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A AVALIAÇÃO DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA: DESAFIOS E

POSSIBILIDADES

SILVA, Carla Beatriz Rodrigues1 - FCU

CAMPOS, Vanessa Bueno2 - UFU

Grupo de Trabalho – Diversidade e Inclusão


Agência Financiadora: FAPEMIG

Resumo

A avaliação escolar é tema complexo e se avulta quando pensamos na avaliação da


aprendizagem escolar de pessoas com deficiência. Nesse artigo objetivamos discutir e analisar
como as pessoas com deficiência têm sido avaliadas ao longo do processo histórico e como
essa avaliação tem repercussão na formação e inclusão destas pessoas na sociedade. O
caminho percorrido para a compreensão da inclusão das pessoas com deficiência e a avaliação
escolar foi por intermédio da pesquisa bibliográfica. Os principais autores que subsidiaram a
discussão sobre a inclusão foram Franco e Dias (2005), Carvalho (2004) e os que balizaram o
diálogo sobre a avaliação escolar foram Esteban (2000), Luckesi (1998) e Patto (1996). A
começarmos pela história da deficiência, pretendemos proporcionar ao leitor uma reflexão
sobre o conceito atualmente elaborado sobre a deficiência e concomitantemente refletirmos
sobre as diferentes formas de avaliação que foram se constituindo na sociedade ao longo dos
tempos. Ao se falar na avaliação das pessoas com deficiência no âmbito educacional,
identificamos que a cultura do sucesso e ou fracasso vem sendo concebida historicamente
como um problema individual do aluno frente às exigências escolares. As poucas tentativas de
escapar deste julgamento atribuem, em geral, o êxito ou fracasso, as condições anteriores e
externas à escola. O desafio a ser enfrentado ao buscar pontos de interlocução entre avaliação
da aprendizagem e inclusão escolar é o de encontrar uma maneira de utilizar os processos
avaliativos como potencializadores das aprendizagens, como uma ferramenta pedagógica
capaz de auxiliar na (re)construção de conhecimentos para escutar as vozes historicamente
silenciadas e fazer emergir as potencialidades de cada sujeito.

Palavras-chave: Avaliação. Inclusão. Pessoas com Deficiência.


1
Especialista em Educação Especial pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU); Graduada em Pedagogia
pela Faculdade Católica de Uberlândia (FCU). Professora de Educação Básica na Prefeitura Municipal de
Uberlândia.
2
Doutora em Educação (USP). Professora na Faculdade de Educação e no Programa de Pós-Graduação em
Educação da Universidade Federal de Uberlândia (UFU); Líder do Grupo de Pesquisa Formação Docente e
Representações; pesquisadora vinculado ao Grupo Pesquisas Desenvolvimento Profissional e Docência
Universitária: saberes e práticas educativas. Pesquisadora vinculada ao Centro Internacional de Estudos em
Representações Sociais e Subjetividade – Educação (CIERS-ed). Pesquisadora colaboradora do GEPEPES -
Grupo de Estudos e Pesquisa Políticas e Práticas em Educação Especial e Inclusão Educacional.
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Introdução

