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ções Mul e
E d i iç em b
m a
a
sciat ut serviat
Víctor
(Coordenador da Colecção Kajibanga
Reler África)
África)
Julho de 2014
A presente
Ciências publicação
Sociais é uma coedição
da Universidade das Edições
Agostinho Mulemba
Neto, Luanda, da Faculdade
Angola de
e das Edições
Pedago, Portugal.
Nenhuma parte desta publicação pode ser transmitida ou reproduzida por qual-
quer meio ou forma sem a autorização prévia dos editores. Todos os direitos desta
edição reservados por
EDIÇÕES MULEMBA
Rua do Colégio, 8
3530-184 Mangualde
PORTUGAL
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sciat ut serviat
Índice
Introdução 11
I. A hora de Cheikh Anta Diop 17. 29
Um mundo fragmentado 17
Os artiícios da racionalidade europeia
europeia 20
O im de uma visão 23
A memória de um povo 88
VI. Responsabilidades sociais e políticas do investigador 91. 111
À margem da univers
universidade
idade 92
O cientista e o seu povo 94
Um desaio político 99
Propaganda ou verdade? 105
Para uma ciência ao serviço do homem 107
O desa io
io das novas gerações africanas 113
Referências
Referências Bibliográ icas
icas 119
Introdução
À Juventude Africana
Africana
«Muitas vezes, aquilo que o Ocidente designa de universalidade da ciência, da
história ou da ilosoia indica apenas o sentido do seu próprio conforto de viver e de
dominar. O grau de universalidade que se atribui a si mesmo relecte uma aferição
do peso do imperialismo – em boa consciência – que está disposto a lançar sobre as
nossas vidas. Com efeito, o imperialismo representa uma fonte de conforto (intelec-
tual, social ou económico) em detrimento do próximo.»
(A. Diop)
independência.
egiptólogo Recorde-se
provocou o impacto
nos campus brutal que
universitários a morte
e nos meiosdoculturais.
célebre
Introdução.
Introdução. À
À Juventude Africana
Africana 11
uma
lia mensagem
Césaire, singular
Senghor, que se encontrava
Rabémanjara, omissa
Alione Diop, numa
Fanon ou geração que
Cabral. C. A.
Diop soube comunicar essa mensagem com convicção e persuasão.
Ademais, o impacto do seu pensamento é considerável, conforme se
pode constatar actualmente através dos testemunhos de inúmeros
intelectuais negros que lhe prestam homenagem.
Segundo Théophile Obenga, um dos seus discípulos, C. A. Diop «era
um homem transcendental1». De facto, o único homem de cultura
cu ltura negra,
e seu contemporâneo, que se dedicou ao estudo do Antigo Egipto foi
reconhecido como um «gigante do saber 2» pela globalidade do mundo
negro. C. A. Diop representa, porventura, o tipo de erudito africano
empenhado no debate cientíico dos tempos modernos. Além de ter
dado a volta ao mundo dos conhecimentos – a extensão e a densidade
da sua cultura são prova disso –, este ilho de África é indubitável e
verdadeiramente um dos poucos intelectuais negros de renome mun-
dial. Sabe-se que era membro de diversas sociedades cientíicas. Será
excessivo considerar que esta notável testemunha da vida do espírito
seja o génio do século XX em terras africanas? Conforme assinalado por
Iba Der Thiam, resulta claro que «actualmente, pese embora a existên-
cia de inúmeros homens conceituados e de valor, África não dispõe
de nenhum intelectual com a dimensão e a autoridade internacionais
de Cheikh Anta Diop, nenhum intelectual que goze do mesmo nível de
fama e estima internacionais que o próprio soube conquistar,
conquistar, nenhum
intelectual cuja notoriedade e reputação transcendam, de forma simi-
lar, as fronteiras do nosso continente3». Como esquecer a recepção e
a ressonância da sua obra entre os Negros da Diáspora que, com ele,
perderam também «um dos militantes mais ilustres e fervorosos da
cultura negra4»? Numa placa comemorativa entregue a título solene a
Cheikh Anta Diop no dia 12 de Janeiro de 1985 em Londres, o célebre
historiador é descrito como «o homem de ciência que maior inluência
exerceu sobre o pensamento do século XX».
1. Th. Obenga. «Hommage à notre camarade Cheikh A. Diop», Taxaw , n.º 28, Março de 1986,
p. 5.
2.
3. Ler
Iber«La
Dermort de «Un
Thaim. Cheikh Anta
géant deDiop»,
l’espritLeetSoleil
de 8 eTaxaw
de
du cœur», 9 de Fevereiro
, n.º 28, p.de3.1986.
4. Idem.
tamento,
morte Paul Biyadeveiculou
repentina a emoção
«um homem de todoexcepcional,
de ciência um povo afectado pelae
convicto
corajoso, que dedicou a maior parte da sua vida à investigação cientí-
ica e, em especial, à história africana, bem como à reabilitação das
nações e culturas negras». Através da rádio, da imprensa escrita e da
televisão, foi possível constatar a profunda admiração que as novas
gerações nutriam pelo intelectual desaparecido. A morte do homem
responsável por introduzir o nome de África na história universal da
ciência afectou os jovens das escolas e dos liceus, as revendedoras do
mercado e os condutores de táxi, assim como os estudantes universi-
tários e os intelectuais. As principais disciplinas de investigação nas
quais C. A. Diop se destacou inserem-se no âmbito das ciências sociais
e das humanidades cujo lugar e papel nos processos de transformação
t ransformação
das sociedades africanas não podem ser descurados.
Não urgirá descobrir, através da sua obra, o homem de ciência com
o qual os professores das universidades africanas sonhavam cruzar-se
quando estavam de passagem por Dacar ou por outra cidade africana?
Com efeito, seria perigoso erguer um muro de silêncio em torno de
C. A. Diop, o que, naturalmente, é de esperar que aconteça nos meios
que pensam ter chegado aos Himalaias do saber não tendo, por isso,
nada mais a aprender com os contributos africanos. As reservas e a
aversão de determinados pontíices nunca poderiam vedar o nosso
acesso à obra de uma igura que lia escorreitamente os hieróglifos e
dominava perfeitamente o volofo, a sua língua materna. Trata-se de
domínios relativamente pouco conhecidos dos adversários do egip-
tólogo nativo, ao passo que os linguistas e os etnólogos que o censuram
carecem de competências em egiptologia, a disciplina em que o an-
tropólogo africano era mestre. C. A. Diop forjou um determinado
conjunto de instrumentos com o intuito de fundar o saber em torno
do passado e do futuro de África.
Nascido em 1923 no Reino de Cayor,
Cayor, mergulhado na fé em Deus, este
discípulo de Curie e Bachelard não pode deixar de maravilhar e sur-
preender. O erudito que concebeu o Laboratoire C 14, executado com
base nas suas orientações por técnicos e artesãos, foi mais do que o au-
tor de uma obra sobre ísica nuclear
n uclear.. Um apaixonado pela arqueologia
Introdução.
Introdução. À
À Juventude Africana
Africana 13
apurarseja
assim qual foi o seu
possível contributo
conhecer para
melhor a história
o caminho
caminh dastraçou
o que ciências.
paraTalvez
as no-
vas gerações africanas e o debate suscitado pela sua obra no seio da
comunidade cientíica.
Este pequeno livro pretende contribuir para essa investigação. Se é
verdade que o pensador insere-se no seu tempo, aigura-se
ai gura-se diícil com-
preender C. A. Diop sem
sem considerar o peso dos principais acontecime
acontecimentosntos
e conlitos, das contradições e das lutas, das aspirações e dos grandes
desaios que marcam os homens da sua geração. O presente livro abar-
ca uma série de relexões organizadas em torno de África, o centro de
gravidade da sua obra e do seu pensamento. A vida deste pensador,
pensador, um
apaixonado pela investigação
investigação e mestre em todas as disciplinas intelec-
tuais, foca-se neste tema fundamental. Ao centrar as suas atenções so-
bre este tema de estudo, o investigador indígena deparou-se com um
naipe de obstáculos.
Desde a Antiguidade, um folclore extramente rico, fomentado por
decalques da literatura de viagens, reproduziu incessantemente uma
imagem particular do africano na vida intelectual do Ocidente. Aquando
do Renascimento, a descoberta de outros
ou tros mundos representa, também
para os europeus, uma descoberta de outros povos e de outras cul-
turas. A interrogação cientíica que se enceta não dissipa verdadeira-
mente as miragens através das quais os descobridores das novas hu-
manidades projectam a sua imaginação e as suas fantasias, bem como
as suas reminiscências clássicas. Ao longo da história expansionista
europeia, a partir do período industrial,
indus trial, o inventário do fenómeno hu-
mano coloca os viajantes, os conquistadores, os exploradores, os mis-
sionários, os eruditos e os ilósofos perante o enigma do homem negro.
A obra de C. A. Diop inscreve-se no âmbito do choque de culturas e da
diferença no qual se desenvolveram, desde o Iluminismo, os estudos
e as investigações acerca das sociedades não-ocidentais. Os trabalhos
do investigador africano estendem-se por um vaso domínio inter-
disciplinar em que África se apresenta, a todo o momento e simulta-
neamente, como um dado, uma realidade e uma questão, um desaio
histórico e epistemológico. Em boa verdade, onde se situam estes ho-
mens que, desde o século
sécu lo XV,
XV, são confrontados a respeito do Ocidente?
Oc idente?
Luzes,
da, umairmam a glória
mundo «sem do homem
história».
história». A branco,
A obra dedicando-lhe,
de C. A. Diop revela-sequal
um oferen-
extenso
debate sobre o problema de África na óptica do Ocidente.
Através dos vários prismas desta obra, o negro inscreve-se no
domínio onde o saber é partilhado. Apropria-se de ferramentas e
instrumentos tidos como eicazes para empreender uma relexão so-
bre os discursos cientíicos e questionar certos mitos.
De molde a compreender as teorias do investigador que surgem
em plena crise do imperialismo colonial, importa voltar a esta rela-
ção do Ocidente com o outro na qual a perspectiva acerca dos povos
ditos primitivos não pode estar acima de qualquer suspeita. Munido
de informações exaustivas, de uma cultura vasta e de um pensamento
fulgurante, C. A. Diop faz face a «uma geração de potentados da ciên-
cia», abalando os pilares sobre os quais se fundam os domínios epis-
temológicos.
As páginas que se seguem constituem uma descrição deste conlito de
interpretações. Resumem o cerne das relexões e das entrevistas cuja
recuperação considerei ser imprescindível para destacar a evolução
de um pensamento e das suas articulações principais. A referência às
questões que preocupam C. A. Diop implicam necessariamente um re-
traçar do «percurso do militante». Na realidade, trata-se de descobrir
o erudito e o político no decorrer dos anos em que o homem de cultura
é uma testemunha de uma época marcada por conlitos que ditaram
a queda dos impérios. Importa situar a obra de C. A. Diop neste con-
texto global. Será necessário frisar os limites das relexões que serão
apresentadas? Nunca conheci nem falei com C. A. Diop. Limitei-me a
lê-lo. O que me impressiona neste homem é a sua modéstia intelectual
e o entusiasmo da investigação. Em sociedades marcadas pela instabi-
lidade em que os jovens procuram uma referência, não contribuirá a
relexão sobre a sua vida e obra para que as novas gerações assumam
uma posição profunda face aos valores fundamentais e façam as es-
colhas do futuro?
Introdução.
Introdução. À
À Juventude Africana
Africana 15
I.
A hora de Cheikh A. Diop
A relexão global é invariavelmente incitada pelos grandes perío-
dos de crise, conforme se pode verificar ao longo da história do
pensamento antigo e moderno. O surgimento da obra de C. A. Diop
enquadra-se nos tormentos de uma época determinante, marcada pela
ruína dos mitos do poder colonial.
Um mundo fragmentado
Desde o Renascimento, o mundo não se cinge ao Ocidente apesar
de ser precisamente o Ocidente que domina o mundo. Um reajusta-
mento dos valores aigura-se necessário no momento em que os po-
vos – há muito mantidos à margem das responsabilidades mundiais
– almejam reconquistar a sua iniciativa histórica. Nunca atravessara a
Humanidade uma crise semelhante desde a queda do Império Roma-
no. Na sequência do choque de culturas provocado pelo alargamento
dos horizontes do Renascimento, os conlitos religiosos que cindem
os cidadãos permanecem circunscritos a uma Europa dividida entre o
catolicismo barroco e a Reforma protestante. Em virtude destes acon-
tecimentos, os pensadores vêem-se forçados a redeinir o estatuto da
religião no seioa do
urge substituir Estado.
tirania Face a fanatismos
da insensatez de natureza
pela hegemonia variegada,
da razão através
de um novo ordenamento do espaço político.
A Europa das Luzes ediica-se no contexto de uma crise de consciên-
cia. Tendo
Tendo em vista
vist a o desenvolvimento de uma nova perspectiva sobre
a natureza, o homem, a sociedade e o Estado, a razão tem de se libertar
da tutela da religião enfrentando assim o repto da ciência que se con-
solida desde o processo de Galileu. Os acontecimentos que ocorrem
na sequência da Segunda Guerra Mundial revestem-se de uma maior
gravidade. Já no início do século, alguns pensadores anunciavam o
«declínio do Ocidente». Com a revolta dos homens cor cor,, assiste-se a um
questionamento da autoridade
equilíbrio dos poderes, dos
tal como Estados
fora modernos
propiciada alicerçada no
pela Revolução de
1789 que, sob a inluência dos «ilósofos», dita o im da sociedade feu-
dal. Após a conirmação da revolução industrial, a burguesia europeia
que procedeu à partilha de África por ocasião da conferência de Berlim
vêm ameaçadas as riquezas acumuladas desde o tráico negreiro e das
conquistas coloniais. Diversos povos chegam à conclusão de que, até
então, o Ocidente lhe proporcionara beneícios reduzidos, procurando
apenas satisfazer a sua vontade de poder.
poder. O que está em causa é tanto o
capital quanto
ocidental . o saber que serviram de base para a construção do poder
Cabe sublinhar a dimensão intelectual da crise das relações entre a
Europa e as suas colónias. Com efeito, o movimento graças ao qual os
africanos são incitados a abalar a tutela
t utela ocidental transcende o quadro
da literatura para abarcar a religião, a política, a economia, a antropo-
logia e a história. De molde a cingir-me a esta disciplina, basta
bast a recordar
que, antes das independências africanas, a história coloca-se, desde o
Renascimento, do lado de um poder político – o do Ocidente – que faz
a história. Escrever a história à luz da situação dos «condenados da
terra» exige uma espécie de «destronização», um acto ímpio relativa-
mente a um poder deiicado que se impusera à maioria dos povos exis-
tentes no planeta. Importa ultrapassar as icções, exorcizar o selvagem
para a montagem de um outroou tro relato da realidade com base em factos
desconhecidos mas essenciais tendo em vista a construção de outra
razão no presente. A vida intelectual deste im de mundo procura
outro modelo de inteligibilidade que destaca a tarefa dos pensadores
negros empenhados em «desmaquilhar» o Ocidente, colocando-o no
seu devido lugar.
lugar. Oriundas do que Sartre designava de «indigenato de
elite1» forjado pelos colonizadores, vozes que durante muito tempo
não se pronunciaram fogem à questão da origem da civilização e dos
modelos de referência. «A Europa (…) desregrada caminha para o pre-
cipício relativamente ao qual é melhor manter a distância» dirá Fanon.
