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Versão Online ISBN 978-85-8015-080-3

Cadernos PDE

I
OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE
NA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE
Artigos
A PRÁTICA PEDAGÓGICA NA PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA

Adriana Maria Augusto Faria1


Edmilson Lenardão2

Resumo

Ao trabalhar durante anos na Rede Pública do Estado do Paraná, foi possível perceber problemas na
definição de uma teoria pedagógica que norteasse a elaboração do Plano de Trabalho Docente, bem
como em efetivá-lo como organizador da prática pedagógica. Este artigo apresenta o resultado dos
estudos realizados no Programa Desenvolvimento Educacional (PDE) e buscou contribuir na formação
continuada dos profissionais da educação. Para tanto, foram realizados Grupo de Estudos e Estudos
Dirigidos em hora atividade no Colégio Estadual “Antônio Raminelli”, Ensino Fundamental e Médio, na
cidade de Cambé, estado do Paraná, abordando as seguintes temáticas: A função social da escola,
Tendências Pedagógicas, Pedagogia Histórico-Crítica, Teoria Histórico-Cultural: Aproximações e o
Plano de Trabalho Docente e a Pedagogia Histórico-Crítica. As temáticas estudadas propiciaram a
reflexão sobre a escola, subsidiando a elaboração um Plano de Trabalho Docente, segundo os
pressupostos da Pedagogia Histórico-Crítica e da Teoria Histórico Cultural, as quais entendem que a
função social da escola é possibilitar aos alunos o acesso aos conhecimentos científicos, artísticos e
filosóficos elaborados pela humanidade, assim contribuindo para a formação da humanidade em cada
aluno. O estudo demonstrou que na escola a discussão e o estudo coletivo sobre a prática pedagógica
são essenciais para a elaboração do Plano de Trabalho Docente e sua efetivação em sala de aula.

Palavras-chave: Pedagogia Histórico-Crítica. Teoria Histórico-Cultural. Prática pedagógica. Plano de


Trabalho Docente.

1 Pedagoga da Rede Estadual de Ensino do Paraná. Estudante do PDE 2014.


2 Docente do Departamento de Educação da UEL. Orientador do Trabalho.
1 INTRODUÇÃO

O Programa Desenvolvimento Educacional (PDE), regulamentado pelo Estado


do Paraná em 2010, no intuito de proporcionar formação continuada para os
professores da rede estadual de ensino, busca mudanças na qualidade do ensino
público, por meio de Projetos de Intervenção Pedagógica e Produções Didático-
Pedagógicas.

O presente artigo nasceu de nossa participação neste programa, como


resposta a uma problemática que desencadeou um Projeto de Intervenção
Pedagógica. Para intervir na escola, foi elaborada uma Produção Didática e da
implementação desse projeto surgiram conclusões que aqui são apresentadas.

É possível observar que, depois de anos de trabalho, enfrentando múltiplas


problemáticas, como desinteresse, indisciplina, desvalorização, violência e estando
longe do processo de formação inicial, os professores sentem-se isolados e frustrados
em suas práticas pedagógicas que, inevitavelmente, não atingem os objetivos de
ensino propostos.

Apresentar alternativas de reflexão sobre a prática pedagógica, pautada em


uma teoria pedagógica que apresenta determinada visão social da escola foi o objetivo
do inicial, que, diante de tantos problemas, propôs uma reflexão da prática pedagógica
pautada na Pedagogia Histórico-Crítica e na Teoria Histórico-Cultural, buscando-se a
elaboração de um Plano de Trabalho Docente, que seguisse os passos desta
perspectiva teórica, organizados por Dermeval Saviani, que são: prática social inicial,
problematização, instrumentalização, catarse e prática social final.

A Implementação pedagógica do projeto que deu origem à elaboração do


presente artigo foi realizada por meio de Grupos de Estudos e Estudo Dirigido1, os
quais abordaram as seguintes temáticas: Função Social da Escola, Tendências
Pedagógicas Contemporâneas, Pedagogia Histórico-Crítica, Teoria Histórico-Cultural
e O Plano de Trabalho Docente e a Pedagogia Histórico-Crítica.

