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OS SISTEMAS ADMINISTRATIVOS

Capítulo I

1- Direito comparado: Sistema Francês e Sistema Britânico

Em termos históricos e actuais, existem  dois modelos de administração  apresentados


pelo Prof. Vasco Pereira da Silva - O sistema executivo e o sistema judiciário. Numa
fase inicial, estes dois sistemas apresentavam  grandes diferenças entre si  mas ao longo
dos tempos sofreram aproximações. Falamos em sistemas uma vez que estes modelos
foram exportados  posteriormente para outros países pelo que não se resignaram a ser
apenas um modelo adotado no país onde eclodiram. O sistema Francês difundiu-se para
a Europa continental, de que são exemplos países como Portugal, Espanha, Itália e
Alemanha, apesar de, no caso da Alemanha existirem características próprias que
levaram à construção de um Direito Administrativo Alemão próprio. O sistema
Britânico foi exportado sobretudo para os países Anglo-Saxónicos. Maurice Hauriou,
um dos principais nomes do Direito Administrativo, foi o responsável pelo surgimento
das designações “sistema de Administração judiciária” e “sistema de Administração
executiva”. Além disto, o autor afirmou que, mesmo os países cujo sistema de
administração é o Francês, historicamente passaram pela fase de Administração
judiciária.

O Prof. Freitas do Amaral adota uma posição diferente da apresentada pelo Prof. Vasco
Pereira da Silva, enunciando a distinção entre o sistema tradicional europeu (que existiu
até entre o século XVII e o século XVIII) e os sistemas modernos. Nestes últimos
sistemas podem ser enquadrados o sistema de administração judiciária e o sistema de de
administração executiva. Para o prof. Freitas do Amaral o  sistema tradicional europeu 
caracteriza-se pela indeferenciação das funções administrativas e jurisdicionais e pela
não subordinação da administração pública ao princípio da legalidade, o que contribuía
para a falta de garantias dos particulares. O princípio da separação de poderes ainda não
estava consagrado, pelo que o Rei era simultaneamente o supremo administrativo e o
supremo juiz, tal como acontecia com as outras autoridades públicas. Este panorama foi
profundamente alterado a partir de 1688 com a eclosão da Revolução em Inglaterra e
em 1789 com a Revolução Francesa. Com estas revoluções houve um reconhecimento
dos Direitos do Homem como direitos naturais anteriores e superiores aos do Estado ou
do poder político. Nascendo assim, o Estado de Direito.

2- Características do sistema de Administração judiciária

Primeiramente é necessário proceder á caracterização de cada um dos sistemas de


administração para que depois seja possível concluir as diferenças entre ambos. Assim
sendo, em primeiro lugar, quanto ao sistema de administração judiciária, também
denominado de sistema Inglês, Britânico ou Anglo-Saxónico. Este sistema vigora hoje
na generalidade dos países anglo-saxónicos, e através dos EUA influenciou países da
América Latina, nomeadamente o Brasil, pelas semelhanças que este país apresenta com
os EUA. Como principais características tradicionais deste sistema de administração
podem ser referidas:

- Descentralização dos poderes administrativos: A Administração não está centralizada


e não concentra em si todos os poderes, pelo que existem dois órgãos que dispõe do
poder sendo eles a Administração central (Central Government) e a Administração local
(Local Government). Não existe o conceito de Estado enquanto pessoa coletiva uma vez
que a Administração Pública não dispõe de poderes diferentes dos atribuídos aos
particulares.

- Sujeição da Administração aos tribunais comuns: Trata-se da tão conhecida unidade de


jurisdição. De facto, os tribunais comuns, também denominados de “courts of law”,
julgam tanto os litígios referentes á Administração Pública como os litígios entre
aqueles que não são funcionários desta, ou seja, os particulares. Assim, a Administração
Pública está sujeita á aplicação da lei por parte de tribunais judiciais comuns e não de
tribunais administrativos (uma vez que estes últimos não existem neste sistema). A lei é
igual para todos os cidadãos e não pode nenhuma autoridade invocar privilégios e
imunidades. Temos assim uma jurisdição única uma vez que não existem tribunais
encarregados de julgar especialmente a Administração. As questões administrativas são
julgadas pelos tribunais comuns pelo que não havia diferenciação de matérias.