Perde-se progressivamente a fé incutida pelos aparelhos da coloniza-
ção acerca da grandeza da Europa e do valor do seu humanismo. Como
pensar de modo diferente perante os massacres tenebrosos de que a
«força negra» é testemunha no antigo mundo em guerra? Já não é pos-
sível deixar-se embalar pela cadência dos catecismos dos administra-
dores, fundadores e missionários coloniais. Os olhos abrem-se perante
o confronto de realidades atrozes.
Muitos africanos sacriicar-se-ão por França. Porém, no âmago dos
conlitos fatais que opõem os europeus, os povos colonizados apren-
dem a desmistiicar a «civilização» dos seus mestres. Os negros não
se limitam a retomar o gosto pela liberdade; também descobrem a
fundadamente
Ocidente todoseos
no mundo naconstituintes da crise que
história. Constatou-se queafecta a posição
os períodos do
mar-
cados por transformações profundas, revoluções ou crises, suscitaram
uma agitação particularmente intensa que promove a relexão. Após
a euforia decorrente da restituição da paz, o período inaugurado em
1945 está repleto de incertezas acerca da natureza e da extensão das
mutações que permitem antever as mudanças que se anunciam com
a crise do colonialismo. No Ocidente, por meio da evolução da vida
intelectual, uma investigação preocupada com o homem e a vida das
sociedades a reconstruir
reconstrui r desenvolve-se
desenvolve-se entre os intelectuais divididos
entre o existencialismo e o marxismo. Não se reiterou suicientemente
o extraordinário movimento intelectual que, através de publicações
variegadas, jornais temporários, petições, conferências e artigos,
veiculam as formas do nacionalismo dos anos 50 cujo peso marcou a
memória de inúmeros povos africanos.
As novas instituições políticas ou sindicais
sindicai s através
através das quais se orga-
nizam novas reivindicações em torno de líderes muitas vezes popula-
res encontram a sua origem tanto num esforço de relexão jurídica de
um alto nível quanto numa invenção da geograia e da história, numa
atenção conferida à economia, às línguas e às culturas dos territórios
colonizados. As relações internacionais são contempladas com base
numa nova apreciação do estado do mundo. Os primeiros romances
dos jovens escritores dados à estampa nesta época, por si só, não con-
seguem traduzir a amplitude das mutações operadas e das interroga-
ções surgidas através do que Emmanuel Mounier designava de «des- « des-
pertar da África
África negra».
negra». A perspectiva das independências arruinaram
os impérios coloniais pressupõe, a título prévio, uma nova visão da
humanidade no seu todo. A partir desse momento, trata-se de subme-
ter ao tribunal da razão a totalidade dos discursos sobre o homem e a
história elaborados pelo Ocidente no quadro das suas relações com as
populações oprimidas. A
oprimidas. A obra
obra de C. A. Diop representa
representa o desa io
io da ciên-
cia com base na recuperação do sentido do destino humano atendendo
ao lugar dos negros na história da humanidade.
humanidade .
Importar,, reaproveitar o ensejo para situar o egiptólogo senegalês e
Importar
compreender a pertinência das suas ideias fundamentais. No mundo
ad’além-mar,
Indochina eairrompe
isua relexão
rrompe com incide sobre
a Argélia, a situação
a qual exige oque
seu se iniciou com
envolvimento.
envolvimento.
Trata-se igualmente do que se anuncia nos Camarões com o UPC de
Um Nyomé. Outro acontecimento que incita à relexão corresponde
corresponde à
revolta madagascarense cuja repressão, logo após a Segunda Guerra,
fazem estremecer as consciências. C. A. Diop, cuja militância no
R. D. A. inicia-se ainda nos seus tempos de estudante, acompanha de
perto estes acontecimentos, meditando sobre eles. No momento em
que a luta pela independência constitui a vivência mais profunda dos
homens da sua geração, este intelectual considera que a emancipação
dos povos sob tutela não se cinge a questionamento de uma forma de
relação com o poder.
poder. Exige igualmente uma «desconstrução»
«desconst rução» do saber
imposto pela Europa com vista a consolidar a sua ascendência sobre as
sociedades não-europeias.
domínios
cedem ao geográicos e sociais
inventário dos será efectuada
fenómenos culturaispor
de disciplinas
sociedadesque pro-
integra-
das nas esferas de inluência ocidental.
oci dental. Urgirá uma transição paulatina
da icção para a ciência no que se refere à abordagem das realidades
de povos longínquos. Ao longo de séculos, África foi continuamente
alvo de uma curiosidade pura. O período do exotismo e do exílio le-
vava a que os espíritos se interessassem por narrativas pitorescas do
«Journal des Voyages»
Voyages» ou testemunhos de missionários que viviam no
coração das lorestas inexploradas. O lugar ocupado pelo homem afri-
cano nessas publicações era praticamente equivalente ao das serpen-
tes venenosas e dos animais ferozes. Speke, o célebre descobridor dos
Grandes Lagos e das nascentes do Nilo, classiica os homens desses
países na categoria da fauna, imediatamente antes dos hipopótamos e
dos elefantes. No entanto, quando se processa a transição da descoberta
para a colonização, os estudos sobre as populações locais começa
a adquirir um interesse prático. A administração das colónias tece
conjecturas a nível do conhecimento dos homens, da sua organização
política e social, dos seus costumes e da sua religião, da sua mentali-
dade e das suas línguas.
A «política nativa» estriba-se no estudo das populações nativas,
Nesse sentido, Faidherbe não se limita à criação de um «Gabinete
político» no Senegal, cujo objectivo era a consecução das investigações
e da penetração; apesar do seu trabalho na qualidade de governador
e chefe militar, o próprio envolve-se inclusivamente em diversos es-
tudos no âmbito das ciências humanas, alguns dos quais ultrapassam
largamente o quadro das preocupações imediatas, conforme ilustradoilust rado
pelos títulos: as populações negras do Senegal e do Alto Níger; vocabu-
lário ouolof, poular e soninké; investigações antropológicas sobre os
túmulos megalíticos de Pokina; ensaio sobre a língua poul ; os Zenaga;
as línguas senegalesas, etc. Formado no Gabinete político do Senegal,
Gallieni ordenou aos seus subordinados que elaborassem monograias
minuciosas acerca da sua circunscrição. Segundo Gallieni, «A grande
força da acção política provém do conhecimento do país e dos seus
habitantes». Daí o lorescimento dos estudos etnológicos ao longo da
colonização. No Gana, Rattray dedica vinte anos da sua vida ao estudo
pério colonial.
-Djibouti» Assim, Marcel
que assinala Griaule
o ponto inancia
de partida a célebre «Missão
de investigações Dacar-
de natureza
mais aprofundada. Os progressos efectuados foram lentos.
Porém, com o intuito de estimular e promover os estudos e as in-
vestigações, assiste-se à implementação de instituições para o efeito.
Assim, em 1795, a African
a African Association de
Association de Londres patrocina um jovem
escocês de 24 anos «formado em medicina e dotado de conhecimentos
em história natural» para levar a cabo uma viagem de prospecção no
interior de África. O relato de viagem deste jovem escocês de nome
Mungo Park permanecerá um legado etnográico inigualável, graças
ao qual a Inglaterra do XVIII poderá proporcionar uma maior clareza
a respeito de um continente confinado numa obscuridade total 2.
A Sociedade dos observadores do homem data de 1799. A célebre So-
ciedade de Etnologia de Londres, por seu turno, é fundada em 1839,
tendo posteriormente o seu homólogo parisiense. Similarmente, a So-
ciedade de Antropologia de Paris é criada em 1844. No período entre
as duas guerras, surge o Instituto de Etnologia – obra de Lévy-Bruhl
e Mauss – a par do famoso Museu do Homem fundado pelo Professor
Rivet, onde, durante vários anos, inúmeros etnólogos receberão for-
mação prática. Recorde-se ainda que a Sociedade francesa de africanis-
tas data de 1931, o ano da Exposição colonial .
Durante o mesmo período, veriica-se, em função das necessidades
da A.O.F, o estabelecimento do Instituto francês da África negra em
Dacar onde trabalham investigadores em ciências humanas e o qual
dá à estampa uma pletora de publicações. A África Ocidental disporá
de um organismo de investigação antropológica. Após a guerra, o
Ofice de la Recherche Scientiique Outre-mer (ORSTOM) cria insti-
tutos de investigação em Brazzaville, nos Camarões e no Togo, para
mencionar apenas a África negra. Estes diversos centros conduzem
diferentes estudos de terreno nos vários domínios da geograia, da
alimentação ou da demograia. Ademais, os serviços da estatística
e do trabalho no Ministério do Ultramar Francês efectuam alguns
inquéritos. Adicionalmente, o Conselho superior de investigações
2. Sobre esta questão, ler P. D. Curtin, The Image of Africa: British Ideas and Action, 1780-1850,
1780-1850,
Londres 1965.
Bantoue
Bantoue de
dedestes
A partir P. Tempels.
centros de estudos e de investigação, forma-se um
conjunto de conhecimentos sobre África em diversos domínios do sa-
ber. Este movimento esboça-se desde a expedição ao Egipto em que
Bonaparte, acompanhado por 40 cientistas, enceta um trabalho de ex-
ploração cujo objectivo derradeiro era o país dos negros, além do Nilo.
Este objectivo
objectivo começa a concretizar-se plenamente a partir dos trabalhos
de Griaule e dos seus discípulos. Volney inaugurara assim uma era
de investigação que loresce num momento em que, após a Segunda
Guerra Mundial, o desenvolvimento das ciências humanas se aigura
um facto manifesto.
O egiptólogo
terem debruçadoafricano não
sobre os descura
temas facto de outros
que o interessam. cientistas
Não restam se
dúvi-
das de que os investigadores estrangeiros nem sempre reconheceram
o valor das suas teses. Porventura não lhes restava outra alternativa
atendendo ao facto de que a formulação dessas teses se inseria num
contexto de luta anticolonial na qual «se dava naturalmente largas às
emoções». Ademais, «havia quem suspeitasse de uma atitude parcial,
a qual considerav
consi deravam
am todavia compreensível, destinada a incentivar
incent ivar os
povos privados
privados culturalmente durante a fase de luta pela independên-
i ndependên-
cia». Importa ainda reconhecer que, inicialmente, os congéneres do
investigador nativo não atribuíam muito crédito às suas teorias. Para
o autor de Nations nègres et culture,
culture, esse facto nada tinha de surpreen-
dente:
«A formação intelectual dos africanos que estavam a dar os seus primeiros passos
era, regra geral, demasiado inconsciente para que pudessem desenvol
desenvolver
ver um parecer
pessoal sobre a tese defendida, sem a necessidade de se basearem, previamente, na
opinião de uma autoridade sacrossanta4.»
é merecedora
Desde 1954,de destaque.
C. A. Diop insiste em sublinhar a importância de um movi-
mento cientí ico
ico a partir de terras africanas.
africanas. Por esse motivo, pretende
assumir a sua vocação de homem de ciência no seio de uma geração de
escritores, romancistas, músicos e poetas. Resulta claro que o próprio
não almeja de modo algum criar um fosso entre a ciência, as letras
e as artes que constituem formas de expressão de uma cultura. Con-
forme demonstram as diversas resoluções redigidas pelas comissões
dos Congressos de Escritores e Artistas Negros de Paris e Roma, Roma , histo-
riadores e ilósofos, teólogos e sociólogos africanos encontram-se en-
volvidos, cada um no seu domínio respectivo, num combate com os
homens de letras e os artistas. Numa altura em que os poetas, reunidos
em torno de duas revistas, Légitime défense e L’étudiant
L’étudiant noir
n oir , exaltam a
beleza da África redescoberta e dos sofrimentos
s ofrimentos da raça oprimida, C. A.
Diop presta homenagem «à coragem, à lucidez e à honestidade do ge-
nial poeta Aimé Césaire e, após ter lido, numa só noite, toda a primeira
parte da obra, o próprio percorreu a Paris progressista da época em
busca de especialistas
especialist as que estivessem dispostos a defender
defender,, a seu lado,
o novo livro, mas em vão! À sua volta, nada mais do que o vazio5».
Contudo, a homenagem prestada ao poeta que reivindica as suas
«danças de negro ruim» não impede o homem de ciência de se de-
marcar do movimento que tem um dos seus principais princ ipais precursores na
igura de Césaire. A im de evitar equívocos
equ ívocos e situar o debate no âmbi-
to da ciência, cujo acesso depende exclusivamente de «uma formação
técnica», C. A. Diop recorda o seu projecto cientíico:
5. Idem
Idem,, p. 5.