1 Hora Atividade.
2 FUNÇÃO SOCIAL DA ESCOLA

A escola é uma instituição milenar e sua função seguiu múltiplas


determinações históricas, sociais e culturais de cada tempo, ora visando à salvação
da sociedade, ora condenando ou consolidando o status quo vigente. A escola ganha
relevância à medida que por ela passa ou passará quase toda a infância e juventude.
Aqui tomamos como função da escola responder as atribuições apontadas por Saviani
(2012, p. 14):

[...] A escola é uma instituição cujo papel consiste na socialização do saber


sistematizado [...] A escola existe, pois, para propiciar a aquisição dos
instrumentos que possibilitam o acesso ao saber elaborado (ciência) bem
como o próprio acesso aos rudimentos do saber.

Portanto, o trabalho educativo deve resultar de uma práxis pedagógica


consciente, conforme define Saviani (2012, p. 13):

[...] O trabalho educativo é o ato de produzir, direta e intencionalmente, em


cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e
coletivamente, pelo conjunto dos homens. Assim, o objeto da educação diz
respeito, de um lado à identificação dos elementos culturais que precisam ser
assimilados pelos indivíduos da espécie humana para que eles se tornem
humanos e, de outro lado e concomitantemente, à descoberta das formas
mais adequadas para atingir esse objetivo. [...]

Para Arendt (2013, p. 223), “ [...] a essência da educação é a natalidade, o fato


de que seres nascem para o mundo”. Assim, a educação possibilita o
desenvolvimento das capacidades intelectuais, por meio da aprendizagem, para que
o ser humano nasça para o mundo, dando continuidade, mesmo que pela
contrariedade à história e à sociedade humana.

Articulando o processo de compreensão, Forquin (1993) advoga que a função


específica da escola é a transmissão da cultura, e por meio desta aquisição o aluno
pode entender-se como sujeito social e humano.

Na mesma direção, Young1 (2007, p. 1294), enfatiza que o propósito da escola


é promover a aquisição do “conhecimento poderoso”2, a partir de seu papel como

1YOUNG, Michael. Para que servem as Escolas? Educação e Sociedade: Campinas. V. 28, n 101,
set/dez 2007. <http://www.scielo.br/pdf/es/v28n101/a0228101.pdf > Acesso em: 31/07/2014.

2YOUNG, Michael. Para que servem as Escolas? Educação e Sociedade: Campinas. V. 28, n 101,
set/dez 2007. <http://www.scielo.br/pdf/es/v28n101/a0228101.pdf > Acesso em: 31/07/2014.
agente de transmissão da cultura: “As escolas capacitam ou podem capacitar jovens
a adquirir o conhecimento, que, para a maioria deles, não pode ser adquirido em casa
ou em sua comunidade, e para adultos, em seus locais de trabalho”. (YOUNG, 2007,
p. 1294)

3 TENDÊNCIAS PEDAGÓGICAS CONTEMPORÂNEAS: PEDAGOGIA


TRADICIONAL, ESCOLA NOVA E PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA

A escola, conforme a concebemos na pós-modernidade, deriva de um processo


iniciado com o Renascimento quando, segundo Saviani (2012, p. 82):

[...] a burguesia revoluciona as relações de produção e passa a conquistar


cada vez mais espaços, a dominar a natureza através do conhecimento
metódico, e converte a ciência, que é um conhecimento intelectual, uma
potência espiritual, em potência material por meio da indústria.

Em meados do século XIX, iniciaram-se os processos de organização dos


sistemas nacionais de ensino, quando o modelo de educação, voltado para a
consolidação da sociedade capitalista, utilizou a pedagogia tradicional. Nesta
tendência, consoante Saviani (2003, p. 6):

[...] A escola surge como antídoto à ignorância [...] seu papel é difundir a
instrução, transmitir os conhecimentos acumulados pela humanidade e
sistematizados logicamente. O mestre-escola será o artífice dessa grande
obra. A Escola organiza-se como uma agência centrada no professor, o qual
transmite, segundo uma gradação lógica, o acervo cultural aos alunos. A
estes cabe apenas assimilar os conhecimentos que lhes são transmitidos.