 
 

- Subordinação da Administração ao Direito Comum: Todas as pessoas se regem pelo


mesmo Direito, o chamado “The common law of the land”, tanto o Rei como os
funcionários, os conselheiros e os cidadãos anónimos. Não existe um Direito
Administrativo mas sim o Direito Comum aplicado pelos tribunais comuns.
Consequentemente, a Administração está subordinada ao Common Law, logo a
Administração não dispõe de poderes exorbitantes nem de privilégios de autoridade
pública. Apesar disto, mesmo não existindo um Direito Administrativo, existem regras
que regulam a Administração e a forma como esta emite as suas decisões, regras estas
que formam o chamado “Procedimento Administrativo”.

- Execução judicial das decisões administrativas: A Administração não goza de poderes


de execução das suas decisões pelo que se pretende executar essas decisões terá de se
dirigir a um tribunal. Isto não quer dizer que a Administração no sistema britânico não
pudesse praticar nenhum ato administrativo sem recorrer aos tribunais, uma vez que a
questão da execução só se coloca quando a ordem administrativa não é voluntariamente
cumprida por um particular. Assim, se o particular não cumprir o seu dever, terá a
Administração de recorrer a um tribunal com vista á obtenção de uma sentença, para
garantir que o particular cumpra. A intervenção dos tribunais só acontece quando o
particular não cumpre voluntariamente o que a Administração ordena unilateralmente.
Podemos assim constatar que a Administração atua sem dispor de auto-tutela visto que
não pode por si só empregar meios coativos, necessitando para tal de recorrer aos
tribunais. Assim, o sistema anglo-saxónico caracteriza-se pela hetero-tutela garantida
pelos tribunais.

- Garantias jurídicas dos administrados: Neste sistema, a Administração não responde


pelos atos praticados pelos seus agentes aos administrados, mas os tribunais procuram
impedir possíveis abusos de poder por parte da Administração Pública.

3- Características do sistema de Administração executiva

Em segundo lugar, quanto ao sistema de Administração executiva, também denominado


de sistema Francês ou Continental, podemos apontar desde logo o seu surgimento em
França através de uma revolução levada a cabo pelo conselho de Estado e o seu
desenvolvimento ao longo do século XIX. Este sistema vigora em Portugal desde 1832
e em quase toda a Europa continental ocidental e em muitas ex-colónias tornadas
independentes no século XX. As suas principais características são:

- Centralização dos poderes administrativos: A Administração Pública tem uma


estrutura fortemente centralizada e hierarquizada. Esta centralização tem origem na
tradição napoleónica e reflete as características da história francesa. Esta dispõe de
poderes exorbitantes, destacando-se de forma muito visível dos restantes cidadãos o que
a torna muito diferente dos particulares. Estes poderes são poderes fora do normal,
diferentes dos poderes normais, que se extrapolam e diferenciam dos poderes dos
particulares e que permitem à Administração prosseguir determinadas tarefas públicas.
Como exemplo de um desses poderes temos o poder da execução prévia.

- Sujeição da Administração aos Tribunais Administrativos: Neste sistema o princípio


da separação de poderes tem um papel muito relevante. Este principio consagra que a
Administração e a Justiça se encontram separadas e não se confundem. Assim, os
tribunais judiciais comuns não interferem com o funcionamento da Administração
Pública. Foi neste panorama que, em 1799 , foram criados os Tribunais
Administrativos, que não eram verdadeiros tribunais mas que eram diferentes dos
tribunais comuns. Os Tribunais Administrativos eram órgãos da Administração
independentes e imparciais, incumbidos de fiscalizar a legalidade dos actos
administrativos. Existia neste sistema uma jurisdição própria caracterizada pela
existência de uma ordem de tribunais judiciais e uma ordem de tribunais
administrativos, sendo que nestes últimos existiam níveis de jurisdição distintos
caracterizados pela existência de dois tribunais: Tribunais Administrativos Centrais e o
Supremo Tribunal Administrativo.