6. Antériorité
6. Antériorité des civilisations nègres: Mythe ou Vérité historique,
historique, Présence Africaine, 1967, p. 9.
quais
de umase terra
envidam esforços
de lendas vãos para
oriundas torná-los
da poesia de brancos;
Homero trata-se ainda
na Ilíada
Ilíada e
e na
Odisseia cujas
Odisseia cujas narrativas estruturam o imaginário colectivo. Adicional-
mente, constitui uma terra de terror onde Plínio descobre um reser-
vatório de espécimes deste bestiário fantástico subsequentemente
reproduzido pela Idade Média, o qual alimentará de forma continuada
as ilusões dos ocidentais. Logo, descartar-se-á todas as observações
da ciência antiga sobre os negros, a im de considerar os monstros e as
curiosidades exóticas conjecturadas pela mitologia a respeito do afri-
cano. Numa altura em que Roma ainda detém a sua hegemonia sobre o
mundo, os negros deixam de ser esses homens «escolhidos em função
da beleza, da força e da estatura» de que fala Aristóteles. Sucumbem
à banalidade de um tema exótico em que a sua anatomia pertence a
categorias do grosseiro e do ridículo. Instado a deinir a identidade
cultural, C. A. Diop descobre em Galeno «a génese da imagística do ne-
gro na literatura ocidental».
Com efeito, o médico grego resume «os traços característicos do
negro em dois que lhe parecem fundamentais:
1. Comprimento desmesurado do órgão genital;
2. Hilaridade, forte propensão para o riso.
aseterra
alimentam dasdailosoias
original segundo
emotividade, as quaisde
à margem África se apresenta
qualquer como
forma de ra-
cionalidade verdadeira. Na altura, «os poetas da negritude» não dis-
punham dos meios cientíicos para refutar ou questionar este tipo de
falácias. A verdade cientíica tornara-se, desde há muito, branca pelo
que todas estas airmações – reforçadas pelos escritos de Lévy-Bruhl
– assentes em cores cientíicas deviam ser aceites enquanto tais pelos
nossos povos submissos. Por conseguinte, a «negritude» aceita esta
pretensa inferioridade assumindo-a corajosamente perante o mundo.
Césaire exclama: «Aqueles que não exploraram os mares nem o céu», c éu», e
Senghor: «A emoção é negra ao passo que a razão é helénica9».
Graças a uma releitura dos historiadores, cientistas e pensadores da
Antiguidade que coloca a tónica no papel de África na iniciação civili-
zacional do mundo mediterrânico, C. A. Diop estabelece efectivamente
as pretensões dos intelectuais negros do período entre as duas guer-
ras mundiais. A sua principal preocupação reside em propor a esta
geração de «literatos» uma «abordagem cientíica rigorosa10» à qual,
doravante, será necessário submeter as realidades do mundo negro.
Não se trata apenas de proceder a uma espécie de «indigenação» da
verdade cientíica mas de alcançar uma verdadeira emancipação da
razão que, na África negra, deve ousar tecer julgamentos por si própria
– tal como apregoara Kant na época das Luzes – libertando-se de todas
as formas de tutela a im
im de sair de um estado de minoria intelectual .
No seio de uma geração de poetas e escritores que não hesitam em
subscrever,, de forma irrelectida, airmações desprovidas de qualquer
subscrever
fundamentação, C. A. Diop representa um grupo «de homens capazes
de julgarem por si próprios as questões que lhe são especíicas, sem a
intervenção intelectual de outrem».
Nestes longos caminhos de liberdade cujos obstáculos são con-
sideráveis, o homem de ciência «dá-se ao trabalho de criticar esta
constelação de erros» reproduzidos de geração em geração por meio
de uma tradição intelectual cuja principal testemunha é Hegel, se
8.
9. Civilisation
Idem, p. 279.ou Barbarie? 1981,
1981, p. 277.
10. Ibid, p. 279.
tuiComo
umaencarar seriamente
mercadoria que seasvende
sociedades em que oQue
e se adquire? trabalho
tipo não consti-
de análise
deve ser desenvolvida no quadro de um campo social em que a luta
de classes não corresponde à força motriz da história? Em última
instância, como articular as relações entre a natureza e a cultura fora
de uma sociedade mercantil? É verdade que o marxismo, com Engles,
na obra Les origines de la famille, de la propriété privée et de l’État ,
inspirando-se na etnologia elementar do americano Morgan, procura
lançar os fundamentos de uma antropologia susceptível de promover
os estudos sobre a parentela no contexto africano. Porém, à luz dos
enunciados que instituem o campo da economia de mercado
mercado – realização
realizaçã o
histórica da divisão do trabalho social cujo modo de produção capi-
talista representa uma das efectuações impostas historicamente –, as
sociedades africanas correm o risco de serem encaradas como os an-
tecessores naturais das sociedades ocidentais, segundo o modelo do
evolucionismo que percorre o pensamento do século XX. Marx não es-
capa ao etnocentrismo que avalia as sociedades não-ocidentais segun-
do as normas europeias. Se o autor de Capital manifesta
manifesta interesse em
relação à Índia, acaba por descurar as «sociedades primitivas» para
poder centrar as suas atenções nas questões mais prementes suscita-
das pelas sociedades dinâmicas que enfrentam o drama da civilização
e da história com base no trabalho alienado.
No Ocidente, muito diicilmente os homens de relexão rompem com
as representações elaboradas pelas mentalidades populares acerca
dos africanos. A imagem do negro no dicionário universal francês e
latino, vulgarmente designado de Dictionnaire de Trévoux (1771), é
ilustrativo disso mesmo. Em pleno século das Luzes, esta imagem, re-
tomando uma passagem da Bíblia, considera os africanos descenden-
tes de Cam, que imigrara para o continente «desde tempos imemori-
ais». Desde a maldição de Cam até ao «bom selvagem» 12, o tema está
constantemente presente na história intelectual do Ocidente. Frisa um
modo de relação em que o olhar sobre o outro tende a ser um espelho
11.
12. Ver
Ler Hegel, La raison
W. B. Cohen, dans l’histoire,
Françaisl’histoire , 10/18,
et Africains. Lespp. 245-249.
noirs dans le regard des Blancs 1530-1880,
1530-1880 , Galli-
mard, Paris, 1980.
dente.decorre
logia Ao fechar os olhos acolonial
da ideologia esta estrutura que a torna
e do conjunto possível,
de uma a etno-
coniguração
que condiciona o seu próprio desenvolvimento. O que está em causa
é o papel e o valor do conhecimento na medida em que os discursos
que se pretendem cientíicos estão integrados num ideologia a partir
da qual esses discursos representam, para os ocidentais, a sua forma
de conirmar a sua supremacia sobre o resto da humanidade. Nin-
guém negligencia a função de legitimação desempenhada pela teoria
da mentalidade primitiva14.
Perante esta conjuntura, C. A. Diop considera que o problema não
reside simplesmente em relectir sobre a diferença segundo os mol-
des propostos pelas ciências sociais desde Rousseau15. Urge colocar
termo a uma perspectiva em que o discurso sobre o Outro impôs-se
constantemente como o discurso do mestre, ao longo de uma geração
de ilósofos e de eruditos. Este discurso deve ser alvo de «suspeita»
uma vez que dissimula uma vontade de dominação anexando o saber
a um projecto hegemónico. É a própria verdade que é posta em causa
nesta confrontação radical. A tarefa de C. A. Diop consiste em iluminar
a noite negra dos povos africanos.
15.
tel, C.
éd.Lévi-Str
Lévi-Strauss,
auss, «J.-J. Rousseau
de la Baconnière fondateur
1962; ler também osdes sciences
textos de l’homme»,
reunidos em J.-J.por
em J.-J.
e apresentados Rousseau,
Rousseau , Neucha-
J.-L. Amselle, Le
Sauvage à la mode,
mode, Le Sycomore, 1979.
II.
Um único tema: África
Salvo o seu tratado de Physique nucléaire et chronologie absolue,
absolue, os
restantes títulos das obras do cientista senegalês versam sobre um
único tema: África. Tudo se processa como se o investigador tivesse
descoberto um mundo privado do negro no sentido em que a sua con-
cepção deve ser alheia aos discursos quase etnocidas mesclados com
um paternalismo impenitente. Pretende-se apontar as directrizes
fundamentais e os temas basilares passíveis de serem identiicados
numa obra abundante e cuja diversidade de abordagens e dimensões
traduz a preocupação de alguém que, qual Prometeu, rouba o fogo do
Olimpo dos deuses.
Um único tema, diversas perspectivas
Num certo sentido, C. A. Diop assume-se como um trabalhador
intelectual que fala de África ao mundo cientíico. As suas publica-
ções deixam transparecer um gosto pela curiosidade apenas saciável
através de novas investigações. Cada obra recupera e aprofunda um
dado tema com múltiplas variações. Trata-se
Trata-se de um escritor que nun-
ca abordou um tema banal. Distanciou-se deliberadamente de dis-
cussões ocas edos
para a causa debates
povosestéreis
negros.que
Deunão oferecem
oferece
o melhor m
denenhum contributo
si e investiu todas
as suas forças ísicas, morais e intelectuais para elevar o destino de
um continente a um nível superior. C. A. Diop é a consciência cientí ica
ica
e histórica de África.
África. Esta dimensão confere unidade e coerência ao
conjunto da sua vida e da obra. No íntimo
í ntimo do seu laboratório e na sin-
gularidade da sua experiência na qualidade de homem e de cientista,
envolve a vida e o futuro de milhões de africanos. C. A. Diop lega um
verdadeiro
verd adeiro conjunto de conhecimentos que foram fruto de uma mul-
tiplicidade de perspectivas acerca de um único tema: a África negra.
Quer se trate da origem da humanidade e do «parente
«parentesco
sco genético do
egípcio
nização faraónico e das
social ou das línguas negro-africanas»,
estruturas de autoridade dados modos
África de orga-
pré-colonial,
raça negra. Quem encarou com seriedade a voz deste ilosóico soli-
tário que, em 1888, já destacava
destacava a energia dos muçulmanos «negros»
e o seu potencial inovador num contexto mental em que os mentores
do Ocidente conferiam uma importância sociológica reduzida
ao islamismo no sul do Sahara 3? C. A. Diop pertence incontestavel-
mente a essa linhagem de pensadores e cientistas negros que traçam
a história africana.
A sua negras
nações investigação prende-se
e as suas com
culturas. um motivo
O abade claro:assumira
Grégoire restaurar as
essa
mesma tarefa no século XIX ao proceder a um levantamento «da vida
e das obras de negros que se destacaram nas ciências, nas letras e nas
artes». Contudo, para C. A. Diop, não se tratava da elaboração de um
catálogo de negros ilustres
ilust res no sentido de exaltar a existência
existênci a das «suas
«suas
faculdades intelectuais, das suas qualidades morais
morais e da sua literatura».
literatu ra».
Doravante, a questão que representa um desaio cientíico de vulto
apresenta um carácter mais profundo e global: trata-se de adoptar
uma perspectiva diferente
diferente sobre o mundo da ciência e da cultura. Em
caso extremo, a tarefa que se impõe desde o advento da África negra
consiste na rescrita da história da humanidade, tarefa essa que deve
ser assumida a im
im de destacar a participação dos negros na aventura
da razão que é ilha
ilha do tempo e da história.
história. É esse o propósito funda-
mental da vida e da obra de C. A. Diop.
O problema da história africana será objecto de um estudo poste-
rior.. Importa inseri-lo
rior inseri -lo no conjunto das questões
questõe s que ocupam um lugar
central na obra de C. A. Diop. Desde logo, é possível aludir à dimensão
antropológica da história que, actualmente, se aigura óbvia. É pre-
cisamente no «território do historiador» que África se apresentou
durante muito tempo como uma população à margem da ciência da
cultura. Urge cercar esse território tendo em vista a recuperação do
futuro de um continente ao longo do espaço e do tempo. A preocupa-
ção da unidade africana
afri cana não se veicula exclusivamente por tomadas de
posição no plano político. Este pensamento é subjacente à, e sustenta
a, obra histórica, sociológica, linguística e etnográica de C. A. Diop,
sendo possível identiicá-lo nos vários temas da sua investigação:
origem comum egípcia dos povos negros, unidade sociocultural de
uma sociedade matriarcal, história dos grandes impérios sudaneses.
A partir dessas problemáticas, C. A. Diop conlui naturalmente para
questões de ordem política. Este homem de ciência não está fechado
no seu laboratório e recusa manter-se à parte. C. A. Diop é o intelectual
africano cujas «mãos estão sujas»
sujas»..
3. Cf. «La question islamique en Afrique Noire», Politique africaine, n.º 4, 1981.
pia proposta
libertar-se daspor C. A. Diop
estruturas de às
umasociedades africanas que pretendem
África bloqueada.
A «cultura negra» constitui também o campo privilegiado do
problema da história na estratégia científica de C. A. Diop. Numa
altura em que o binómio tradição/modernidade
tradição/modernidade rege as investigações
africanas, o eixo cultura/história rege a abordagem do investigador
africano. A origem negra da humanidade e da civilização continua a
ser o centro de gravidade do seu empreendimento cientíico. Para o
autor de Nations nègres et culture,
culture, trata-se de retornar ao tema da
cultura com vista à compreensão dos dinamismos históricos em que
os negros desempenharam um papel primordial. Em última análise,
trata-se de demonstrar a importância histórica das sociedades afri-
canas. Conforme devidamente salientado por J. Fonkoué, «os trabalhos
de Diop constituem um projecto de grande envergadura que visa
a reconstituição e a restituição, tanto da cultura quanto da história
africana4». Ao contemplar o passado, o investigador encontra o seu
caminho recorrendo a um repertório de factos culturais que lhe per-
mitem reconhecer-se nas características do Antigo Egipto. A verd verdade
ade
histórica vem ao de cima nesta identiicação ou nesta «Anterioridade
das civilizações negras» no Antigo Egipto. A tese da «origem negra
do Antigo Egipto» funda todas as possibilidades da história de África.
Trata-se de uma história que se escreve no âmbito da dinâmica de
uma cultura em que se constata o papel «civilizacional» das «Nações
negras» nos mundos envolventes. Urge reconsiderar os «preconcei-
tos» e os juízos tecidos a priori por
priori por historiadores e antropólogos que
reproduzem a lenda dos povos sem história, ao dispensarem o inven-
tário da cultura material, da escrita e da língua, da arte
arte ou das instituições
instituiç ões
sociais, políticas e religiosas. Logo, a recusa de toda e qualquer abor-
dagem estática às sociedades africanas aigura-se imprescindível.