No século XX, outras tendências são apresentadas para a escola, dentre as


quais a mudança denominada posteriormente de pedagogia renovada ou pedagogia
escolanovista, que ganhou credibilidade quando a ruptura com o passado, apontada
por Arendt1 (2013) foi realmente efetivada, marcando o fim do pensamento moderno
com o caos instalado pelo terror das duas grandes guerras mundiais que
desencadearam em toda a sociedade um questionamento sobre toda e qualquer

1ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. Tradução de Mauro W. Barbosa. 7 ed. São Paulo:
Perspectiva, 2013. 348 p. Tradução de: Between past and future: eight exercises in political thought.
autoridade e uma descrença na possibilidade de que a tradição e os valores até então
conhecidos e tidos como universais, pudessem permanecer válidos.

O escolanovismo entende ainda que a escola deve reduzir as desigualdades


sociais, conforme aponta Saviani (2003, p. 10), para esta pedagogia:

[...] A educação, como fator de equalização social será um instrumento de


correção da marginalidade na medida em que cumpre a função de ajustar, de
adaptar os indivíduos à sociedade, incutindo neles o sentido de aceitação dos
demais e pelos demais [...], Em suma, trata-se de uma teoria pedagógica que
considera que o importante não é aprender, mas aprender a aprender.

Neste sentido, professor e aluno assumem novas funções. A pedagogia


escolanovista, ao criticar com veemência a autoridade imposta pelo professor e a
passividade excessiva do aluno na pedagogia tradicional, propõe que o professor
assuma o papel de “orientador” das atividades, as quais devem emergir do interesse
dos alunos e por eles devem ser executadas, por meio de um processo de pesquisa,
preferencialmente em atividades em grupo. A preocupação central passa a ser com
a aprendizagem do aluno, com o processo de construção e com a interação social no
grupo.

No Brasil, a educação pública e laica, desenhada por lei com a Proclamação


da República, inicia o século XX de forma caótica. O aporte teórico das escolas
existentes se fundamenta nos moldes da pedagogia tradicional.

Na década de 1920, as inspirações da Escola Nova chegam ao Brasil. Aos


poucos, a Educação vai se estruturando e a primeira Lei de Diretrizes e Bases da
Educação (Lei 4.024) é aprovada em 1961.

Ressaltando-se que, enquanto os países desenvolvidos passavam por um


profundo pessimismo e seus sistemas de ensino entravam em colapso, no Brasil
buscava-se a organização e a estruturação de um sistema nacional que ofertasse
vagas suficientes para todos, superando o analfabetismo predominante no país.

O Brasil, entre os anos 1950 e 1960, passa por um processo de urbanização e


industrialização acelerado. Na escola pública proliferam teorias pedagógicas. Um
exemplo é a educação libertadora, cujo maior expoente é Paulo Freire, o qual
desenvolveu iniciativas para a alfabetização de adultos. O Regime Militar de 1964
impõe reformas educacionais e a pedagogia adotada, após o acordo de cooperação
técnica com os EUA é a tecnicista que, segundo Saviani (2003, p. 12):

[...] A partir do pressuposto da neutralidade científica e inspirada nos


princípios da racionalidade, eficiência e produtividade [...] advoga a
reordenação do processo educativo de modo a torna-lo objetivo e
operacional. De modo semelhante ao que ocorreu no trabalho fabril pretende-
se a objetivação do trabalho pedagógico.

O professor, nesta tendência, exercia a função de executor de métodos de


estudo cuidadosamente elaborados, e o Governo expandiu os cursos técnicos nos
então Ensinos de 1º e 2º Graus em todo país, reduzindo a possibilidade de reflexão
crítica e mantendo com mão de ferro o regime.

Durante os anos 1960, 1970 e 1980, as teorias crítico-reprodutivistas


apregoam, no mundo todo, o fracasso da educação capitalista e como a escola serve
para manter o poder sobre a maioria da população, que permanece na ignorância, ou
recebe rudimentos de leitura, escrita e cálculo. Afirmam ainda que o papel da escola
restringe-se a treinar os filhos dos operários para a obediência e para a manutenção
da condição de explorados diante dos capitalistas.