- Subordinação da Administração ao Direito Administrativo: A resolução dos litígios da


Administração é levada a cabo pelos tribunais administrativos. Neste sistema foi criado
um ramo especial do Direito - o Direito Administrativo - que regula a forma como a
Administração pode utilizar os seus poderes especais de autoridade ( os típicos poderes
exorbitantes da Administração no sistema Francês). Este ramo do Direito afasta-se do
direito privado e é diferente do Common law.

- Privilégio da execução prévia: O Direito Administrativo confere à Administração


poderes “exorbitantes” sobre os cidadãos, por comparação com os poderes “normais”
reconhecidos pelo Direito Civil aos particulares nas relações entre si. A Administração
dispõe de um poder de auto-tutela uma vez que esta determina o Direito a aplicar. As
decisões unilaterais da Administração têm em regra força executória própria. Neste
sistema temos presentes tanto a auto-tutela declarativa como a executiva. Isto é, no
sistema Francês, a Administração dispõe de auto-tutela declarativa, a qual lhe permite
declarar unilateralmente o Direito a aplicar, e de auto-tutela executiva, que lhe permite
executar as suas decisões sem recurso a tribunal. Por isso mesmo, estas decisões podem
ser impostas pela Administração com recurso á coacção sem necessidade de qualquer
intervenção prévia do poder judicial. A Administração tem assim o poder de, por si só,
obrigar o particular a obedecer às regras por esta impostas, através de medidas
coercivas, não precisando de recorrer ao tribunal para fazer executar as suas regras.

- Garantias jurídicas dos administrados: São alcançadas através do recurso aos tribunais


administrativos onde os direitos subjetivos públicos são invocáveis contra o Estado. O
Estado é responsabilizado por todos os atos praticados pelos seus funcionários e garante
aos particulares as respectivas indemnizações, quando for caso disso, assumindo então a
responsabilidade perante os cidadãos.

4- Confronto entre as características dois sistemas enunciados

Num segundo momento, importa confrontar os dois sistemas enunciados que pressupõe


a existência de um Estado de Direito. Podemos apontar como principais traços que
permitem distinguir os sistemas de administração: a lei aplicável (Direito
Administrativo ou Direito Comum); a existência de poderes de tutela de administração
(Auto-tutela ou Hetero-tutela); a organização dos tribunais (Contencioso
Administrativo); a organização administrativa.

- Lei aplicável: No sistema Anglo-Saxónico há um grande peso quer do Direito


costumeiro quer jurisprudencial. Por outro lado, no sistema Francês o Direito é
influenciado sobretudo pela jurisprudência, pelo que a existência de costumes no Direito
Administrativo (neste sistema) quase não se verifica. Estamos perante uma tradição que
valoriza determinadas fontes de Direito em relação a outras, mas a fonte principal é a
legislativa, em ambos os sistemas. A Administração está vinculada ao princípio da
legalidade pelo que só atua dentro dos limites previstos na lei, podendo estes limites ser
mais ou menos amplos. Caso uma lei tenha uma previsão demasiado ampla, podemos
estar perante um caso de discricionariedade da Administração.

 
- Organização administrativa: O sistema judiciário é descentralizado e o sistema
executivo é centralizado. Quer isto dizer que no primeiro sistema a Administração
dispõe de menos poderes face aos particularescdo que no segundo.

- Existência de poderes de tutela de administração: No sistema Inglês, em caso de uma


ordem administrativa não ser respeitada por um particular, é necessária uma sentença do
tribunal para proceder á execução da decisão administrativa. No sistema Continental,
não é necessária a intervenção do tribunal pelo que a Administração pode obrigar o
particular a obedecer através de medidas coercivas. Na verdade, hoje em dia, em ambos
os sistemas, só há poderes de execução quando a lei expressamente o estabeleça e
mesmo nesses casos, esses poderes são limitados pelas regras que a própria lei
determina. A auto-tutela declarativa e executiva existe no Sistema Executivo mas não
existe no Sistema Judiciário, estando este último sujeito á hetero-tutela por parte dos
tribunais. Os actos de natureza prestadora ou autorizativa não são susceptíveis de
coacção por parte da Administração uma vez que a natureza leva a que não faça sentido
dizer que um ato que é favorável pode ser imposto contra a vontade do particular.

