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Reinvente seu bairro Caminhos para vocé participar do planejamento de sua cidade O professor, arquiteto e urbanista Candido Malea Campos Filho vem se de- fcando A andlise da evolugito histdriea dos tecidos urhanos, a partir de metodo logia descnvolvida sabretude por te6ri~ cos europeus como Phillipe Panerai, Al- do Rossi ¢ Manuel Soli-Morales. Seu objetivo € desvendar os interes- ses envolvidos em todas as configuracoes Produtivas desses tecidos (a do empreen- dedor privado, a do poder pitblico, a da autoconstrugio ete}, ¢ com isso enten= der sua expressio paisagistica e as ativi- dades sociais que representam e abrigam. ‘A partie dessa andlise critica, busca fundamentar suas proposighes de tecidos urbanos inovadares nos planes urbanis sleos de que tem participado nos tltimos i: 0 Fixe Tamanduater, plano de ini iariva da Prefeitura de Santo Andeé, no qual prope uma configurace metropo- Titana de alta centralidade, que integra tecidos do passado, do presence ¢ do fw turos o VI Plano Diretor da Cidade Uni- versitacia da USP, com proposta de tec dos urbanos de concetividade crescente, propicianda integragio humanista entse fs dreas do conhecimentos o plano para 9 concurso do Large da Batata, em Pi- nheiros, que visa uina mesclagem social, nio exeludente da popalasae trabalha: raz Pave Jo, reciclando una antiga fébriea a fim de integrar novos tecidos com o passada do batrra, ao eoncerar simbolicamente a produg3o induscrial com a (re}produgto da conhecimenta, As cidades brasileiras s20 vitimar do analfabetisme urbano, e que acaba agra- vando—emuite —a erinies income éncia © 2 corrupeo, to comuns entee os dirigentes municipais, Esse analfabe flamo consiste na desinformagio dos in dividuos sobre como 43 cidades funcio. nam e,mais ainda, quais as possivcis so. lugs para seus problemas. Habirantes mats conscientes significa comunidades mais organizadas e atentas, capazes de Fiscelizar o poder pablica. fo € uum instramento valio=o pars a alfahenzacso urhana, esceito por Candido Malta, que vive na alma ena mente as cidades no geral ¢ Sao Paulo em particular. O texte reflete fielmente seu Sriador, um sofisticado pensadar, profes sor universicério, mas cambém wm mii Fame comuntario, que earregs a basa gem de servigos prestados na area pili fa. Combinam-te, asin, o abstrato das elaboragaes tedricas com a pratica, 0c0- ‘idiano das raas, ‘A lingnagem simples, acessivel, fax de Resnvente sex batrro um manual para boas priticas comunitarias, uma vez que, com riguera de detathes, revela o funcio” namento dos tecidos que, em movimen- ‘edmarmtann as cident ‘paves de criar acolhimento ou expulsic.. E-uma leitura indispensavel para os brasilciros, imersos no e20s utband, cons sientes de que, sem a articulagao comu nitaria, os governos nao conseguicse em frontar os desahios Gilberto Dimenstein ‘Como podemos melhorar a qualidade de vida em nos sas cidades? Como podemos participar da formagae ¢ trans- formagao dos locais em que morames ¢ trabalhamos? Partindo do nivel mais proximo aos cidadas bairro — o auror apresenta, em linguagem direra e acessivel, 0s processos que regem a configuracao dos tecidos urbanos das cidades, tendo como pano de fundo o nove Plano Diretor de Sao Paulo. Postula modos de regular a criagao e evolugao, dos tecidos urbanos, oferecendo condig6es para que o dese- nho de intervengdes espccificas — como as operagées urba- nas, as intervengdees ¢ projetos estrarégicos, « mesmo o dese- bo de pragas, quadras ¢ ruas — seia parte integrante de uma logica mais ampla e positiva, ao invés de contribuir inadver- tidamente para o crescente aos urbano. Com isso, traz.ao leitor, especializado ou nao, uma nova compreensio do urbanismo e do planejamento urbano, alge indispensavel para que possamos exercer plenamente nossa cidadania e reinventar o espago em que vivemos. 3 —odo isan. 979.05.7976.260.1 WN Co dditanr no QA S40 Paulo - SP Brasil Tel/Fax (11) 3811-6777 www.editora34.com.br Copyright © Editora 34 Ltda., 2003 Reinvente seu bairro © Candido Malta Campos Filho, 2003 O autor oferece este livro a todos aqueles que lutam por uma cidade melhor, mais justa e humana, bonita e agradavel de nela se viver, econémica e culturalmente produtiva, especialmente aos que estio organizados no Movimento Defenda Sao Paulo, ao qual destinaré os ganhos auferidos com os direitos autorais desta publicagao. A FOTOCOPIA DE QUALQUER FOLHA DESTE LIVRO £ ILEGAL E CONFIGURA UMA APROPRIACAO INDEVIDA DOS DIREITOS INTELECTUAIS E PATRIMONIAIS DO AUTOR. Edigao conforme o Acordo Ortografico da Lingua Portuguesa. O autor agradece a arquiteta e urbanista Lucila Lacreta, competente técnica da Prefeitura Municipal de Sao Paulo e militante do Movimento Defenda Sao Paulo, por sua valiosa contribuicio para a acuidade das informagées contidas nos Quadros 1 e 7 deste livro. Capa, projeto grafico e editoragao eletrénica: Bracher & Malta Produgao Grafica Revisao: Alexandre Barbosa de Souza 1* Edig&o - 2003 (2 Reimpressdes), 2* Edicdo - 2010 (1° Reimpressio - 2012) Catalogacao na Fonte do Departamento Nacional do Livro (Fundacdo Biblioteca Nacional, RJ, Brasil) Campos Filho, Candido Malta, 1936- C198r Reinyente seu bairro: caminhos para vocé paruupar de piancjamento de sua dade / Candido Malta Campos Filho, — Sao Paulo: Editora 34, 2010 (2* Edicao). 224 p. ISBN 978-85-7326-268-1 eEeeeE—EEE——EEEEEO—EAEEEE—E—E——_— Tintroducdo ...scssessssserscsseeneseesescerenessonesceresensnescanereensseeereerersets Parte I A LOGICA DE FORMACAO DO TECIDO URBANO 1. O ambiente de moradia como foco do seu interesse, cidadao de Sao Paulo 2. A organizagdo urbana do comércio, dos servigos em geral e dos servigos de educagdo e satide ..... seers 3. A escola e o posto de satide: onde devem ficar? ..........+. 4. O comércio deve ficar encostado, perto ou longe de sua moradia? . 5. O conceito de unidade ambiental de moradia..........00 6. Os trés niveis do cdlculo da capacidade de suporte do sistema de circulagao 7. O conceito da unidade ambiental de moradia estabelece “ilhas de tranquilidade urbana”, Como nas pequenas VilaS ......seeseeseeeecesseeeseeeseeeee 8. O conceito de malha cerrada de transporte coletivo ...... 9. A valida politica de inclusao social nos Centros Histérico e Expandido e os congestionamentos do sistema de circulag&o que est4o ai ocorrendo ........... 10, O esvaziamento do poder indutor urbanistico da outorga onerosa aprovada .. 11, O enorme adensamento previsto no Plano Diretor em despropor¢cao com a capacidade de suporte existente € Prevista .......eeresere 12. Os Corredores Metropolitanos ea possibilidade de _ wee Me ww. 15 17 19 21 23 29 34 36 43 45 48 16. 17, 18. 19. 20. 21. 22, 23. 24, 25, 26. 27. Como todos os tecidos urbanos basicos podem tender para o tipo 4, e isso ser um grande problema para a maioria dos cidadaos ......... overs 65 Como alterar os tecidos existentes? ... 68 Como os quatro tipos basicos podem ser desdobrados em muitos outros tipos de tecido urbano....escusesesereeees 70 A localizagao dos tipos de tecido urbano na estrutura urbana em processo de mudanga ........0. TF O grande processo em curso de reestruturagdo urbana da metropole wesc: 82 Tipos de lugares na cidade: lugares comuns, magnéticos e nao-lugares, qualificados e degradados..... 88 As configuragGes basicas produtivas imobilidrias e sua influéncia na discussdo0 do zoneamento .. 91 A insuficiente versdo de outorga onerosa aprovada no novo Plano Diretor de $40 Paulo 95) Qs Planos de Bairro inseridos nos Planos Regionai: em busca de um planejamento mais protetor e amigavel, qualificador de nossa vida na cidade......... 97 Um momento propicio de afirmacao e aprofundamento da cidadania wets 99 Parte II COMO DIRECIONAR POSITIVAMENTE A FORMACAQ E TRANSFORMACAO DO TECIDO URBANO Roteiro para desenvolver os Planos Regionais com base nas diretrizes do Plano Diretor e dos Planos de Transporte, Uso do Solo e Habitagao wc. 107 Questées-chave resultantes oy ey 30. 31 33, 34, 35. 36. 37. 38. 39. 40. 41. 42. 43, 44, 45, 46. 47. . O tecido urbano ¢ a politica habitacional ... 32. As tipologias de tecido urbano como organizagées do espago da cidade que deverao constar da lei de zoneamento revisada Os necessarios trés niveis de calculo do estoque de potencial COnStrutivo «1... Os tecidos urbanos, a diversidade cultural € os estilos de vida decorrentes .....cseeceeeeseeeeeceeseeeeeeneee Uma importante questao: manter ou modificar 0 conceito de zoneamento atualmente em Vigor? ........-+ Uma avaliagdo da regulagao tipo “tudo pode desde que” ... A desregulacdo paramétrica.. A dnica regulagdo parametrizada admissivel ......csesser Os estudos de impacto de vizinhanga .......:ccceeseeeneees Um quadro referencial dos tipos de zona com foco na qualidade ambiental da moradia .............+. A polarizagéo do zoneamento em vigor em dois extremos ... As velhas e novas zonas e o grande salto de qualidade que agora pode ser dado . As zonas-corredor .. Como classificar as zonas-corredor da, lepislagdo em’ VigOr? ....csscsssisnanssnsasrsecsevesnciervaver vanes O zoneamento final resultante: ma aparente colcha de retalhos recobrindo um palimpsesto .........0+ © tombamento de bairros Os Planos de Bairro e as escolas ... A questao da regularizagao fundiaria e edilicia 134 136 141 143 145 146 154 156 158 162 165 180 181 184 187 189 191 i. vi . Burguesia ambientalista x burguesia predatéria... . Antes tarde do que nunca LEALUS CUNEAOS KRECENTES . A mais grave lacuna do Plano Diretor Estratégico ......... Diretrizes para uma nova lei de protecdo aos mananciais: a questdo dos limites da ocupagao do solo para fins urbanos -......:.csscseceeesseee . Justificativa da linguagem adotada no artigo 3° do Plano Diretor dos Bairros Branca Flor e Campestre . - Daslus um caso emblematico ......c.cessssssssssesssesessseseneseeee 201 207 209 212 215 220 No Brasil, mais do que em outras nagGes latino-americanas ou paises da Europa e da América do Norte, existe uma enorme desinformagdo das questdes urbanisticas, como elas se apresen- tam eas solugGes que estao ao nosso alcance. Visando contribuir para atenuar essa desinformacdo gene- ralizada, especialmente no que se refere 4 melhor organizagao de nossa vida cotidiana no espaco da cidade, resolvi escrever este texto. A minha experiéncia pratica de 40 anos, aliada a 40 anos de pesquisa teérica, creio que me permite e me obriga a realizar esse esforco. E uma retribuicdo as oportunidades de estudo e tra- balho que a sociedade brasileira me propiciou. E ainda mais oportuno que nds, urbanistas, oferecamos con- tribuigdes para a reflexdo, pois, com a experiéncia que temos e com a sua ajuda, cidadao, através dos deputados federais e sena- dores que elegemos, conseguimos, primeiro, introduzir na Cons- tituigdo Federal de 1988 (em seu artigo 182) a exigéncia de que cidades com mais de 20 mil habitantes tenham planos que diri- jam o seu desenvolvimento — os chamados “planos diretores” — e recentemenre, em 2001, conseguimos que fosse aprovado um conjunto de instrumentos urbanisticos inovadores na lei federal de desenvolvimento urbano, que regulamenta a Constituigdo e tra- ¢a ao mesmo tempo uma politica federal de desenvolvimento ur- bano — o que receben o nome de Estatuto da Cidade. Fui um dos urbanistas que mais contribuiu para a elabora- ee es ns * - eee cipal e estadual, o planejamento urbano, traduzido no Plano Di- retor e leis correlatas de regulacao urbanistica, sejam normas es- tabelecidas para o nosso bem e nao dos especuladores imobilid- rios. Pois é disso que devemos tratar com prioridade, segundo diretriz estabelecida pelo Estatuto da Cidade. Ora, s6 saberemos agir nesse sentido, tomando parte efeti- vamente do processo participativo de sua definigao, agora torna- do obrigatério pelo Estatuto da Cidade, se soubermos raciocinar com relagao 4 organizac4o do espaco urbano, conhecendo bem quais as consequéncias para as nossas vidas cotidianas das varias alternativas que temos pela frente, analisando criticamente o pro- cesso de crescimento urbano dentro do qual estamos metidos. E esse 0 nosso objetivo com este texto, a partir de uma vi- sA0 que seja possivelmente a sua, cidadao, e tendo como foco a sua moradia. Vamos escrevé-lo com uma linguagem que lhe seja acessi- vel, com um minimo de jargao técnico, apenas quando for impres- cindivel para a compreensio das normas urbanisticas em vigor ou que poderdo entrar em vigor. Por isso, vamos defender aqui o que chamamos de Plano de Bairro ou Plano Diretor de Bairro, E um modo novo de colocar voce, cidaddo, no centro da discussio do Plano Diretor. E justa- mente um jeito de coloca-lo como ponto de partida no pensar a qualidade de vida urbana. no que ela tem de dependéncia em re- lagao 4 organizagdo do espago de uma cidade. Claramente nos opomos, como espero demonstrar, a uma visao de que 0 que est ai € necessariamente assim e nao h4 como mudar. Um fato consumado € pronto, com 0 qual temos de nos conformar. Queremos mostrar que, mesmo nos casos mais deses- peradores. de quase nenhuma cualidade de vida como aviverem ambiental sempre melhorada, e perda aos predadores sociais. Estes Ultimos, quando burgueses ou pequenos-burgueses, estando bem de vida, deveriam ter um posicionamento positivo, de contribui- Ao para um avanco social, e nao o papel de retardadores do pro- gresso social. Uma teoria mais ampla, que busca compreender os papéis de trabalhadores e burgueses na organizagao histérica que corres- ponde ao sistema capitalista periférico em que vivemos no Bra- sil, é desenvolvida por mim em outros textos. Recomendo aos que quiserem conhecer melhor esses fundamentos mais amplos, que leiam outros textos que escrevi, especialmente o livro Cidades brasileiras: seu controle ou o caos. Aqui vou me esforgar para escrever sucintamente, de modo direto e em linguagem clara. Nao se trata de um texto académi- co. Nao foi escrito, em seu conjunto, segundo uma légica formal do geral para o particular ou vice-versa. Entendi que o encadea- mento das ideias deveria nortear o rumo do texto. Assim, 4 me- dida que uma ideia ia puxando a outra, eu ia as desenvolvendo, e assim, pensei, iria manter o leitor interessado do inicio ao fim. O texto visa ampla divulgacio para todas os cidadaos, especialmen- te para aqueles que esto de algum mody querendy coutsibuir pa- ra a elaboragao de Planos Diretores que beneficiem os morado- res da cidade assim como seus bens imobilidrios, estes mais co- mo valor de uso do que como valor de troca. Este pequeno livro tem duas partes: na primeira, desenvol- vo mais os fundamentos de uma explicagdo de como ocorre a estruturacdo das cidades. Na segunda, desenvolvo mais uma apli- cago desses fundamentos, especialmente 0 papel do planejamento jornais ou posicionamento em congressos e reunides de trabalho com 6rgdo governamentais, que destacam falhas basicas do Pla- no Diretor Estratégico do Municipio de Sao Paulo (PDMSP) re- centemente aprovado em agosto de 2002, e um posicionamento relativo a falhas sendo praticadas pelo poder puiblico no encami- nhamento da nova legislacdo especifica de protegdo aos manan- ciais de 4gua da metrépole paulistana. Gostaria de receber seus comentarios sobre o mesmo, espe- cialmente os que virem 0 seu aperfeigoamento como um instru- mento de conscientizag4o do cidadao. Nao tive muito tempo para elabord-lo, apenas algumas se- manas, devido 4 urgéncia dos assuntos envolvidos. Por isso peco ao leitor que compreenda as falhas que porventura encontrar, como uma certa repetigao de temas. Essa repetigao, no entanto, ajuda a compreender a articulacdo dos temas entre si. CIDADAO DE SAO PAULO O