Em Nations nègres et culture, C. A. Diop introduz uma escrita dife-
rente da história.
história. Através da demonstração de que os habitantes do
Egipto faraónico eram negros, expõe obrigatoriamente a verdade
sobre aquilo que a humanidade deve à raça negra no domínio da civi-
lização. Segundo C. A. Diop, o objectivo de uma história escrita pelos
4. J. Fonk
Fonkoué,
oué, Différence et identité. Les sociologues africains face à la sociologie,
sociologie, Silex, 1985, p. 31.
bate atestam
que do investigador
a origemafricano. Após
negra da raçaapresentar
egípcia», «os
C. A.diferentes factos
Diop dedica-se
longamente ao parentesco do egípcio e das línguas negro-africanas
e destrói o mito da inferioridade intelectual dos negros recorrendo à
aptidão das línguas nativas para traduzir os mais abstractos dos con-
ceitos. Graças à tradução da teoria
teori a da relatividade em volofo, C. A. Diop
critica as teses geralmente aceites de acordo com as quais as línguas
africanas são línguas ditas «de classes 6».Um dos problemas que, ao
longo da sua vida, se revestirá de maior interesse prende-se com a
utilização das línguas africanas cuja alegada pobreza é desprodesprovidavida de
qualquer fundamentação cientíica.
Uma das preocupações principais de C. A. Diop consiste em pro-
porcionar uma intelecção mais aprofundada do mundo africano. Se o
próprio aplica os métodos das ciências exactas ao estudo do passado
negro, procede também a um estudo minucioso das estruturas da
África negra pré-colonial. Ao debruçar-se sobre a história dos grandes
reinos sudaneses da Idade Média, interroga-se acerca das razões sub-
jacentes à estagnação de povos cujo contributo para o pensamento
humano revela-se inquestionável. Com efeito, na perspectiva de C. A.
Diop, a punção demográica
demográ ica resultante do tráico
tráic o de escravos não bas-
ta para justiicar o atraso africano no domínio técnico. Uma análise
crítica das estruturas sociais da África
da África negra pré-colonia
pré-colonial l revela
revela que,
antes da conquista europeia, África não registou qualquer evolução
dada a ausência de transformações a nível social.
O que não signiica de modo algum que a sociedade africana tradi-
cional seja uma sociedade
socie dade harmoniosa
harmonios a e livre de problemas. C. A. Diop
reconhece a existência de classes nesta sociedade. Em Nations nègres
et culture,
culture, tece a seguinte observação:
observação:
ais deve
Por essaser justiicado
razão, pelos
C. A. Diop seus
– na modos dedoorganização
sequência seu estudoespecíicos.
especíicos
a respeito.
das classes em África no período anterior à colonização – empreend
empreendee
uma análise comparada das estruturas fundamentais que distinguem
as sociedades africanas das europeias. Tornou-se evidente que «o
sistema de organização social assente em castas garante um nível de
continuidade e de equilíbrio na sociedade superior ao do sistema de
classes criado pelos arianos em Roma e na Grécia9».
Para desenvolver a análise destes sistemas distintos, importa retor-
nar a um problema fundamental que, durante muito tempo, inquietou
os antropólogos:
antropólogos: o parente
parentesco.
sco. C. A. Diop
Diop dedica-se a esta questão
questão
numa obra intitulada L’unité culturelle de l’Afrique cujo subtítulo é
«Domaines du patriarcat et du matriarcat dans l’Antiquité classique».
Trata-se de um estudo fulcral que concerne dois tipos de socie-
dades, uma especíica de África e outra do mundo europeu. As suas
estruturas aiguram-se opostas no que se refere a um conjunto de
aspectos, precisamente com base na diferença fundamental entre o
sistema matriarcal africano e o sistema patriarcal europeu. C. A. Diop
apresenta a seguinte síntese dos traços característicos de duas socie-
dades deinidas pelas suas autonomias:
eanálise global da
diversidade. realidade humana
Adicionalmente, reavaliada
estamos peranteà uma
luz da sua unidade
verdadeira en-
ciclopédia viva que nos informa sobre o estado dos conhecimentos de
África e do mundo
mun do europeu.
europeu .
Trata-se de uma das componentes do génio de C. A. Diop. Este
homem deixa transparecer uma verdadeira conluência de aptidões, e
cada uma das suas obras resulta de um esforço original. O seu objec-
tivo consiste sempre tornar os problemas da história e da sociedade
africanas mais claros. Ademais, C. A. Diop não hesita em abordar
determinados temas mais do que uma vez numa tentativa de conferir
um maior rigor ao seu pensamento, é o caso de Antériorité
de Antériorité des civili-
sations nègres: mythe ou vérité historique na
historique na qual desenvolve as suas
obras anteriores. Civilisation ou barbarie constitui
barbarie constitui uma releitura das
suas publicações à luz da ideia de um Egipto negro elevada «ao nível
de um conceito cientíico operatório
operatório».
».
Desde a sua tese sobre nações negras e cultura, C. A. Diop deiniu
um verdadeiro plano de investigação. A partir de um tema que lhe as-
senta como uma luva, identiica uma questão central em torno da qual
formula uma problemática fundamental
fundamental que rege as suas análises e os
seus escritos. Graças aos debates suscitados pelos seus trabalhos
trabalhos,, tem
a possibilidade de retomar as suas hipóteses e testá-las repetidamente
repetidamente
com base nos factos. Logo, reúne «um naipe de factos e provas, livres
de inúmeros pormenores que, por vezes, impediram o autor de Na-
tions nègres et culture de
culture de constatar a sua relevância. Como é evidente,
esses factos foram objecto de uma reavaliação tendo em conta, tanto
quanto o possível, os trabalhos recentemente publicados11.» Este em-
preendimento não se justiica apenas por requisitos de clareza e de
precisão. O investigador leva a cabo uma relexão contínua, pensando
constantemente sobre determinadas questões, aspectos que ignora e
incertezas, pois sabe exactamente em que âmbito deve concentrar os
seus esforços intelectuais; descobriu os materiais; formulou as hipó-
teses que serão objecto de veriicação em cada etapa do seu percurso
cientíico.
10. Idem.
11. Antériorité
11. Antériorité des civilisations nègres
nègres,, p. 9.
«Com efeito, a plenitude cultural torna necessariamente um povo mais apto para
dar o seu contributo para o progresso geral da humanidade, e se aproximar dos
restantes povos com conhecimento de causa. Obstaria apenas ao falso progresso
que resultaria do tolhimento e da eliminação dos valores culturais da maioria dos
povos em beneício de alguns.»
Um problema de método
Nos territórios ou locais onde os antropólogos se deparam com um
paraíso estranho, encetando individualmente um diálogo intemporal
no e«argumento
ço cult ural», oàinvestigador
cultural»,
no tempo, atendendo continuidadenativo aborda
histórica queÁfrica nopovos
liga os espa-
do continente à sua origem. Apesar de não aludir a «povos e civiliza-
ções» que se desdobram em «círculos» e «núcleos» – como no caso de
Baumman e Westermann –, C. A. Diop coloca a tónica na cultura-mãe
das civilizações africanas a partir do delta do Nilo. Por conseguinte, «a
comunidade de cultura, de história, de psiquismo não deixa margem
para dúvidas13», no caso de se admitir a origem negra do Egipto faraóni-
co. «A unidade cultural da África negra» airma-se no quadro de uma
nova visão acerca das realidades do continente.
Esta orientação coloca em causa a imagem de um outro mundo
forjado pela Europa que, durante muito tempo, destacara apenas
costumes selvagens, um espírito degradado, povos desprovidos de
escrita e acervos e, por conseguinte, alheio à história, em todas as
suas formas. Os homens designados de selvagens eram tratados espe-
ciicamente pelos etnólogos de acordo com uma partilha de saberes
imposta pelos dogmas do evolucionismo num contexto em que a
existência de uma ciência dedicada exclusivamente ao estudo das
culturas não-ocidentais reflectia o sentimento de superioridade
da Europa capitalista. Recorrendo à imagem de África apresentada
por C. A. Diop, urge reestruturar o espaço do conhecimento acerca do
homem e da cultura.
Com efeito, África não se insere na categoria da natureza
natureza,, ao con-
trário do apregoado pelos mestres do Ocidente que a haviam rejeitado.
Situa-se na vanguarda do progresso do espírito humano. Por con-
seguinte, é necessário impedir que esta seja objecto exclusivo
exclusivo da etno-
logia que, neste caso, se limitaria a estudar os homens dos «primeiros
tempos» da humanidade com base nos seus sistemas de parentela,
nas suas crenças, nos seus mitos ou na sua mentalidade. O investiga-
dor nativo corre o risco de elevar as realidades africanas ao estatuto
de objectos das ciências históricas. Em última instância, aigura-se
oportuno o alargamento do campo do saber, a par da integração dos
dinamismos internos das sociedades africanas na análise do estudo
do homem e da cultura.
13. Idem
Idem,, p. 21.
os movimentos
história históricos.
implica assinalar as Por conseguinte,
categorias sociais investigar
que não se oconformam
motor da
com a sua sorte pelo facto de «serem exploradas sem compensação».
Atendendo ao estado das suas estruturas sociais e políticas africa-
nas, trata-as de uma situação bastante rara em África. Com efeito,
os escravos estão ligados ao poder em termos bastante latos, e não
meramente de uma forma simbólica ou artiicial. Logo, «a coesão da
sociedade resulta da salvaguarda dos interesses materiais da classe
trabalhadora».
trabalhad ora». É precisamente neste plano que as contradições inter-
nas da sociedade podem ser solucionadas.
A noção de «alienados sem compensação» abre o caminho para uma
análise que frisa as contradições e os conlitos latentes em cada grupo
humano. Nesse sentido, importa rejeitar uma abordagem estática às
sociedades nativas. O investigador africano demonstra a sua ousadia
ao anexar as sociedades ao domínio no qual se exerce a proissão de
sociólogo, entrando claramente em ruptura com uma tradição que
remonta à colonização e na qual as obras sobre os não-civilizados
constituíam amiúde breviários de administradores e missionários,
conforme ilustrado nos livros de Lévy-Bruhl.
Surge, assim, um problema de método: como proceder ao estudo de
populações
populaçõ es e sociedade
sociedadess que, até ao momento, constituíam o monopólio
da etnologia? C.
C. A. Diop aborda este problema a partir de 1963, re-
alçando a premência de um trabalho de terreno adaptado ao contexto
sociocultural.
estes recursos
Em boa paraorestaurar
verdade, investigador a dignidade dos povos
negro interroga negros.da human-
a história
idade a partir de uma África humilhada e em busca da sua liberdade. liberdade .
Para o historiador, África constitui uma terra antiga onde, nos últi-
mos séculos, a humanidade tem sido tratada com desprezo. Não per-
tencerá C. A. Diop à geração de intelectuais africanos que, justamente
com o grupo de Présence africaine,
africaine, coordenado por Alioune Diop, con-
vocará, em 1956, na Sorbonne, o primeiro congresso de escritores e
artistas negros,
negros, considerado com a «Bandung da cultura negra»? Ora,
Nations nègres et cultures fora
cultures fora dada à estampa na véspera deste acon-
tecimento. Trata-se de uma obra que estimulará incessantemente a
relexão junto de inúmeros pensadores e investigadores africanos,
conforme se veriica pelos trabalhos de Théophile Obenga.
A cultu
c ultura
ra e a história
h istória,, as
a s língua
l ínguass nacio
n acionais,
nais, o Estado
E stado e os
o s problem
p roblemas
as
do poder : estes temas, em torno dos quais se articulam a vida e a
obra de C. A. Diop, são palco de um combate cujo desfecho depende
da criação das condições necessárias
ne cessárias para a libertação do homem em
África, contribuindo para que este beneicie de uma existência digna.
O desenvolvimento destes temas pode ajudar a compreender o desa-
io actual do pensamento de C. A. Diop.
«Se nos ativermos estritamente aos dados cientíicos e factos arqueológicos (…) o
protótipo da raça branca seria investigado em vão nas primeiras eras da humani-
dade actual. O negro está na sua origem, sendo inclusivamente o único a existir
durante milénios e, até ao início da época histórica, o cientista negligencia-o2».
2. Idem
Idem,, p. 12; Antériorité
12; Antériorité des civilisations nègres
nègres,, pp. 13-26.
3. Ibidem
Ibidem,, p. 12; Civilisation ou barbarie? , pp. 19-92.
4. Ver
Ver G. Gusderf, L’Université en question,
question, Payot, Paris, 1964.
mento
so europeu,dadesde
comentário Gobineau
palavra a Lévy-Bruhl,
do mestre traduz-se
cujo sistema num
relecte exten-
a relação
do Ocidente com o outro através de uma perspectiva que, marcada
por preconceitos religiosos e, posteriormente, cientíicos, ilustra a
diiculdade em termos da concepção da pluralidade e da igualdade
das civilizações. Para os ocidentais, esta
es ta perspectiva foi, durante mui-
to tempo, a forma de conformar a sua supremacia absoluta sobre o
resto da humanidade. Importa situar a obra do egiptólogo senegalês
em relação a um sistema do mundo no qual o olhar do outro consti-
tui um dos instrumentos do imperialismo cultural que se revela ainda
mais pér ido
ido do que a violência colonial . C. A. Diop é o anti-Hegel, o
pensador negro que contesta, no seu todo, os alicerces de uma herança
intelectual que legitimou a «Missão do homem branco».
