macaron de blueberry apresenta um tom
parecido com o que foi visto nos desfiles da Dior. De Christian Lacroix, veio o
laço de chocolate com cor de ouro que enfeita o bolo mousse de chocolate.
As orelhas de coelho cor de rosa da Louis Vuitton decoram a mousse de cas-
tanha e romã.

214
Moda, Cultura e Identidade

Fonte: Revista Marie Claire | Imagem de divulgação


Chá das 5 totalmente fashion!

3.5. Politicamente correto

Este é um segmento bastante presente no mercado, pois a ideia de de-


senvolver uma política sustentável não apenas em relação a questões ambien-
tais, mas também nas áreas econômica e social, fez surgir um novo nicho de
mercado. Conhecido por sua atuação na banda U2, Bono Vox tornou-se um
dos principais divulgadores de causas sociais como a que angaria recursos para
um fundo criado especialmente para ajudar vítimas da AIDS na África. Além de
participar de vários shows beneficentes, Bono criou uma linha de produtos ver-
melhos (RED) em parceria com grandes nomes da moda e do mercado, como
Giorgio Armani, Motorola, Gap, American Express e Converse. Toda a renda da
venda destes produtos superexclusivos é revertida para o fundo.

Moda com consciência social


Para ver todos os produtos da linha RED de Bono Vox, acesse o site:
http://www.joinred.com/

3.6. Tecnologia

Este também é um segmento bastante disputado no mercado. De celu-


lares a notebooks, de iPods a games, grande parte dos produtos oferecidos ao
consumidor usam o discurso da moda ou do design para valorizar ainda mais

215
Aula 9

as marcas que os fabricam. Grandes nomes da moda como Gucci, Prada e Ro-
berto Cavalli já emprestaram seus nomes a aparelhos celulares, por exemplo.

Fonte: Flickr | Foto: Missin U


Gucci criou uma linha de celulares para consumidoras que curtem um estilo mais extravagante. O aparelho
telefônico vinha cravejado com cristais.

3.7. Pet

Quem ainda não se surpreendeu ao ver cachorros usando capa de chuva,


sapatos, boné e até mesmo roupas de grife? As novidades nesse segmento são
tantas que foi criado um evento especialmente para eles. É o Pet Fashion Week,
que vem sendo realizado por uma empresa americana em várias cidades do
mundo. Criado há mais de cinco anos, com edições anuais em Nova York e
nos dois últimos anos também no Japão, o Pet Fashion Week busca atender
as necessidades e demandas das mais sofisticadas empresas e profissionais da
indústria pet. O evento é uma oportunidade para designers e empresas apre-
sentarem ao varejo seus produtos e ino-
vações nos segmentos de moda, tosa
e lifestyle.

Tratamentos e produtos de luxo


para cães são a grande sensação
do mercado.

216
Moda, Cultura e Identidade

Atividade 2 – Objetivo 2

Os produtos apresentados na aula foram apenas alguns exemplos lan-


çados no mercado e que fazem referência ao universo da moda e/ou design.
Você irá pesquisar agora outro produto que tenha também a mesma perfor-
mance, ou seja, um produto que comporta-se como algo de moda, mas sem,
necessariamente, ser um produto de moda. O trabalho deverá ser feito em
um documento do Word e consiste na elaboração de um texto de, no máxi-
mo, uma página com fotos ilustrando o produto. Nesse texto, você deve citar,
descrever e dizer a que segmento corresponde o produto escolhido. Deve
também dizer como ele foi criado, para que público, quais são suas caracte-
rísticas, curiosidades, modelos e, principalmente, por que pode ser conside-
rado um produto de moda. É bom lembrar que vale qualquer segmento de
mercado.

Comentários

Em um primeiro momento, pode parecer difícil encontrar um produto


que não seja de moda, mas que faça alguma referência a estilos, tendências
e modismos. Mas um olhar mais atento pode nos revelar grandes surpresas.
Falar de moda, sem dúvida, virou moda!

Conclusão

Ao final desta aula, pudemos perceber que vivemos cada vez mais em
um mundo onde as aparências podem não ser apenas a essência do sujeito
contemporâneo, mas se constituíram em uma de suas grandes preocupações.
Vestir-se bem não condiz mais com a necessidade de reproduzir uma classe ou
um grupo, mas acima de tudo, a individualidade. Isso se tornou tão importan-
te que chegou a atingir segmentos que antes não se preocupavam com essas
temáticas. O design e a moda, como vimos, tornaram-se ferramentas impor-
tantes na transmissão de um discurso contemporâneo.

217
Aula 9

Para uma segunda olhada...

O consumo da aparência é um dos principais destaques na cena contem-


porânea. Perseguido pela grande maioria dos que não querem perder o bonde
da contemporaneidade, é ainda moeda de troca entre os grupos e valor cultu-
ado pela mídia. Com todo esse aparato, é praticamente impossível seguir na
contramão dessa tendência. Por esse motivo, marcas e segmentos diferentes
estão investindo nos benefícios que um bom projeto de design pode trazer às
empresas e também aos consumidores. O foco no design é hoje uma realidade.
Aliada a isso tudo, a moda se democratizou, transformando-se em um fenôme-
no que atrai os mais variados segmentos. A moda hoje está por toda a parte.
E como vimos em aulas anteriores, mesmo os que não se preocupam com ela,
acabam criando sua própria moda!

Referências

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dernas. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
DIDI-HUBERMAN, Georges. O que vemos, o que nos olha. Tradução: Paulo Neves. São
Paulo: Editora 34, 1998.
McCRACKEN, Grant. Cultura e consumo. Rio de Janeiro: Mauad, 2003.