texto que desenvolvemos ao longo dos capitulos que compéem este livro propde-se a apresentar modos de andlise das questdes urbanas, partindo em um primeiro momento do nivel local para o geral da cidade de S40 Paulo, com foco na otica do cidadéo comum. O ambiente de moradia, uma espécie de ancora do cidadao no espaco urbano, é 0 nosso ponto de partida. Mas nao sera fo- cado o ambiente interno detalhado da moradia, ou seja, a sua ar- quitetura especifica, mas sim 0 tipo de edificio em que se localiza, € o que este tipo pressupde como estilo de vida urbano. Os edifi- cios como organizacdo interna pressupdem uma ideia de cidade € isso é poucas vezes percebido. Como, por exemplo, a auséncia de quintais ou espagos de lazer privados no lote da moradia pro- duz provavelmente uma caréncia a ser resolvida no espago cole- tivo da rua, da praca ou até em espagos privados ou semiprivados de vizinhos. Ou a produgao doméstica da comida e da lavagem de roupas, que nao gera a necessidade de servi¢gos com essa fina- lidade nas suas proximidades. Parece um enfoque estatico em que os tipos ndo se alteram com o passar do tempo. Veremos logo que introduziremos 0 processo de sua mudanga. de alteracao de sua organizagao interna por forgas externas que os condicionam. A partir da moradia como tipo, buscaremos conhecer os ti- pos de estruturacdo de bairros e quanto, por exemplo, os mesmos cstao servidos de comércio e servicos e de equipamentos de edu- cagao, satde, lazer e cultura, distinguindo claramente essas for- mas de organizagio em fungdo do nivel de renda e de estilos cul- wir Si a eee ee os diferentes padrées sociais dos bairros, tampouco as areas de problematica assemelhada conforme foi dividida a cidade de Sao Paulo pelo Plano Diretor, correspondendo a quatro tipos basi- cos de macrorregides: 1) a do Centro Expandido consolidado; 2) a de uma Arca a ele adjacente em processo de consolidagao; 3) uma terceira area adjacente 4 segunda, constituida em geral por bairros periféricos em desenvolvimento; e 4) uma quarta regiao constituida por 4reas de ocupacao rarefeita ou ndo, que devem ter preservagdo ambiental (ver Desenho 1). Essas especificidades serao objeto de capitulos posteriores. Desenho 1 Os quatro tipos basicos de macrorregides da cidade de Sao Paulo. Serra da Cantareira Perus Rio Tieté 4 ~ Rio Tamanduatet ae * KYA ) V4, / ~ Serra do Mar Santos PropGe-se assim, nesta abordagem inicial, que cada cidadao examine como a sua vida esta organizada para se servir do comér- cio e dos servicos, em trés niveis de sua organizacao. Essa questo sera abordada desde o nivel do espaco organi- zado no entorno imediato da moradia ec, aos poucos, ampliada para questées de abrangéncia cada vez maior. Esses trés niveis sao: 1) O comércio e servigo de apoio imediato & moradia, que tende a ter uma frequéncia didria ou semanal de utilizacdo, ca- racterizado como “local”. Exemplos: 0 agougue, a quitanda, o bar ou boteco, 0 pequeno supermercado ou mercadinho, o barbeiro, o cabeleireiro etc. 2) O comércio e servigo ainda de apoio 4 moradia mas de frequéncia menor de demanda, caracterizado como “diversifica- do”. Exemplos: a loja de sapatos, de roupas, de eletrodomésticos, o supermercado grande etc. 3) O comércio e servigo de apoio a outras atividades urba- nas, caracterizado como tipico de centros de hierarquia superior de cidade com toda a diversificag4o possivel coerente com o mer- cado para o qual é oferecido, com frequéncia de demanda muito menor, rara e até esporddica (frequéncia semestral, anual ou até maior}. Exemplos: relojoaria, artigos de cama e mesa, de autom6- veis, de equipamentos para indistrias, para a realizagao das ati- vidades de comércio e servicos etc. Leen abredenrom fala ocr seein da elaccemada tome mnen “diversificado” pode estar um pouco mais longe, e o “sofistica- do” mais longe ainda. Nao que tenha que ficar mais longe; té-los por perto significa, como veremos, aceitar viver em bairros cen- trais com certos inconvenientes e qualidades proprias. Mas isso sera mais bem discutido a seguir. Desenho 2 A l6gica da localizagéo da moradia em relagdo ao comeércio e servigos locais. Sua casa O comércia e os servigos locals, de apoo a moradia. podem ficar ao lado da sua casa (1), perto a uma distancia confortave| a pé (2), ou distante o suti- ciente para exigir uma condugao (3). O mesmo raciocinio pode e deve ser feito em relagdo ao comércio e aas servicos diversiticados, assim como para os equipamentas de educacao e sade de uso mais ou menos frequente. Com relagdo aos servicos de educacio e sade, especialmente aqueles de realizacdo didria, como o maternal, a pré-escola e os ensinos fundamental e médio, que atendem criangas e adolescen- tes, podemos dizer que, por sua frequéncia e pelas questdes de se- guranga envolvidas na circulacdo urbana, exigem das familias uma atengao especial. Tenhamos presente que, tanto para a organizacdo do comér- cio e servigos em geral como dos servicos de educacg4o, devem ser discutidos a realidade presente nas diversas configurac6es da es- truturacao urbana e os tecidos correspondentes, avaliando-se as suas qualidades e dificuldades. De um lado, hd o problema da familia fazer com que a crian- ¢a vd para a escola em seguranga. Isso ocorrerd tanto com a crian- ¢a que precise ser levada no colo ou acompanhada pela mae ou pessoa mais velha de confianga, como com aquela que pode ir so- zinha, a pé ou de condugdo. Esta questav dependeré da distancia e dos caminhos que a crianga tera que percorrer em seguranga, ¢ se vai a pé ou com alguma condugio publica ou privada, coletiva ou individual. O grau dessa mobilidade urbana afetar4 o custo material (tempo) e econdémico (gasto com transporte) e 0 envol- vimento maior ou menor de familiares ou amigos acompanhan- tes. De modo geral, pode-se dizer que a proximidade desses equi- pamentos em relacdo 4 moradia € desejavel, de modo a permitir que a crianga com idade suficiente possa andar a pé sozinha em Bites eaten a Ais diene Maia Proa nicole Mienleanc ms = definida tecnicamente. E uma definigdo dependente de uma op- cdo por se andar a pé maiores ou menores distancias. Ha, por exemplo, aqueles que nao gostam de andar a pé e depois pagam academias de gindstica para gastar energia fisica acumulada. Um certo contrassenso, admitamos. A questio da escolha do melhor servico influi nessa definicdo porque muitas vezes o melhor ser- vigo pode estar mais longe do que se pode percorrer a pé, o que exigird um esforgo adicional, como pegar um énibus, um taxi ou um automével. Um conjunto de moradores organizados e tomando conta de uma escola ou posto de satide vizinho facilmente acessivel a pé e garantindo qualidade de atendimento por uma gestéo com- partilhada, especialmente quando se trata de equipamentos da rede ptblica estadual ou municipal, parece ser um objetivo desejavel para a maioria dos cidadaos, tanto os de baixa como os de mé- dia renda. Esse tipo de organizac4o urbana tem sido conseguido na maioria das cidades do chamado Primeiro Mundo. Consegui- remos isso para ndés em Sao Paulo? A proximidade espacial do comércio e dos servigos estard definida pelo mercado imobilidrio, em grande medida, quando nao houver planejamento publico ou privado interferindo nessa légi- ca, no que se refere aqueles que so oferecidos pelo setor priva- do, Aqueles que dependem de oferta publica ficarao na dependén- cia de critérios publicos de localizagdo de seus equipamentos de educacdo, satide e lazer. Nem sempre a légica locacional do mercado imobilidrio ou a do poder piblico atende o interesse da maioria. Muitas vezes 0 poder puiblico, movido pela necessidade de dar a maior visibili- dade possivel a suas agdes para obter o necessdrio apoio nas ur- nas, localiza esses equipamentos em lugares barulhentos e peri- gosos devido ao trafego de veiculos, quando seria melhor que os mesmos, especialmente os destinados a maes, idosos e criangas, estivessem em lugares tranquilos de um bairro. Verifique no seu bairro qual critério foi utilizado na localizagdo das escolas e cre- ches ou outro equipamento destinado a pessoas mais vulneraveis. Entendendo que o comércio e os servigos diversificados se heneficiam da alta acessibilidade das vias movimentadas, assim como as delegacias de policia, os postos de bombeiros, as insta- lagdes de educagao e satide que dependam da acessibilidade ge- rada por corredores de transporte, especialmente as que atendem jovens e adultos, muitos urbanistas defendem diretriz publica nes- se mesmo sentido, embora o mercado ja tenda a localizar tais ati- Vidades neseee lacase arnandna asa akividadee nriwadac Fecec wre recionamento do investimento piblico, como nos planos de ni- vel local, seja ele regional, como nas subprefeituras, seja ele no bairro e nas operacées urbanas, estes “locais” inseridos naquele “regional” — distinga clara e enfaticamente as “ilhas de tranqui- lidade” dos “rios de tréfego intenso”. O conceito de unidade ambiental de moradia (ver Desenho 3) consagra essa diretriz como unidade territorial de um estilo de morar, pelo qual as energias fisicas e emocionais gastas na luta pela vida durante o trabalho sdo recompostas no espaco de mo- tar, propiciada essa recomposi¢do pela tranquilidade do local onde se mora. Desenho 3 0 conceito de unidade ambiental de moradia, Vias de téfego intenso Se ee ee ee ee SE SS se existe) e dos parques (estes muito raros nas cidades brasileiras). Esse espraiamento da tranquilidade encontra-se hoje con- flitando com o uso cada vez mais intenso dos veiculos, que pro- vocam a degradacao ambiental do espaco de uso coletivo. Inclu- sive a violéncia urbana do roubo, do assalto e do sequestro, por sua vez, se soma A poluicao ambiental trazida pelo excesso de veiculos, e conjuntamente empurram os cidadéos para tras de grades e paredes e trancas e sistemas cada vez mais sofisticados de alarme e supervisdo, isolando-os do espaco de uso coletivo, separando e isolando os cidad@os entre si. De cidadaos, enriquecidos culturalmente com os contatos hu- manos variados, diversificados e até certo ponto imprevisiveis que a cidade propicia, que é a esséncia do conceito de “urbanidade”, vio passando a simples individuos, perdendo sua humanidade, cada vez mais dependentes de meios eletr6nicos para se comuni- carem entre si. Tal modalidade de comunicagdo ndo consegue substituir 0 contato pessoal fisico, envolvendo todos os sentidos, @ 0 emocional, que se enriquece com esse maior envolvimento. Desse modo, podemos dizer que, provavelmente, a maioria das pessoas que vivem nas cidades gostaria de ter um espago mais tranquilo para morar, podendo dispor de op¢des de ambientes mais intensos e agitados, quando isso é desejado ou imevitdvel. A organizagao da cidade em unidades ambientais de mora- dia de qualidade variada propicia essa diversidade ambiental Sempre haverd na cidade areas com ambientes mais ruido- sos e agitados tanto durante o dia como durante a noite, para quem assim preferir. Podemos chamé-los de ambientes “24 horas”, co- mo algumas Areas de vida noturna intensa, ou algumas ruas e pra- as que ao longo da historia de uma cidade conformaram tal am- biente ou foram produzidos por intencao deliberada do planeja- © mais barulhento, junto a casas de festas e shows, bares e res- taurantes quando se abrem para 0 espaco urbano do entorno, O cidad&o deve, ao avaliar o tecido urbano onde mora, veri- ficar 0 nivel de tranquilidade que hoje possui, e o nivel de tranqui- lidade para o qual o bairro se dirige, dado o processo de transfor- magao urbana por que passa a regio onde mora e especialmente o bairro e a rua onde vive. O nivel de ruido pode ser medido por aparelhos especificos. Dois fatores se conjugam nesse processo: © tipo de mobilidade das pessoas, por onde passam e quais meios de transporte utilizam, e por quais vias tendem a transitar e quais meios de transporte tendem a usar, mudando seus meios atuais. E claro que, analisando 0 conjunto de uma macrorregiao e, no caso de Sdo Paulo, o municipio inserido na regiao metropoli- tana, tais transformacées ficam mais claras. E 0 que se busca le- vantar a cada dez anos e agora a cada cinco anos com pesquisas cientificas da origem e destino do tréfego na metropole. A primeira pesquisa foi feita em 1967, a segunda, a terceira, e a quarta, em 1977, 1987 € 1997, ¢ agora, em 2002, a quinta pesquisa. So pes- quisas muito caras, por amostragem domiciliar (5% dos domici- lios, o que é uma amostra cientifica) e por linhas de contorno de iireas especificas centrais, Centro Expandido e do conjunto da drea urbanizada, onde se mede diretamente o trdfego nas principais vias. E um trabalho que pode e deve ser feito com grande serie- dade. pois dele se extraem as conclusdes sistematicas, cientificas. Isso é feito mediante um cdlculo que utiliza metodologia técnico- -ctentifica da capacidade de suporte para cada regiao, em fungao do sistema de circulagdo existente e do que se pretende implan- tar. Na Escola Politécnica da USP, por exemplo, professores en- sinam e aperfeigoam tais técnicas. Nos EUA, 0 governo central ee ee i ae he ee lo, 1968) e metropolitanos (PMDI, Plano Metropolitano de De- senvolvimento Integrado, 1970, do qual fui um dos diretores) consideram tais técnicas imprescindiveis. Por isso, nao ha razao alguma para nao utiliza-las. O zoneamento deve nascer desses cdlculos no que se refere 4 intensidade do uso do solo. Desenho 4 As diferentes capacidades de suporte do sistema de circulagéo age A capacidade de suporte de uma rua € obviamente menor do gue & ‘ a de uma avenida, visto que esta tem largura maior. Nao se pode permitir a instalagdo de atividades que exigi- 140 maior capacidade de circulacao do que conseguimos implan- tar, dados os recursos disponiveis, que tém sido escassos. Se nao agirmos assim, estaremos fazendo o jogo da especulacao imobi- lidria, gerando ganhos indevidos para os que construtram mais sem pagar pela infraestrutura que possa suportar essa maior car- ga de demanda por circulagdo dai decorrente. Esse prego serd jo- eado para nos. com o tempo, até que paguemos essa conta de por ele afetadas, resultando cada vez mais em estressantes desor- dens ambientais e congestionamentos do trafego. Estaremos en- tre a cruz e a espada. Lutar pela qualidade de vida, o que para a maioria dos cida- daos provavelmente significa um estilo de vida mais tranquilo, é lutar por um célculo cientifico da intensidade de usos permitida pelo zoneamento em coeréncia com determinado sistema de trans- porte existente ou a ser construido, previsto por um sério e siste- méatico planejamento. FE isso que esperamos ainda do novo Pla- no Diretor, num segundo tempo, como se verd a seguir. Desenho 5 A proporgao entre énibus e automéveis e as mudancas da capacidade de suporte para um mesmo sistema viario. ma we Wy “ om 7 A ORY B Quanto mafor for a proporgao de automéveis usando tanto uma avenida fomo uma rua, mener serd a sua capacidade de suporte. A mesma avenida no desenho A: se o uso dela é mais por automéveis ela suporta prédios baixos distantes entre si. Plano Regional depende, para a sua elaboragao, de que sejam ar- ticuladamente feitos com ele o Plano de Transporte, o de Uso do Solo e o da Habitagao para 0 conjunto da cidade, todos com data definida pelo Plano Diretor a serem terminados, ao mesmo tem- po, em 30 de abril de 2003. Provavelmente, essa simultaneidade nao sera cumprida, de- vido a subordinagao do particular, que é o Plano Regional de cada uma das subprefeituras, ao geral, que corresponde aos Planos de Transporte, de Uso do Solo e da Habitagio para o conjunto do municipio. Isso provavelmente nos levara a pedir uma prorrogagao dos prazos finais para além de 30 de abril de 2003, pelo menos para os Planos Regionais. Isso se os Planos gerais em questao acaba- rem a tempo e a contento, tecnicamente falando. Faz-se necessario, portanto, dadas as gigantescas dimensdes desta metrépole, levantar e avaliar claramente a capacidade de su- porte por niveis estruturais do sistema de circulacao. Ha um primeiro nivel da estrutura urbana metropolitana (ver Desenho 6), um segundo nivel da estrutura urbana munici- pal (ver Desenho 7) e um terceiro nivel da estrutura urbana re- gional ou da subprefeitura (ver Desenho 8). Desenho 6 1} 0 nivel metropolitano, que é 0 de um Plano Diretor Metropolitano. SP Mogi das Cruzes a. \tapecerica Desenho 8 3) O nivel das 31 subprefeituras: o dos Planos Regionais. Santana Lapa Butantaé ~ Vila Mariana PME US; wali Pauudtd — Santo Amaro REE LASE GF SESS REE SAW AE CER Cay RECS A AL Se ee ee Pst eee rios burocraticos e politicos, e nao por problematicas urbanas a serem resolvidas, como a dos congestionamentos vidrios. Para se cquacionar os congestionamentos, por exemplo, é preciso se ra- ciocinar por bacias de trdfego. Esse descolamento entre o territ6- rio abrangido por cada subprefeitura ¢ o territério sobre o qual o problema a ser resolvido se coloca, reduz a capacidade de atua- ¢4o na solugdo dos problemas urbanos mais estruturais. Ha ainda um quarto nivel, que é 0 das vias de um bairro, incluindo todas as vias coletoras e locais. Desenho 9 4) O nivel do seu bairro: o nivel local. 