No Brasil, essas críticas também chegam e ganham corpo, a partir da década


de 1970, quando teóricos brasileiros analisavam criticamente a educação e seu poder
para ultrapassar a indignação e as mazelas sociais, esboçando uma teoria que
defendesse como função da escola a emancipação das classes trabalhadoras, as
quais historicamente permaneciam à margem da sociedade e da escolarização. Essas
críticas desencadearam reflexões e, passados alguns anos, foi elaborada por Saviani
a Pedagogia Histórico-Crítica.

Desde os anos de 1980, tanto no Brasil quanto no exterior, outras formas para
educar fomentaram discussões, influenciadas pelas pesquisas de Jean Piaget.
Denominadas construtivistas, incorporaram o discurso da Escola Nova, a tecnologia
digital e valorização dos ideais neoliberais da possibilidade de ascensão social pela
via individualista, relativizando tudo por meio de um discurso subjetivista de felicidade
humana.

Dentre as propostas educacionais derivadas dos estudos da Epistemologia


Genética de Jean Piaget, segundo Duarte (2010), encontram-se a Pedagogia de
Projetos, Pedagogia do Professor Reflexivo, Pedagogia de Competências e
Pedagogia Multiculturalista, as quais prometem soluções simples para a prática
pedagógica resultando em atuações ecléticas, intensificando o pensamento neoliberal
da apologia à diversidade. A escola desloca o foco da transmissão do conhecimento
científico para a valorização do aprender a aprender e como fim último a redenção da
sociedade.

No final do século XX e início do século XXI, essas ideias dominam o panorama


educacional e são apoiadas pelas políticas públicas e pelo sistema neoliberal, uma
vez que propagam a função da escola de forma democrática, buscando a
emancipação humana, mas a prática pedagógica desenvolvida é alienante, baseada
em princípios imediatistas, individualistas, tanto do professor e alunos.

4 PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA

A Pedagogia Histórico-Crítica resulta de um processo de inquietação do


professor Dermeval Saviani.

Saviani (2012, p. 76) optou, a partir de 1984, por denominar sua teoria de
Pedagogia Histórico-Crítica, a qual reflete:

[...] o empenho em compreender a questão educacional com base no


desenvolvimento histórico objetivo. Portanto, a concepção pressuposta nesta
visão da Pedagogia Histórico-Crítica é o materialismo histórico, ou seja, a
compreensão da história a partir do desenvolvimento material, da
determinação das condições materiais da existência humana.

A Pedagogia Histórico-Crítica é elaborada com o intuito de buscar a superação


das teorias existentes, propondo uma práxis no interior da escola, visto que até então
não existiam alternativas para os educadores que buscavam uma atuação crítica.

Para Saviani (2003), portanto, esta teoria entende que a função social da escola
é a socialização do saber sistematizado, do conhecimento científico capaz de
instrumentalizar as camadas populares na superação de sua condição de alienada e
explorados.

As linhas principais da PHC foram elencadas em dois textos escritos por


Saviani (2003), o primeiro denomina-se: Teoria da curvatura da Vara, tomando de
empréstimo um termo de Lênin (curvatura da vara) e o segundo é intitulado Para além
da teoria da curvatura da vara.

Saviani (2003) explica, então, os passos de sua teoria:

a) Prática social inicial, em que se busca o entendimento da prática social que ainda
não foi apreendida pelos alunos. Neste momento, o posicionamento teórico de alunos
e professores é diferente, o aluno tem uma vaga ideia da prática social, de caráter
sincrético, e o professor responsável pelo trabalho com o conteúdo após desenvolver
seus estudos naquela disciplina tem uma amplitude maior da articulação deste
conhecimento com a prática social, assumindo, assim, uma visão sintética.

b) Problematização: é a busca das questões na prática social que ainda estão


cobertas pela ideologia dominante. Passa-se a selecionar conhecimentos que
precisam ser dominados pelos alunos para poder interferir criticamente nesta prática.