A avaliação escolar é tema complexo e se avulta quando pensamos na avaliação


escolar de pessoas com deficiência. Nesse sentido, como avaliar a aprendizagem dos alunos
sem que essa prática se torne instrumento de exclusão e de fracasso escolar? Um dos grandes
desafios da instituição escolar, atualmente, é refletir sobre como criar ações pedagógicas
atinentes aos processos avaliativos, inserindo-as em uma perspectiva que favoreça o processo
de inclusão.
Questionar os processos avaliativos da aprendizagem escolar é desafiar a concepção
que a escola mantém acerca do ensino e da aprendizagem e, sobretudo, as concepções que
embasam a reflexão sobre quem são os sujeitos que estão em sala de aula e que objetivos e
intenções a escola nutre com relação a esses sujeitos. A avaliação da aprendizagem está
imbricada, emaranhada no processo de escolarização, faz parte do todo. Nesse sentido é
importante situar essa prática no momento histórico e social em que ela é utilizada.
Nesse artigo objetivamos discutir e analisar como as pessoas com deficiência têm sido
avaliadas ao longo do processo histórico e como essa avaliação tem repercussão na formação
e inclusão das pessoas com deficiência na sociedade.
O interesse sobre a temática teve origem nas reflexões suscitadas nos estudos
realizados curso de pós-graduação lato sensu em Educação Especial e no GEPEPES - Grupo
de Estudos e Pesquisa Políticas e Práticas em Educação Especial e Inclusão Educacional, na
Universidade Federal de Uberlândia. Ao estudar sobre as deficiências, a avaliação se
configurou como sendo um dos aspectos que despertou o interesse em relação a inclusão das
pessoas com deficiência no ensino regular. Entre tantas questões que entram em pauta quando
nos referimos à educação que prima pela inclusão escolar destacamos uma que nos parece ser
um grande desafio: como se faria a avaliação dessas pessoas levando em consideração as
possíveis limitações que certas deficiências apresentam ou essas pessoas deveriam ser
avaliadas do mesmo modo com que se avaliam os alunos que não possuem deficiência?
Para responder a esse questionamento foi necessário apreender o conceito de
deficiência e estabelecer possíveis relações com o conceito de avaliação e exclusão. Essa
compreensão somente foi possível quando contextualizamos historicamente a representação
social sobre deficiência e avaliação.
O caminho percorrido para a compreensão da inclusão das pessoas com deficiência e a
avaliação escolar foi por intermédio da pesquisa bibliográfica. Os principais autores que
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subsidiaram a discussão sobre a inclusão foram Franco e Dias (2005), Carvalho (2004) e os
que balizaram o diálogo sobre a avaliação escolar foram Esteban (2000), Luckesi (1998) e
Patto (1996).
Afastar estigmas ou atitudes que reafirmam um olhar discriminatório às crianças e
jovens que fogem do padrão, historicamente construído de aluno adequado, é um grande
desafio, talvez, o maior de todos. Incluir todas as crianças na escola é considerar a diversidade
humana como ferramenta essencial no desenvolvimento de todos os sujeitos. Nessa
perspectiva, esperamos que esse artigo contribua para ampliar as discussões e reflexões sobre
a avaliação e inclusão das pessoas com deficiência no ensino regular e possa esclarecer sobre
o conceito avaliativo hoje presente em nossas escolas e, desta forma, proporcionar
questionamentos que se configurem em novas propostas para uma avaliação condizente com o
processo inclusivo.

A deficiência no contexto histórico

A deficiência, ao longo da história vem sendo discutida e analisada pela sociedade,


propondo assim a formação de conceitos que são constituídos por fatores históricos, políticos,
econômicos, culturais, filosóficos, científicos e morais.
Para compreendermos como chegamos ao conceito atualmente elaborado sobre a
deficiência é preciso nos reportar a história e entender como ele constituiu-se aos poucos pela
sociedade3.
A presença do deficiente nas sociedades ao longo dos anos foi fortemente demarcada
por grandes períodos de preconceito e discriminação. Segundo Franco e Dias (2005), na
sociedade Greco romana o deficiente era eliminado, pois comprometia o ideal de perfeição.
Na antiguidade e Idade Média, as pessoas com deficiência por não corresponderem ao padrão
de normalidade eram tratadas com tolerância e apoio ou com menosprezo e eliminadas do
convívio social. Nesses dois períodos percebe-se que as pessoas com deficiência, eram
avaliadas a partir de um modelo de sociedade, no qual se pressupunha que elas deveriam
corresponder a padrões estabelecidos, desse modo pelo simples fato de não pertencerem a um
determinado biótipo, elas foram sendo eliminadas e excluídas do convívio social.