27 Vias coletoras ou estruturais, interligadoras de bairros Nelas, a pressao do crescente niimero de veiculos leva a se querer fazer subir uma via na hierarquia do sistema de circula- Witte: Teen anamtene mend af) Mnenweliia. te Graatianota Aa EE ene eee See a eee ee ee ampliar sua capacidade de circulacao, elevando 0 nivel hierarqui- co pelo papel que passam a cumprir, mesmo que precariamente. Por tras dessa légica de circulago, que degrada vivencialmente a qualidade de vida dos usos lindeiros do novo local por onde passara esse movimento crescente de veiculos, esta 4 espreita, sub- -repticia ou declaradamente, a légica especulativa, segundo a qual os usos devem propiciar o m4ximo lucro locacional, tendo como pretexto a ldgica da circulagdo. Pesquisas realizadas nos Estados Unidos por pesquisadores da Universidade da Califérnia, em Berkeley, na regiao metropo- litana de Sdo Francisco, mostram que 14 existe uma concordan- cia ptiblica de que, para até trés veiculos por minuto, ou cerca de 180 por hora, hd uma convivéncia pacifica e até produtora de uma animagcao da vida de rua e, portanto, entre os moradores e usud- rios dos prédios lindeiros a ela e os que passam por ela a pé ou no interior de veiculos. Aumentando para a faixa de trés a oito veiculos por minuto, o nivel de perturbagdo passa a ser pior po- rém toleraével. Mas quando 0 seu ntimero aumenta para mais de oito por minuto, ou seja, um veiculo a cada 7 ou 8 segundos, en- tra-se na faixa de um nivel ambiental da rua muito desagraddvel e os cidaddos abandonam as ruas como espaco de convivio e se isolam dentro dos lotes e suas edificacées, criando barreiras pro- tetoras entre o espaco publico degradado e o espaco privado, res- guardado. No entanto. por isso os especuladores querem mudar 0 zoneamento, permitindo usos mais intensos ao longo dessas vias, que vao se transformando em corredores de circulagao. Isso poderd valorizar por um tempo os im6veis envolvidos, gerando pontos de comércio e servigos, até que a partir dos 800 veiculos por hora por faixa de trafego, ou seja um veiculo a cada § cooundns. ce instala um nivel de deoradacion aue desvaloricza Brasil. Esta em sua fase final na Avenida Santo Amaro. Esté em fase intermedidria na Avenida Rebougas. Muitos outros exemplos poderiam ser citados. Assim, podemos concluir que viver com maior ov menor qua- lidade de vida depende hoje, em Sao Paulo, de sabermos utilizar os meios de circulacéo em nosso beneficio, para melhorarmos a nossa qualidade de vida, e nao para piord-la e destrui-la em be- neficio de alguns espertos. Isso significa o poder publico, através dos diversos meios de que dispde e em nosso nome, controlar o modo de transporte, se individual ou coletivo, e quanto a este, se onibus, em suas varias dimensGes, ou 0 veiculo sobre trilhos, desta- cadamente o metré. E esse controle tera que incluir um grande entrosamento com a regulacdo do Uso do Solo. E esse entrosa- mento entre Uso do Solo e Transporte tem sido dificil, porém nao impossivel de implementar. Mas este entrosamento € uma chave para encontrarmos a solugao necessiria. COMO NAS PEQUENAS VILAS As unidades ambientais de moradia sao aquelas em que se conseguiu controlar o aumento do volume de veiculos atraves- sadores de um bairro, estabelecendo nele “ilhas de tranquilida- de”. Essas ilhas podem ser ruas com volume de trafego controla- do, o que podemos chamar de “travessia civilizada”, ou ruas sem saida, vilas, ou 0 trafego de passagem dificultado ou proibido para um conjunto de quadras. Esse conccito sera tanto associado a um uso civilizado e contido do automével nas areas em que isso ain- da € possivel, porque a densidade das atividades urbanas associada a um determinado sistema vidrio assim 0 permite, como também nas Areas em que 0 adensamento ja atingiu tais niveis que s6 0 transporte coletivo consegue dar conta, com qualidade de servi- go, do volume de circulagdo que ja se produz ou que venha em horizonte previsivel de tempo de planejamento, a se produzir. Neste caso, em que se deseja a reducdo do uso do automovel, um transporte coletivo que cumpra o mesmo papel de oferta de uma mobilidade multidirecional terd que ser proposto, como através das malhas cerradas de micro-6nibus e de malbas cerradas de me- tré. Ao mesmo tempo, eo estudo de cada caso 0 dird, muitas vezes a solucdo do bolsao no seu interior se impord como protetor do trafego de passagem, sé permitindo o trafego local, como solu- ¢4o extrema, devido as fortes pressGes existentes. Mais adiante explicaremos melhor como conseguir uma garantia de tranquili- dade nas ruas quanto ao trafego, planejando essas unidades am- ¥ por exemplo, no Brooklin Velho. O que exclui socialmente o con- es Ves See wivio enriquecedor urbano é 0 uso excessivo do automdvel, de- predando a qualidade ambiental, transformando a rua de lugar de convivio em ndo-lugar, como conceitua 0 antropélogo fran- cés Marc Augé, um dos grandes teéricos do urbanismo contem- poraneo. Quem privatiza o uso publico do espaco vidrio é o pe- queno ntimero dos que estao dentro dos numerosos automoveis que ali passam em excesso. Desenho 10 A malha multidirecional de transporte coletivo. Pontos de transbordo A distancia entre linhas é determinada por voce, cidadao, em uma relagéo custo-beneficio. Sugerimos 1 km, de modo a {t- ninguém andar mais que 500 m a 96 at6 9 panto Ponto A de acesso ao sistema. Em formulagdo abstrata a malha de micro-énibus é idéntica a do metrd, si que com capacidade de suporte logicamente muito menor. Para se andar en- {re 2 pontos situados em diagonal na malha, que é a situagéo mais desfavoré- cuales: ales ee inn hauard A Esse conceito corresponde a um sistema de linhas de trans- porte coletivo, sobre trilhos ou sobre pneus, formando malhas que, quando estamos dentro de quaisquer delas, nio precisamos an- dar mais que uma distancia que admitimos ser aceitdvel em ter- mos de conforto e seguranga, para ir a pé acessando o sistema em um ponto de entrada do mesmo, num ponto de énibus ou esta- cdo de metré, por exemplo (ver Desenho 10). Esta unidade terri- torial pode ser, assim, a unidade ambiental de moradia que defi- ne a sua dimensao pela distancia maxima a ser andada com con- forto para se acessar 0 comércio e servigo locais, quando for 0 caso, assim como os equipamentos escolares e de satide de grande fre- quéncia de uso. Temos usado em planos de bairro que desenvol- vemos 800 m como distancia maxima para se andar a pé. Mas vocé, cidadao, é o arbitro para defini-lo. O sistema de transporte coletivo em Sao Paulo nasceu e se desenvolveu de forma radial e concéntrica, da periferia para o Cen- tro Histérico da cidade, a partir da matriz histérica dos caminhos regionais dos tropeiros e bandeirantes (ver Desenho 11). Até hoje o sistema conta com poucas linhas de transporte coletivo que nao sejam radioconcéntricas, tais como as do espigao da Paulista, as da Avenida Angélica, da Avenida Mateo Bei, na Zona Leste, ou ainda da Avenida Tereza Cristina, no Ipiranga (ver Desenho 12). A partir desse sistema radioconcéntrico é possivel ir desen- volvendo essa malha, que € 0 que de certa forma esta sendo feito Caminho para Goiés Wiis: Geral g' Serra\da Cantareira NU ( \ Santana —— j=) c , Vz Penha Uaminho do Sul Peabird) Lapa Caminho para o Rio de Janeiro Pinheiros Santo André Sante Amaro ds Sao Bernardo Serra do Mar Santos Sao Vicente E importante ressaltar, no entanto, que esse plano de trans- purte recentemente aprovado por lei (que sera complementado pelo outro Plano de Transporte a ser apresentado em 30 de abril cas diretrizes mais consensuais, como a linha 4: Vila Sénia-Re- bougas-Reptiblica, e a linha 5 do Metrd: Santo Amaro-Avenida Ibirapuera-Vila Mariana. Excluiu maiores visées de futuro, mes- mo porque, para evitar tal critica, reduziu o horizonte de tempo de 2020 para 2012. Para incluir diretrizes com um f6lego maior, é preciso um entendimento técnico-politico ainda a ser feito en- tre o Governo Estadual e os municipais da regido metropolitana, que somam 38 municipios, incluindo a cidade de Sao Paulo, o que, por raz6es politicas, sabemos nao seré facil implementar. Mas fa- zé-lo é uma exigéncia constitucional federal, e por isso dela nao se pode escapar (ver 0 texto “A mais grave lacuna do Plano Dire- tor Estratégico”, ao final deste volume). Também o Plano de Transporte recentemente aprovado pela Camara Municipal em separado do Plano Diretor, ao apenas ra- cionalizar o sistema existente, nado definiu proposta para o futu- ro. Esta ficou por conta do Plano Diretor, e este, como vimos, re- duziu o horizonte de tempo de planejamento para dez anos, en- quanto o governo estadual, para o plano de transporte metropo- litano PITU 2020, tem como horizonte de tempo vinte anos. Mais um descompasso entre o nivel estadual e municipal que ficou pa- ra ser resolvido no Plano de Transporte e de Circulagao que de- veré ficar pronto até abril de 2003. Mas, contraditoriamente, embora n4o quisesse inovar para nao ter que discutir com o nivel estadual tais questdes, a Prefei- tura “espichou” a linha que termina hoje na Vila Madalena (a li- nha da Paulista) até o CEAGESP, uma inovagao que nado sabe- mos se conta com o apoio do Governo Estadual. F uma extensio que 0 secretario Jorge Wilheim sempre defendeu, como em 1983 no Plano Diretor que elaborou para o entao prefeito Mario Co- cease. be: meena Sens Ahan Asean wela Chinas hs See ey ey eee eee eee eee ee ee mesmo horizonte de tempo do plano metropolitano de transpor- tv urbano, que é 0 ano 2020. $6 assim sera possivel o imprescin- divel planejamento conjunto entre o governo estadual e os gover- ios municipais envolvidos na metrdpole. S6 assim poderemos ver solucionados os congestionamentos que sofremos. Temos que, como cidadaos, exigir, por todos os meios ao nosso dispor, que esse entrosamento técnico-politico seja efetivado. Voltando a questao das malhas cerradas de transporte co- lctivo, observamos que uma malha que € ortogonal na escala no bairro é influenciada pelas avenidas radiais na escala da cidade. Desenho 12 A influéncia das grandes avenidas radiais da cidade na matha vidria ortogonal dos bairros. Serre da Cantareira Hod Kaposo Av. Celso Garcia lavares Radial Leste Av, Prof. ‘ lranetsco Moreto Av. Nove de Julho Av. do Estado Av. Santo Amaro Billings Guana pirenga plantada, o que depende de acordo ainda a ser obtido entre os go- vernos municipais da regiao metropolitana, incluindo 0 munici- pio de Sao Paulo, e 0 Governo Estadual — custa mais dinheiro, Por isso devemos caminhar para a introducgao no Centro Ex- pandido de malbas cerradas unimodais de transporte coletivo que oferegam o suficiente conforto, pela auséncia de transbordos, que possa atrair o automobilista de seu elevado patamar de conforto, pois o servico que utiliza é porta a porta, nem precisando andar trechos a pé, a menos quando o estacionamento fica longe (e os “valet service” estao proliferando por isso mesmo, assunto sobre o qual também devemos tomar posi¢ao). Desenho 13 0 conceito de malha cerrada de transporte coletivo adaptada ao sistema hidrografico de Sao Paulo. Rio Tieté Rin Tamanduatat 0 conceito de malha cerrada adaptada ao sistema vidrio existente seguindo aproximadamente espigdes e fundos de vale, que corresponde ao tragado viario basico existente no Centro Expandido A malha cerrada do metré em rede subterrénea nao necessariamente se- tha complementar ao sistema principal de transporte coletivo. E 0 que estamos propondo desde 1988, e agora esta prestes a ser implantado, pois conta com a concordancia do governo munici- pal e integra o PDMSP 2002. O outro sistema unimodal que cria sna acessibilidade multidirecional idéntica a propiciada pelo au- tomovel seré uma malha cerrada de metré, no Centro Expandi- do, onde as densidades de uso do solo assim exigirem. E nessa di- reqao que temos que caminhar, e esse deve ser 0 objetivo maior de um Plano de Circulagao e Transporte associado a um Plano de Uso do Solo e um de Habitagao, previstos pelo PDMSP 2002 para ficarem prontos até 30 de abril de 2003. O calculo dessa relagdo de Circulagaéo com a Densidade de Uso do Solo deve levar em conta 0 tipo modal de circulagdo uti- lizado pelo cidadao. Quanto maior for a proporgao da modali- dude transporte coletivo, maior poderd ser a Densidade de Uso do Solo e vice-versa. A dosagem modal é assim outra questao- chave. O problema é que estamos ainda na direc¢ao errada. A pro- porgdo do transporte coletivo esté diminuindo a cada ano ao in- ues de ir aumentando! E preciso reverter esse processo social! S6 conseguiremos essa reversao com sua ajuda, cidadaéo. O Plano Diretor 2002 até agora nao equacionou claramen- dv cssa questéo, com medo provavelmente de uma reacao negati- va dda sociedade. Timidamente afirma a prioridade do transporte coletivo, mas ndo discute a suficiéncia do rodizio e nem ao me- os menciona a sua existéncia e o papel que vem cumprindo. Nao discute a introducgdo do peddgio urbano como meio para conter esse processo social que estamos vivendo, de um uso cada vez mais tntenso do automével, como fez o PITU 2020 citado. Sabemos a dificuldade de se discutir publicamente a intro- a a NB RR Assim, sera possivel por em pratica uma ampla e vigorosa contencGo do uso do automb6vel, ao mesmo tempo que se amplia de modo cabal o sistema de transporte coletivo, oferecendo-se ai, de modo definitivo, uma qualidade substancialmente melhor, tinica capaz de reverter a degradagdo produzida pelos conges- tionamentos crescentes. Se controlarmos de perto a destinagdo desse dinheiro, eli- minando os superfaturamentos, teremos ai um instrumento po- derosissimo a reverter a expectativa de uma decadéncia gradati- va mas inexoravel de nossa metrdépole, asfixiada aos poucos por tais congestionamentos. CIRCULACAO QUE ESTAO Af OCORRENDO No interior do Centro Histérico e do Centro Expandido de Sao Paulo vem ocorrendo perda de densidade demografica com aumento de densidade de viagens por automoveis, e essa perda significa a expulsao, da regiao, de familias de menor renda utili- zadoras do transporte coletivo, substituidas por familias de maior renda utilizadoras do