c) Instrumentalização: Nesta etapa, o professor será responsável por transmitir direta


ou indiretamente conteúdos que possam levar os alunos à apropriação dos
conhecimentos científicos, filosóficos e artísticos historicamente elaborados pela
cultura, que se transformarão em conhecimento indispensável à luta de classes contra
a exploração.

d) Catarse, ponto central do processo educativo na proposta aqui delineada. É um


termo emprestado de Gramsci, e tem o intuito de definir o momento de transformação
da visão fragmentada à incorporação do conhecimento, que, uma vez entendido e
dominado pelo aluno, compõe seu acervo de elementos de luta na busca pela
transformação social.

e) Prática social (final) quando o aluno chega, pela visão sintética adquirida na catarse,
ao mesmo nível de compreensão do professor. Entenda-se que devido à
aprendizagem e à possibilidade de intervenção frente às situações cotidianas, que
não ocorre direta e imediatamente, mas ao longo da vida do aluno, a educação terá
cumprido sua função social.

Por meio destes passos e da valorização dos conteúdos a PHC considera


também a importância do trabalho do professor. Forquin (2000, p. 50), ao trabalhar
com a valorização do currículo, reforça a tese de que caberá ao professor fazer esta
análise sobre qual conhecimento possibilitará maior amplitude de crescimento
intelectual e desenvolvimento do espirito crítico frente ao mundo.

5 TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL

A nomenclatura Teoria Histórico-Cultural é atribuída aos estudos psicológicos


que derivam da teoria do Russo Lev Semionovitch Vigotsky e seus seguidores, entre
eles Alexander Romanovich Luria e Alexei Nikolaevich Leontiev.

Na década de 1920, o então médico Vigotski, participou de congresso


Psiconeurológico, e foi convidado juntamente com um grupo de estudiosos para
iniciarem estudos sobre Psicologia. Sua proposta deu ênfase ao “[...] estudo do
desenvolvimento social do psiquismo humano” (MARTINS, 2013, p. 2), cuja
personalidade é estruturada a partir das relações sociais que se estabelecem e da
cultura historicamente herdada. Assim, o materialismo histórico e dialético foi aplicado
à Psicologia, a qual até então considerava o desenvolvimento humano partindo de
princípios orgânicos.

No Brasil, vários estudos foram e continuam em desenvolvimento sobre a teoria


postulada por Vigotski, utilizaremos o trabalho de Martins (2013), que aborda a relação
entre o “desenvolvimento do psiquismo e a educação escolar”.

Martins (2013, p. 10 e 11) estuda as premissas de Vigotski sobre a “natureza


social do pensamento humano”, condição que o distingue dos animais e sobre a “as
formas de evolução do funcionamento mental construídos pelos saltos qualitativos
requeridos à atividade consciente e intencional” necessários para a conquista da
natureza pelo homem, esses comportamentos complexos recebem também o nome
de funções psíquicas superiores.

A autora, em seus estudos, caracteriza “o desenvolvimento do psiquismo como


sistema interfuncional” (MARTINS, 2013, p.12), que se identifica com “a formação da
imagem subjetiva da realidade objetiva” (MARTINS, 2013, p. 11). Acrescenta ainda
que os processos funcionais, que caracterizam o ser humano são: sensação,
percepção, atenção, memória linguagem, pensamento, imaginação e afetivo (emoção
e sentimento).

Esses processos são interfuncionais, os seres humanos nascem com


processos funcionais primitivos que evoluem por meio das relações que o indivíduo
estabelece socialmente, desenvolvendo-se qualitativamente e tornando-se cada vez
mais complexos e o que possibilita ao ser humano uma evolução qualitativa diferente
dos demais animais (MARTINS, 2013).

Ainda na esteira do pensamento desta autora, reforça-se a importância da


educação escolar como uma das instâncias responsáveis pela transmissão da cultural
e no estabelecimento dos processos sociais de mediação do ensino, o que possibilita
pleno desenvolvimento da personalidade do indivíduo por subsidiar situações
qualitativas que impõe o desenvolvimento dos processos funcionais de seus alunos
(MARTINS, 2013).

