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Refletindo sobre a
reintegração familiar
A família em situação de vulnerabilidade precisa ser foco de proteção
A
responsabilidade da família brasileira sobre seus mem- para intervenções protetivas do Estado na família.
bros está prevista na própria Constituição Federal e in- Contudo, as pesquisas relativas ao abrigamento vêm apon-
tegra legislações específicas em várias áreas, como no tando que os motivos que levam crianças e adolescentes a vi-
Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, no do Idoso, na Lei
verem em abrigos estão relacionados às circunstâncias de vida
Orgânica da Assistência Social e na Política Nacional de Assistên-
das famílias, das quais faz parte na maioria das vezes a falta de
cia Social.
recursos financeiros e de moradia.
No ECA, na esteira dos artigos 226/227 da Constituição
de 1988, o Art. 22 confirma a família como base da sociedade. As situações de desemprego e de problemas de saúde
Incumbe-lhe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos também são algumas, dentre as várias dificuldades apontadas.
menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de Em função desses fatores e de problemas estruturais de difícil
cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais. Os artigos 19 enfrentamento, destacamos que o trabalho com as famílias de
e 23 do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, tomados crianças e adolescentes abrigados depende do funcionamen-
conjuntamente ao artigo 22, permitem uma boa compreensão to efetivo de políticas públicas e exige a articulação da rede de
do papel atribuído à família no sistema de garantia de direitos serviços.
referente às crianças e aos adolescentes. Assegurar a proteção social integral às famílias em situação
Nessa direção, as normativas legais vêm considerando a de alta vulnerabilidade social significa garantir segurança de so-
família como base da sociedade e como unidade de ação das brevivência (de rendimento e de autonomia); segurança de aco-
políticas sociais, compreendendo-a como sistema dinamizador lhida; segurança de convívio ou vivência familiar (PNAS, pág. 25,
de mudanças frente às situações de vulnerabilidade social pre- 2004).
sentes nos processos de exclusão. Promover o fortalecimento, a emancipação e a inclusão so-
O ECA prevê que todos os esforços devem ser feitos pelas cial das famílias por meio de ações compartilhadas que facilitem
políticas públicas para garantir o direito das crianças e adoles- o acesso às políticas públicas sociais. Fortalecer o tecido social
centes conviverem com seu grupo de referência, não sendo a urbano, fomentando a participação social e o desenvolvimento
pobreza razão suficiente para promover o abrigamento, mas, sim comunitário das famílias de alta vulnerabilidade, pelo acesso a
Acho fundamental o trabalho que o abrigo faz tentando na entidade podem nortear as escolhas da criança para toda
fortalecer não só entre os pais, mas também os irmãos sua vida.
mesmo dentro do abrigo. O grupo de irmãos deve ser tra- A compreensão dessa “provisoriedade” como uma estraté-
balhado, pois às vezes há uma distancia entre eles e aqui é gia de proteção da infância em situação de vulnerabilidade, im-
o momento de reflexão... Ainda tem abrigos que tem visita plica na busca da superação dos fatores restritivos da perma-
mensal então eu acho que é uma das questões...No nosso nência da criança/adolescente na sua própria família. Conjugar
abrigo a visita é semanal e a acho que a gente tem que as finalidades de cuidar amorosamente da criança abrigada e,
lutar um pouco por isso e garantir que todos os abrigos ao mesmo tempo, prepará-la para o retorno à sua família nu-
tenham as visitas dessa forma. clear, extensa e comunitária, de tal forma que os vínculos esta-
(Fala de profissional de abrigo da capital do estado de São Paulo)
belecidos entre ela e os profissionais do abrigo sejam solidá-
rios visando sua autonomia, pressupõe pensar que as relações
O
que significa preservar vínculos? Será isso tão simples afetivas estabelecidas com as pessoas da entidade não substi-
que não requer nenhuma consideração a respeito? tuem os vínculos familiares, mas somam-se a eles visando seu
Como os abrigos podem preservar vínculos familiares fortalecimento.
se a própria medida de proteção em si rompeu com a convivên-
cia familiar? Facilitação e estímulo às visitas
Sabemos que toda separação implica em sentimentos A viabilização do contato entre o abrigado e sua família é
de perda e abandono. A forma inicial de acolhimento da direito das crianças e dos adolescentes e deve ser favorecida e
criança pelos cuidadores do abrigo, no momento em que estimulada não só pelo abrigo, mas também por aqueles que in-
ela é abrigada, pode estabelecer uma permanência mais ou termediaram o abrigamento, as VIJ e os CT. Essa é a forma imedia-
menos tranqüilizadora, se estiver embasada na compreen- ta de atender ao princípio de preservação dos vínculos familiares
são de que a medida de proteção Abrigo é provisória e ex- após o abrigamento. Mas como preservar vínculos com visitas
cepcional, mas, que a qualidade das relações estabelecidas quinzenais ou mensais?