automével. Assim, é valida uma politica de assentamento populacional de familias de menor renda nessas dreas para tirar proveito do sistema de transporte coletivo sobre pneus, que tem nos ultimos anos perdido expressiva parcela de usuarios. No entanto, existe um perigo em associar tal politica a setores de classe média que tendem foriemente, hoje em dia, a usar o trans- porte individual. E 0 que acontece com o denominado Programa de Moradias Populares com drea construida maxima de 70 m, com um ou dois banheiros, associados que séo com incentivos quanto a outorga onerosa a serem aplicados nas ZEIS, as Zonas Especiais de Interesse Social, especialmente no Centro Histérico da cidade, ou seja, na drea da Subprefeitura da Sé (ver Desenho 14). Isso porque com tal drea construida e ntimero de hanbeiros, o mercado imobilidrio oferecerd, como jd oferece, apartamentos para a classe média e média alta, fraudando o objetivo de se incen- tivar a moradia popular e contribuindo para piorar os congestio- namentos no Centro Expandido, o qual se situa no entorno do Centro Histérico, indo desde 0 Rio Tieté ao Rio Pinheiros na zo- 2am pune: Aen es wT aoe eek ets oe te ee, Se, 2 ODLCE DEMCLICIOS UPC dIBUI CLU PIC HUIMCMLY (UG PUSSe IMCS LeL destinagdo popular, no médio e longo prazo anula as politicas que visam combater a especulagdo imobilidria, as tinicas capazes de reverter 0 processo socialmente perverso de produgdo de mora- dias insalubres e ilegais para a populagao de menor renda. Desenho 14 As ZEIS-3: Zonas Especiais de Interesse Social Tipo 3. Perimetro definido Projetos interligados da classe média Cc com as classes populares: Situago A. nu mesmo prédiv. Situag&o B: no mesmo |ote. Situagéo C: em lotes distantes na mesma ZEIS. O instrumento direcionador do crescimento urbano previs- to no novo Plano Diretor pelos Fatores de Desenvolvimento Ur- bano e de Desenvolvimento Social — que oferecem redugdes cada vez maiores do prego a ser cobrado pela outorga onerosa, quan- to mais desejavel seja atrair para certa regido determinado tipo de morador — ficou muito esvaziado pelas concessdes feitas aos incorporadores imobilidrios, que tiveram garantidos seus direitos histéricos de construir sem nada pagar por eles. Os proprietarios e incorporadores ainda ganharam direitos adicionais, mediante outorga onerosa, isto é, direitos de construir pagos. Alguns desses direitos serao pagos automaticamente quan- do forem aprovar na Prefeitura os seus projetos de construcado. A aprovacao automatica desde j4 é autoaplicavel com a aprovagaio do PDMSP 2002. Outros direitos adicionais ainda dependem de aprovacao por lei especifica, como no caso das operagées urba- nas ainda nao aprovadas, mas listadas no Plano Diretor 2002. A aplicagdo automatica da outorga onerosa é 0 que Ocorre nas atuais 22, zonas onde quase todo tipo de uso pode ser localizado, e que cobrem cerca de 80% da cidade. Os incorporadores e proprieta- rios ganharam direitos de construir adicionais automAticos tam- bém nas Z6 e Z7. Essas duas tltimas zonas, as Z6 ¢ as Z7, as unicas Zonas Industriais da cidade, antes proibiam edificios de apartamentos de classe média e, com o Plano Diretor recentemente aprovado, passaram a permiti-los. Como 4reas atrativas para ins- milacsreen amnimran deme. cam «-valariarta ase latiga Macrozona de estruturacdo e qualificagdo urbana: MARU: Macrozona de restruturago e requalificagao urbana. MUCada: Macrodrea de urbanizacéo consolidada. MUC&o: Macrodrea de urbanizacéo em consolidagao. MUQ: Macrodrea de urbanizagdo @ qualificagao. Macrozona de protegda ambiental: MPI: Macrodrea de protegdo integral MUS: Macrodrea de uso sustentavel. MCR: Macrodrea de conservagao e recuperagao. 0 Plano Diretor nao definiu onde se localizam as Macroareas de proteg3o ambiental, dado o macigo desemprego de cerca de 20% hoje ocorrendo em nossa cidade. Um erro que Maué e Santo André iam cometendo em sua legislacdo urbanistica, mas que reverteram a tempo. Nao sabemos como a FIESP (Federacdo das Indistrias do Estado de Sao Paulo) possa ter concordado com tal orientacdo, que tanto devera prejudicar o parque industrial paulistano. Outras dreas da cidade, como vimos, ainda dependem da fi- xacao do coeficiente de aproveitamento, mediante calculo da ca- pacidade de suporte, que é uma obrigacdo metodolégica aprova- da no PDMSP 2002. Essa fixagdo devera ser efetivada por uma lei para cada uma das OperacGes Urbanas, a serem aprovadas, uma por uma, na Camara Municipal. E bom lembrar que nio se pode calcular a capacidade de suporte isolando uma Operacao Urba- na do conjunto da regido onde esta inserida. Porque o aumento de intensidade de uso permitido pela Operacao gerard e atraira viagens em um entorno de pelo menos 10 km, uma area muito mais ampla do que a da prépria Operacio. Assim, além disso, essas areas de operac6es urbanas ganha- ram possiveis direitos adicionais, que podem chegar a quatro ve- zes a drea dos terrenos, a serem pagos mediante outorga onero- sa, quatro das quais j4 estao em funcionamento € outras sete de- pendem de projeto de lei a ser aprovado na Camara Municipal. Isso s6 podera tecnicamente ocorrer cotejando esse aumento de densidade urbana local que as operacées urbanas produzirao em relagdo ao entorno urbano de cada uma delas de pelo menos 10 km, o que significa para o seu conjunto verificar esse impacto para a 4rea do Centro Expandido, onde a maioria se situa e que é jus- tamente hoje a area mais critica de congestionamentos. DE SUPORTE EXISTENTE E PREVISTA Mas ficou no novo Plano Diretor, contra o nosso parecer, além dos adensamentos previstos pelas 11 (onze) Operagdes Ur- banas, uma preocupante diretriz: que é desejavel adensar-se com aumento do coeficiente de aproveitamento (CA) até o valor de area construida igual a quatro vezes a area do terreno (que é 0 valor maximo a ser permitido em toda a cidade) em area de 300 m de cada lado ao longo de corredores de transporte coletivo da mas- sa, incluindo nesse conceito o metré, os subtirbios, o VLP (vei- culo leve sobre pneus) e o VLT (vefculo leve sobre trilhos), con- forme Mapa 3 e Quadro 12 do PDMSP 2002 (ver artigos 146, 221, 121 ¢ 122, nessa ordem). O texto fala também em adensar com CA de até quatro ve- zes em até 300 m ao lado de eixas e polos de centralidades con- forme Mapa 4 e Quadro 8 do PDMSP 2002, 0 que é vago e preo- cupante como conceito, e mais ainda se atentarmos para o que est escrito no artigo 127, abrindo preocupantemente a definicéo feita. Ver também o artigo 126. Ver ainda, quanto ao Rodoanel, o artigo 223, também propondo adensamento ao longo dele quan- do estiver situado na Macrozona de Estruturagao Urbana coma mais alta intensidade. E também a diretriz de uso do solo ao lon- go da linha ferrovidria desativada da CPTM na zona leste entre a Vila Matilde e Guaianazes, no artigo 224. Todos prevendo o po- tencial adensamento urbano maximo. tendendo a zero. A melhoria do nivel de renda da populagdo pres- siona, no entanto, para moradias maiores, assim como mais am- plos locais de trabalho e de lazer. Isso, a médio e longo prazo, de- vera ocorrer. No curto prazo, 0 que vemos é 0 encolhimento das dreas construidas oferecidas de moradia, dos apartamentos tipo 2, 3 e 4 dormitoérios, pelo mercado imobiliario, inclusive para as classes média e alta. Ver Desenhos 10 ¢ 13, mostrando que a légica multidire- cional introduzida pelos automdveis exige, para que eles sejam substituidos por um meio coletivo, que este seja organizado por matha cerrada, que é também multidirecional, com distancia en- tre linhas da ordem de 1.000 m, para nao se andar mais que 500 ma pé para acessé-la. Desenho 16 0 médulo basico da malha cerrada de transporte coletivo. NO CENTRO EXPANDIDO E NA PERIFERIA METROPOLITANA Essa politica de adensamento urbano nao distingue dois ca- sos como deveria. Primeiro teriamos que examinar casos ao longo dos eixos ferrovidrios, de aproveitamento igual a quatro vezes a area do ter- reno, onde tal diretriz € em principio valida, pois neles é possivel colocar em seus leitos ferrovidrios ja existentes até seis linhas pa- ralelas de metré, em dois niveis sobrepostos. Ao longo das linhas ferrovidrias sera possivel, provavelmente, conforme nos dird 0 cal- culo da capacidade do suporte do sistema de circulagdo nos ei- xos e polos de centralidades, permitir que o coeficiente de apro- veitamento seja igual ou até superior a quatro, a baixissimo custo de implantagao do sistema de circulacdo, que € 0 mais alto custo ptiblico de uma cidade, correspondendo a cerca de 70% do to- tal. Esse foi o centro de nossa tese de doutoramento defendida em 1973 na FAU-USP, na qual propusemos um forte adensamento ao longo dos eixos ferrovidrios que coincidem com os trés rios mais importantes da metrépole, o Tieté, o Pinheiros e o Tamanduatei. Com o tempo, dessa politica resultaria o desenvolvimento de te- cidos urbanos lineares de alta conectividade, a que propus 0 nome de Corredores Metropolitanos. Os Corredores Metropolitanos po- dem levar centralidades de alto nivel ao conjunto da metrépole, incluindo a sua periferia hoje destituida dessa importante quali- dade urbana. E de se salientar que este custo é muito baixo dada a minimizagao de desapropriagées. Segundo, teriamos que examinar a situacao das linbas de de abrigos, separadores de concreto, degradando-o definitivamen- te. Como se vé, por exemplo, nos corredores de trafego coletivo segregado nas avenidas Santo Amaro e Nove de Julho. Um dese- nho urbano mais cuidadoso desse assim chamado “mobiliario urbano” pouco pode fazer, dadas as timidas proporcGes atuais das vias segregadas. Sd uma operacao urbana de porte serd capaz de modificar esse quadro, alids, como estd previsto corretamente no PDMSP 2002 para o entorno da Avenida Santo Amaro. O novo Plano Diretor simplifica excessivamente essas ques- tdes, induzindo a erros graves. Iguala a reestruturagdo urbana de amplissimo fdlego, possivel e desejavel de ser feita ao longo dos eixos ferrovidrios hoje degradados e com enorme potencial de de- senvolvimento urbano e novas centralidades, com uma atua¢do de curtissimo félego. Essa de longuissimo félego, foi desenvolvida por mim como tese de doutoramento na FAU-USP em 1973, co- mo dito acima, e esse conceito foi introduzido em 1970 no PMDI (Plano Metropolitano de Desenvolvimento Integrado), que aju- dei a dirigir como um dos seus quatro diretores técnicos. Outro exemplo de proposta de intervengao de alcance mais amplo foi a que fizemos, através de meu escritério Urbe, contra- tado pela Prefeitura Municipal de Santo André, em 20U0 e 2001, no plano urbanistico para o denominado Eixo Tamanduatei, area com 8,5 km de extensao ao longo da ferrovia e da Av. do Esta- do. e com 1.5 km em média de largura. Outros arquitetos tam- bém foram chamados a apresentar suas propostas, com pressu- postos estruturadores de planejamento urbano, como Joan Bus- quets, de Barcelona, Eduardo Leira, de Madri, e Christian de Port- zamparc, de Paris. © PDMSP 2002 confunde esse tipo de intervencdo com a ia Ee I i il i i er Ic OE Serra da Cantareira S%., Fixo Tamanduate/ (Diagonal Sul) Zo Guarapiranga Billings Nhabela LZ | Santos ee Sao Vicente 0 conceito macroestruturador da metrépole enquanto centralidades de alta qualidade: os Corredores Metropolitanos, que propus nos anos 70 e que enten- do continuam validos. Eles foram inseridos apenas parcialmente no novo Plano Diretor, por meio do Corredor Diagonal Sul, de Séo Caetano a Perus, passando pelo Centro Histérico (sendo que o trecho Lapa-Perus nao consta da minha pro- posta, pois nao vejo sentido nele). requalificacdo sera muito dificil e por isso limitada, seguramente com capacidade de suporte muitissimas vezes inferior a dos eixos ferrovidrios requalificados. Vemos, entao, essa confusao de politicas piblicas, igualan- * rt + ea: i rarquia superior é mais demandada em Sao Paulo: a gigantesca zona leste, com mais de 1 milhado de habitantes! Contraria assim outra diretriz do PDMSP 2002 que quer levar maior qualidade de vida urbana e empregos para a maior regiao carente do munici- pio em numero de habitantes, que é a zona leste! Um contrassen- so e uma contradi¢ao do PDMSP 2002! E, ao mesmo tempo, quer levar essa centralidade para a regido de Pirituba-Perus, onde a mesma é muito menos necessdria, por ter uma populagao muito menor numericamente falando. Esse é 0 conceito da centralidade denominada Diagonal Sul, no Plano Diretor 2002, que correta- mente comega na divisa com Santo André e Sao Caetano e vai até a Lapa, mas, ao invés de se dirigir para a Vila Leopoldina, vai, a meu ver erradamente, para Pirituba-Perus. Teremos que priorizar um eixo leste-oeste para melhor dis- tribuir as centralidades metropolitanas. Parece que, para a zona leste, estao priorizando a ligagéo do Aeroporto de Guarulhos com o ABC através da avenida Jacu-Péssego, recentemente inaugura- da. Embora seja uma importante ligagao em formato de anel, podendo ser considerado parte do sistema do Rodoanel que se quer implantar pelo Governo Estadual (que ¢ bom no sul da metrépo- le desde que fique fora dos mananciais), ndo terd {lego para se tornar uma centralidade metropolitana de grande expressdo, como a passivel de ser implantada ao longo da ferrovia. Uma avenida jamais poderé concorrer com um tronco composto por varias li- nhas paralelas de metré. O fator principal que comanda essas transformag6es pelo mercado imobilidrio é a inducdo resultante da oferta de melhor acessibilidade. Como podemos avaliar especificamente os tipos de zonas da lei de zoneamento em vigor até a aprovacao de PDMSP 2002, comparando-os com os tipos propostos em linhas gerais e os ti- pos mais especificos definidos pelo novo Plano Diretor, e ainda, como propor novos tipos para o seu bairro? Pela andlise feita, conclui-se que a estruturagao do sistema de circulagdo define as qualidades ambientais fundamentais e que © tecido urbano é totalmente dependente das qualidades ou de- feitos ambientais dele decorrentes. O Plano de Circulagao ou de Transporte é assim de impor- tancia fundamental para a definicdo do Plano de Habitagao e do Zoneamento, os quais devem ser elaborados de modo conjuga- do, pela sua interdependéncia, como esta exigido expressamente nos artigos 183 e 271 do PDMSP 2002 e no Estatuto da Cidade. Ha diversos modos de organizagao das densidades maiores ou menores com qualidades ambientais especificas, cada densi- dade definindo tecidos urbanos de “caras” diferentes. Qual se- rd, cidadao, a cara do tecido urbano de sua preferéncia e de sua familia? Vocé prefere uma cidade-jardim horizontal, somente com casas (Desenho 18)? Ou prefere uma cidade-jardim semi-horizontal, como as su- perquadras de Lucio Costa do Plano Piloto de Brasilia, com edi- ficios de apartamentos de seis pavimentos (Desenho 19)? Ou prefere uma cidade-jardim vertical com prédios-torres? De até dez pavimentos, por exemplo (Desenho 20)? Ou prefere uma cidade-jardim vertical sem limite de altura para os prédios (Desenho 21)? Ou prefere uma cidade-jardim de prédios com gabaritos heterogéneos (Desenho 22)? Ou prefere uma zona com 0 maximo de usos locais e diver- sificados por perto (Desenho 23)? E sobre isso, especialmente, que nds cidadaos devemos nos debrucar, no que se refere aos condicionantes da qualidade de nossa vida na cidade. Mantenhamos como pano de fundo em nosso raciocinio os processos estruturadores e desestruturadores em curso ent nossa cidade, que se dao a partir basicamente das mudangas nas condi- ¢ées de acessibilidade. Tenhamos em mente, especialmente, uma questao-chave, que é a questio do preco que se paga, na compra ou aluguel de iméveis, pelo acesso ao solo