3
O conceito atualmente elaborado sobre a deficiência a define como sendo a representação de qualquer perda ou
anormalidade da estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica. (MANUAL DE LEGISLAÇÃO,
2006).
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Ainda segundo Franco e Dias (2005) a situação do deficiente começa a se modificar


com o cristianismo, onde a doutrina cristã apregoava que todos os homens passaram a ser
considerados filhos de Deus. Desse modo a população começa a ter outros olhos para a
deficiência, “o da piedade”, pois essa seria uma forma de se chegar ao céu. Por outro lado, a
era crista traz também á população indagações sobre os deficientes: seriam eles escolhidos por
Deus, ou estariam ali presentes manifestando alguma culpa ou castigo divino vivenciado por
seus pais e familiares? As famílias das pessoas com deficiência começaram a receber castigos
divinos. As pessoas com deficiência então passaram a ser asiladas e foi uma forma para evitar
o constrangimento social.
Nesse período percebemos uma nova conduta da sociedade para com os deficientes.
Os dogmas religiosos definiam a conduta das pessoas de modo que suas atitudes deveriam
corresponder a atitudes de cristãos, e como cristãos a eliminação do deficiente era algo
inaceitável, pois todos deveriam ser considerados filhos de Deus. Para aceitar a presença das
pessoas com deficiência, a sociedade decide segregá-los, atitude essa que procurava mascarar
o preconceito e a discriminação.
No século XVII com a contribuição da ciência houve uma significativa modificação
dos conceitos até então estabelecidos. Pesquisas e estudos sistematizados surgem na área da
saúde e a deficiência passou a ser caracterizada como doença. Nesse século há uma
modificação na conduta das pessoas para com deficiência e os dogmas medievais começaram
a ser questionados. Estudos científicos na área da saúde passam a explicar a deficiência como
um déficit, ou seja, uma limitação do individuo. Esse século se tornou um marco na história
da deficiência, pois se avaliava a presença das pessoas com deficiência na sociedade e
procurava-se entender a deficiência a partir de estudos e não apenas de dogmas, crenças e
práticas sociais.
Em se tratando da educação das pessoas com deficiência, começaram a surgir a partir
do século XVII movimentos no cenário mundial: obras impressas sobre a educação de
deficientes e até mesmo a primeira escola para deficientes subsidiada pelo estado em 1837, a
Ohio School for the Blind em Nova York. Até então as pessoas com deficiência eram
segregadas em instituições nas quais não se podia comprovar se estas obtinham ou não
possibilidades educacionais.
No Brasil a Educação Especial começou mais tarde, porque o período de exclusão
social se estendeu até o inicio da década de 50. As iniciativas educacionais começaram a
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surgir a partir de projetos elaborados por pessoas que se espelhavam nas experiências
educacionais dos países Europeus e da América do Norte, mas a expansão do atendimento
educacional em nosso país só ocorreu a partir de 1957 com a assistência técnica e financeira
do MEC às instituições especializadas e com a criação de campanhas nacionais para a
educação das pessoas com deficiência. (MAZZOTTA, 2011)
No século XX surge no cenário mundial, um movimento conhecido como integração
social, onde se propunha ensinar as pessoas com deficiência e alunos sem deficiência na
escola pública. Segundo Franco e Dias (2005) essa proposta surgiu na Europa e ocorreu
devido a três fatores: (i) as duas guerras mundiais, onde se deveria inserir novamente os
soldados nas sociedades, (ii) ao avanço científico e (iii) o fortalecimento legal dos direitos
humanos.
A partir desse movimento integracionista, percebe-se uma nova atitude dos
governantes para com a deficiência e conseqüentemente uma nova avaliação para as pessoas
com deficiência. A deficiência, agora também adquirida nas guerras começa a ser pouco
menosprezada. A reinserção dos soldados mutilados na sociedade era uma forma de se dizer
que a deficiência poderia ser aceita, ainda que essa, não fosse uma atitude aceitação, e sim um
sentimento de piedade da sociedade para com os deficientes.
Um fato marcante em nossa história ocorreu no século XX, com o fortalecimento dos
direitos humanos e a ascensão dos meios de comunicação, que contribuíram para que as
pessoas com e sem deficiência pudessem conhecer mais sobre os seus direitos e sobre os
deveres do estado.
Nas décadas de 60 e 70 surgem leis e programas de atendimento educacional,
favorecendo a integração das pessoas com deficiência na escola e no mercado de trabalho. Na
década de 80, o ano de 1981 é intitulado como sendo o ano internacional das pessoas com
deficiência. Segundo Junior (2010), o início de todo esse processo se deu em 1976, quando a
ONU (Organização das Nações Unidas) o proclamou, durante a 31ª sessão da Assembléia
Geral. O principal objetivo do (AIPD) Ano Internacional das Pessoas com Deficiência em
relação às pessoas com deficiência era o de promover esforços, nacional e internacionalmente
para a plena integração dessas pessoas na sociedade.
Na década de 90, foram elaborados importantes documentos tais como: a Declaração
Mundial de Educação para Todos (1990) e a Declaração de Salamanca (1994), documentos
que objetivavam proteger e assegurar os direitos das pessoas com deficiência.
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Depreendemos que a atitude da sociedade para com a deficiência não se modificou