- Organização dos tribunais: No sistema Britânico, a Administração está subordinada


aos Tribunais Comuns que têm amplos poderes. Assim neste sistema temos uma
unidade de jurisdição - existe uma única jurisdição, os Tribunais Comuns, que
solucionam todos os litígios. No sistema Francês, a Administração é independente do
poder judicial uma vez que existem os Tribunais Administrativos que são responsáveis
por solucionar litígios administrativos. Temos assim presente uma dualidade de
jurisdição - existem duas jurisdições, os Tribunais Administrativos e os Judicias, a
solucionar os litígios. Por outro lado, os Tribunais Franceses comuns não podem
condenar a Administração mas os Tribunais Ingleses comuns têm amplos poderes
contra a Administração e podem até condenar a Administração.

- O Direito regulador da Administração: No sistema Anglo-Saxónico a Administração é


regulada pelo Direito Comum e no sistema continental é regulada pelo Direito
Administrativo.

5- Considerações finais
Por fim, resta fazer algumas considerações finais. As características tradicionais que
foram expostas de cada um destes sistemas, e que se apresentam como opostas entre si,
foram sofrendo aproximações ao longo dos tempos.

Hoje em dia, a especialização no domínio do contencioso administrativo tomou o lugar


da anterior questão da dualidade ou unidade de jurisdição. A especialização é uma
vantagem uma vez que os litígios administrativos são muito complexos pelo que a
formação especializada dos juízes iria levar a que estes julgassem melhor. Hoje em dia a
especialização é algo de muito relevante. O grau de especialização de França/Portugal/
Alemanha ocorre em todas as instâncias; por outro lado, em Inglaterra só ocorre na
primeira instância; e por fim, nos EUA /Brasil, verificamos especialização ao nível dos
órgãos de topo.

Também com o passar do tempo, estes dois sistemas influenciaram outros países e
ocorreu a difusão dos mesmos um pouco por todo o mundo.

Assim, podemos concluir que o debate existente sobre os elementos que caracterizam
ambos os sistemas é meramente histórico uma vez que, hoje em dia, estes modelos não
se distinguem um do outro devido á convergência das suas características.

  
 

Bibliografia:

- DO AMARAL, DIOGO FREITAS, Manual de Direito administrativo – volume II, 2ª


reimpressão, Almedina, 2003

- PEREIRA DA SILVA, VASCO, Em busca do acto administrativo perdido, Almedina,


1ª edição, 2016

Autora: Beatriz Geraldes; Nº. 57053; Turma B; Subturma 16

Capítulo II

Evolução e situação atual dos sistemas britânico e francês

Em pleno século XVIII o confronto entre sistemas fundava-se na pureza teórica de cada
um dos modelos. Todavia, cada um deles evoluiu, o que, já no século XX, resultou
numa aproximação de ambos, sob alguns aspetos, que teremos oportunidade de
desvendar, em cada uma das linhas que se seguem.

Importa, primeiramente, reflectir sobre os motivos que conduziram ao esbatimento das


características específicas de cada um dos modelos. Esta convergência ocorreu por
razões de eficácia, dado que os Estados assumem tarefas crescentes, inclusivamente os
que sejam apologistas de uma atuação menos intervencionista, e pela necessidade de
protecção, atendendo ao facto de vivermos numa sociedade de risco, para a qual o
Estado tem de ter resposta. A Administração acaba por ser responsável por definir qual
a forma através da qual lidaremos com o risco. Portanto, se há um aumento da
intervenção dos poderes públicos, cresce, inevitavelmente, em consequência da
sociedade de risco em que vivemos, o direito que os regula.