Esclarecendo o pensamento de Vigotski, Marfins (2013) destaca o ensino como


mediação na relação entre aprendizagem e desenvolvimento. Segundo a autora,
apoiada nos estudos de Vigotski o desenvolvimento não precede a aprendizagem,
são processos interdependentes e que acontecem simultaneamente, a maior
qualidade da aprendizagem levará o ser humano a um nível de desenvolvimento maior
de suas funções psíquicas. A autora ressalta que nem toda a aprendizagem possibilita
o desenvolvimento.

Uma teoria psicológica não se aplica a educação por si só, mas ampara o
entendimento das Teorias Pedagógicas que se aplicam ao trabalho educacional, estes
princípios psicológicos são considerados no entendimento da função da escola e na
elaboração dos métodos de ensino (MARTINS, 2013).

Assim, a Teoria Histórico-Cultural entende que seus princípios são


contemplados pela Pedagogia Histórico-Crítica, abordada neste artigo, visto que
ambas entendem que a escola precisa transmitir aos alunos os conhecimentos cultural
e historicamente elaborados pela humanidade contribuindo para o processo de
humanização das pessoas.

Martins (2013, p. 27) menciona a “unidade filosófica” entre Teoria Histórico


Cultural e a Pedagogia Histórico-Crítica, cujos pressupostos articulam-se na
elaboração do processo de ensino e das consequências deste para o
“desenvolvimento dos processos funcionais”. (MARTINS, 2013, p. 270)

6 O PLANO DE TRABALHO DOCENTE E A PEDAGOGIA HISTÓRICO CRÍTICA

A Pedagogia Histórico-Crítica busca a instrumentalização dos alunos, por meio


da transmissão do conhecimento científico, artístico e filosófico, entendendo que a
educação sozinha não mudará a sociedade, mas uma práxis emancipatória do
professor efetivará a função da escola. Saviani (2003, p. 80) reitera a importância do
trabalho do professor afirmando que:

[...] um professor de história ou de matemática, de ciências ou


estudos sociais, de comunicação ou expressão ou de literatura brasileira etc.
tem cada um uma contribuição específica a dar, em vista da democratização
da sociedade brasileira, do atendimento aos interesses das camadas
populares, da transformação estrutural da sociedade. Tal contribuição
consubstancia-se na instrumentalização, isto é, nas ferramentas de caráter
histórico, matemático, científico, literário etc., cuja apropriação o professor
seja capaz de garantir aos alunos.

Ao cumprir seu papel de mediador do processo de ensino, por meio do


conhecimento de cada disciplina, o professor possibilitará ao aluno o desenvolvimento
de uma consciência de si no mundo e de uma consciência de sua condição de
explorado.

Cabe ao professor refletir conforme afirma Saviani (2012, p. 91) que: “[...] a
prática será tanto mais coerente e consistente, será tanto mais qualitativa, será tanto
mais desenvolvida quanto mais consciente e desenvolvida for a teoria que a embasa
[...]”

Nesta direção, Oliveira e Duarte (1986) reflete sobre a postura comum entre
professores de pensar que “na prática a teoria é outra”, afirmando, consciente ou
inconscientemente, que durante o processo de ensino o professor trabalha com uma
concepção pedagógica, e quando não assume uma concepção específica, na
organização do ensino, deixa de cumprir adequadamente seu papel.
A tarefa do professor diz respeito, a seleção e transmissão dos conteúdos
clássicos, aqueles que perduraram na cultura universal. Esclarecendo essa
importância, Forquin (1993, p. 167-168) afirma:

[...] Ensinar supõe querer fazer alguém aceder a um grau ou a uma forma de
desenvolvimento intelectual e pessoal que se considera desejável [...] Educar,
ensinar é colocar alguém em presença de certos elementos da cultura a fim
de que ele deles se nutra, que ele os incorpore e à sua substância, que ele
construa sua identidade intelectual e pessoal em função deles.

Gasparim (2007) elaborou um método didático da aplicação da Pedagogia


Histórico-Crítica. Esse autor estruturou uma série de procedimentos metodológicos
para cada passo da Pedagogia Histórico-Crítica, ampliando as possibilidades de
aplicação da mesma na sala de aula.