repentinamente. À medida que as pessoas foram conhecendo a deficiência, através de estudos,
leis e decretos, é que surgiram modificações do governo para com a deficiência. Naquele
momento, não se poderia apenas eliminar, ou excluir as pessoas com deficiência do convívio
social, pois atitudes assim poderiam ser questionadas. Dessa forma, a avaliação das pessoas
com deficiência na sociedade foi seguindo outros caminhos.
A partir da década de 90 surge por meio de leis e decretos um movimento conhecido
como a inclusão das pessoas com deficiência. Movimento este atualmente vivenciado por nós,
onde, segundo Sassaki (1997) sociedade e pessoas ainda excluídas buscam em parceria
equacionar problemas, decidir sobre soluções e efetivar equiparação de oportunidade para
todos.
No Brasil, a partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e após a
reforma da Constituição Federal Brasileira (1988), surge em 1996, a Lei de Diretrizes e Bases
Educacionais a LDB n º 9.394/96, a qual estabelece que a escolarização das pessoas com
deficiência deva acontecer preferencialmente no ensino regular, garantindo assim a exclusão
de qualquer forma de preconceito ou discriminação.
A educação é um direito de todos”, preconiza a Constituição Brasileira Federal de
1988, em seus artigos 205 e 208, inciso I, que o acesso à educação, em qualquer nível, é um
direito humano inquestionável. Assim, todas as pessoas, inclusive as pessoas com deficiência
têm o direito à educação escolar em qualquer um de seus níveis. Mas, é importante destacar
que o Ensino Fundamental é a única etapa considerada obrigatória pela Constituição Federal
e, por isso, não pode ser jamais substituído. Por isso, ao se falar em educação, é impossível
não se pensar no direito das pessoas com deficiência de usufruírem de uma educação
inclusiva, de fazer com que as práticas pedagógicas acolham a diversidade.
Na perspectiva de uma educação que possibilite o acesso e a permanência de todos em
instituições sociais, a revisão dos conceitos que embasam as praticas avaliativas e os
interesses que estão envolvidos, quando se pensa e se pratica a avaliação, pode ser uma das
alternativas para afrouxar os nós que fazem com que a avaliação seja uma prática cotidiana
mais preocupada com a disciplina e com o controle das pessoas, do que uma pratica pautada
no diálogo e na interação entre os sujeitos.

Avaliação e Inclusão
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Ao refletirmos sobre os caminhos percorridos para se chegar ao conceito de