urbano, Ele é infla- cionado pela sistemdtica especulagao imobilidria, a ser também sistematicamente combatida pelos novos instrumentos a nos ofe- recidos pelo Estatuto da Cidade — instrumentos que, de forma ee ee 2 Desenho 19 A cidade-jardim semi-horizontal, como as superquadras de Brasilia (ZER-2 ou ZML-2 até 6 pavimentos). Desenho 20 A cidade-jardim vertical “—~f (ZER-3 ou ZML-3 | até 10 pavimentos). (ZER-4 ou ZML-4 com mais de 10 pavimentos). Desenho 22 A cidade-jardim de gabaritos heterogéneos (GH) misturando casas e prédios de até 5, até 10 e com mais de 10 pavimentos (ZERgu ou ZMLgy). Desenho 23 Maximo de usos locais e diversificados por perto (ZMD). Na Zona Mista de Uso Diversificado este uso é geralmente associado a densidade demografica local alta. No entanto, ele pode também estar servindo vo Plano Diretor. Devemos nesse momento focar nossa aten¢ao na estrutu- racdo do espaco urbano e como ela se da concretamente em rela- ¢do as nossas vidas. : JA observamos como sao as relagdes de vizinhanca com o comércio € os servigos e também com os equipamentos sociais, especialmente os de educacao e satide. Vejamos agora como des- sa andlise decorre 0 que podemos chamar de tipos bdsicos do te- cido urbano, nogao central para definirmos 0 zoneamento, que nada mais é que a definigao de tipologias de tecido urbano, a regrarem a implantagao de um bairro ou, o que é mais comum entre nds, controlar a sua transformacao direcionando o seu fu- turo. O estilo de vida em um bairro, o ambiente que ele oferece aos cidadaos, pode ser resultado apenas do que quer um merca- do imobilidrio sem regras ou com regras desobedecidas, ou en- tao resultado de regras que nds, cidad@os, queiramos colocar pa- ra direciond-lo em nosso beneficio. No caso da educagao, os equipamentos principais sao: a cre- che, a escola maternal, o ensino fundamental do 1° ao 5° ano (an- tigo pré-primario e prim4rio), do 6° ao 9° ano (antigo gindsio) e o ensino médio (antigo colegial). O ensino de nivel superior tem outra légica de localizagao, a qual pode ser bem mais distante da moradia que a dos equipamentos de ensino fundamental e médio. Os cursos superiores ou os do tipo de ensino de reciclagem, por exemplo, de mao de obra, mais especializados, também de- vem estar localizados nos locais de acessibilidade metropolitana, isto é, nas centralidades de mais alto nivel. No caso da satide, os equipamentos basicos s4o: 0 posto de satide (unidade basica de satide) e o hospital geral regional. Cada sua subprefeitura tem o seu sistema completo de unidades de en- trada no sistema de satide, como é denominado, e se esta bem lo- calizado para atender a demanda do conjunto dos moradores que nela vivem. Os hospitais mais especializados devem se localizar nas centralidades de maior hierarquia, de nivel metropolitano, atendentes de 1 milhdo de habitantes ou mais, como € 0 caso, por exemplo, dos intmeros hospitais no cixo da Avenida Paulista. Esquematicamente, podemos desenhar os tecidos urbanos existentes mais comuns, que chamaremos de bdsicos. Eles podem ser simplificados, no que se refere a moradia, em quatro tipos, tendo em conta o tracado bdsico de quadras e a distribuigao do trdfego de veiculos e dos usos a ele associados: Tipo 1: bairro nascendo e se desenvolvendo isoladamente, usualmente na periferia do espago urbano da época em que é ini- ciado (Desenho 24). Tipo 2: bairro se relacionando a bairros vizinhos formando uma malha de bairros, conforme o territério urbano vai se expan- dindo (Desenho 25). Tipo 3: bairro planejado tipo “jardim”, que nasce usualmen- te nas periferias urbanas da época em que sao implantados, e de- pois podem ir ficando centrais (Desenho 26). Tipo 4: bairro que se transformou em central na estrutura urbana devido a expansao do territério da cidade (Desenho 27). Desenho 24 Tecido urbano basico tipo 1. Lomercia & Moradias _-—— Servigos locais “s " dispersos Via de ligagao comer interbairros OMercio & “~~ servigos SIGH o Moradias servigos locais dispersos Via de ligagao interbairros Comércio & ~ servigos diversiticados polarizados Desenho 26 Tecido urbano basico tipo 3. Vies de ligacéio interbairras Moradias es To Eu Ca Ve CUY A Comércio & servigos locais concentrados Comércio e servigos diversificedos concentrados Besenho 27 Tecido urbano basico tipo 4. Vias de ligagdo interbairros LE | it ea ar nar Comércio @ servicos focais e diversificados dispersos Moradias __ Ss! ay ii Ba “Heir a preenchimento da maioria dos lotes. Estes tltimos, enquanto per- manegam vazios, constituindo um estoque especulativo, devem ser taxados progressivamente, ao longo do tempo, no que se re- fere ao IPTU, e também com a urbanizacao compulséria, como dispde a Constituicéo Federal em seu artigo 182, e como dispde agora o Estatuto da Cidade. Se vocé tem um tinico lote e espera juntar o dinheiro suficiente para construir nele, nao deve ser ta- xado como especulador. Exija isso, como um direito seu. Nessa etapa histérica da evolugdo de um bairro, que dura varias décadas, o bairro mantém o padrao 1 de tipologia basica de tecido com centralidades lineares ao longo das vias coletoras e estruturais, por onde passa a linha de énibus. Nos cruzamentos de vias estruturais, ou junto a estacdes de transbordo de trans- poste coletivo, surgem centralidades polares constituindo o tipo basico 2. Esse cruzamento de vias se da por forga do surgimento ou desenvolvimento de bairros laterais vizinhos. O tipo 1 tende a ser 0 que nasce de uma auséncia de plane- jamento, com o mercado agindo livremente, sem zoneamento ou com sua desobediéncia sistematica, como na regiao dos manan- ciais, ou regulado por um zoneamento misto aberto, sem contro- le sobre essas transformagées, como nas Z2 em Sido Paulo. O tipo 2 é 0 mesmo caso, com a diferenca de que ha um en- troncamento de duas vias importantes em seu interior, em geral estruturais, mas podendo ser apenas vias coletoras ou o encon- tro de uma via coletora com uma via estrutural. O tipo 3 pode nascer de um planejamento privado, como é o caso da Cia. City em Sao Paulo, ou de um planejamento pii- blico, como € 0 caso da Cohab-SP, Cecap e CDHU-SP, entida- des publicas produtoras de habitagdo popular. Esse tipo de teci- de £ comure: vracultatry: da-nlenm ek Ad-lehelemniitns« SRA so de adensamento urbano no proprio bairro, que pode ser po- pular ou de classes médias ou misto, ou os dois processos ocor- rendo simultaneamente, um fortalecendo o outro. Os centros de cidades, em seus diversos niveis, apresentam tecidos do tipo 4. Esses quatro tipos basicos de tragado, com definicgado de usos do solo de comércio e servicos pelo mercado ou pelo planejamento urbano privado ou ptblico, podem ser desdobrados em diversos tipos associados a diversas intensidades e mesclagens de usos ou das atividades, correspondendo basicamente a diversas alturas das edificacbes, ou seja, de sua drea construida. Também podem ser resultado da atuagdo livre do mercado imobilidrio ou deste regu- lado por legislacao urbanistica, ou ainda como resultado de in- tervencao ptiblica na producao de moradia popular ou de implan- tagdo das chamadas Operagées Urbanas e, agora, pelo Plano Di- retor, de Projetos Estratégicos, que envolvam moradia popular. As centralidades do comércio e servigos tendem a ser au- toalimentantes, intensificando cada vez mais a sua densidade urbana até o limite de saturagao, quando as vias onde se insta- lam, dado o excesso de trafego de veiculos, passam a repelir clien- tela ao invés de atrair, e os negdcios ai instalados entram em de- cadéncia e acabam sendo substituidos por outros de menor ren- tabilidade, ou entao os iméveis sao abandonados. Devemos verificar quais s4o as qualidades e os defeitos des- ses tipos basicos de tecido quanto ao tracado das vias. O traga- do pode ser apenas ortogonal, radioconcéntrico e com vias diago- nais, ou ainda podemos ter tracados organicos completos, com ruas curvas, muito apropriados para terrenos ondulados, como os utilizados pela Cia. City no Alto da Lapa e no Pacaembu. Também podemos ter tragados curvilfneos como no Jardim Amé- owe dion eA nn ea A Kerem neta wtlacsne Bai cdeccomsiwess wt eS e ae = chanfradas nos cantos com patios internos, onde a malha orto- gonal vidria é cruzada por duas gigantescas avenidas diagonais (que em catalao sao curiosamente denominadas “avingudas dia- gonais”), tracado esse planejado jé em 1857. Essa capacidade de andlise é 0 que se quer desenvolver, apro- fundando a viséo do cidaddo leigo associada a visio do arquite- to urbanista, distinguindo claramente os interesses sociais validos associados aos valores de uso, relacionados a estilos de vida. Es- tes devem ser percebidos como distintos dos socialmente repro- vaveis, associados aos valores especulativos imobilidrios, que sao valores de troca. Nem sempre valor de uso alto corresponde a valor = “IT ae de troca também alto. E pode acontecer o inverso, Alto valor de troca nos corredores comerciais com baixo valor de uso habi- tacional, por exemplo. Este é um trabalho coletivo de avaliacao da qualidade de vida oferecida por cada um dos bairros de Sao Paulo, em uma visdo dinamica do processo de sua transformagao urbana, processo que pode ser para algo melhor, para algo dife- rente porém igualmente bom ou para algo igualmente ruim ou até pior do que a situacgdo existente. PARA A MAIORIA DOS CIDADAOS Podemos afirmar, mais uma vez com uma grande simplifi- ca¢ao dos fatos, visando uma abordagem inicial da problematica da transformagéo dos tecidos urbanos, que, historicamente, um mesmo bairro da cidade pode ter sido iniciado como tipo 1, pas- sando pelo tipo 2 e chegando ao tipo 4 (ver os respectivos dese- nhos). Esse é 0 caso de muitos bairros que foram periféricos e se transformaram em centrais em Sio Paulo com o crescimento do territorio da cidade. Outros foram planejados pelos loteadores ou pelo poder publico, neste caso constituindo conjuntos habitacionais como tipo 3 e se transformaram em tipo 1 ou tipo 2 e depois até tipo 4, de- vido a correntes de trafego que os foram penetrando e atraves- sando por auséncia de um controle piiblico, produzindo o abando- no gradativo das qualidades previstas no planejamento inicial. Outros foram idealizados como tipo 3, como os planejados pela Cia. City, em $40 Paulo, de alta qualidade urbanistica, na perife- ria urbana, quando foram langados, e muitos se transformaram em bairros de posigdo central, como o Jardim América ce o Pacaem- bu e como comega a acontecer com o Alto de Pinheiros. Isso de- vido a sua localizagdo na estrutura urbana de Sao Paulo, tendo em vista o espantoso crescimento da cidade durante o século XX, que se transformou de um burgo de 200 mil habitantes em uma gigantesca metrépole de 15 milhdes de moradores! Por isso, e devido 4 falta de um planejamento urbano que oe recouneds eudirieniomenio daenrreniac: da trittoon..cofvou: tron. Pacaembu, pelo Jardim América, atravessado pela Avenida Bra- sil, e pelo Jardim Paulistano, atravessado pela Avenida Faria Li- ma, dentre intimeros exemplos que seria exaustivo aqui citar. Dois sao os fatores que podem produzir as transformagées de acessibilidade geradoras das condigdes locacionais que pro- piciam o surgimento de “pontos” de interesse para o comércio e para os servicos, dentro de uma légica de mercado imobilidrio, sem regras urbanisticas que o impecam: 0 aumento do trdfego de passagem em uma via, que gera a visibilidade atratora do cliente, e o aumento de densidade demografica acompanhada de poder aquisitivo, que gera a proximidade fisica do potencial cliente. Ambos sao fatores produtores de potenciais corredores de comér- clo e servi¢os. Esse processo de transformacgao urbana, ao lado de deter- minados valores de uso, produz aumento ou redugao, dependen- do da circunstancia, do valor de troca dos iméveis envolvidos. Resulia dessas transformagées um crescente conflito entre aqueles que prezam uma moradia em local tranquilo, com muita arborizagdo e jardins — que é um importante valor de uso em uma conturbada e violenta cidade como esta sendo a nossa —, e aqueles que preferem o valor de troca, mesmo com prejuizo da tranquili- dade (nao necessariamente para si, pois podem mudar para ou- tra rua ou bairro tranquilo, ficando o prejuizo para os vizinbos que Id permanecerao). HA ainda, mas acredito que seja uma minoria em nossas ci- dades, os que prezam a vida intensa e até agitada tipica de areas mais centrais e que tém suas razGes para pregar a transformagao de bairros tranquilos, para os quais nao dao valor, em bairros de grande intensidade de trafego e com a mistura maxima de usos nee ttete Cle pda denn deed HA tied AEE I APA OR. Assim vemos que 0s quatro tipos basicos dependem, para uma definigdéo mais precisa dos tipos concretos existentes, nao apenas dos tracados vidrios definidores das quadras, mas também do tamanho dos lotes nas quadras e, nestes, das tipologias arqui- tetonicas construidas, especialmente no que se refere a intensida- de de uso urbano que condiciona, por sua vez, a mesclagem de usos. Essas tipologias arquitetdnicas se distinguirao fundamental- mente em sua altura, e este sera um dado importante a ser consi- derado, como também a sua posicao mais central ou mais perifé- rica na estrutura urbana da cidade, para se perceber a légica trans- formadora a que estara sujeito, para o bem ou para o mal. E certo admitirmos ser muito mais dificil, para uma comu- nidade urbana, se alterar os tragados vidrios do que se alterar a tipologia arquiteténica do miolo das quadras. O custo de desa- propriagdo para a abertura ou alargamento vidrio € altissimo, e os custos sociais decorrentes do deslocamento de pessoas e do fechamento de atividades também. A remodelacdo de bairros inteiros pode e deve ser uma meta para aquelas comunidades que estejam muito descontentes com o seu atual tecido urbano. Na atual etapa histérica de nosso de- senvolvimento urbano, entendo que devemos limitar essas inter- vengées “cirtirgicas”, nesses proximos anos, a ambientes urbanos muito degradados, como o de algumas favelas e edificios encor- tigados, se suas comunidades assim 0 desejarem. Talvez possamos, dentro de algum tempo, remodelar bair- ros inteiros, como foi feito na periferia de Madri nos tltimos 20 anos, utilizando nao o instituto da desapropriagdo, mas sim o da requisicao urbanistica. Esse instrumento juridico, de uso corren- te na Espanha, ainda nao foi aprovado no Estatuto da Cidade, embora constasse do projeto de Lei Federal de Desenvolvimento Urbano n° 2.191/88, que coordenamos tecnicamente, e que foi apresentado pelo deputado Raul Ferraz ao Congresso Nacional (e do qual se originou basicamente o Estatuto da Cidade). A sua introdugdo no mesmo deve ficar para uma pr6xima etapa, visan- do ao seu aperfeigoamento, diante da experiéncia que vamos ad- requalificacao urbanistica, dada a precariedade, a nosso ver, da grande maioria dos tipos de tecido urbano existentes em Sao Pau- lo por sua exiguidade vidria, com ruas de menos de 10 m de lar- gura, especialmente nos loteamentos de origem clandestina aber- tos na segunda metade do século XX. Neles, lotes sao ocupados até 0 limite por todos os lados, com edificagdes as vezes invadindo o espaco ptblico da rua, dificul- tando e mesmo impedindo o plantio de arvores, criando uma mas- sa construida que, nos dias quentes, funciona como pedras de la- reira, conservando, difundindo e aumentando o calor ambiental, que fica durante muitos dias do ano quase insuportavel. Devemos buscar a recuperacao de dreas verdes e espagos institucionais ocupados pela populacao empobrecida, sem alter- nativa de moradia, e também a recuperacdo das