Os estudos teóricos realizados primaram por subsidiar os professores a


elaborarem seus Planos de Trabalho Docente subsidiados pelos apontamentos da
Pedagogia Histórico-Crítica, ampliando a possibilidade de reflexão-ação-reflexão pelo
professor em sala de aula, visando a humanização dos alunos enfatizada pela
Pedagogia Histórico-Crítica e pela Teoria Histórico-Cultural.

7 GRUPO DE ESTUDOS

O Projeto de Intervenção Pedagógica que deu origem a este artigo foi


implementado no Colégio Estadual “Antônio Raminelli”, Ensino Fundamental e Médio,
na cidade de Cambé, Paraná, nos meses de agosto e setembro do ano de 2015, por
meio de Grupo de Estudos e Estudo Dirigidos em hora atividade, na modalidade
presencial. O público alvo compôs-se por: professores, professores pedagogos e
demais trabalhadores da educação.

O Grupo de estudos e o estudo dirigido abordaram as seguintes temáticas:


Função Social da Escola, Tendências Pedagógicas, Pedagogia Histórico-Crítica,
Teoria Histórico-Cultural: Aproximações e O Plano de Trabalho Docente e a
Pedagogia Histórico-Crítica.

O desenvolvimento de cada temática possibilitou ao grupo refletir sobre a


prática pedagógica. A primeira temática: Função social da escola, desencadeou a
discussão sobre qual seria a função da escola. Os estudos realizados apresentaram
essa função, segundo a Pedagogia Histórico-Crítica e a Teoria Histórico-Cultural.
Observou-se um consenso sobre o que não era de responsabilidade da escola, e a
leitura de Saviani (2012) suscitou discussões e despertou a todos para a dimensão da
responsabilidade que a escola possui ao formar a humanidade em cada aluno e ainda
que para que essa função seja cumprida os conteúdos estudados na escola precisam
ser os clássicos.

No relato dos cursistas a segunda temática: Tendências Pedagógicas, foi


apontada como um estudo importante para rever, conhecer ou entender as diferentes
teorias pedagógicas, bem como as implicações de cada uma no trabalho em sala de
aula. Outra questão abordada nesta temática e cuja discussão foi enriquecida com a
experiência profissional dos cursistas, foi a análise de como as políticas públicas em
educação e os documentos educacionais condensam uma teoria ou várias teorias
pedagógicas, o que também impõe mudanças no contexto escolar.

A Pedagogia Histórico-Crítica foi detalhada na terceira temática e os cursistas


puderam refletir sobre os pressupostos da mesma e sua presença em documentos
oficiais. O estudo dos passos desta teoria, elencados por Saviani (2003) e a
possibilidade de aplicação dos mesmos na prática pedagógica suscitou discussões.
Ao término da temática, segundo os cursistas, ficou evidente a relação entre a função
social da escola, os passos dessa teoria e a possibilidade de alterar a prática
pedagógica.

O estudo da Teoria Histórico-Cultural foi a quarta temática abordada. Segundo


os cursistas foi a temática mais densa porque o contexto apresentado por Martins
sobre a teoria de Vigotski, raramente é apresentado em cursos ou formações
detalhadamente. Foi possível observar que muitos cursistas gostariam de estudar
mais sobre o tema, na busca de outras informações. Cumpre enfatizar que o grupo
conseguiu perceber a estreita relação entre a Pedagogia Histórico-Crítica e a Teoria
Histórico-Cultural.

A quinta temática desta Implementação Pedagógica abordou a elaboração, em


grupos, do Plano de Trabalho Docente, conforme os passos da Pedagogia Histórico-
Crítica, amparados também pela leitura do método didático de Gasparin (2007).
Foram elaborados três Planos de Trabalho Docente, os quais foram amplamente
discutidos, os professores que participaram da formação entenderam que é possível
trabalhar com esse planejamento, inclusive alguns reforçaram que já possuíam
práticas que se aproximavam dos passos da PHC. Alguns cursistas relataram a
mudança de sua prática após os estudos, pois passaram a compreender melhor a
aplicabilidade dos passos, outros relataram que pretendem incorporar as mudanças
em suas aulas.