O desejo de colocar um termo a um conjunto
conj unto de mitos forjados pelo
Ocidente com o intuito de dissimular a sua barbárie e justificar a
domesticação dos povos e das mentalidades negros levou C. A. Diop
a esquecer-se de si próprio vivendo obstinadamente com o único
intuito de lançar
lanç ar mais alguma luz sobre questões dominadas por pre-
conceitos tenazes que arriscam enclausurar as gerações nas trevas
da ignorância. C. A. Diop representa a razão intrépida e militante que
lança um ataque aos monstros gerados pelo imperialismo. Além de
algumas referências a Heródoto, não se baseará o discurso
discu rso hegeliano
sobre África na tradição intelectual dos países dotados de práticas
coloniais? Neste contexto, se o papel dos negros na história da hu-
manidade e da cultura foi ocultado,
ocult ado, esse facto não deve ser imputado
à ciência mas antes aos mitos do Ocidente que se assume como o
titular exclusivo da vida da inteligência. Em suma, a «dialéctica» é
susceptível de ser entendida como uma continuação das teses de an-
tigos colonos que viveram em África onde, em virtude da procura do
lucro imediato, não se dispõe de muito
mu ito tempo para cultivar a vida do
espírito.
Enquanto os europeus, imbuídos da sua superioridade, continuarem
a olhar para os negros com o mais profundo dos desprezos, a com-
preensão das realidades africanas não registará nenhum avanço;
6. Sobre esta questão, ler L. Fanoudi-Sieffer, Le mythe du Nègre et de l’Afrique dans la littérature
française (de
(de 1800 à la deuxième guerre mondiale)
mondiale),, C. Klincksiec
Klincksieck,
k, Paris, 1968.
bíblica. Se
através daso quais
Ocidente projecta
descobre, sobre
nesta a África
terra, negra fundamentais
os traços as suas fantasias
do
homem selvagem, não deixa, todavia, de expressar a sua admiração
pela civilização que construiu as pirâmides. Numa tese audaciosa,
Engelbert Mveng, partindo dos fundadores do pensamento ociden-
tal, identifica as fontes gregas da história negro-africana. C. A. Diop
dá um passo mais adiante ao estipular a união da «alta região» ou
a África propriamente dita e a bacia do Nilo, separadas pelo Oci-
dente, por intermédio de Hegel, na sua geografia do mundo negro 7.
Aquilo que Hegel considera «uma das zonas mais belas e ricas do
mundo» constitui, aos olhos do historiador africano, o local por
excelência onde os habitantes da «alta região» encontram os seus
verdadeiros antepassados. Propicia-se assim um «terramoto» que
abala os dogmas canonizados. A afirmação de que os construtores
do Antigo Egipto são negros autênticos, tão verdadeiros quanto os
bantus ou os atiradores negros, significa dar provas de «loucura»
no entender dos sábios do Ocidente. As teses constantes em Na-
tions nègres et culture constituem uma espécie de escândalo para
uma mente estribada em Hegel e numa longa tradição intelectual.
O acontecimento que esbarra com a consciência do Ocidente é o
seguinte: «a
«a luz que chegou à Europa não proveio somente do Orien-
te, como se pensou durante longos séculos, ela provém igualmente do
Sul, ou seja, de África, a partir do Egipto negro que constitui o berço
da consciência humana».
humana».
Racismo anti-racista? Ilusão? Falácia, erro monumental? Exageros?
São estas as várias atitudes que
qu e traduzem as reacções da Europa eru-
dita a uma obra fundamental que suscitou um dos grandes debates
da ciência moderna. Os mestres da verdade rejeitaram a tese de C. A.
Diop. Apesar de pouco suspeito de cumplicidade em relação ao colo-
nialismo, J. S. Canale não hesita em escrever:
Verdade escandalosa
esca ndalosa
Assiste-se ao delinear de uma ruptura com os poetas da negritude
envoltos na imagem de inferioridade do negro imposta pela coloni-
zação. Os trabalhos do historiador demolirão esta imagem em todos
os níveis da sua reprodução. O primeiro golpe visa esta geograia da
inteligência que, com base na história ocidental, considera África «o
continente da emotividade».
«Em virtude das suas catedrais, dos seus palácios, das suas cidades e das suas
casas com telhado de colmo, a Europa é o museu da medida, da razão, da ordem
(…). Em contrapartida, África é o continente da emotividade, do contentamento,
da indolência alegre, do ritmo, da forma, da cor e da luz. Todo o continente
africano
afri cano irradia esta emotividade criadora
criadora de arte.»
8. J. Suret-Canale,
Suret-Canale, Afrique
Afrique noire,
noire, Éditions Sociales, Paris, 1959.
«As nações situadas nas regiões frias e, em especial, as nações europeias transbor-
dam de coragem, mas carecem sobretudo de inteligência e de aptidões técnicas;
por essa razão, apesar de uma existência relativamente livre, revelam uma inca-
pacidade para a organização política e uma impotência para exercer a suprema-
cia sobre os seus vizinhos. As nações asiáticas são, pelo contrário, inteligentes e
exibem um espírito inventivo mas não têm qualquer coragem e, por esse motivo,
vivem numa subordinação e escravidão contínuas. Porém, a raça dos helenos, que
ocupa uma posição geográica intermediária, participa de forma semelhante nas
qualidades dos dois grupos de nações anteriores pois é corajosa e inteligente,
sendo essa a razão pela qual leva uma existência livre, sob instituições política
excelentes,
excelente s, e inclusiv
inclusivamente
amente mostra-se capaz de governar o mundo inteiro mesmo
se atingir a unidade de constituição 10.»
9. Max Weber
Weber,, L’Ethique protestante et l’esprit du capitalisme,
capitalisme, Plon, Paris, 1964, p. 13.
10. Aristóteles, La politique,
politique, VII, 7, 25-31, Vrin, 1982, p. 493.
nas universidades
bedoria. C. A. Diop que o Egipto
obriga negroaera
o Ocidente o berço
levar a cabodauma
ciência e dados
revisão sa-
primórdios da ciência e das matemáticas, situando-os num espaço
diferente do grego. Como aprender a pensar, sem incorrer numa
negação de si próprio, que os mais célebres dos eruditos gregos
foram discípulos dos negros?
negros? O historiador pede demasiado à consciên-
consciên -
cia europeia. Ora, a verdade tem este preço.
É possível debater o grau de exigência crítica ao qual o jovem in-
vestigador submete os testemunhos relativos aos decalques gregos
do Antigo Egipto. Estará o próprio ciente do facto de que se trata de
um lugar-comum que, em função dos períodos e das necessidades,
tende a transformar o Egipto numa espécie de lugar mítico ao qual
se atribui a génese dos aspectos da cultura sobre os quais assenta
o prestígio da Europa? Aigura-se igualmente possível proceder a
um estudo da verdade das interpretações do investigador africano
a respeito das iliações entre o pensamento egípcio e o pensamento
grego. Será que C. A. Diop, leitor de Platão, no caso
c aso de Timeu11, se alia
ao ilósofo na sua dinâmica própria? Ao reconhecer a origem egípcia
dos teoremas de Pitágoras e da geometria de Euclides, o historiador
apercebe-se perfeitamente do espírito laico que preside à elaboração
da ciência grega. Os decalques não excluem rupturas criadoras. Com
efeito, a história da ciência insere-se também nesta descontinuidade
que se opera com o nascimento de um saber próprio de uma época.
Ademais, o carácter efectivamente ilosóico das ideias ou das doutri-
nas egípcias transladadas para a cultura grega não é evidente. Ema-
na de um pensamento anónimo pertencente ao que uma geração de
pensadores africanos designa actualmente de «etnoilosoia». C. A.
Diop empenha-se, de resto, em desenvolver uma comparação entre
estas noções ou crenças do Antigo Egipto e as cosmogonias africanas
inventariadas pelos antropólogos. Em Civilisation ou barbarie?, o
barbarie?, o his-
toriador africano identiica as convergências entre as noções egíp-
cias e a «metaísica dogon» estudada por M. Griaule ou a «ilosoia
bantu» de P. Tempels. Com base neste reencontro de África com as
suas origens culturais, o investigador soluciona o problema de uma
devem aprender
respeito a esquecer
da África negra. Desseos dados
modo, fornecidosda
apropriam-se pela
suaEuropa
memóriaa
verdadeira e libertam-se de séculos de alienação:
IV. Consciê
IV. Consciência
ncia histórica
e revolução africana
Primeiramente, o nome de C. A. Diop icará
i cará «para sempre associado
ao renascimento da história africana. Graças aos seus trabalhos, foi
possível revelar toda uma parte do passado africano, permitindo,
em simultâneo, colmatar lacunas consideráveis em termos do conhe-
cimento da evolução geral da humanidade. Ademais, contribuíram
para que os africanos conseguissem recuperar com maior eicácia
uma fracção importante da sua memória colectiva, a qual lhes per-
mite ter uma percepção mais adequada dos alicerces da sua identi-
dade cultural1».
a criação
sos da revista
de escritores Présence
e artistas Africaine
Africaine até
negros, até à realização
à fundação dos congres-
da Sociedade Africana
de Cultura e à celebração do primeiro festival mundial das Artes Ne-
gras na qual desempenhou um papel de monta. Ao longo de mais de
30 anos, esta aventura prometeica continuou em livros e artigos, em
conferências e colóquios, em debates e comunicações nas quais este
homem se assumiu como uma das grandes vozes do mundo negro.
Esta vida devotada à investigação é instigada por um único propósito:
restituir a consciência histórica dos povos africanos.
africanos . Homenagear
C. A. Diop signiica também recordar o sentido de uma obra que
transformou o panorama científico do nosso tempo. É isso que
pretendemos fazer ao remontar à origem do combate que envolve o
futuro do homem africano.
A escolha desta esfera não deverá causar surpresa para um pensa-
dor africano. No contexto em que a antropologia se apresenta como
uma ciência das sociedades primitivas, não será a história uma di-
mensão da existência humana de que os negros carecem, segundo
a convicção ocidental? Revela-se oportuno mencionar as airmações
de Hegel; segundo o ilósofo, o continente africano é desprovido de
«uma história propriamente dita» e, por conseguinte, descura «Áfri-
ca para, depois, não voltar a referi-la». Com efeito, «o que entende-
mos globalmente pelo nome de África é um mundo anistórico, não-
-desenvolvido, totalmente prisioneiro do espírito natural e cujo cu jo lugar
ainda se encontra no limiar da história
históri a universal3». A Europa colonial
não se limitou a assimilar a lição do mestre. Colocou-a em prática
com rigor através das suas instituições, tal como ilustrado pelos
programas de ensino na África negra.
No momento em que C. A. Diop trabalha sobre as origens negras
do Antigo Egipto, o manual escolar de base dos jovens africanos era
Madou et Bineta no
Bineta no qual iguram, precisamente, os aparelhos ideológi-
cos da colonização. Haveria que restituir a imagem de África que
transparece nas leituras, nos ditados ou nas narrações por meio dos
quais os alunos sábios e aplicados aprendem a língua francesa. Mous-
sa et Gigla,
Gigla, substituídos em 1931 por Madou et Bineta Bineta sont devenus
Mamadou
qual e Bineta
o ensino opõe-se
procura Paris,
suscitar umessa cidade
certo onírica emnarelação
encantamento medidaà
em que constitui o símbolo da civilização presente na memória dos
antigos atiradores negros.
Eis o panorama do ensino na África
Áfric a negra. Para os jovens
jovens africanos
dos anos 50, a escola faz sonhar com a cidade e a Europa, tanto mais
que a imagem dos negros e das suas sociedades corresponde à dos
povos selvagens.
selvagens. Ao libertá-los desta situação,
situaç ão, a escola deve elevá-lo
elevá-lo
a um «estádio» superior no qual, moldado à imagem do seu senhor,
o colonizado renuncia às suas origens a im de assumir a história
dos «civilizados». Adicionalmente, a criança negra aprende que os
seus antepassados são os gauleses «de olhos azuis e cabelos com-
pridos». Profundamente assimilacionista, o ensino colonial visa pro-
duzir «peles negras e máscaras brancas». Para singrar nessa missão,
não basta a obrigação de aprender tudo na língua do estrangeiro:
o ensino da história contribui para a consecução dos objectivos da
política de educação.
Deve «propender para a demonstração de que França é uma na-
ção rica, poderosa, capaz de se fazer respeitar, mas, em concomitân-
cia, ilustre devido à nobreza dos seus sentimentos, generosa e que
nunca recuou perante os sacríicos humanos e monetários para con-
ceder aos povos dependentes ou às comunidades selvagens a paz e
os beneícios da civilização4». Nessa perspectiva, «quanto à nossa
história nacional, esta
est a deverá sobretudo munir a alma nativa de exem-
plos heróicos e imbuí-la de admiração 5». Chamado a olhar-se para si
próprio no espelho do outro, o jovem estudante africano descobre
que necessita da colonização para ter acesso ao bem-estar e à paz. O
que pressupõe que, antes da penetração europeia, os nativos viviam
na barbárie. África é uma terra de selvagens; reclama a presença do
homem branco, o único dotado de um nível civilizacional superior.
Desde os 10-12 anos, esta mensagem é incutida nas crianças negras
por meio do ensino da história. Uma vez que os aspectos relaciona-
dos com o passado africano
afric ano devem ser considerados «primitivos» ou
«Recordo-me da minha
«Recordo-me m inha infância; enfeitiçados pelas histórias e pelo heroísmo, can-
távamos juntamente com camaradas brancos canções antigas, uma herança das
guerras da revolução
revolução ou de Napoleão. O meum eu entusiasmo – tive a mesma sensação
posteriormente nos albergues da juventude – estacava após as primeiras estrofes,
perante a ideia de que os meus antepassados eram diferentes dos destes amigos
com os quais tinha tantos laços e esperanças em comum6.»
O respeito do real
Eis a condição dos jovens africanos dos anos 50 face à questão da
sua origem. Com base nas obras ocidentais, os jovens deparam-se
com «a noite negra», mostrando-se incapazes de explicar aquilo que
os seus antepassados faziam no continente desde a pré-história. A
revolução cultural preparada por C. A. Diop – que, em plena crise
do colonialismo, destaca a importância da memória para as novas
gerações de africanos – eclode neste contexto. Em certo sentido, a
história resume a consciência que um povo tem de si próprio e en-
volvee a totalidade da existência humana
volv hum ana no seu futuro. Ademais, para
o negro, a recuperação da sua memória signiica munir-se de um eixo
de referência a im de reconquistar aquilo que fora coniscado em
prol do Ocidente7. Logo, para se libertar, é necessário começar por
uma consciencialização acerca do seu passado. Ao colocar o problema
da história africana, C. A. Diop abre um caminho de libertação para
os colonizados. Ao reestabelecer «a clareza acerca de um período
histórico cuja obscuridade apenas se deveu realmente (…) ao apogeu
do imperialismo», o egiptólogo permite que o «negro se reapodere
da continuidade do seu passado histórico nacional, de retirar dele
o beneício moral necessário à reconquista do seu lugar no mundo
moderno8».