deficiência, identificamos que os longos períodos de exclusão e a não aceitação das diferenças
que condicionaram o conceito de deficiência está intimamente relacionado ao conceito de
avaliação.
O vocábulo “avaliar” origina-se do latim “valere”, que significa: ser forte, ter valor.
No senso comum, “avaliar” é empregado no sentido de atribuir valor a um objeto. Assim, a
avaliação permite diversos significados, tais, como: verificar, calcular, medir, apreciar,
classificar, diagnosticar, entre outros. Avaliar, segundo Luckesi (1998), significa: determinara
valia ou o valor de; apreciar ou estimar o merecimento de: avaliar um caráter; avaliar um
esforço; etc. Com esta significação, a avaliação se encerra com a determinação de um juízo de
valor sobre a realidade.
A avaliação tem sido concebida historicamente como uma forma de controle que,
através da seleção, incluía poucos e excluía muitos. A avaliação é algo que se processa no
espaço social e por isso mesmo é histórica, é cultural e está implicada em relações de poder.
Desse modo, a avaliação traduz visões sociais particulares e interessadas, ao mesmo tempo
em que contribui para a produção de identidades individuais e sociais. As práticas avaliativas
vinculam-se a formas específicas e contingentes de organização tanto da educação como da
própria sociedade.
As pessoas com deficiência vêm sendo avaliadas desde a antiguidade até a
contemporaneidade e essas avaliações se traduzem, em geral, em menosprezo, preconceito,
segregação, discriminação. Afastar estigmas ou atitudes que reafirmam um olhar
discriminatório às pessoas que fogem do padrão, historicamente construído como adequado
ou inadequado, é um grande desafio, talvez, o maior de todos. É possível, pois, afirmar que a
avaliação não é algo que se explique ou se justifique em si mesma. Imprescindível que
reconheçamos, nas propostas e ações avaliativas, privilégio ou marginalização daqueles sobre
os quais tais propostas e ações vão recair e a contribuição disso na exclusão educacional. A
avaliação é uma criação sociocultural, e por isso não é um elemento que traga, em sua prática
e produção, ingenuidade e neutralidade. Não há neutralidade e imparcialidade no ato de
selecionar, medir, atribuir conceito ou nota, classificar, eliminar.
No processo de escolarização, a cultura do sucesso e ou fracasso têm sido concebida
historicamente como um problema individual do aluno frente às exigências escolares. As
poucas tentativas de escapar deste julgamento atribuem, em geral, o êxito ou fracasso as
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condições anteriores e externas à escola, como as desigualdades e perversidades sociais,


econômicas e culturais e à lógica da “exclusão”, que parecem segundo considerações de
Carvalho (2004, p. 21), dominar nossas instituições sociais. Evidentemente, estes fatores
interferem consideravelmente no processo,porém desconsiderar que as práticas escolares não
influem, determinam e contribuem para que este quadro permaneça inalterado é um
pressuposto no mínimo ingênuo e equivocado.
Ao longo da história do processo de escolarização muitas práticas pedagógicas
reafirmaram e reafirmam algumas dessas significações concernentes à avaliação sendo que
quase todas estão intimamente relacionadas às idéias de julgamento. Na perspectiva
pedagógica inclusiva, esta acepção não é suficiente, pois, segundo Luckesi (1998), a avaliação
do aproveitamento escolar precisa ser praticada como uma atribuição de qualidade dos
resultados da aprendizagem dos alunos e percebida como um ato dinâmico, que precisa ter
como objetivo final uma tomada de decisão que vise direcionar o aprendizado para o pleno
desenvolvimento do educando. Essa visão é ampliada, quando se considera que "avaliar é ser
capaz de acompanhar o processo de construção de conhecimento do educando, para ajudar a
superar obstáculo".
No entanto, enquanto a inclusão prevê a diversidade, o acolhimento e a somatória das
diferenças para um modelo democrático, as escolas continuam a utilizar práticas do século
XVII, onde se previa uma educação para todos, que por sua vez não acolhe a diferença, pois
se estabelece regras e tempos para a aprendizagem. Para Luckesi (1998), uma das questões
para se pensar em um modelo democrático de avaliação seria fazer do erro uma constante
aprendizagem e não um fim em si mesmo.
Nas instituições escolares a sala de aula é caracterizada e constituída enquanto espaço
heterogêneo se estabelecendo deste modo um principio inclusivo, pois visa à inserção de
pessoas diferentes em um mesmo local, onde se deve respeitar as diferenças, e aprender a
partir delas. Porém, ao se falar sobre a inclusão das pessoas com deficiência no ensino regular
dois questionamentos surgem sobre as práticas avaliativas em nossas escolas. Como avaliar
para a formação do cidadão sem excluir aqueles que hoje são considerados por muitos como
os “diferentes” em nossas escolas? E como avaliar o aluno em suas especificidades, se a
avaliação escolar acontece de forma homogênea e é concebida em um espaço heterogêneo?
A proposta de educação para todos não vem ocorrendo de forma linear, mas deve ser
compreendido enquanto um processo de construção de uma escola que permite que haja a
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possibilidade de encontros, desencontros, diálogos, resistências, avanços, retrocessos, na