Os Planos de Trabalho Docente elaborados foram aplicados em diferentes


turmas: Matemática – 9º ano do Ensino Fundamental, Língua Portuguesa – 6º ano do
Ensino Fundamental e Arte – 3º ano do Ensino Médio, por três professores. Todos
afirmaram que é possível desenvolver um trabalho de qualidade seguindo os passos
da Pedagogia Histórico-Crítica. Uma das professoras inclusive relatou que já
trabalhava dessa forma e sentiu-se satisfeita em perceber que sua prática é
condizente com a teoria. Os entraves encontrados são relativos a indisciplina e
postura de desinteresse dos alunos frente aos estudos, o que em algumas turmas
inviabilizou a execução completa do Plano de Trabalho Docente.

Os cursistas apontaram em suas avaliações que tanto o Grupo de estudo,


quanto o estudo dirigido em hora atividade, possibilitaram aprofundamento de
conceitos teóricos, os quais tornam a elaboração do Plano de Trabalho Docente e sua
efetivação um processo mais consciente, segundo a Pedagogia Histórico-Crítica e a
Teoria Histórico-Cultural.
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A escola é um local fecundo para inúmeras discussões nos mais diversos


campos do conhecimento, após a Implementação Pedagógica algumas
considerações podem ser realizadas considerando a síntese das reflexões sobre a
prática pedagógica, sobre a função social da escola e como a Pedagogia Histórico-
Crítica e a Teoria Histórico-Cultural entendem o conhecimento.

As discussões evidenciaram que a formação continuada dos profissionais da


educação, precisa ser aperfeiçoada, priorizando o processo de reflexão-ação-
reflexão, retomando as conceituações teóricas que embasam a elaboração da prática
pedagógica consciente.

O estudo da função social da escola possibilitou que os cursistas superassem


visões confusas e distorcidas sobre a instituição e o estudo da Pedagogia Histórico-
Crítica e da Teoria Histórico-Cultural reafirmaram que a função social da escola é
possibilitar o acesso aos conhecimentos científicos, artísticos e filosóficos elaborados
pela cultura humana ao longo da histórica, pois somente a apropriação do
conhecimento possibilitará ao aluno o pleno desenvolvimento humano.

Outra questão interessante percebida na implementação pedagógica, refere-se


ao fato dos professores, frente a tantas teorias educacionais, sentirem-se atordoados,
assim, como não sabem ao certo qual seria a melhor, acabam retomando as práticas
pedagógicas realizadas por seus mestres. Ao trabalhar com a temática das
Tendências Pedagógicas foi possível apresentá-las e contribuir para a reflexão que o
professor realiza sobre sua prática.

A elaboração e aplicação dos Planos de Trabalho Docente demonstram que os


passos da Pedagogia Histórico-Crítica podem ser aplicados e os resultados são
positivos, mas os professores necessitam de apoio da equipe pedagógica no processo
de elaboração e avaliação dos mesmos, visando a superação dos problemas que
certamente surgiram no processo de ensino.

Ao finalizar o Grupo de estudos e o estudo dirigido alguns cursistas


propuseram-se a realizar mudanças em suas aulas, buscando incorporar os
conhecimentos estudados, demonstrando que mudanças são possíveis no contexto
escolar.

Enfim, para que essa teoria seja efetivada na prática pedagógica e norteie a
elaboração do Plano de Trabalho Docente, deve ser incorporada ao Projeto Político
Pedagógico da Escola e ainda ser estudada em todos os momentos em que forem
possíveis: reuniões pedagógicas, formações, hora atividade, promovendo-se a
reflexão coletiva.
REFERÊNCIAS

ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. Tradução de Mauro W. Barbosa. 7


ed. São Paulo: Perspectiva, 2013. 348 p. Tradução de: Between past and future:
eight exercises in political thought.
DUARTE, Newton. O debate contemporâneo das Teorias Pedagógicas. In:
MARTINS, Lígia Márcia; Duarte, Newton (org). Formação de Professores: limites
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