C. A. Diop reitera a importância desta investigação sobre uma
questão determinante que se prende com o facto de os mestres
da verdade terem, amiúde, ensinado
ensina do aos africanos um conjunto de
6.
7. A.
Cf.Diop, «Le Congrès
J. Ki Zerbo, desethommes
«Histoire deeculture
conscienc
conscience nègre»,noire», Le Africaine,
Présence Monde, 11
Monde,
Africaine de Outubro de 1956.
, 1957.
8. C. Anta Diop, Nations nègres et culture,
culture, vol. 2, p. 411; Civilisation ou barbarie?, capítulos
barbarie?, capítulos 16 e 17.
vam uma Defender
europeu. alienação».que
alienação». A
europeu. Defender A hist
história
os ória era não
negros umatêm
armaoutra
ao serviç
serviço
o do imperi
imperialismo
alternativa alismo
para sair
desta situação senão através da assimilação signiica obstruir o pro-
cesso de emancipação. O perigo é considerável: «o veneno cultural
habilmente inoculado desde a mais tenra idade tornou-se parte in-
tegrante da nossa substância10». Para colocar um termo nesta situa-
ção, o único caminho para a salvação, segundo C. A. Diop, reside na
destruição «destas armas culturais que, nas mãos do ocupante, se
aiguram terríveis». Atendendo à premência dos problemas da época,
«torna-se assim imprescindível que os africanos se debrucem sobre
a sua própria história e a sua civilização, procedendo ao seu estu-
do de molde a atingirem um conhecimento mais aprofundado de si
próprios; e assim tornar estas armas culturais ultrapassadas, gro-
tescas e, doravante, inofensivas por meio de um conhecimento ver-
dadeiro do seu passado11». Trata-se de um desaio considerável. A
reconciliação entre África e a história signiica um questionamento
acerca do conjunto dos discursos elaborados na Europa durante os
séculos do imperialismo. Neste caso, a verdadeira crise das ciências
europeias não corresponde à crise analisada por Husserl mas antes à
crise que se instala quando os nativos africanos aprendem a estudar
história.. O empreendimento não está imune a diiculdades e obstácu-
história obstácu -
los variados.
Terá o africano qualiicações para encetar uma investigação deste
cariz? Antes da publicação das conclusões
con clusões das suas análises, não será
necessário aguardar até que os doutores terminem de interrogar
o seu candidato para que este retome o seu árduo trabalho imple-
mentando as correcções dos seus mestres? Em termos de veriicação
das suas hipóteses, C. A. Diop não n ão esperou pelo aval dos especialistas
para poder airmar que o Antigo Egipto era «negro» e se pronunciar
a respeito da «unidade
«unidade cultural da África negra».
negra ». Sem se apresentar
perante o júri de sociólogos e etnologias ou de especialistas em lín-
guas africanas, deu início à escola histórica africana através das suas
9.
10.Nations
Idem,, p.nègres
Idem 15. et culture,
culture, vol. 1, p. 14.
11. Ibidem
tende
dos desde amodernos».
Estados pré-história até ao im da Idade Média e ao surgimento
su rgimento
A dimensão «polémica» deste projecto aigura-se manifesta: se o
discurso dominante traduz-se em pura mistiicação e pseudociên-
cia, «é necessário,
necessári o, em nome da verdadeira ciência, mostrar
mostrar,, de forma
persistente, quem manda e proceder à destruição irreversí
ir reversível
vel destes
castelos de areia12». A consecução desta demolição deve ser pautada
pela serenidade, libertando a história dos métodos intuitivos assen-
tes na verosimilhança das coisas. Ao trabalhar sobre a primeira obra
geral de história africana escrita por um negro de expressão fran-
cesa, C. A. Diop vela pela qualidade da sua investigação sobretudo
pelo facto de o seu esforço cientíico se inserir num contexto de luta.
Somos induzidos a pensar que, atendendo a esta conjuntura,
conju ntura, todas as
airmações dos negros no plano da ciência emanam necessariamente
de um sentimento anticolonialista dado lutarem pela sua libertação.
O que, em suma, originaria
originari a somente exageros ou equívocos
equívocos por conta
de uma reacção emocional.
O historiador africano está perfeitamente ciente do desaio inerente
à sua investigação para cometer os erros que tente debelar. C. A. Diop
não aguarda o veredicto dos especialistas com vista a assimilar
aquilo que eles decidem considerar como verdadeiro porque sabe
que o valor do seu trabalho permanecerá intacto se trabalhar com
método e objectividade. Trata-se de recti icar
icar a história humana
através de uma abordagem diferente daquela que é adoptada pelos
titulares da pseudo-ciência.
pseudo-ciência. Em última instância, C. A. Diop visa con-
fundir os especialistas ao recordar aquilo que, com base em factos
objectivos e vozes silenciadas, não pode ser contestado sem trair a
herança autêntica da civilização do Ocidente. O historiador africano
almeja incessantemente reintroduzir «o problema da história afri-
cana» na esfera da «exactidão», «a única que se aigura verdadeira-
mente interessante e acessível a uma ciência
ci ência objectiva13». Aí aguarda
«todos esses psicossociólogos de circunstância ou de proissão» que
«dissimulam a sua fuga» pois as razões que impelem à escrita são
rescente,
destroem contactavam
paulatinamentecom a Índia
o mito e a China
de uma . Estes
África que testemunhos
conservou o seu
cariz selvagem no período anterior à penetração europeia no século
XV..
XV
Todavia, falta determinar o espaço-tempo no qual se devem inscrever
as manifestações culturais cujo inventário é realizado nas várias
regiões do continente. No atinente a esta questão inédita, impõe-
-se, por força das circunstâncias, uma tarefa de «rectiicação» ou
de «restabelecimento» da história. O que só é possível mediante a
destruição das teses fantasistas que distorcem os factos através da
ocultação do contributo dos negros para a evolução da humanidade.
Logo, a transição do «mito» para a «verdade histórica» implica um
reconhecimento da «anterioridade da realidade negra na história da
humanidade» bem como das «origens negras do Antigo Egipto17». A
partir deste problema fulcral, a ciência poder-se-á dissociar da ideo-
logia. Com efeito, «o mito do negro» desenvolveu-se precisamente
em torno deste aspecto especíico, cujo nascimento é passível de ser
acompanhado no pensamento ocidental.
ocident al. Em torno deste facto funda-
mental, assistiu-se à «deturpação
«deturpaç ão moderna da história». A mentira só
será substituída pela verdade no caso de um reconhecimento do «pa-
pel civilizador dos egípcios antigos na história da humanidade» por
parte do saber.
saber. Cabe agora recordar um texto capital de C. A. Diop:
«Berço da civilização durante 10 000 anos numa época em que o resto do mundo
estava imerso na barbárie, o Egipto, destruído em virtude de ocupações suces-
sivas, deixará de desempenhar qualquer papel no plano político. Todavia, con-
tinuará ainda a iniciar os jovens povos mediterrânicos (gregos e romanos, entre
outros) nas luzes da civilização durante muito tempo. Durante toda a Antiguidade,
permanecerá a terra clássica que será visitada pelos povos mediterrânicos em
peregrinação com o intuito de beberem das fontes dos conhecimentos cientíicos,
religiosos, morais, sociais, etc. mais antigos que homens haviam assimilado.18»
fédéral d’Afrique
Afriquenègres
17. Ver Nations noire, et
noire, pp.culture e
11-15. e Antériorité
culture Antériorité des civilisations nègres
nègres..
18. Nations nègres et culture.
cia passado
do históricaasó facultará
partir todos osem
do momento esclarecimentos possíveis
que integrar nas acerca
suas sínteses
a componente negra da humanidade, numa proporção determinada
pelo verdadeiro papel que esta despenhou na história19». Ora, segun-
do o egiptólogo africano: «Ainda hoje, de entre todos os povos que
habitam a terra, somente o negro da África negra pode demonstrar
exaustivamente a identiicação da essência da sua cultura com a cul-
tura do Egipto faraónico, de tal modo que ambas as culturas podem
constituir sistemas de referência mútuos. É o único que se pode
reconhecer de forma incontornável no universo cultural egípcio;
sente-se em casa20».
23.
24. Idem
Idem.. nègres et culture,
Nations culture, vol. 1, p. 59.
25. Antériorité
25. Antériorité des civilisations nègres
nègres,, p. 12.
26. Ver
Ver os testemunhos coligidos por C. Anta Diop sobre a matéria em Nations nègres et culture e
Antériorité des civilisations nègres
nègres,, pp. 34-40.
27.
dosLer as conclusões
antigos doHistoire
egípcios em colóquio, designadamente
générale l’Afriqueo, Unesco,
de l’Afrique, contributo de C.
Paris, vol.Anta
1. Diop sobre a origem
28. Cf. L’Afrique
Afrique Noire pré-colon
pré-coloniale
iale..
selvagens,
mano com abase
constituição
no estudodas categorias
dos fundamentais
não-europeus pressupõe do aespírito
espí rito hu-
referência
a um mundo anistórico introduzido no Ocidente pela ilosoia hegeli-
ana. É necessário um outro olhar caso a constituição das sociedades
pré-coloniais se processe com base na sua própria historicidade ao
longo dos acontecimentos cuja marca é difícil de ignorar desde o
Antigo Egipto até ao século XV, altura em que a penetração euro-
peia instaura a crise no seio de civilizações dotadas de um passado
glorioso.
Constata-se que, na África negra, as sociedades ditas primitivas
são atravessadas por uma história deturpada e dissimulada. Em que
medida a etnologia e a antropologia escapam aos artiícios do im-
perialismo, tendo em conta a sua tendência para ocupar territórios
de investigação dos quais a sociologia, reservada à análise das so-
ciedades dinâmicas, seria excluída? Não implicará a elaboração de
uma «antropologia sem complacência» a referência à história no
seio das sociedades que são restituídas a si próprias? Esta questão
encontra-se no cerne do debate que coloca em causa o discurso afri-
canista europeu. A
europeu. A reintroduçã
reint roduçãoo da dimens
d imensão
ão histórica
his tórica na
n a consciênc
cons ciência
ia
do negro exige uma espécie de ruptura epistemológica que permita às
ciências humanas levarem a cabo uma auto-análise perante as socie-
dades africanas.
africanas. À semelhança de vários africanistas do pós-guerra,
C. A. Diop não esperou pela descolonização para aplicar um modo
de análise dinâmica às realidades humanas do mundo negro. Na sua
óptica, as mutações das sociedades africanas são anteriores às situa-
ções de crise provocadas pela famosa transição entre a «tradição»
e o «modernismo»
«m odernismo»..
Através das formas do funcionalismo e do estruturalismo, a antro-
pologia inspirada pelo movimento colonial propende a eliminar os
conlitos engendrados pela violência na vida quotidiana das socie-
dades dominadas. Age como se esses conlitos não existissem. Limi-
ta-se a trabalhar no terreno, no quadro da «paz branca», fechando os
olhos aos trabalhos forçados, às práticas de indigenato, à repressão
dos movimentos de protesto e das revoltas camponesas ou popula-
res, aos massacres dos opositores ao regime colonial ou ao genocídio
perialismo.
tra Sobpoder
no jogo do o véuingindo
da neutralidade
ignorar ocientíica, a antropologia
peso das servidões sobreen-
as
sociedades coninadas em formas manifestas ou latentes do «primi-
tivismo». C. A. Diop opta por romper com estas falácias do saber en-
quandrando o estudo das sociedades africanas numa perspectiva
histórica. Tece a seguinte observação: «Sem a dimensão histórica,
jamais teríamos tido a possibilidade de estudar a evolução das socie-
dades, de transitar entre o nível etnológico e o nível sociológico29».
O investigador embrenha-se no levantamento de todos os indícios
de mudança que afectam as sociedades africanas. Embora não frise
as alterações inerentes às grandes correntes migratórias e à forma-
ção dos Estados, salienta a importância das transformações operadas
nos sistemas familiares, na medida em que «a estrutura da parentela
depende intimamente das condições
condiç ões materiais de vida; evoluindo ou
transformando-se, a par das últimas, de um modo que o estru-
turalismo de Lévi-Strauss seria incapaz de antever». Sob a inluência
do islamismo, determinados grupos étnicos transitaram do matri-
arcado para o patriarcado, facto que não só se repercutiu no nome
atribuído aos descendentes, como também nas práticas relativas à
herança30. «Essa fase de transição, de passagem do matriarcado para
o patriarcado é plena de ensinamentos para a sociologia 31.» O que
signiica que, face às sociedades consideradas «tradicionais», não
nos deparamos com um mundo incólume e puro, cujas estruturas se-
riam simples. Na realidade, segundo observa C. A. Diop, «a maioria
dos clãs e das tribos já se submeteram a uma evolução muito com-
plexa. Facto
Facto que se veriica nas sociedades africanas
african as que viveram sob
o regime monárquico e que se retribalizaram em maior ou menor
grau, ao longo do período do tráico de escravos negros32».
Outro acontecimento relevante a nível do estudo dos factos sociais
africanos verifica-se quando «o sistema de sociedade de castas é
substituído pelas classes sociais (…). Talvez o estudo das sociedades
30.
31. L’Unité culturelle
Civilisation de l’Afrique.
l’Afrique
ou barbarie? .
, p. 148.
32. Idem
Idem,, p. 152.
investigação.. Assim
investigação
sociopolíticas Áfrsendo,
da África partindo
ica negra da análise
pré-colonial, das particularidades
ele propõe uma verdadei-
ra «sociologia histórica» cujas questões são desenvolvidas e debati-
das na maioria das suas obras35.