 
Após esta breve, mas indispensável reflexão, passaremos a comparar a evolução que
ocorreu em cada sistema, sobre cada um dos aspetos a ponderar:

O professor Vasco Pereira da Silva não considera a organização administrativa, um


aspeto a relevar nesta distinção entre sistemas, por considerar a dicotomia a ela
associada, própria do século XVIII e XIX, dado que a evolução da complexidade
administrativa levou a que surgisse necessariamente uma desagregação.

Em contraposição, o professor Freitas do Amaral inclui esta quarta categoria, afirmando


que a administração britânica se tornou mais centralizada devido a vários fatores, entre
os quais, o crescimento da burocracia central, a criação de serviços locais do Estado e a
transferência de tarefas, antes municipais, para órgãos regionais, mais sujeitos ao
Governo.

Já a administração francesa perdeu progressivamente a centralização total, através de


um conjunto de circunstâncias, a aceitação da autonomia dos corpos intermédios, a
eleição livre dos órgãos autárquicos, a diminuição dos poderes dos prefeitos (delegados
do poder central nas circunscrições locais) e a reforma descentralizadora, responsável
pela transferência de muitas e relevantes tarefas do Estado, para as regiões.

Um outro aspeto que deve prender a nossa atenção é o controlo jurisdicional da


Administração. A questão que se coloca neste âmbito é a de saber se temos um
contencioso especializado, isto é, definido pela matéria em julgamento, ou não.

Em Inglaterra surgiram inúmeros administrative tribunals, especializados em razão da


matéria. Não se trata de verdadeiros tribunais, courts, mas de entidades pelo menos
para-jurisdicionais, órgãos administrativos independentes, criados junto da
Administração central, que têm como objectivo resolver questões de Direito
Administrativo, atendendo a critérios de legalidade. Garantem que as decisões são
tomadas à luz do due processo of law (procedimento devido, encadeado e organizado),
legitimador da atuação administrativa. No entanto, convém ressalvar que estes tribunais
administrativos existem apenas na primeira instância. Na segunda instância já se está
perante um tribunal comum.

Por outro lado, em França, fez-se sentir um aumento das relações entre particulares e
Estado, submetidas à fiscalização de tribunais judiciais.
 

À primeira vista estes dois movimentos, o inglês e o francês, sugerem uma


aproximação, que é, todavia, meramente aparente. Porquê?

Em primeiro lugar porque os administrative tribunals ingleses, em nada se parecem com


os tribunaux administratifs franceses. Para além disso, a administração inglesa continua
sujeita ao controlo dos tribunais comuns. Por fim, o aumento da intervenção dos
tribunais judiciais nas relações entre Administração e particulares, em França, não
implica que os tribunais administrativos tenham deixado de controlar a aplicação de
Direito Administrativo, justifica-se dado o crescimento do número de casos em que a
Administração atua em conformidade com o direito privado.

A título de curiosidade esclarece-se que a ideia de que os tribunais em Inglaterra tinham


amplos poderes de condenação da administração, se funda num erro e/ou no
desconhecimento dos autores clássicos, algo que actualmente não se justifica, dada a
facilidade com que a informação circula. Este erro-base foi assim ultrapassado e hoje
sabe-se que a coroa do Reino Unido está sujeita a um conjunto de imunidades com as
quais os tribunais não podem interferir.

Em suma, no modelo Francês existe uma ordem de dois tribunais administrativos:


tribunais administrativos centrais e Supremo Tribunal Administrativo, portanto, dois
níveis de jurisdição. Ao passo que no modelo anglo-saxónico existe um tribunal
especializado apenas na primeira instância, sendo que em caso de recurso os tribunais
competentes são tribunais comuns e, em último caso, o tribunal superior de sua
majestade.

No que diz respeito ao direito regulador da Administração, ocorreu de facto uma


aproximação entre modelos.

À transição do Estado Liberal para o Estado Social de Direito subjaz todo um


movimento marcadamente social responsável pelo aumento da intervenção económica
inglesa e pelo crescimento da função prestadora da administração britânica, que
conduziu ao surgimento de inúmeras leis reguladoras da função administrativa.

Desde o início do século XX, que existe Direito Administrativo, prova disso é o facto de
existirem universidades inglesas a leccionarem Administrative Law.
 