dreas ocupadas por espertos predadores sociais de classe média, que injustamen- te pegaram carona nesse processo. Temos que reconhecer, quan- to aos empobrecidos, que este processo é socialmente justo, ape- sar de, muitas vezes, ele possibilitar uma estranha alianga, como veremos mais adiante. Devemos ainda buscar refazer 0 tracado vidrio e das qua- dras dai decorrente. Isso possibilitara no futuro de algumas dé- cadas, como ja se fez em Madri, melhorar radicalmente a quali- dade do nosso espago urbano pobre e periférico, como também era o daquela cidade, fazendo isso com participagado popular, com a concordancia dos moradores, sem expulsé-los, respeitando seu estilo de vida e sua identidade cultural. Um mesmo tipo 1 ou um tipo 2, 3 e 4 de tecido urbano ba- sico pode apresentar diferentes tragados vidrios basicos. Estes podem ser em xadrez (ou hipodamico, como historicamente fo- ram chamados, a partir dos gregos da antiga Mileto) com vias se cruzando de modo fundamentalmente ortogonal. Podem ser de vias de tragado curvilineo, como é a preferéncia dos desenhadores de cidades-jardim, tirando a rigidez dos tragados retangulares, criando com isso muitos espacos verdes intersticiais, mas exigin- do em contrapartida mais terreno por familia ¢ assim aumentan- do seu custo (ver Desenho 18). Devido a essa critica buscou-se li- berar a localizagao das edificagées das divisas dos lotes, dispon- do nas quadras inteiras mais livremente edificagdes em altura, para que surja o verde intersticial a um custo de producdo menor, por habitante, devido a maior densidade possibilitada por esse arranjo (ver Desenhos 19 a 22). Este é, em muitos casos, o tecido basico do tipo 3 de produ- ¢4o publica como conjunto habitacional popular. Essa qualida- de, no entanto, é prejudicada pela monotonia no caso dos arran- jos de prédios padrao tipo H muito préximos entre si, algo a ser muito criticado, mas de interesse das empreiteiras que os produ- zem €, por ignorancia da possibilidade de outras solugGes, com aceitacdo sem maiores criticas pelos seus usuarios de baixa e mé- dia renda (ver Desenho 28). Essa é outra dimensdo critica a ser desenvolvida para os te- cidos urbanos com essas caracteristicas. SK a Ny $ oS //~ cgado viario e nas definigdes das quadras que dai decorrem, como também estabelecem normas de localizag4o dos edificios de modo a garantir as qualidades paisagisticas de uma cidade-jardim de prédios horizontais de seis andares no maximo, formando edifi- cios laminares geradores de um espago interno nas quadras com uma generosa proporcao de areas verdes entre os prédios, que tendem a circunda-las (ver Desenho 29). Esses so exemplos de espago urbano planejado que, no es- pacgo de producao privada, a partir de loteamentos constituidos por quadras, por exemplo, de 50 m de largura por 100 m de com- primento, com ruas de largura média de 10 m, constituem os te- cidos de tipo 1, depois 2 e finalmente de tipo 4. Nestes torna-se extremamente dificil a implantagdo de projetos de requalificagao estratural urbana com o instrumental juridico-financeiro hoie dis- ponivel no Brasil. O Unico instrumento operacional para isso hoje disponivel so as operacdes urbanas, mas de dificil implantagao em bairros de menor renda, pelo desinteresse que tém os incorporadores imo- bilidrios de atuar sobre eles refazendo substancialmente a divisdo de lotes, unificando-os em tamanhos maiores, chegando até ao dos bairros populares, se os incorporadores decidem escolhé-lo como alvo de uma transformagdo maior, passam a sistematica- mente investir neles, substituindo moradores de menor renda por outros de maior renda, mas lote a lote, dando preferéncia a lotes maiores de 2 a 5 mil metros quadrados, quando disponiveis. O que assistimos no Brasil é a transformagdo do espago ur- bano dos bairros de tecidos urbanos bdsicos 1 e 2 — com seus tragados vidrios e de quadras decorrentes de variada qualidade, depois de sua consolidagao horizontal — em bairros populares ou de classe média. Desenho 30 O processo de construgdo de edificios altos em bairros horizontais consolidados. Depois da urbanizagao horizontal consolidada, comega o pipocar de pré- dios. Vocé gostaria que isto nao se iniciasse em seu bairro? Ou que seu bairro fosse congelado, no seu estado atual? Ou que o processo continuasse? Ou que aqui) 6 previsivel, se o zoneamento permitir ou se a lei for sistematicamente desobedecida ¢ os iméveis irregulares anistiados. O resultado seré uma Zona Mista de tipo 2: diversificada, de alta densi- dade e de alta centralidade, e por isso variada como oferta de tipos de comér- cio e servigos. Esses bairros se tornam progressivamente verticalizados, através de um pipocar de prédios em meio a um casario horizon- tal, que vai aos poucos adensando 0 espago construido. Em muitos casos, provavelmente a maioria, vao se transfor- mando de bairros populares em bairros de classe média, reduzin- \ Espaco de dignidade sirnbotica (8 gerantida Parque |birapuera institut Pavilhdo da Bienal Bioldgicc EE ee EE ET SE CE PE PS POPS SIR UILUaIe, do a populagao moradora, mas aumentando exponencialmente os automoveis em circulacao. Eisso que muitos urbanistas, defensores da mencionada es- tranha alianga entre movimentos populares e especuladores imo- biliarios, nao enxergam ou nao querem enxergar. Multiplicando os automéveis em circulagdo cerca de 20 vezes, como um simples cdlculo demonstra, ao substituirem, por exemplo, uma casa por 20 apartamentos de classe média no mesmo lote. type de digridade wuohaliea a gacanii. Av. Paulista (Espigao Central) Vile Mariana Desenho 33 0 caso da Vila Mariana: diretrizes para area envoltoria de preservagao do Instituto Biolégico {perfil esquematico desde o Parque Ibirapuera até o Espigdo Central}. oN. 7 eee 7 65 Te = tindo a essa verticalizagao: muitos moradores querem horizon- talizar o adensamento, com edificios de no maximo quatro pavi- mentos. Receberam para isso meu apoio, pois nele se situa 0 mag- nifico edificio do Instituto Biolégico, que é um marco arquiteté- nico na histéria do bairro, da cidade e do pais, e que por isso foi tombado pelo Condephaat. No entanto, o Condephaat nao inte- grou suficientemente o seu entorno, de modo a garantir a requeri- da visibilidade desse edificio monumental, de arquitetura eclética de grande beleza (ver Desenhos 32 e 33). Eo bairro continua lutando por essa légica complementa- cao. A questao da existéncia de marcos monumentais como pat- te do tecido urbano nos coloca frente a distingao entre “lugares comuns”, “lugares magnéticos” e “nao-lugares” , como veremos mais adiante. Essa tipologia basica de tecidos urbanos constituida pelos quatro tipos se insere em uma estrutura urbana em posicdes va- riadas, recebendo influéncia e, por isso, modificando-se em razao dessa localizagdo relativa. Simplificadamente, poderemos graficamente apresentar a es- trutura urbana da metrépole paulistana em dois momentos: em 1957, quando foi levantada sistematicamente pelo Padre Lebret através da instituigao francesa de pesquisa que dirigia, a SAGMA- CS, contratada pelo prefeito Toledo Piza, da democracia crista, e esta estrutura urbana comparada com a estrutura urbana atual. Lebret levantou uma estrutura urbana polarizada por dreas centrais organizadas por niveis, desde 0 mais abrangente enquanto Grea de influéncia, que é 0 centro da metrdpole, naquela ocasiao correspondendo ao Centro Histérico, até o nivel mais local, do centro de apoio de comércio e servicos de um bairro de moradia. E fez o levantamento de tais centros por sua ligacdo entre si, com os espagos de moradia e com centros de emprego fora desses lu- gares centrais, relacionando-os ainda com os espacos externos a metrépole. Para cada nivel desses centros de bairro, e para cada um dos bairros, levantou a oferta existente de comércio e servi- ¢os privados e publicos, incluindo a rede escolar e a rede de sati- de (ver Desenho 34). Com isso mediu cientificamente a desigual- dade de qualidades urbanas entre o centro e as periferias, que ja ocorria em 1957, quando realizou sua pesquisa. Chamou esses bairros pobres periféricos desestruturados de “acampamentos”, em termos socials. Desenho 34 A hierarquia dos diferentes niveis de centralidade. Rio Tieté Serra da Cantareira Osasco Mogi das Cruzes Represa Guarapiranga Sao Bernardo Represa Billings Cada nivel da Area Central superior polariza todes os niveis inferiores a ale, como simplificadamente se quer mostrar no desenho acima, e o sistema es- trutural de circulacdo interliga as dreas centrais entre si. £m So Paulo, metro- ania temne nela menos 6 niveis na hierarquia de lugeres centrais, segundo a Zes Val Se MOQIICANdO com O tempo. F COMO se as pessoas, aC tanto passarem por lugares ou viverem neles, fossem desenvolven- do em suas solas dos pés raizes imagindrias, que as vao relacio- nando com eles transformando “nao-lugares”, como os acampa- mentos, em “lugares”, na acepcao do antropélogo francés Marc Augé. Quando vivemos nesses lugares, vamos com eles nos rela- cionando, e muitas vezes passamos a amd-los mesmo que sejam hostis e adversos. Quando essa adversidade atinge limites insu- portaveis, abandonamos esses lugares. Essa insuportabilidade se refere muitas vezes, como no caso dos cidadaos de baixa renda, ao prego monetério a ser pago para neles ficar, ou entao 4 falta de emprego, e por isso migramos. Usualmente isso ocorre, mas ndo sempre, como vemos pela andlise que estamos desenvolvendo, por exemplo, nos corredo- res de transporte que vao se formando com o aumento do transi- to: o valor de troca, ou seja, 0 prego a pagar aumenta, mas simul- taneamente se reduz o valor de uso, ou seja, a qualidade de vida, para os que preferem lugares sossegados para morar, que penso sejam a maioria esmagadora da populagao. A cidade em seu dinamismo préprio vai produzindo modi- ficagGes na qualidade de seu espago, destruindo “lugares” e subs- tituindo-os por “nao-lugares”, em sentido negativo se o plancja- mento urbano no é praticado por uma forte atuacdo governa- mental, monitorada por ativa participagao da cidadania, contro- lando o sistema de circulacao e a localizacao de atividades pelo zoneamento no espago de uma cidade, 4 medida que ela vai cres- cendo, Obviamente, para que se possa agir assim, o poder publi- co ndo pode estar desmoralizado por uma desobediéncia sistema- tica da legislacdo urbanistica. Perceber a posigao relativa de cada bairro nessa estruturagao pakivmeon: sees wped com aaah Rs sade Gk tact. demic atacand ln CIENT, © UY GRE PP CECIHESIIFO CUTE COLE PU EE NL AG Eratensoe weNemrre do a vocé, que esta nos lendo. Desenho 35 A posigao de seu bairro em relagao estrutura urbana da cidade. Serra da Cantareira Rio Tieté Hist6rico Rio Pinheiros ‘ 3B Rio Temandvatel Guarapiranga Billings Onde esta seu bairro em relagdo a estrutura urbana? Ao lado de um eixo estruturador que por meio do trdfego atrai atividades de todo tipo? Por dentra de sev hairrn nassam vias interligadoras de outros bairres, gran- des avenidas ou ruas estreitas com papel de avenidas? Por onde passam os prin- cipais corredores de transporte coletivo em relagao ao seu bairso? Por ande passa 0 fluxo de tréfega, por dentro ou ao lado de seu bairro? Vocé podera ser expulso do bairro no qual deitou raizes, seja por um insuportdvel valor de troca que supere a sua capaci- planejamento da cidade como um todo. Através dele e do Plano Regional que revine os Planos de Bairro de sua subprefeitura, é possivel compreender 0 jogo especulativo em que estamos meti- dos. No final das contas, a especulagdo acaba fazendo com que todos percamos, inclusive os especuladores que ganham moneta- riamente com os mecanismos legais (na verdade, esses mecanis- mos estdo se tornando ilegais com a aplicagao do novo instrumen- to de politica urbana que o Congresso Nacional nos outorgou pela lei que aprovou o Estatuto da Cidade), O grande ganho especula- tivo é fruto da desobediéncia a lei urbanistica (que é obviamente © caso mais odioso), mas, no caso, se os especuladores ganbam monetariamente, também saem perdendo com o valor de uso. Essa perda de valor de uso corresponde a um ambiente urbano cada vez mais hostil as nossas vidas, que vai jd se tornando cada vez mais estressante e violento. Podemos resumidamente expor 0 grande processo de rees- truturacado urbana em curso em Sao Paulo. Inicialmente, isto é, na primeira metade do século XX, te- mos a formacao de uma estrutura urbana radioconcéntrica. Isto é, o sistema de circulagao radial e convergente para o Centro Histérico, com bairros se formando ao longo desses eixos ¢ mui- tas vezes sendo cruzados por eles. Esses eixos séo formados por avenidas servidas no inicio por bondes, depois por 6nibus. Finalmente, no Brasil (pois em paises como Alemanha e Holanda, os bondes continuam existindo), re- tiram-se os bondes, aumenta a propor¢ao de 6nibus e cresce cada vez mais 0 numero de automéveis. Com essa mudanga modal, re- duz-se a capacidade de uma via, pois os automéveis, conforme vao proporcionalmente aumentando sua presenga em uma determi- nada via, vio reduzindo sua capacidade de transporte de passa- geiros e mercadorias. Essa organizacao vidria e dos usos radioconcéntrica foi a constatada por Lebret em 1957. Esses eixos sdo formados também pelo sistema de suburbios ferrovidrios, que — diferentemente dos 6nibus, que disseminam © comércio e servigos ao longo das ruas mais movimentadas — concentram comércio e servigos junto as estag6es de transbordo, localizadas 4 distancia média de 1 km umas das outras. Isso sig- nifica a geragdo de centralidades lineares no primeiro caso e de centralidades polares no segundo caso, Avenida moradia. Sao as padarias, as quitandas, o agougue, 0 pequeno supermercado, o barbeiro, a cabeleireira etc. Corresponde ao te- cido urbano basico do tipo 1 (ver Desenhos 24 e 37). Quando passamos para 0 tipo 2, a centralidade gerada, ser- vindo a mais de um bairro, em um cruzamento de eixos, jd possi- bilita ao mercado definir uma centralidade que, além do comér- cio e servicos locais, vai abrigar o de tipo diversificado (ver Dese- nhos 25, 38 e 39). Em uma hierarquia urbana de centros considerados de bai- xo para cima, 0 centro de tipo 1 corresponde ao tecido urbano basico tipo 1. que €0 local. O centro de tipo 2, que inclui o comér- cio e servico local, e j4 comega a acrescentar 0 uso diversificado, é@ que corresponde ao tecido urbano basico de tipo 2. O tecido urbano bdsico de tipo 3 exige, em suas proximidades, muitas ve- zes uma centralidade ou centro de tipo 1 local (ver Desenho 26). O tecido urbano de tipo 4 tem as correntes de trafego se entrecruzando no xadrez de vias. as vezes numa direcao nredo- Luiz Antonio, onde ocorre o fendmeno nas duas diregdes). F um fendmeno que esta se consolidando no Centro Expandido (ver De- senhos 27 e 40), com excegao das Z1, que resistem a essa pene- tragdo do trafego de veiculos. Nesses casos, 0 comércio se diversifica, e essa diversificagao pode ir se acentuando com o tempo. A centralidade relativa do bairro em relagdo a uma regido determinada, que concentra gran- de capacidade aquisitiva, pode fazer surgir um comércio e servi- Desenho 37 1) Centro linear. Desenho 38 2) Centro estelar. Terminal ou estagao de transbordo Desenho 40 4) Centro em malha de vias. cos de rara frequéncia individual de demanda, mas que, na soma das raridades individuais de frequéncia das demandas, pode sur- gir um mercado suficiente para justificar o surgimento de comér- ee a ll ere ies pene cr Ee Bo Hi Rio Tieté Osasco Mogi vas Cruzes Santo André ~ $40 Bernardo Billings Centro Expandido Sobre a estrutura polarizada de centros