Talvez seja conveniente relembrar essa abordagem das realidades
do continente para não coninar C. A. Diop à contemplação do Egipto
faraónico. Pelo facto de se preocupar com o problema da origem, não
desiste de tentar compreender a África em formação.
formação . Eis o motivo
mot ivo pelo
qual não pode deinir a identidade cultural sem demonstrar que as
«características culturais que herdámos do passado (…) não são de
todo cristalizadas ou permanentes e que se transformam de acordo
com as condições: África começa a conhecer as consciências profun-
damente individualistas, com as habituais consequências 36». É com
lucidez que o investigador aborda as realidades de uma sociedade
sem adornos, cujas contradições dão origem às novas gerações.
Já em 1954, aquele que se considerava polarizado pelo estudo da
antiguidade negro-egípcia equacionava
equaci onava o problema da efectiva
efectiva liber-
tação de África no âmbito da «federação de todos os Estados negros
do continente». «Evitar a qualquer preço depender dos outros mais
do que aquilo que eles dependem de nós»: eis o desaio da solução
federal que se impõe aos Estados africanos para fugir «à pressão de
um monstro económico qualquer». Segundo C. A. Diop, o problema
da anterioridade das civilizações negras não é uma preocupação de
intelectual que se interporia à luta diária pelo pão, que é a única que
importa, numa África em que é preciso transformar as condições de
vida, aqui e agora.
agora. Nessa óptica, a questão da identidade cultural é
indissociável da questão da emancipação política e económica. A
sua unidade deve ser contemplada para respeitar o processo do his-
toriador africano. Pelo facto de se preocupar com o futuro das lín-
guas africanas, C. A. Diop não negligencia os dramas da seca e das
situações de fome, como ressalva o seu Alerte sous les tropiq
tropiques
ues,, no
33. Ibidem
Ibidem..
34. Ibid
35. Ver
Ve r o.,., cap. 15, pp.
subtítulo de283-290.
L’Afrique
Afrique Noire pré-colon
pré-coloniale
iale..
36. Civilisation ou barbarie? , p. 280.
asNesse
mudanças necessárias.
aspecto, nada poderia dissimular as graves questões que
surgem. Para C. Anta Diop: «A função da sociologia consiste em fazer
o balanço sobre o passado para ajudar África a enfrentar o presente
e o futuro da melhor maneira. Não há qualquer característica espe-
cíica (…), que ela não deva analisar e explicar para que os africa-
nos sejam capazes de ler dentro de si mesmos, para poderem reagir
da melhor forma37.» Entre os problemas que são alvo da atenção do
observador, não se conta unicamente o problema demográico, mas
também a ameaça nuclear oriunda da África do Sul, as diversas for-
mas de agressão cultural e a tendência para a sul-americanização de
África com a fragmentação política que «permitiu ao imperialismo
retomar a iniciativa dos acontecimentos38». Num editorial de Jeun
Jeunee
Afrique,, em 1965, C. Anta Diop, escreve que sem o seu folclore, «o fu-
Afrique
turo é sombrio. O imperialismo decide organizar a anarquia em todo
o continente para preservar a iniciativa política que já tinha alcan-
çado e que lhe tinha sido retirada pelos movimentos de libertação,
em vésperas da independência dos Estados. Eis um facto novo que se
reveste da máxima importância e no qual os africanos devem centrar
a sua atenção. Eis o lagelo que sempre denunciámos39». Aos olhos do
investigador africano, aquilo que é grave é o facto de que a consciên-
cia política dessa situação não alcance todos os níveis da sociedade.
Ao observar a experiência política dos Estados da África negra a
partir de 1960, nada indica que atendendo à extraordinária história
antiga do Egipto negro, o futuro dos povos negros também brilhará
automaticamente. Eis o motivo pelo qual não podemos recriminar
o sociólogo por não considerar as realidades sociopolíticas que es-
tão longe de serem homogéneas numa África na qual as coloniza-
ções passadas são afectadas pelas contradições inerentes ao Estado
neocolonial. C. Anta Diop desvela essas contradições ao identiicar
os bloqueios estruturais ao advento de uma África unida e livre. No
cerne da análise está a profunda hostilidade em relação aos Estados
37.
37. Antériorité
38. Antériorité
Idem. des civilisations nègres
nègres, p. 283.
39. «L’Afrique doit s’unir», Jeune
s’unir», Jeune Afrique,
Afrique, n.º 240, 1965.
cos condenados
dade que, antes àdeditadura
mais, see deve
à debilidade
ao factoeconómica e política.
de que, a partir Reali-
do tráico
de negros, África passa a integrar o ciclo histórico das sociedades
prometeicas, na medida em que a redução do homem à escrava-
tura, na acepção ocidental do termo, veio gerar um «desequilíbrio
dinâmico permanente» incitador de conlitos e revoluções, ilustrado
brilhantemente por Toussaint Louverture40. Com os movimentos de
libertação, o mundo entrou na era da revolução planetária que «diz
respeito a todas as antigas colónias que se libertam do jugo colo-
nial41».
Em nenhuma circunstância, a ÁfricaÁfric a das independências é exemplo
de igualdade perante a miséria caso haja predisposição para renunci-
ar às ideologias do consenso que dissimulam os interesses de classe
recorrendo aos partidos no poder. Eis então um fenómeno singular
na história africana: o de uma massa «de explorados sem compensa-
ção». Efectivamente, o processo de acumulação e de coniscação das
riquezas está muito avançado. Sendo repartidas de modo desigual,
as últimas transitam das mãos dos antigos colonos para as mãos das
novas burguesias africanas42. Constata-se a necessidade de um es-
tudo dinâmico das sociedades africanas. Com efeito, «o estudo das
revoluções é fundamental, no momento no qual a sociedade afri-
cana se prepara para iniciar a fase das verdadeiras lutas de classe,
na acepção moderna do termo 43». As transformações que se impõem
são limitadas pelo facto de que «a África actual, mesmo após a in-
dependência, ainda mal começou a reagir às sequelas monárquicas.
Mesmo nos dias de hoje a situação não é revolucionária, pois o povo
ainda não descobriu que é o seu próprio salvador; quando está in-
satisfeito,
sati sfeito, procura um messias e não uma forma de controlar directa-
mente o poder político. Põe em causa os indivíduos e não o sistema
de governação. Tem sentimentos de revolta, mas ainda não sente a
fúria de classe44».
42.
43. Civilisation
Idem,, p. 15.ou barbarie? , p. 15.
Idem
44. Ibidem
Ibidem..
equipa
isso, revolucionária
deve queo viria
tentar-se que povo adosquestionar
Camarões tantos interesses.
não tenha Por
a sensa-
ção de que deve a sua independência ao partido de Um Nyobé 45. As
potências coloniais praticaram uma estratégia de usurpação através
da implementação dos regimes políticos africanos concebidos «para
melhorar garantidamente a produção capitalista estrangeira através
de procedimentos que estão à vista
vist a de todos46». São esses os regimes
que gerem actualmente a mediocridade quando inúmeros Estados
se encontram «a soro», num contexto dramático no qual a pobreza
vive a par da repressão. C. Anta Diop constata: «Até agora, ainda ne-
nhum trabalho preliminar operou uma transformação radical nas
consciências, para prepará-las para as árduas tarefas que uma ver-
dadeira independência exige». Face ao imperialismo e à reestrutu-
ração dos seus interesses, desenvolve-se somente uma espécie de
«nacionalismo» folclórico e variado, exibindo tantas as cores quanto
os nossos tecidos nativos47». A situação africana requer um esforço
de relexão audaz e um reforço da consciência nacional. Mas «os
problemas nacionais continuam a ser tratados com uma mentali-
dade de funcionário48». Os recursos do continente são imensos 49. O
drama actual dos povos reside na impotência das equipas no poder.
«Os responsáveis políticos são os únicos que não estão à altura dos
problemas e que, no fundo, nunca relectiram seriamente e receiam
concretizar o acto que consideram uma privação económica 50.»
Facto que continua a constituir um desaio nos países nos quais as
elites no poder só procuram proteger-se de situações de carência,
ao passo que os mecanismos do sistema implementados fabricam
excluídos nos bairros de lata e agravam o subdesenvolvimento dos
campesinatos africanos.
45. Les fondements économiques et culturels d’un Etat fédéral d’Afrique Noire,
Noire , p. 50.
46. Idem
Idem,, p. 51.
47. Ibidem
Ibidem,, p. 45.
48.
49. Ibidem
Ibidem,, p.
pp.44.
56-110.
50. Ibidem
Ibidem,, p. 32.
V. Col
Coloniz
onização
ação
e o problema nacional
Nas páginas anteriores,
anter iores, foi possível conhecer a radicação da obra e do
pensamento de C. Anta Diop, numa época de crise, na qual as grandes
ideologias coloniais são postas em causa. A partir da década de 1950,
as obras da autoria dos negros africanos trazem a lume problemas de
fundo com os quais o seu povo e a sua sociedade se debatem. Basta
aludir às publicações que emergem em redor da Présence Africaine,
num contexto no qual África começa, enim, a pronunciar-se através
dos escritores e dos estudantes que debatem livremente as grandes
questões do continente, recorrendo às armas da inteligência e do sa-
ber, da poesia e do romance. No período no qual a literatura negro-
-africana se airma e desenvolve, a última tende a espelhar as socie-
dades nativas em ruptura com o sistema colonial. Em menos de uma
década – entre 1947 e 1957 – a renovação incontestável que afectou
a evolução das ideias concretizou-se a par da apropriação dos órgãos
do pensamento compostos pelas revistas intelectuais e literárias, outros
suportes de imprensa e de edição, colóquios, livros, etc. Os autores
da negritude emergem quando importantes considerações são postas
em causa em África. As suas obras traduzem uma nova sensibilidade.
sensibilidade.
Num momento no qual os intelectuais europeus tentam compreender
compreender
a crise do Ocidente e desenvolver interrogações inerentes à guerra,
em
canotorno de Alioune
– os autores o sDiop
e os – considerado
pensadores negrosuma espécie
em-sede
e nvolvem-se
envolv Sócrates
numa afri-
ten tativa
tentativa
de relexão suscitada pela queda do império colonial.
Com efeito, na sua óptica – contrariamente à revista Esprit, fundada
por Mounier em 1932 – não se trata de questionar uma tradição rela-
tivamente opressiva mas intensa, em suma, de «mudar a cultura e a
política»; contrariamente à alegação de Les Temps Modernes,
Modernes, também
não se trata de enfrentar os problemas da Libertação. Para a Présence
Africaine, o destino dos povos é o desaio de todas as relexões e o
tema determina o panorama intelectual onde se encontram as elites
negras da época. C. Anta Diop integra o vasto movimento de reivin-
dicação que dinamiza
Aquele que se revela aum
lutados
pela libertação
raros plena do
«cientistas» da homem negro.é
sua geração
Noafinal
que da guerra,
liberdade quando
não foi os antigos
concedida atiradores
aos nativos, estesseassuntos
apercebem de
já não
podem ser um tabu. O percurso de Samba Diouf é pontilhado por
momentos de reflexão sobre a desilusão dos senegalenses, dos vol-
taicos e dos daomeanos que penetram em África onde despertam
as massas para a consciência nacional. Eis a situação exposta por
C. Anta Diop na sua relexão crítica e que viverá num plano global que
abrange o destino dos povos africanos sujeitos durante séculos aos
mecanismos de exploração que, em determinadas regiões, foram
exacerbadas aos limites do absurdo. Para o investigador, deve to-
car-se a raiz do problema e revelar a sua extensão. Ora, C. Anta
Diop está profundamente consciente do drama da colonização e,
no seu entender, não há violência mais letal do que aquela que se
instala e se exerce a nível da imagem que um u m povo tem de si mesmo
e do seu passado. E, antes de avançar sobre o povo no seu todo, de
expropriá-lo da sua terra e dos seus recursos, ataca-se, antes de
mais, a sua consciência. Se, de certa forma, C. Anta Diop personifica
a consciência dos povos de África, gostaria de saber qual é o tipo
de resposta que ele avançaria para a questão nacional em torno da
qual se articulam os acontecimentos fundamentais que alteraram
profundamente o panorama político e social do nosso planeta, des-
de o fim da Segunda Guerra Mundial.
sido o palcoestrangeiros
interesses principal dos
2 investimentos
. Mais rentáveis
ainda, em vez para osa crueldade
de acentuar lobbies de
lobbies de
das conquistas coloniais, de acordo com uma tradição que remonta a
Montaigne e aos pensadores iluministas, seria preferível frisar a respon-
respon -
sabilidade dos nativos que contribuíram largamente para o atentado
colonial, revelando assim as relações complexas e as interferências
entre colonizadores e colonizados, estrangeiros
estrangeiros e autóctones.
Recentemente, H. Brunsvchig evidenciou o papel desempenhado
pelas elites nativas que revelaram ser frequentemente – desde que
deixaram a escola ocidental – os melhores auxiliares da colonização
e os grandes trunfos da ocidentalização – aqueles que Nizan teria
designado por «cães de guarda». Ao tentar analisar «como o coloni-
zado se torna colonizador» desvela-se toda uma panóplia de imagens
e ideias, pondo-se em causa a versão militante de uma rejeiç
rejeição
ão global
e unitária da colonização.
colonização. Em última análise, deparamo-nos com a
diiculdade de qualquer análise das estratég
estratégias
ias dos agentes das lutas
anticoloniais num contexto no qual os modelos do pensamento já não
ousam falar de dependência, de supremacia ou de imperialismo.
Durante muito tempo, o colonialismo foi evidentemente o estádio
supremo do imperialismo, daí a tendência a relectir a situação dos
países africanos em função do sistema colonial (ou neocolonial) como
factor explicativo daquilo que se passa nos territórios onde a pobreza
tem um futuro promissor. Actualmente, tende-se a privilegiar a his-
toricidade própria das sociedades africanas e as suas contradições in-
ternas.. Deparamo-nos com as formas subtis do revisionismo ambien-
ternas
te, através dos estudos e das investigações que se elaboram com base
numa ruptura com a «teoria da dependência» que é recriminada por
praticar a exploração e a troca desigual, sendo que das relações entre
colonizadores e explorados se formula uma única grelha de análise da
situação legada pelo colonialismo.