A administração francesa, por sua vez, teve de passar a adequar-se ao direito privado:
empresas públicas, devido à natureza da sua atividade económica vêem-se obrigadas a
funcionar à luz do direito comercial, serviços públicos, sociais e culturais vinculados a
agir conforme o direito civil…

A nova realidade britânica aproxima, sem dúvida, os dois sistemas, uma vez que em
França o que o Direito Administrativo regula já não são os privilégios, mas sim os
poderes e deveres da administração, que têm correspondência com os direitos dos
particulares, visto que o Direito Administrativo actual regula relações jurídico-
administrativas entre sujeitos, com o mesmo estatuto de igualdade.

Conclui-se assim, quanto a este aspeto, que as diferenças são escassas. Ainda que no
Reino Unido direito costumeiro e o  jurisprudencial detenham um peso maior do que em
França, tal não passa de uma tradição que valoriza dadas fontes, em detrimento de
outras, sendo que, em última instância, a fonte principal é comum, a lei.

Relativamente à execução das decisões administrativas, a aproximação não é tão


evidente.

O problema que se coloca neste âmbito é o de saber se a Administração goza de poderes


de auto-tutela relativamente às suas decisões, isto é, se pode executar diretamente um
ato administrativo, ou se está subordinada à tutela dos tribunais – heterotuetela - só
podendo executar, caso peça intervenção de um tribunal.

Os administrative tribunals ingleses não são tribunais administrativos no mesmo sentido


que os franceses. Porém, as suas decisões, tomadas após um verdadeiro procedimento
administrativo, são obrigatórias para os particulares, sem estarem dependentes de
confirmação ou homologação judicial para serem impostas coactivamente, de tal
maneira que, muitos dos órgãos administrativos britânicos, dispõem de poderes
similares aos que em França caracterizam o poder executivo (privilégio da execução
prévia - poder através do qual a administração pode obrigar o particular a acatar o seu
ato administrativo, sem para isso precisar de recorrer à intervenção de um tribunal).

Por sua vez, o Direito Administrativo francês dá aos particulares a oportunidade de


conseguirem a suspensão da eficácia das decisões unilaterais da Administração Pública,
junto dos tribunais administrativos, o que no fundo significa que muitas das decisões da
Administração, só são executadas, caso um tribunal administrativo, a pedido do
particular interessado, não se manifestar contra.

A evolução do princípio da legalidade fez com que os poderes de auto-tutela passassem


a existir apenas quando previstos na lei, não constituindo um privilégio da
Administração. Sumarizando, tanto no sistema francês, como no inglês, só há poderes
de execução, se a lei o previr expressamente, sendo limitados pelas regras que a
disposição legal estabeleça.

Em Portugal, o legislador do Código de Procedimento Administrativo de 2015 retirou


do Direito Administrativo uma das características fundamentais do sistema de
administração executiva – o privilégio da execução prévia. Deste modo, de acordo com
o artigo 176º, nº1, a execução administrativa coerciva, sem intervenção dos tribunais,
deixará de ser princípio geral, restringindo-se aos casos previstos na lei e a “situações de
urgente necessidade pública, devidamente fundamentada.”.

Todavia, dada a panóplia de dúvidas que esta alteração suscitou, a entrada em vigor
deste preceito foi adiada para quando um outro diploma, responsável por definir casos,
formas e termos em que os atos administrativos podem ser impostos coercivamente pela
Administração, (artigo 8º, nº1 do diploma de aprovação do CPA) entrar em vigor.

Por último, analisaremos as garantias jurídicas dos particulares, que são genericamente
superiores no sistema britânico. Contudo, em Inglaterra os tribunais não podem assumir
a posição da Administração, exercendo os poderes discricionários que a lei lhe confere,
o que diminui o recurso a figuras como o mandamus e a prohibition, ordens que
permitem aos tribunais comuns ingleses ampliar o controlo jurisdicional da acção
administrativa.

Já em França, os tribunais ganham progressivamente poderes declarativos, em relação à


Administração. Não podem condenar autoridades administrativas a executar
determinada tarefa, todavia, é-lhes diversas vezes permitido, mais do que anular atos
ilegais, declararem o comportamento como dever da Administração, de tal forma que os
atos dos órgãos, bem como os agentes que desobedeçam, padecem de ilicitude.