identificada por Lebret esta atuan- do @ pressdo dispersadora de usos urbanos produzida essencialmente pelo cres- cente uso dos automdveis. Esta sendo dilu(da a estrutura antes formada de cen- tros fundamentalmente lineares que seguiram a légica do transporte coletivo. Esse processo diluidor jé se completou no chamado Centro Expandido de S4o Paulo, delimitado pelos rios Pinheiros e Tieté. zada essa caracteristica com o nivel de renda dos mesmos. Os analistas de mercado, ao estudarem a localizacio de em- preendimentos de comércio e servicos, notadamente os shopping centers, estudam essas caracteristicas associadas as facilidades e dificuldades relativas de acesso, e assim definem a melhor locali- zagdo para o empreendimento. O papel dos monumentos como referéncia histérica, pon- tuando e destacando fatos que engrandecem a cultura de um povo, testemunhas de sua memoria publica, criam o que tedéricos do urbanismo qualificam como espagos magnéticos, que fazem con- traponto aos espagos comuns, que sao os espagos de nossa vida cotidiana. A dialética de uma cidade como valor de uso é consti- tuida pelo evoluir hist6rico em meio aos conflitos sociais que lhe sAo inerentes na producao, apropriagaéo e consumo das estrutu- ras urbanas e dos tecidos urbanos com elas coerentes. No terri- tdrio assim decorrente, devem existir poucos lugares magnéticos para que nao sejam banalizados (conforme o gedgrafo urbano Marco Torres, de Veneza) e estes devem dialogar, mas muitas ve- zes se op6em a lugares comuns que sdo os da vida cotidiana da maioria (conforme 0 arquiteto e urbanista Giuseppe Paba, de Flo- renca), Esses lugares comuns, onde hoje mora a maioria dos ci- dadaos, por sua vez apoiam ou se opdem aos magnéticos. Esses lugares comuns e magnéticos sao interligados por “ndo-lugares” (conforme o antropélogo Marc Augé, de Paris), espagos altamente codificados ou regrados no seu uso, como so Os aeroportos € co- mo tendem a ser os shoppings (que, no entanto, se esforgam para se tornarem “lugares”). Citamos os lugares de onde provém os pesquisadores por- que sao a base de seu trabalho intelectual; ao mencionarmos os lugares urbanos vistos e vividos de certo modo por tais autores, tein aucsassunvaaptieares se. Ecesara rans uncan:isn hdc canea werimericamacnce ae eneces Villon cettiis Lintinibintielie. A Paris com os nao-lugares do tipo shopping proibidos de serem instalados no tecido histérico, em beneficio dos lugares consti- tuidos pelo entrelagamento harmonioso entre comércio, servigos e habitacdo, caracteristico do estilo de vida do centro da cidade, kisses lugares também podem ser analisados se transforman- do gradativamente em lugares da manifestacdo da sociedade do espetaculo ou da imagem, como mostra Guy Debord,” especial- mente ocorrendo nos lugares magnéticos e nos nao-lugares. Ou da especulacao financeira e imobiliaria como multiplicagao do ca- pital ficticio em contradig4o com o capital produtivo, como mostra Giovanni Arrighi, a partir de Fernand Braudel, em O longo sé- culo XX,3 ao longo de quatro gigantescos e histéricos macroci- clos seculares de nascimento e transformagao do capitalismo do século XIII ao XXI. Esses autores, por exemplo (e comentamos isso brevemente, por nao caber aqui um aprofundamento dessa tematica), nos fazem pensar no gradativo surgimento de uma bur- guesia produtiva e ambientalista, derivada e fortalecida, a cada macrociclo histérico, através de uma crescente afirmagio do capi- tal produtivo sobre o especulativo, com retrocessos tempordrios, por algumas décadas, a cada um desses ciclos, quando retorna a especulacdo como etapa transitéria no aguardo de novo ciclo de acumulagao. A burguesia progressista vinculada 4 produgo, que é a am- bientalista, como proponho interpretar, vai se opondo a uma deca- dente burguesia predatéria, vinculada a todos os tipos de espe- culacgdo, inclusive a imobiliaria, mantendo, no entanto, imbrica- ¢6es entre si. Essas burguesias, a produtiva e ambientalista de um 2 A enctotndes An pohetinnt. Din de lk. . sane primitiva para uma estrutura avancgada da reproducao ampllada do capital. Como exemplo desse processo, vemos 0 que ocorreu NO Bra- sil na produgao escravista do agicar de exportacao pelos enge- nhos do periodo colonial, como nos mostra José de Souza Mar- tins (ver O poder do atraso*), onde a configuragdo produtiva as- sociou a mao de obra escrava com o capital mercantil de atuagao internacional. E£ o que ocorre ainda hoje nas configuragdes produtivas da construcao civil. Veja-se especialmente o rentismo, 0 loteamento urbano e a incorporac4o imobiliaria que atuaram durante 0 sé- culo XX e agora adentrando o XXI na produgao do espago ur- bano, objeto desta nossa andlise pela dtica do cidadao que quer entender sua insercdo na estrutura ¢ no tecido urbano. O livro que escrevi, Cidades brasileiras: seu controle ou o caos, j4 citado, é uma introdugao a essa tematica onde se desta- ca o papel da especulacao imobilidria na produgao, apropriagao e consumo do espago urbano no Brasil. Recomendo a sua leitura ao leitor que quer enveredar por um conhecimento mais apro- fundado dessas questées. Os agentes citados de produgao, apropriacdo e consumo do espaco urbano se organizam segundo configuragées basicas: 1) loteadores privados; 2) autoconstrugao pelos empobrecidos, incapazes de com- prar no mercado imobiliario sua moradia; 3) “por encomenda” do projeto e construgdo pelos peque- nos-burgueses e burguesia, de uma casa em um lote; 4) “rentistas”, que constroem ou compram de quem cons- tréi, para ai alugar para terceiros; 5) “incorporadores”, historicamente substituindo, aos pou- cos, os “rentistas”, especialmente a partir da década de 1950 no Brasil, sendo que os segundos alugam, enquanto os primeiros vendem no mercado imobiliario; 6) producao publica da habitacao para a baixa renda; 7) producao publica da requalificacao urbanistica de areas degradadas de uma cidade, em ages urbanisticas pontuais, que podem ser em um lote s6 ou em uma ou mais quadras, somando varios hectares, que estamos chamando de “Operacdes Urbanas”, mas que, no contexto do PDMSP 2002, se acrescentou o que se chamou de “Projetos Estratégicos”. Essas configurag6es se combinaram e ainda se combinam ao longo da histéria de uma cidade, no parcelamento, uso e ocupa- ¢do do solo urbano, produzindo a simultaneidade de modalidades yo das configuragdes produtivas “dos servigos urbanos”. Dentre elas, destaca-se, como vimos, a configuracao produtiva “da circulagao urbana”. Outra de importancia fundamental para a qualidade da vida urbana é a “do saneamento ambiental”, que lida com 4gua, esgoto, enchentes ¢ lixo. A configuracéo produtiva da circulagao se subdivide na que produz 0 espaco vidrio (tendo como agente privado principal as empreiteiras de obras ptiblicas) ¢ a dos veiculos que sobre ele tra- fegam (a indtistria automobilistica). Distingue-se claramente aia questao da disputa do espago viario entre 0 automével e 0 6ni- bus, que, embora aparentemente nao signifique uma disputa no interior da industria automobilistica, assim se configura na reali- dade dos fatos urbanos, pelos empregos e renda gerados na mui- to maior produgdo de automéveis do que de Gnibus, para a eco- nomia nacional. Mas, contraditoriamente, pelos congestionamen- tos crescentes que prejudicam o transporte coletivo mais que o in- dividual, o cidadao, ao se ver congestionado em um cendrio de vias lotadas por veiculos, passa a preferir o automével ao énibus, e passa a querer utilizar todo o sistema vidrio disponivel. Dessa forma vai, sem querer, contribuir para a transformagao dos teci- dos urbanos bdsicus do tipo 1, 2 e 3 no tipo 4, desqualificando, aos olbos da maioria dos cidaddos, assim pensamos, a qualidade ambiental dos bairros de moradia. Se no passado, durante todo o século XX, mais na segunda do que na primeira metade, o planejamento urbano foi fortemente influenciado pela combinag4o de interesses — de um lado, o das empreiteiras produzindo espacos vidrios mais amplos {as aveni- das, viadutos e tuneis), e de outro, o da crescente indiistria auto- mobilistica, para atender a demanda crescente por veiculos auto- motores (cada vez mais por automéveis do que por O6nibus) —. das culturas do centro e norte da Europa, que até hoje preferem espagos mais verdes e menos construidos, proporcionalmente, com prédios baixos de até seis pavimentos, no maximo. Em Berlim, por exemplo, o gabarito maximo permitido é de 21 m de altura. Surgiram entdo em Sao Paulo edificios cada vez mais altos, se desenvolvendo e predominando 0 tipo, enquanto altura edifi- cada, de prédios de apartamentos com formato de torres, que no inicio de século XX tinham quatro ou seis pavimentos, no meio do século tinham de 10 a 15 e no final do século estavam atin- gindo de 20 a 30 pavimentos. Onde vai chegar essa ldgica? No inicio do século XX tinhamos um tecido urbano mais assemelha- do ao tipo europeu, com as edificagées ocupando toda a testada do terreno dando para a rua, e um prédio encostando no outro com uma variacdo de altura de dois a seis ou oito pavimentos. A partir do Prédio Martinelli, enveredamos pela preferéncia das torres isoladas, em que estamos até hoje. Ela corresponde a uma opgao consciente de muitos? Acredito que sim, embora ela possa mas nao deva estar associada a processos especulativos imobilia- rios, pois estes artificialmente pressionam por prédios cada vez mais altos, que tendem a se isolar nos lotes (mas nao o suficiente, a nosso ver, com relagao aos recuos laterais, de frente e de fun- dos, para resultar em boa ventilagdo e privacidade). A outorga onerosa do direito de construir para os edificios altos sera um modo de nao mais se jogar os custos de urbaniza- cdo dos servigos de suporte, especialmente de circulacdo, que os moradores desses prédios adensadores da demanda exigem, nas costas de toda a populacado, através do seu pagamento com o di- nheiro arrecadado pelos impostos gerais. A cobranga de um pre- ¢o pelo potencial construtivo adicional que se compre sera um a aa ED: aa gg dos usos urbanos. Desse modo, 0 impeto adensador devera de agora em dian- te arrefecer, mas niio o suficiente, dada a versdo aprovada da ou- torga onerosa no PDMSP 2002, pouco efetiva e que deve ainda ser aperfeicoada no futuro. Mas, mesmo assim, nao se poderé des- cuidar dos calculos da capacidade de suporte do sistema de cir- culagio, se quisermos corrigir aos poucos 0 histérico desequilibrio que os especuladores imobilidrios estabeleceram em nossa cida- de, ao construir muito mais do que a capacidade de suporte ins- talada. Acrescente-se o proceso de redugdo da capacidade de cir- culacdo do sistema viario existente, pois a utilizagao dessa mes- ma capacidade instalada, no caso do sistema viario, é cada vez menor pela indevida, mas muito dificil de ser evitada, substitui- cao dos énibus grandes por pequenos, destes por peruas € vans € destes por automoéveis e dentre esses, dos pequenos pelos médios ¢ destes pelos grandes! Veiculos coletivos cada vez menores e vei- culos individuais cada vez maiores reduzem o ntimero de passa- geiros transportados que conseguem circular no espa¢o dado por uma largura de via, ntimero limitado também em fungao da de- clividade da via ser maior ou menor, de interrupcoes por sinais de transito etc. Essa substituigdo cada vez mais rapida em curso, do transporte coletivo pelo individual, é a raiz da crise do siste- ma de énibus que estamos vivendo em Sao Paulo. A versdo de outorga onerosa aprovada no PDMSP 2002 é boa, mas insuficiente, pois ficou mantida a possibilidade de ga- nho especulativo com a mudanca de zoneamento, especialmente a partir das Z1. Ao se ter mantido o coeficiente de aproveitamento basico, que é gratuito, isto é, ndo é sujeito 4 cobranca da outorga onero- sa, igual a duas vezes a area do terreno para os edificios de apar- tamentos da classe média, caso dos edificios identificados pela lei de zoneamento como uso R3, que constituem o maior mercado para os incorporadores, ficou mantido o interesse especulativo de transformacao das Z1. Estas foram denominadas ZER do tipo 1, “zonas estritamen- te residenciais”, onde apenas casas sdo permitidas, as quais tm coeficientes de aproveitamento igual a 1. Esse ganho especulativo ocorre todas as vezes que as ZER-1 so mudadas para zonas mistas com coeficiente de aproveitamento bdsico, gratuito, igual a 2. Continua-se assim a dobrar o valor de troca com uma simples mudanga de zoneamento, que é 0 jeito mais simples de especular. Pode-se ai ganhar fortunas, jogando-se a conta do custo da infraes- trutura adicional decorrente, se a mesma tiver que ser ampliada (como quase sempre ocorre), nas nossas costas, como pagadores de impostos. E claro que a mudanga de zoneamento, pelos escndalos pui- blicos produzidos quando é especulativa (como recentemente vi- mos ocorrer nos casuismos aprovados na calada da noite por oca- yg ~~. a. pag . a er spars te Fe eS ee —E—A—_—~=_—_—_—_—_—_—_ Ov espreita de uma oportunidade para serem aprovadas. Certamente se utilizario de todos os meios, licitos e nao licitos muitas vezes, para atingir essa finalidade, como parte de um comportamento que podemos denominar burgués predatério, em oposigao a uma burguesia ambientalista, progressista e produtiva, como também pode ser denominada (ver o texto “Burguesia ambientalista x burguesia predatéria”, ao final deste volume). QUALIFICADOR DE NOSSA VIDA NA CIDADE A discussdo dos Planos Regionais e dos Planos de Bairro cria um novo palco de debate publico, onde os interesses conflitantes podem se apresentar — embora os interesses especulativos, enver- gonhados dos valores antissociais que defendem, prefiram a agao nos bastidores, como vimos recentemente na aprovacado das emen- das especulativas do Plano Diretor. Nesse caso, a imprensa levan- tou, inclusive, a suspeita de que setores interessados na valoriza- cao das areas envolvidas haviam entendido que deviam pagar um prego para obter apoio de determinados vereadores, e estes, por isso, preferiram permanecer no anonimato em sua maioria, pro- tegidos pelas liderangas que conduziram as negociagées. Oportunamente vetadas pela prefeita, essas e outras emen- das casuisticas certamente voltarao a baila por ocasiao da discus- sao dos Planos Regionais e, principalmente, do projeto de lei a ser enviado 4 Camara Municipal, reformulando a Lei de Zonea- mento em suas diretrizes gerais para 0 conjunto do municipio. Essa revisao da Lei de Zoneamento em vigor desde 1972, como muitas leis aprovadas na década que vai de 1972 a 1982, redefinira as tipologias bdsicas e outros critérios que nds, cida- daos, considerarmos pertinentes. Por exemplo, devemos avaliar se é prioritaria a definigao da altura dos edificios (gabarito de altura) ao invés do coeficiente de aproveitamento como ferramenta importante de definigao paisa- gistica, para caminharmos no sentido da redugdo do caos paisa- ‘pe oy Le * om oe CES UY: ee eae ——e———eEeEe—E—E—EEEE—E—E—_—_—_— _ _ OOOO OOOO balho. Hoje apenas as zonas Z1, Z14, Z15, Z16, Z17 e Z18 de- finem alturas maximas para as edificacdes, e a soma das dreas protegidas por essa definigdo corresponde apenas a cerca de 10% da cidade. Veja no capitulo 39 um quadro referencial dos tipos de zo- nas existentes que permite compreendé-las melhor ¢, a0 mesmo tempo, perceber as lacunas e imperfeigdes do zoneamento em vi- gor até a aprovacao do PDMSP 2002. Muitos urbanistas brasileiros vém se preocupando cada vez mais com a qualidade paisagistica no interior dos bairros, defen- dendo um zoneamento mais protetor, como no caso das zonas com gabarito de altura para os prédios. O desrespeito a lei instituida, comprando-se