Explorar E-books
Categorias
Explorar Audiolivros
Categorias
Explorar Revistas
Categorias
Explorar Documentos
Categorias
Março de 2009
O tema da responsabilidade social das empresas adquiriu, nos últimos anos, grande
destaque no Brasil e internacionalmente, como mostra a freqüência com que o tema aparece
em campanhas publicitárias de grandes grupos empresariais. Mas, além disso, a
responsabilidade social ganhou espaço na agenda de organismos intergovernamentais,
governos nacionais, ONGs e outras organizações e atores sociais. O movimento sindical
também passou a debater o assunto, seja em congressos e encontros, com o propósito de
definir e implementar estratégias de ação. Neste contexto, proliferaram iniciativas voluntárias
de âmbito internacional, muitas delas propondo normas de conduta.
Desde 2005, a Organização Internacional para a Normalização (ISO) elabora uma
norma internacional que pretende oferecer orientações para organizações, não apenas
empresas, que desejam desenvolver ações e programas relativos à responsabilidade social. Por
ser uma norma de diretrizes, não visa à certificação de empresas, processos ou produtos.
Ainda assim, devido à ampla utilização das normas ISO, a futura ISO 26000 poderá exercer
grande influência sobre as concepções e as práticas de responsabilidade social em todo o
mundo, inclusive em relação a temas de interesse direto de trabalhadores e sindicatos.
A futura norma encontra-se no estágio de Committee Draft1. Em meados de março, os
organismos de normalização aprovaram, mediante votação, a conversão em Draft
International Standard2. Com isso, ficam faltando dois estágios, cada um com uma rodada de
votações, para que o texto se transforme efetivamente numa norma internacional, o que está
previsto para ocorrer em dezembro de 2010. Junto com os votos, (46 favoráveis, 19 contrários
e 4 abstenções) foram encaminhados cerca de 3.100 comentários ao texto, na forma de
emendas. Estas sugestões, após analisadas e discutidas, poderão ser aceitas antes que uma
nova rodada de votações aprove a passagem do texto modificado para a fase seguinte de
elaboração.
No caso brasileiro, o organismo nacional de normalização é a Associação Brasileira de
Normas Técnicas (ABNT), que emitiu seu voto de acordo com o consenso alcançado pelas
partes interessadas que participam de uma Comissão especialmente criada para acompanhar o
processo ISO. Uma reunião aberta ao público foi realizada em 02 e 03 de março para colher
as posições das partes interessadas, construir uma posição de consenso e elaborar o voto do
país.
Esta Nota Técnica faz um histórico do processo de elaboração da Norma até este
momento e apresenta as principais características da minuta CD 1.
1
Minuta do Comitê, ou CD 1, na sigla em inglês, que é um dos estágios do processo de elaboração adotado pela
ISO.
2
Minuta de Norma Internacional, ou DIS, na sigla em inglês.
4
Os estágios são Working Draft (WD, minuta de trabalho), Committe Draft (CD, minuta do comitê),
Draft of International Standard (DIS, minuta de norma internacional), Final Draft of International
Standard (FDIS, minuta final de norma internacional), e International Standard (IS, norma
internacional).
5
Este termo não tem uma tradução literal em português, significando ao mesmo tempo a prestação
de contas e a responsabilidade pelos atos praticados.
Estas duas ações fundamentais para a responsabilidade social são tratadas em capítulo
específico da norma. A primeira ação diz respeito a como uma organização pode reconhecer
qual é a sua responsabilidade social. Isto exige a compreensão de que há três polos que se
relacionam: a organização, a sociedade e as partes interessadas.
Além disso, uma organização deve considerar os assuntos centrais da responsabilidade
social sobre os quais a própria norma identifica princípios e sugere ações. São eles:
governança organizacional, direitos humanos, práticas trabalhistas, meio ambiente, práticas
operacionais justas, direitos dos consumidores e envolvimento comunitário e
desenvolvimento. Cada um destes temas centrais é desdobrado em tópicos específicos. Assim,
por exemplo, no tema das práticas trabalhistas há um tópico que trata das condições de
trabalho, outro sobre diálogo social e assim por diante. As organizações deveriam identificar
quais tópicos são relevantes para uma avaliação dos impactos que causam e para a definição
de uma conduta responsável.
A responsabilidade de uma organização pode, em certas situações, se estender sobre
outras organizações com as quais mantenha relacionamento, ou seja, aquelas que estejam em
sua esfera de influência. Neste sentido, a norma diz que uma organização é responsável pela
influência que exerce ou pode exercer sobre outras organizações. Isto inclui partes ou toda a
sua cadeia produtiva ou cadeia de valor6, órgãos associativos, parceiros e competidores.
Obviamente, a responsabilidade também alcança as condições de trabalho existentes nos
fornecedores e parceiros comerciais.
Desenvolvendo um pouco mais o tema do engajamento das partes interessadas. A
organização, com base nos impactos que gera sobre outros, deve identificar suas partes
interessadas. A organização também deve avaliar a relação entre os interesses dessas partes e
o desenvolvimento sustentável, incluindo a saúde e o bem estar social. O engajamento com as
partes interessadas não deveria ser utilizado para se eximir de atender às expectativas
estabelecidas na sociedade em relação ao comportamento da organização.