 
Por último, tanto Inglaterra, como França, adotaram uma instituição de salvaguarda dos
particulares face à Administraçao Pública, que, tendo origem nórdica, na Grã-Bretanha
passou a designar-se Parliamentary Commisioner for Administration e, em França, foi
acolhida como Médiateur. Por cá, em Portugal, chamamos-lhe Provedor de Justiça.

Tirando as ilações finais de toda esta análise, conclui-se que o princípio que serve de
base a cada um dos sistemas é distinto, as soluções são diferentes e a técnica jurídica
também. Contudo, efectivamente ocorreu uma notória aproximação entre ambos os
sistemas, principalmente no que diz respeito aos aspetos analisados anteriormente: a
organização administrativa, o direito regulador da Administração, o regime da execução
das decisões administrativas e o conjunto de garantias jurídicas dos particulares.

As diferenças que ainda hoje se mantêm, mais visivelmente, dizem respeito aos
tribunais que fiscalizam a Administração Pública. Na Inglaterra, os comuns, em França,
os administrativos. No primeiro caso estamos perante uma unidade de jurisdição, ao
passo que o segundo apresenta uma dualidade de jurisdições.

A principal diferença entre os dois sistemas consiste no tipo de controlo jurisdicional da


Administração que, no caso inglês, se traduz na subordinação dos litígios entre
Administração e particulares aos courts of law, únicos representantes do poder judicial,
o que não impede que existam tribunais especializados. Ao passo que, no caso francês,
se traduz na subordinação dos mesmos litígios aos tribunaux administratifs, órgãos de
jurisdição especial, divergente da dos tribunais comuns. Há, portanto uma ordem de
tribunais judiciais e, paralelamente, um outra ordem de tribunais administrativos e
fiscais.

Convém porém destacar que esta divergência não pode sustentar a tese de Dicey,
segundo a qual em Inglaterra estamos perante um Estado de Direito e em França não.
Neste caso era Hauriou quem estava certo, uma vez que, apesar de os sistemas serem
diferentes entre si, se trata, na verdade, de duas espécies do mesmo género.

Segundo Vasco Pereira da Silva, actualmente mais releva o grau de especialização que
um sistema oferece, do que a questão da unidade ou dualidade, sendo útil distinguir os
modelos, de acordo com o seu grau de especialização. Deste modo, em Inglaterra a
especialização existe a nível da primeira instância e, em França, em todas as instâncias.

 
Na perspectiva do professor é necessário que haja alguma especialização no que respeita
ao contencioso administrativo, visto que os litígios são bastante complexos e beneficiam
com a especialização dos juízes, graças à qual poderão julgar melhor. É conveniente,
portanto, que a formação seja preparada atendendo aos litígios que se vão decidir. O
facto de um juíz apenas se debruçar sobre questões de Direito Administrativo contribui
para que o domine melhor.

Decisiva tem sido também a participação de França e Inglaterra na União Europeia,


contribuindo, em larga medida, para reforçar a aproximação entre os seus sistemas. A
Europeização conduz à dissolução dos modelos, uma vez que o Direito Europeu supera
a tradição de cada Estado membro e convida à formação de um ius commune, que
transcende os Estados individualmente considerados, para alcançar maior efectividade
de aplicação, o que terá, com certeza, repercussões no Direito Administrativo.

Finalizando, retém-se que atualmente este é um debate meramente histórico, que tem
utilidade por ajudar a perceber as soluções encontradas para o presente. Contudo, os
sistemas já não se distinguem, nem tendencialmente, porque, pesem embora as
características específicas, a convergência é cada vez mais acentuada.

Bibliografia:
DO AMARAL, DIOGO FREITAS, Manual de Direito administrativo – volume I,
Almedina, 4ª edição, 2015

DA SILVA, VASCO PEREIRA, Em busca do acto administrativo perdido, Almedina,


1ª edição, 2016

Apontamentos das aulas teóricas e práticas.

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