tentativa de considerar a diversidade humana tornando-a elemento enriquecedor na
constituição de cada sujeito. Diante da heterogeneidade que caracteriza a sala de aula, uma
das dificuldades encontradas é a de organizar e possibilitar uma prática pedagógica em que o
professor consiga avaliar o aluno tendo-o como parâmetro de si mesmo. Esta tem sido a
perspectiva orientadora referente aos processos de avaliação da aprendizagem em
consonância com as propostas pedagógicas que visam à inclusão.
Ao estabelecermos relação entre avaliação e inclusão, identificamos a possibilidade de
romper com a visão simplificadora do ato pedagógico e reconhecer o outro como um
indivíduo imerso em uma diversidade que está imbricada nas diferentes culturas que nos
constituem e das quais somos partes construtoras.
Acreditamos que a inclusão é o meio pelo qual a prática educativa deve se apoiar para
que se possam modificar as práticas avaliativas que não levem em consideração o
desenvolvimento integral dos alunos, deste modo para que se alcance uma avaliação
condizente com o processo de inclusão, é necessário que haja modificações em dois aspectos
educacionais: a forma com que se ensina aos alunos e a forma com que avaliam os
conhecimentos adquiridos pelos alunos.
Segundo Carvalho (2004) o ensino inclusivo deve ser democrático e visar o pleno
desenvolvimento do educando para promover as suas habilidades. Para a autora os ideários
educacionais podem ser resumidos em:

[...] O direito à educação, escolas responsivas e de boa qualidade, o direito de


aprendizagem e o direito à participação, o direito à igualdade de oportunidades, o
que não significa um “modo igual” de educar a todos e sim dar a cada um o que
necessita em função de suas características e necessidades
individuais.(CARVALHO, 2004, p.79- 80).

Luckesi (1998) propõe uma nova perspectiva sobre a avaliação: olhar o erro como
uma fonte de virtude. Segundo o autor os educadores devem observar antes de julgar, pois o
erro se constitui a partir de um julgamento, de um preconceito, e estes não permite enxergar o
fato como ele realmente é. Por isso, para que possamos ter uma prática avaliativa que objetive
incluir ao invés de excluir os alunos, precisamos fazer do erro uma constante aprendizagem e
não um fim em si mesmo, onde o que se obtém é apenas uma forma de se classificar os
conhecimentos para a aprovação ou não de determinado aluno.
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Entretanto, para que haja a inclusão e a garantia de uma avaliação dos conhecimentos
adquiridos pelas pessoas com deficiência, à avaliação cabe também a tarefa de ultrapassar os
limites da técnica que prevê o exame, incorporando a esta uma dimensão ética.
De acordo com Esteban (2000), estamos vivenciando um momento que propõe
mudanças no cotidiano escolar, dentre elas as alternativas se oscilam em: uma avaliação
quantitativa, onde se verifica a qualidade da educação, por meio de quantificação do
desempenho cognitivo e habilidades adquiridas. Forma pela qual a avaliação se revela como
um mecanismo de controle, condizente com o apoio de provas governamentais como SAEB
(Sistema de Avaliação da Educação Básica - 2008), provões e outros; e o modelo hibrido de
avaliação, proposta que afirma uma ruptura com a avaliação quantitativa que considera os
alunos como sujeitos históricos e sociais, acreditando que o tempo e o ritmo de cada um
devam ser respeitados.
Este último modelo avaliativo, o modelo hibrido vem sendo questionado por Esteban
(2000), por ser um modelo que oscila entre um mecanismo de controle da avaliação, que visa
o lugar do aluno na hierarquia social, e ao mesmo passo romper com a segregação e o sistema
de controle que a avaliação dispõe.
O modelo atualmente vivenciado pelo estado de Minas Gerais, a proposta dos Ciclos
de Formação discutia pelo Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita (CEALE, 2005) passa
por esse paradigma, uma vez que têm como finalidade fazer com que a avaliação assuma um
caráter processual e investigativo onde as informações advindas dessa prática sejam
instrumentos para melhor intervir no processo de ensino aprendizagem, mas que em outra
perspectiva também se apresenta como sendo o modelo pelo qual se utiliza de práticas
avaliativas classificatórias para identificar os níveis de conhecimento e habilidades que cada
aluno possui.
Relacionar a avaliação á inclusão é uma das formas de se utilizar os processos
avaliativos como potencializadores de aprendizagens, é fazer com que a avaliação possibilite
a somatória das diferenças como sendo algo construtivo para a sociedade. Para que isso
aconteça, é necessário que a avaliação se transforme em uma atividade democrática.
Esteban (2000) conceitua como sendo uma avaliação democrática imersa numa
pedagogia da inclusão, prática ainda não estabelecida, aquela que visa fazer da avaliação, uma
tarefa que englobe a construção de uma pedagogia multicultural, onde se possa substituir a
homogeneidade presente em nossas escolas pela heterogeneidade.
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Segundo Luckesi (1998), para contemplar a inclusão, a avaliação deve ser uma
atividade que mereça melhor atenção da sociedade, só assim ela terá em vista o avanço e o
crescimento das pessoas ao invés da estagnação. O autor chama a atenção ao dizer que essa
avaliação só se tornará possível quando a sociedade se conscientizar de que apenas o desejo
de se mudar algo não basta, é preciso que se pratiquem as ações para proporcionar a mudança.