O engajamento com as partes interessadas pode assumir diversas formas, mas é
basicamente um processo interativo, de mão-dupla. A independência, autenticidade e
representatividade das partes interessadas em relação à organização são componentes
considerados essenciais para um efetivo engajamento. Este serviria, entre outras coisas, para o
6
No entendimento da norma, enquanto a cadeia produtiva restringe-se aos fornecedores, a cadeia de
valor engloba também os clientes, consumidores e usuários de uma organização.
O capítulo 6 da norma trata dos sete temas centrais para a responsabilidade social de
uma organização, já mencionados anteriormente. Uma organização deveria analisar seus
impactos em todos estes temas. Embora a norma considere que tais assuntos devam ser
tratados de forma integrada, pela sua forte inter-relação, serão aqui destacadas as seções da
norma dedicadas aos Direitos Humanos (seção 6.3), às Práticas Trabalhistas (6.4) e ao
Envolvimento Comunitário e Desenvolvimento (6.8).
Direitos Humanos – embora a legislação sobre direitos humanos estabeleça
relações entre o Estado e os indivíduos, é amplamente reconhecido que organizações não-
governamentais podem afetar tais direitos, tendo, portanto, o dever de respeitá-los. A norma
afirma, inclusive, que tal respeito amplia-se até a esfera de influência da organização e
independentemente da vontade ou capacidade do Estado de implementar tais direitos. É
frequente, segundo o texto, que existam expectativas de que as organizações não apenas
respeitem os direitos humanos, mas que deem uma contribuição positiva para sua realização.
Neste sentido, a norma inclui o conceito de “due diligence”7, ou seja, a avaliação
constante de impactos negativos potenciais ou reais que possam estar sendo gerados sobre os
direitos humanos (bem como a outros aspectos da responsabilidade social), visando sua
minimização ou prevenção.
A outra idéia forte nesta norma é a de que as organizações devem evitar qualquer
cumplicidade com abusos aos direitos humanos, seja diretamente, seja auferindo algum
benefício ou pelo simples silêncio ou omissão. Um dos exemplos citados no texto é o da
obtenção de benefício econômico por abusos cometidos por fornecedores em relação aos
direitos fundamentais no trabalho.
Além de tratar do comportamento diante de grupos vulneráveis e dos direitos
econômicos, sociais e culturais, os chamados direitos fundamentais no trabalho são
mencionados como parte dos direitos humanos. Estes direitos, conforme definido pela OIT,
incluem a liberdade de associação e reconhecimento efetivo ao direito à negociação coletiva,
a eliminação do trabalho forçado, abolição do trabalho infantil e eliminação da discriminação
no trabalho e emprego. Esta parte do texto segue o entendimento da OIT em relação a tais
direitos, o que garante o reconhecimento dos consensos alcançados internacionalmente entre
trabalhadores, empregadores e governos.
7
Este termo poderia ser traduzido como “diligência devida” para o português.
Na linha do que foi dito acima, a norma contém um anexo informativo que lista uma
série de iniciativas internacionais em responsabilidade social e que podem fornecer mais
detalhes sobre os diferentes temas centrais (por exemplo, direitos humanos) ou sobre práticas
de integração (que podem ser sobre relatórios, certificação etc.). A lista permite ao leitor
identificar as iniciativas que abordam um determinado assunto ou aquelas que estão voltadas
para um setor de atividades específico. A ISO faz questão de frisar que, ao incluir uma
iniciativa nesta lista, não estará envolvendo julgamento de valor nem muito menos dando seu
endosso a tal iniciativa.
Anexo B – Bibliografia
Esta parte da norma é de extrema importância porque contém as fontes que serviram
de base para a elaboração do texto. E tais fontes referem-se unicamente a documentos
produzidos pela própria ISO e por organismos intergovernamentais internacionais,
notadamente as agências da ONU. Isto decorre do fato de que o WG decidiu que, além do
material da própria ISO, apenas documentos produzidos por processos políticos legítimos, no
qual a sociedade mundial pode expressar suas expectativas para o comportamento das
organizações, deveriam ser utilizados nesta tarefa de indicar o que é responsabilidade social.
É por isso que iniciativas voluntárias, de natureza privada e que não necessariamente
implicam em processos democráticos, não foram utilizadas como fonte. Além disso, ao incluir
na bibliografia apenas estes tratados, convenções e declarações internacionais, a norma
oferece aos seus usuários uma indicação clara de qual deve ser o guia último das ações caso
seja necessário buscar outros esclarecimentos.
Considerações Finais
Esta nota apresentou de forma bastante resumida um documento de quase 100 páginas
que trata de assuntos complexos e com alto nível de detalhamento. Não foi possível fazer uma
avaliação específica sobre cada um dos pontos que mereceriam comentários. A intenção foi
dar uma visão panorâmica, focalizando, em certa medida, aspectos mais diretamente
relacionados aos trabalhadores e suas organizações.