P
ara finalizar escolhemos relatar e analisar algumas experi- Creches, Programa de Saúde da Família, Igrejas e várias Organiza-
ências de reintegração familiar do Projeto Piloto realizado ções Não Governamentais.
pela Ai.Bi. - Amici dei Bambini (organização humanitária A instituição que abriga as crianças e os adolescentes que
internacional) em parceria com a Associação Projeto Acolher10
fazem parte do projeto situa-se na zona sul da cidade de São
(grupo de apoio à adoção e convivência familiar), um Abrigo da
Paulo. O abrigo atende em torno de 30 crianças e adolescentes
zona sul e a Vara da Infância e da Juventude.
de ambos os sexos, com idade de 0 a 17 anos e 11 meses que es-
tão distribuídos em três “casas-lares” dirigidas em tempo integral
Projeto Piloto de Reintegração Familiar pela chamada “mãe social”.
realizado pela Ai.Bi. As crianças e os adolescentes participam de atividades de
O trabalho, que vem sendo realizado desde 2004, tem lazer, cursos profissionalizantes e eventos dentro e fora do abri-
como objetivos: construir o projeto de vida para cada criança/ go, bem como utilizam os serviços da região, escolas, posto de
adolescente em situação de abrigamento através do resgate saúde, hospital, etc...
da própria história; facilitar a colaboração entre as instituições Para concretização desse trabalho foi implantado no abrigo
envolvidas no abrigamento; aumentar a freqüência dos con- o “projeto-piloto para serviços de desabrigamento e reintegra-
tatos com as famílias de origem; agilizar e otimizar os proce- ção familiar”. Um dos espaços do abrigo foi transformado num
dimentos, diminuindo, com isso, o período de abrigamento; Centro para a Criança e a Família com o objetivo de elaborar
incrementar no território a sensibilidade da sociedade civil em um programa voltado para suas necessidades individuais, con-
relação às diversas formas de acolhimento e melhorar a quali- tando com apoio da rede social e familiar.
dade do acolhimento.
Com o decorrer do projeto, as parcerias foram se ampliando
e atualmente existe significativa colaboração por parte de vários 10 A participação do Projeto Acolher nesta parceria ocorreu de agosto de 2004 a
Conselhos Tutelares, Varas da Infância e da Juventude, Escolas, agosto de 2005
A
s informações a seguir apresentadas foram extraídas do re- origem já que os avós eram muito idosos. Colocou-se então
gistro individual das crianças e adolescentes acompanha- como possível a perspectiva do encaminhamento para família
das pelo projeto piloto de reintegração familiar da Ai.Bi. substituta.
Entretanto, por meio do estudo detalhado do processo ju-
dicial, descobriu-se que as crianças tinham outros parentes com
Caso 1 - o menino M. os quais não vinham mantendo contato: avô paterno da meni-
na, avó paterna do menino, tios avós maternos. Com isso, novas
e a menina I. possibilidades de reintegração junto à família de origem foram
Em agosto de 2002 os irmãos M (menino, oito anos) e I (me- tomadas como indicativos de ação.
nina, sete anos) foram abrigados, pois a mãe estava internada
para tratamento de dependência química (álcool). Objetivos do plano de trabalho visando
Os avós ficaram responsáveis pelos netos, mas devido à ida- a reintegração familiar
de avançada e a situação financeira precária, não tiveram con- • Avaliação das condições sociais e afetivas da família extensa para
dições de continuar cuidando deles, solicitando o encaminha- acolher as crianças
mento para abrigo. • Fortalecimento dos vínculos das crianças com a família (avós, tios,
Após o abrigamento, a mãe passou a visitar eventualmente irmãos) e entre si (irmãos)
os filhos, planejando desabrigá-los, porém ela adquiriu meningi- • Aproximação das crianças com tios maternos afastados
te e morreu em julho de 2004.
• Promoção da autonomia das crianças em busca de maior indepen-
Em setembro de 2004, iniciaram-se as atividades do projeto
dência
piloto de reintegração familiar.
Depois da morte da mãe, parecia que não haveria mais • Inserção das crianças no trabalho em grupo para preparação para
vida fora do abrigo
possibilidades das crianças voltarem a viver com a família de
• 11 Visitas domiciliares
• 34 Contatos diretos com a rede social para articular o tratamento Caso 2 - o menino N.
médico especializado em queimaduras