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Common/0,,EMI110629-17598,00-GASTRONOMIA+E+MODA+CHA+DA+TARDE+FASHION
+EM+LONDRES.html>
STOCK Xchange. Disponível em <www.sxc.hu>. Acesso em: 21 maio 2010.
WIKIMEDIA Commons. Disponível em: <http://commons.wikimedia.org>. Acesso em: 21
maio 2010.
YOUTUBE. Disponível em: <www.youtube.com.br>. Acesso em: 21 maio 2010.

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Moda, Cultura e Identidade

Glossário

Andrógino: Que tem características femininas e masculinas ao mesmo tempo. No caso


da moda, algo andrógino pode ter características masculinas, mas ser destinado ao
público feminino, ou, ainda, ter características femininas, mas ser dedicado ao público
masculino.
Beca: traje característico da época. Era ajustada nos ombros e caía solta, presa por um
cinto. O comprimento era variado (mais comprida para cerimônias especiais), e as man-
gas amplas; a gola era alta e reta.
Bureau de Style: Escritório de estilo. Usa-se essa expressão para designar um espaço
que não somente possui peças de roupa para compor uma indumentária feminina ou
masculina, mas que faça uma composição de um determinado estilo de época ou para
prestar serviços de tendências de moda. Às vezes essa expressão é também utilizada
para referir-se às pequenas lojas que oferecem um tipo de estilo para atender um seg-
mento de consumo específico de moda.
Caudilhismo: movimento político caracterizado pelo exercício de poder divergente da
democracia representativa em que há uma reunião em torno da figura dos caudilhos
– lideranças políticas carismáticas ligadas a setores tradicionais da sociedade (como
militares e grandes fazendeiros) e que baseiam seu poder no populismo.
Chamisier: Vestido com forma de camisão, usado solto com um cinto sob a cintura ou
em volta dos quadris. Na imagem, o vestido chemisier é branco com um cinto em volta
dos quadris, deixando-o retilíneo, pois não marca a cintura.
Crinolina: espécie de saia que fazia entufar o vestido.
Cultura sincrética: diversidade cultural ou cultura formada por vários elementos de
origens distintas.
Demi-couture: roupas sob medida e que podem ser customizadas, mas são vendidas
em lojas.
Fashion victims: Vítimas da moda; aquelas pessoas que seguem a moda sem analisar
criticamente se o que estão vestindo está adequado ao seu estilo.
Fetichismo: Termo muito usado na moda, fetiche, para Marx, é um elemento funda-
mental da manutenção do modo de produção capitalista. O fetiche da mercadoria,
postulado por ele, opõe-se à idéia de “valor de uso”. Estaria, nesse caso, relacionado
à fantasia, ao simbolismo, a tudo aquilo que o objeto representa fora de seu contexto
funcional.
Genealogia: significado de estirpe, linhagem, origem; ciência que tem por objeto a
pesquisa da origem e da filiação das famílias. Exposição cronológica da filiação de um
indivíduo.
Gibão: espécie de colete curto acolchoado na frente e apertado para realçar o peito;
acabava na altura dos quadris e era usado com um cinto.

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Aula 9

Grupos geracionais: grupos que se formam em gerações pautadas não por idades, mas
por comportamentos, e que geram novos conceitos.
Linguagem de vestimenta: São os signos que compõe a indumentária, ou seja, peças
de roupa, maquiagem, acessórios de moda. Representam o conceito de beleza presente
em cada época em suas respectivas sociedades.
Linha de difusão: linha comercial, de maior produção.
Mainstream: corrente principal, objetivo final.
Mercerizar: Tratar o algodão com substâncias químicas, como o hidróxido de sódio,
objetivando promover uma produção têxtil mais elaborada seguindo, assim, o processo
produtivo de qualidade na produção em grande escala.
Multiplayers: Pessoas que têm capacidade para realizar múltiplas atividades.
Paul Poiret (1879-1944):Estilista francês que se tornou famoso por liberar as mulheres
de usar o espartilho, propondo uma silhueta mais solta. Começou a carreira fabrican-
do guarda-chuvas e vendendo desenhos. Em 1900, começa a trabalhar com Worth, o
famoso costureiro inglês. Depois de quatro anos, abriu sua própria maison. Fonte: CO-
MUNIDADE MODA
Pedagogia do visual: Uma espécie de didática própria onde aprendemos como deve-
mos nos comportar e o que usar, o que facilita o reconhecimento entre as pessoas.
Plastron: lenço usado como acessório principal em volta do pescoço.
Relicário: colar com um pingente de metal que se abre. Dentro, podem ser colocadas
imagens de santos como também fotos.
Renascimento: Período que se inicia no século XIV e termina no século XVI, sendo
marcado por transformações na cultura, na sociedade, na economia, na política e na
religião. Caracteriza a transição do feudalismo para o capitalismo na Europa.
Shantung: Denominação de tecido de seda produzido manualmente em uma província
chinesa chamada Shantung. Desde o século XX, este tecido sofre mistura em sua com-
posição com algodão e raiom. Hoje em dia é utilizado em roupas para noite.
Sociedade intergeracional: sociedade que comporta a convivência harmoniosa de di-
ferentes gerações, sobretudo nos mesmos segmentos de consumo.
Targets: Alvos, objetos a serem atingidos. No caso, público-alvo.
Trench-coat: Casaco na altura dos joelhos, que protege do frio e da chuva. Feito em
algodão, couro ou gabardine. Foi criado por Thomas Burberry, criador da famosa grife
Burberry e desenvolvido para os soldados da 1ª Guerra Mundial. A peça se tornou um
clássico de inverno.
Tricórnio: chapéu de três pontas com aba virada para cima.

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