Considerações Finais:

As reflexões apresentadas ao longo desse artigo objetivaram relacionar a deficiência à


avaliação. Depreendemos que a avaliação deste a antiguidade tem importante papel
classificatório e meritocrático na definição dos papeis sociais e nas relações de poder.
Através da ação de “dar valor”, a sociedade encontrou formas de justificar,
estigmatizar, segregar, discriminar, excluir e definir o valor de cada um segundo as normas
estabelecidas como “verdades”. Dessas verdades provisórias surge o preconceito.
Afastar estigmas ou atitudes que reafirmam um olhar discriminatório às pessoas que
fogem do padrão, historicamente construído como adequado ou inadequado, é um desafio,
talvez, o maior de todos, mas que devemos enfrentar para alcançarmos a inclusão.
Atualmente muito se discute sobre as possíveis formas de se incluir as pessoas com
deficiência na sociedade, e por meio dessas discussões as pessoas vêem adquirindo um novo
olhar para com a deficiência. Ainda assim, ao retratar a história da deficiência entende-se que
as atitudes que revelam uma visão preconceituosa das pessoas para com a deficiência estão
presentes em nossa sociedade desde a antiguidade e atualmente se encontram disfarçadas em
práticas avaliativas que são inadequadas para o desenvolvimento da sociedade, mas que
acontecem por serem concebidas ingenuamente pelas pessoas.
Estabelecer relações entre a avaliação e a inclusão, nos possibilita romper com uma
visão simplificadora desse ato pedagógico e reconhecer que o outro está imerso em uma
diversidade que está imbricada nas diferentes culturas que nos constituem e das quais somos
partes construtoras. A diversidade é uma condição humana, é natural a todas as espécies, é
condição sine qua non para que possamos nos desenvolver, nos aprimorar e nos modificar
constantemente. Nesse sentido, é importante olharmos para os sujeitos relacionando-os com o
ambiente sociocultural do qual participam.
Ao se falar em avaliação e inclusão, o grande desafio ao se buscar pontos de
interlocução entre avaliar e incluir, é o de encontrar uma maneira de utilizar os processos
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avaliativos como potencializadores, como uma ferramenta pedagógica capaz de auxiliar na


(re)construção de conceitos, escutar as vozes historicamente silenciadas e fazer emergir as
potencialidades de cada sujeito.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília,


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