a vista grossa de autoridades mediante influéncia politica e/ou propinas, tem sido um importante fator do aumento da feiura e da inospitalidade da cidade, que prejudica a todos nds. As zonas gabaritadas sao aquelas onde se define o nimero maximo de andares, assim como a altura maxima de um prédio. Sao verificaveis, fiscalizaveis pelo cidaddo comum. O coeficiente de aproveitamento sozinho, com par4metro definidor de volume construfdo, ndo é verificdvel pelo cidadao leigo, nao técnico. Por isso, sou favordvel a utilizagao macica de zonas gabaritadas. Pesquisas, semindrios, congressos, artigos e livros sao pro- duzidos levantando essas questées nas universidades e centros de pesquisa. A morfologia urbana estd entrando cada vez mais na agenda de ensino e pesquisa em arquitetura e urbanismo no Brasil. Este é um momento propicio para debatermos amplamente o planejamento da cidade com a populacdo, com destaque para o planejamento dos bairros, a ser sempre articulado com os ni- veis mais gerais. O Plano de Bairro é uma novidade que esta sen- do introduzida no planejamento da cidade de Sio Paulo, por pro- posta e insisténcia do Movimento Defenda Sao Paulo. Essa pos- sibilidade consta do Plano Diretor, embora nao ainda com a for- ¢a ea clareza que queriamos. Mas de modo suficiente (conforme artigo 2, § 2, inciso VII, artigo 198, incisos I] e IV, e artigo 278 do mesmo Plano Diretor) para que sejam inseridos nos Planos Regionais, deles fazendo parte integrante e sendo por isso apro- vados por lei em seu bojo. Mas 0 cidadao nao conseguira sozinho desenvolver os tra- balhos necessarios para que um plano de bairro seja feito. $6 uma uniao de moradores em torno das entidades representativas do bairro Ihe dara condigdes materiais e de representatividade para desenvolver proposigdes com condigées de aceitabilidade pelo poder ptiblico. E 0 que nés, do Movimento Defenda Sao Paulo, estamos fazendo através das entidades organizadas de morado- res dele participantes. Se vocé ainda nao é parte desse movimento, entre em con- tato com a sede do Movimento pelo telefone (11) 5561-2920. Em outubro e novembro de 2002, a Prefeitura relutava em aplicar varios dispositivos que ela mesma quis aprovar no Plano a act a de elaboracao de como a Prefeitura entende que os Planos Regio- nais devam ser elaborados, em articulagdo com o Plano de Trans- porte, o de Habitagdo e 0 de Uso do Solo, como exigido por dois artigos, o 183 e o 271, do PDMSP 2002. S6 se tem uma compilagdo elaborada pela SEMPLA, dos diversos dispositivos do Plano Diretor que influenciam os Planos Regionais, que omite, no entanto, a articulagao exigida pelo Pla- no Diretor, dos Planos Regionais com os citados Planos de Trans- porte, de Habitacao e de Uso do Solo. Ouviu-se dizer que tais trabalhos ainda seriam contratados externamente a Prefeitura. Um contrato com a Fundagao Getii- lio Vargas foi feito com o objetivo de definigéo de metodologia dos Planos Regionais somente na segunda quinzena de novembro de 2002. Mas simultaneamente, enquanto a metodologia dos Pla- nos Regionais esta ainda sendo elaborada, a propria Prefeitura, que nado tem metodologia, exige de nés, cidadaos, que fagamos um diagnéstico dos problemas! Cor que metodologia? Que cada um invente a sua! Mas, dos oito meses legalmente disponiveis a partir da aprovacao do novo Plano Diretor até 30 de abril de 2003, ja haviam se passado dois. HA informacées de que, por enquan- to, ndo existem recursos suficientes para as contratagdes externas de elaboracao de Planos Regionais. Mas, como se vé, nem a meto- dologia foi definida. Por outro lado, existem dados essenciais, co- mo as relativos a uma nova Pesquisa O/D (Origem ¢ Destino) de trdfego na regi3o metropolitana, feita em 2002 pela Secretaria de ‘Transportes Metropolitanos do Governo do Estado de Sao Pau- lo e que serve muito oportunamente para a elaboragao do PDMSP 2002, que ainda nio esto disponiveis, pois seus dados ainda nao foram tabulados. E a Prefeitura, em seus poderes centrais, que- edn emis Gian: wx Blew Dantnnade arhkire Reak Anicfeuscoaen diminuigao das expectativas de qualidade. Uma mediocrizagao de objetivos parece ser o resultado des- se processo, como vimos na definicao do proprio Plano Diretor, no qual questGes-chave, como o lixo, os mananciais, os transpor- tes e a habitacdo (especialmente quanto aos recursos para inves- timentos), ficaram com metas mediocres ou nulas, foram formu- ladas de forma simplificada e insuficiente (caso dos transportes), ou até amadora (como no caso do lixo). Um segundo tempo foi estabelecido, o de 30 de abril de 2003, mas, ao que tudo indica, nao poderd ser cumprido com um minimo de qualidade técnica e de efetiva participagéo popular. Pela dependéncia que vimos que os Planos Regionais tém em relacao aos Planos de Transpor- tes, Habitagao e Uso do Solo, se estes nao sao elaborados a con- tento, com qualidade técnica e orientacdo, simplesmente os Pla- nos Regionais poderao ficar tao capengas que nao devam ser por nos aprovados. Poderemos ter, por exemplo, uma definicdo nao calculada com suficiente base técnica do potencial construtivo a ser permitido para edificios em cada regiao de cada subprefeitura. Isso, por si s6, produzird uma piora em nossa qualidade de vida, o que é inaceitavel. Devemos estar atentos a todos esses aspectos, porque pode ser pior um plano ruim, que agrava problemas, do que nenbum, Mas devemos nos esforcar para oferecer o maximo de contribui- cao que pudermos como cidadaos, ainda que nao seia possivel substituir 0 poder publico enquanto meios técnicos e financeiros. Muitos de nds, como € o meu caso, tém profunda experién- cia na elaboragdo de Planos Diretores e leis de zoneamento em todo o pais. No que se refere ao municipio de Sao Paulo, pelo fa- to de ter sido Secretario de Planejamento por cinco anos segui- legislagao urbanistica. Mas as pressGes adensadoras especulativas estavam muito presentes na versao de Plano Diretor enviada pelo Poder Executi- vo 4 Camara Municipal em 2002. Elas foram amenizadas, mas o novo Plano Diretor é ainda nitidamente adensador, sem distin- guir claramente, como vimos, um repovoamento necessdrio por familias de baixa renda de um adensamento congestionador pe- las classes médias. Também, pela importancia que jé dava e ainda dou as defi- nicdes do sistema de circulacdo para o futuro da cidade, tanto do ponto de vista econémico como social e do ambiente urbano, fi- zemos durante trés anos um gigantesco esforgo para produzir um software, um programa de computacdo que permitisse a simula- ¢4o por modelos matemiticos das relagées entre o uso do solo ur- bano e o sistema de transportes. Conseguimos desenvolver um conhecimento especifico, de modo articulado entre a Prefeitura Municipal de Sao Paulo e 0 Governo Estadual, através da entao COGEP, hoje SEMPLA (Secretaria Municipal de Planejamento), que entao dirigimos; da CET (Companhia de Engenharia de Tra- fego); da Cia. do Metré, na ocasiao dirigida pela Prefeitura e par- ticipando pelo Governo do Estado; e da EMPLASA (Empresa Me- tropolitana de Planejamento). Isso foi feito com um trabalho de equipe do mais alto nivel, com a consultoria de um técnico de transporte de grande reputacdo internacional. 0 chileno Marcial Echenique, entéo reconhecido como quem mais havia consegui- do avangar em termos metodoldgicos na criagao de um modelo de representagao do funcionamento de uma cidade, enquanto re- lagGes entre as atividades distribuidas no territorio urbano ¢ 0 sis- tema de circulacdo. Tal modelo, denominado Modelo de Uso do C..1L. . TT... we (RATTN? Jog rm bd banos, assim como no Departamento de Transporte da Escola Po- litécnica da Universidade de S40 Paulo, como o mais completo e avangado no estabelecimento das relagGes entre o transporte ur- bano e 0 uso do solo de uma cidade no Brasil. E possivel, pois, retomar tais objetivos pela Prefeitura Mu- nicipal de Sao Paulo. Ela jd praticou bd 20 anos tal modo de pla- nejar. N&o se pode dizer, portanto, que tal postura é tedrica, des- ligada da capacidade real de fazer as coisas da prefeitura de nos- sa cidade. Outras prefeituras jd se utilizaram desse método de calculo, de forma mais simplificada, sem diivida, como a de Campinas, pa- ta a fundamentagdo de seu Plano Diretor aprovado por lei. Na gestao de Luiza Erundina, foi desenvolvida metodologia de cal- culo para a definicado de estoque de direitos de construir com base na capacidade infraestrutural de suporte, que deve ser considera- da como uma contribuicao positiva para essa finalidade, embora incompleta em seu resultado. E se So Paulo quer ser um exem- plo de qualidade para as outras grandes cidades brasileiras, é esse o caminho que deve voltar a trilhar. Mas, diante da ansia adensadora indiscriminada, é impor- tante termos esse instrumento de andlise, pois com ele é possivel, através de seu método de calculo, muito bem discernir quando o adensamento é bom e quando ele é mau. E 0 que pode segurar tal diretriz adensadora, dos maleficios que podera produzir, sao os Planos de Transporte, Uso do Solo, de Habitagao, bem pormenorizados nos Planos Regionais, feitos com seriedade, competéncia técnica e efetiva participagao popu- lar. Esperamos ainda que possamos caminhar nesse sentido. Relembrar esses fatos hoje é importante para mostrar a dis- z ait Pe dade especificos, abaixo dos quais os riscos decorrentes para a ci- dade podem ser inaceitaveis. Devemos estar atentos para nao ter- mos de aceitar algo que nao é de nosso interesse como cidadaos, pois poderemos ser muito prejudicados pelas consequéncias, es- pecialmente pelo agravamento dos congestionamentos e pela nao resolugdo dos demais problemas da cidade, como as enchentes, a presenga de favelas, cortigos e moradores de rua, e a gradual per- da dos mananciais de 4gua potavel dos arredores da metr6pole. Parte II COMO DIRECIONAR POSITIVAMENTE A FORMACAO E TRANSFORMACAO DO TECIDO URBANO Em Sio Paulo, nos anos de 1990 e 1991, elaboramos para a FDE (Fundacdo para o Desenvolvimento da Educagao), da Se- cretaria de Educagao do Governo do Estado, seis planos direto- res de bairro de cardter pioneiro no Brasil. Tratou-se da primeira elaboragao de planos diretores de bair- ro de modo participativo. Devido a preocupagao da FDE com a insercao de escolas de 1° e 2° grau nos bairros, buscando evitar especialmente a depredacao constante dos edificios, por meio de seu presidente Cesar Callegari, hoje deputado estadual pelo PSB (Partido Socialista Brasileiro), quis que houvesse uma participa- ¢do maior da comunidade no seu planejamento. Propusemos que se desenvolvessem Planos Diretores do bairro onde a escola esta- va sendo construida, com a participacado da diregao da escola, quando houvesse, e da associagao de moradores que reivindica- va a escola, No municipio de Sao Paulo, foram elaborados os Planos Diretores de Bairro para o Jardim D. José, na estrada de Itapecerica, e o Jardim Sao Carlos, na zona leste, na Estrada do Imperador, regiado da Vila Matilde. Foi uma excelente experiéncia pedagégica com o sentido de relacionar escola e comunidade, mas que infelizmente foi s6 par- cialmente praticada. Essa experiéncia é, alias, uma orientagao pedagégica assu- mida na Franca, Italia e Espanha, e também nos Estados Unidos e Inglaterra, para comunidades socialmente carentes, nas quais se espera que a relacdo escola-comunidade dé mais concretude aos INa AMECI¢a Latind, d ACECILId, UU TNCINOL, DUCHUS TXIEGS, com seu prefeito agora eleito pelo povo, estd desenvolvendo um aprofundamento dessa nova pedagogia, em que as questées ur- banas assumem importancia no aprendizado da crianga. Veja-se por exemplo o texto coordenado por Silvia Aldero- qui, arquiteta ¢ pedagoga, ¢ Pompi Penchansky, Ciudad y citeda- danos,> relatando tal experiéncia. No Brasil, tal encaminhamento esta ainda incipiente, mas com um grande potencial de desenvolvimento futuro, no qual a escola, assumindo um papel de produtora de conhecimento da co- munidade, envolvendo os pais, mestres e criangas, estara, junta- mente com as associagdes de moradores e outras entidades atuan- tes no bairro, desenvolvendo um papel protagonista em pensar 0 futuro do bairro. Isso deve ser feito inserindo-o no contexto regional, ensejan- do um controle nao clientelistico do poder piblico, desenvolven- do um aprofundado processo participativo de agdo governamen- tal, onde ganha a ideia de democracia. A maioria dos loteamentos historicamente desobedeceu a le- gislagdo propria. Isso significa que as ruas nem sempre obedece- tam a largura minima, que, ao longo do tempo, vem diminuindo. No inicio, em 1916, a largura minima de uma rua era 16 m (como se vé ainda hoje no Alto da Boa Vista e Cerqueira César). Na década de 1930, no Cédigo Saboia, que continha toda a le- gislagdo urbanistica em vigor, admitiram-se ruas particulares de até 6 m de largura, mas as ruas publicas tinham que ter no mini- mo 12 m. Na década de 1970, na gest4o seguinte a minha, admi- tiu-se rua publica com 10 m de largura com tolerancia para 9 m. Ao legalizarem-se loteamentos com ruas de menos de 10 m, as calgadas praticamente deixam de existir. As vezes, elas tem apenas 50 cm de largura. As ruas com essa largura fazem com que o trafego de veiculos fique muito dificil, especialmente quando es- taciona-se no meio-fio. E o trafego de pedestres torna-se muito perigoso, especialmente para idosos, criangas e deficientes fisicos, que passam a andar pelo meio da rua. Os loteamentos com largura de rua mais generosa, do tipo 15 a 16 m, hoje encontram-se quase todos no Centro Expandi- do, ou seja, na regiao entre os rios Tieté e Pinheiros, fechando com o minianel vidrio. Tal regiao corresponde 4 Macrozona Consolidada. Na re- gido metropolitana seguinte, que corresponde 4 Macrozona em Consolidagao, predomina o numero de loteamentos com largura i Cs Oe i, a | radores que foram compelidos a ocupar ou comprar terrenos nessa situacao. Isso quando se trata, obviamente, de moradores sem op¢ao, isto é, cujo poder aquisitivo nao lhes possibilita adquirir ou alugar imével previamente legal, que supostamente teria pa- drao e prego correspondente superior a sua capacidade aquisitiva. Mas 0 processo histérico que se percebe é, entao, um rebai- xamento dos padrées exigidos para os loteamentos, no que se refere 4 largura das vias, e também uma reducdo de padrao de exigéncias quanto as dreas doadas pelo loteador para a Prefeitu- ra para se tornarem Areas verdes e areas institucionais, ou seja, areas para escolas, creches e postos de satide. Os loteamentos irregulares, também chamados de clandes- tinos, ndo seguem os padrées legais e com isso caracterizam qua- lidade urbanistica muito baixa, prejudicando enormemente seus moradores, em geral de menor renda. Outra questao refere-se a4 regularizacao edilicia. Ou seja, dos edificios construidos, por exemplo, sem os recuos obrigatorios por lei ou com Grea superior a permitida. Nesse caso, a familia ou 0 proprietdrio do negécio precisa de uma area maior, mas nao tem recursos para comprar um terreno mais amplo que permitisse que a lei fosse obedecida. O resultado final dessa desobediéncia € um tecido urbano pouco qualificado, o qual provavelmente exigira no futuro re- qualificagdo estrutural como a realizada em Madri em sua perife- ria, que tomou 20 anos de acdo ininterrupta da prefeitura local. Nao se pode, no entanto, confundir alhos com bugalhos. Uma coisa é a regularizagdo em que a populagcao é vitima de um processo perverso de producdo, apropriagdo e consumo do espa- ¢o urbano, e outra coisa é a regularizacao de transgressores de clas-

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