Neste ponto, deve desmascarar-se o jogo do discurso que assenta
no estudo interno das sociedades autóctones suprimindo os efeitos
1. Ver ,C.vol.
Monde,
Monde Coquery-
XXVIII, Vidrovitch, «Les débats actuels
n.º 112, Outubro-Dezembro en Histoire
de 1987, de la colonisation», Revue Tiers-
pp. 777-791.
2. Idem
Idem..
râneo deixouentre
cruzamento de desempenhar
a Europa e o oresto
papel
dofundamental
mundo. A suadeobra
contacto e de
mergulha
numa história que não narra apenas a servidão e a subjugação, mas
também a insubmissão e a insurreição. Não é o momento de evocar
as revoltas dos escravos e as insurreições camponesas que represen-
tam um domínio sobre o qual os estudos contemporâneos
contemporâneos começam a
debruçar-se. Embora se possam discutir as teses avançadas recente-
mente sobre o potencial revolucionário do campesinato 3, aigura-se
diícil reter uma visão pessimista do mundo rural com maior predis-
posição para reagir com a passividade e a aclimatação às situações
de exploração impostas pelo sistema colonial. A fuga com recurso à
migração urbana e/ou internacional não foi a única atitude tomada
perante o domínio colonial. O movimento de protesto suscitou, aqui
e ali, revoltas camponesas
camponesas que, tal como se constata no Quénia, ence-
tam a era das revoltas anticoloniais na África negra 4.
Num momento no qual se assiste à emergência do mundo dos
trabalhadores através dos mecanismos migratórios engrenados ou
acelerados pela colonização, denota-se o potencial revolucionário
dos jovens adultos que, nas plantações europeias ou nos empreendi-
mentos industriais enveredam pelas vias do proletariado. Dispomos
de informações sobre as revoltas dos carregadores nas estradas na
época do indigenato. Simultaneamente,
Simultaneamente, manifesta-se a amplidão dos
protestos populares num contexto no qual, na maioria das vezes, a
investigação histórica limitou-se a responder apenas às questões do
sindicalismo, da mão-de-obra e do salariado, às coerções do sistema
administrativo 5. Com base nesses movimentos nos quais o «político»
é engendrado nos lugares quotidianos através das multidões anoni-
mas que irrompem nos territórios e locais históricos, remete-se para
o conlito fundamental entre colonizadores e colonizados. A par dos
confrontos abertos, importa assinalar e alumiar os «conlitos clandes-
tinos» e as formas ocultas da resistência em jogo nas «estratégias
Noire
Noire,
5. H. , éd. Mouton,Travail
H. Babassana, 1971. forcé, expropriation et formation du salariat en Afrique Noire,
Noire , Presses
Universitaires
Unive rsitaires de Grenoble, 1978.
à terra», com
letarização dosbase em sistemas
camponeses dequais
e nos expropriação
o sistemadas terraspenetra
agrário e de pro-
no
interior das selvas, acelerando a desarticulação das sociedades nati-
vas encetada pela economia de escravatura. Deve frisar-se esse «fun-
do popular» do nacionalismo africano para concluir que não se trata
de um simples movimento de intelectuais num momento em que a
luta contra o colonialismo é um leitmotiv dos
dos povos africanos. Aquilo
que se manifesta nas tribunas internacionais é o ressurgimento de
um amplo movimento proveniente da base e que se expressa conso-
ante os estratos sociais, a natureza dos grupos rurais ou urbanos, em
função da formação das elites locais e da estratégia dos agentes que
intervêm nas relações de força presentes. O nacionalismo anticolonial
é fruto de uma aliança complexa e di ícil
ícil entre os grupos de interesses
envolvidos mais profundamente na economia colonial : os pequenos
produtores, os trabalhadores das empresas e os quadros subalternos
formados para servir a administração colonial.
Preparadas pelos movimentos messiânicos dos povos oprimidos 6
que privilegiam a questão da libertação à dos sindicatos e partidos
políticos resultantes da Segunda Guerra Mundial, as lutas nacionalis-
tas assistiram ao aparecimento de diversos agentes determinados a
destruir o sistema de dominação. Nessa perspectiva, as greves que
proliferam nas obras públicas ou nas plantações europeias conver-
gem relativamente a um objectivo primordial: o im do colonialismo.
Em torno dessa ideia-força que impregna de coerência todas as ordens
do discurso autóctone, urde-se um conjunto de aspirações e reivin-
dicações que polarizam as forças sociais e os partidos políticos.
Embora seja verdade que os administradores encontrem sempre co-
laboradores junto das elites locais e das chefarias consuetudinárias
que passaram a fazer parte do jogo colonial, um núcleo de resistência
radicaliza a necessidade de acabar com a servidão colonial. Exigências
que são sentidas sobretudo pelas populações cuja memória continua
atormentada pelo sistema do indigenato e pelos trabalhos forçados
6. Ler V.
1961; G. Lanternari, Les mouvements
Balandier, «Messianisme religieux de liberté
et nationalisme des peuples
en Afrique Noire», opprimés,
opprimés , Maspero, Paris,
Cahiers internationaux de
sociologie,, 1955, pp. 41-61; J. Marc Éla, Le cri de l’homme africain,
sociologie africain, L’Harmattan,
L’Harmattan, 1980, pp. 60-65.
frimento.
as O conlito
metrópoles ciosasé de
inevitável
preservarentre as aspirações
o statu nacionalistasose
quo. Por conseguinte,
quo.
malgaxes, os camaronenses, os moçambicanos e os angolanos alcan-
çarão a independência na sequência de uma luta sangrenta, na qual
os «insurgentes» ou os «rebeldes» se deparam com os líderes políti-
cos, as mulheres, os jovens e os agricultores, os funcionários de baixo
escalão, os adivinhos ou as sociedades secretas. A repressão policial
será incapaz de domar os movimentos de protesto dos homens que
atacam as guarnições militares e os postos da guarda, ou que cortam
as vias ferroviárias e rodoviárias para reconquistar a sua liberdade e
viverem felizes na terra dos seus pais. Muitos correm
co rrem o risco de serem
detidos, exilados ou assassinados tendo como única aspiração a
reabilitação dos pov
povos
os humilhados.
O combate dos «nacionalistas» não altera unicamente o panorama
político do planeta, inicia também uma nova época na qual se urdem
outras teorias no undo do pensamento e da cultura. Esses homens
que são relegados para a categoria de «terroristas», ou que são con-
siderados frequentemente
frequentemente como instrumentos ao serviço das ideologias
estrangeiras, tentam construir África inspirando-se em novas perspec-
tivas.. Aquilo que está em questão
tivas que stão para os povos que despertam para a
vida política após o colapso alemão, é o direito do mais forte de domi-
nar o mais fraco. As atrocidades de uma guerra letal revelaram aos
negros o «avesso» do «humanismo» dos seus senhores. Depois de re-
cuperar a paz, já ninguém ousa acreditar na «missão civilizadora»
civilizadora» do
branco. Os escritores e os pensadores que surgem à volta da década
de 1950 empenham-se em desmascarar as mentiras do Estado colo-
nial e dos seus aparelhos ideológicos. Aigura-se urgente «restaurar»
a época colonial num momento no qual historiadores,
historiadores, economistas ou
antropólogos, tentados pelo revisionismo ambiente, correm o risco
de chegar mesmo a negar aos africanos o legado – desde tenra idade
– de um sistema de dominação que moldou as características espe-
cíicas da nossa imagem histórica. Logo, as novas gerações correm o
risco de desconhecer inteiramente a importância crucial – em todos
os domínios – de uma situação que só é alvo de interesse do ponto de
Com efeito,
mente, essa
talvez C. obra
Anta ostenta
Diop a marca
seja um do seu tempo.
dos «intelectuais
«intelectuai Mais precisa-
s orgânicos» da era
na qual, após a Conferê
Conferência
ncia de São Fran
Francisco,
cisco, é anunciado o «momen-
to a partir do qual todos os seres humanos poderão viver uma vida de
homens verdadeiramente livres». No contexto da Guerra Fria, as for-
ças coloniais mobilizam-se para desacreditar o nacionalismo africano
considerando qualquer despertar político nos países do continente
como uma inspiração comunista. Dessa forma, afugentava-se
afugentava-se a simpa-
tia e o apoio populares nas regiões onde se airmava incessantemente
que o africano é «um ser incuravelmente religioso». Numa tentativa
de salvaguardar os colonizados da «ameaça comunista», negligencia-
va-se o facto de que o nacionalismo africano antecedera a Revolução
de 1917, na medida em que o pan-africanismo – como demonstrou
contundentementee G. Padmore – é a alma dos movimentos de liberta-
contundentement
ção nos países africanos8. Podem retraçar-se as convergências entre
C. Anta Diop e Marcus Garvey, que antecedera o egiptólogo senega-
lense no destaque do parentesco entre o Egipto faraónico e a África
negra. O autor de Nations nègres et culture deve
culture deve ser considerado à luz
do movimento de ideias que, a partir do antilhano Henry Sylvester
William de Trinidad, se desenvolve com William E. B. Du Bois, que é
consideradoo o «pai do africanismo».
considerad
Segundo C. Anta Diop, já não se trata de um regre
regresso
sso à África para os
negros dos quais se pretende prescindir no novo mundo e que podem
fazer nascer – tal como acontece na Libéria e em Serra Leoa – Es-
tados negros reconhecidos pelas grandes potências. O nome Garvey
«correu África» onde a sua escrita é considerada subversiva e é cen-
surada pelos colonizadores em determinados países como o Daomé.
Mas, graças a Du Bois, que morre no Gana onde, segundo Nkrumah,
a independência do seu país só faz sentido se for sustentada pela
libertação
lib ertação total africana, o nacionalismo arreiga-se
arreiga-se no solo africano
africano.. A
palavra «independência» rompe assim o casulo de sigilo e vergonha
no qual o colonialismo a encerrara e entra em circulação na «econo-
mia política de sinais» com os congressos pan-africanos que, a partir
de 1919, praticam «a autodeterminação nacional entre os africanos,
8. G. Padmore, Panafricanis
Panafricanisme
me ou Communisme? , Présence Africaine, 1960, pp. 129-130.
representantes
lienta Nkrumah,das«a cooperativas e estudantes
ideologia de Garvey africanos.
dedicava-se Tal como sa-
ao nacionalismo
negro e não ao nacionalismo dos africanos. Foi o quinto congresso
pan-africano que apresentou uma solução para o nacionalismo afri-
cano, e a tomada de consciência
consciê ncia política junto dos africanos.
a fricanos. Tornou-
Tornou-
-se, efectivamente, num movimento maciço sob a insígnia “África para
os Africanos”». Na sequência da Segunda Guerra Mundial, aquando
da eclosão de inúmeras manifestações anticoloniais, além de serem
alvo de repressões brutais nos meios coloniais, essas manifestações
são reduzidas a formas de xenofobia empreendidas por «agitadores».
Na realidade, enquadram-se na lógica das revoltas dos povos coloni-
zados cujo despertar será anunciado pela Conferên
Conferência
cia de Bandung. A
conferência geral
geral dos Estados da colonização, realizada em Douala em
1945, tenta salvar o império em vão, num contexto no qual são postas
em causa as práticas coloniais dos trabalhos forçados que garantiam
garantiam
uma mão-de-obra sobre-explorada pelos agricultores europeus9.
Deve salientar-se a luta anticolonialista dos negros em França, na
sequência do movimento articulado à volta do jornal jornal La race nègre
que, entre 1929 e 1939, constitui um núcleo de resistência à domina-
ção. Os negros mobilizam-se com o objectiv
objectivoo de denunciar os abusos
políticos, as atrocidades do indigenato e a exploração económica da
qual as populações ultramarinas são vítimas. Em plena crise do capi-
talismo, faz-se ouvir «Le cri des nègres». Lamine Senghor escreve:
«Os Negros não pertencem a nenhuma nação europeia e não pretendem servir os
interesses de qualquer imperialismo contra os interesses de outro imperialismo
(…). A escrav
escravatura
atura é abolida, brada-se por todo o universo. Vejamos! Os colonialistas
internacionais apoderaram-se dos nossos territórios e de nós mesmos (…). Actu-
almente alegam ter abolido a escravatura apesar de se outorgarem democratica-
mente (?) os direitos de vender e comprar todo um povo sem querer saber a opinião
do último… Que hipocrisia! Que
Qu e falsidade! A verdade é que a venda a retalho é proi-
proi-
bida, ao passo que a venda por atacado é permitida. É precisamente contra todas
essas iniquidades que nos unimos.»
O impactoatravés
manifestar dovés
atra movimento
dos meiosnacionalista é tão social
de comunicação capitale os
quepartidos
além denão
se
administrativos – os verdadeiros – também é visível nos panletos e
nas petições, nas palavras de zombaria e nas canções populares nas
quais é expressada a criatividade da gente da selva, dos funcionários
de baixo escalão dos caminhos-de-ferro, ou na obra das elites nativas
que, com a poesia e o romance, o ensaio e o teatro se insurgem contra
o domínio colonial. Nas suas diligências de investigação,
investigação, C. Anta Diop
envolve-se seriamente nessa luta, na medida em que aprofunda a
herança do pan-africanismo, esse espaço verdadeiro da questão na-
cional na África negra. Não é o secretário-geral dos estudantes do
RDA? No entanto, não obstante o triunfo inal da Comunidade Fran-
cesa – tal como se constatará nos países onde a independência foi
concedida – C. Anta Diop permanece iel ao radicalismo das opções
tomadas numa conjuntura na qual a questão nacional não é eviden-
te. Pois, considerando a repressão exercida pelo Estado colonial na
África negra a partir de 1945, ser «nacionalista» signiica, em rigor,
rejeitar a adesão à União Francesa. Eis o objecto do debate fundamen-
tal no congresso de Bamaco, em 1946, no qual Houphouët-Boigny
relata «a tese da autonomia, ou seja, no tocante à independência,
prevaleceu sobre a minha. Mas pretendiam que eu fosse o presidente
do movimento. Como me recusava a aceitar as funções que me teriam
obrigado a implementar decisões que reprovava, encetou-se o debate
e a minha moção sobrepôs-se por pouco. E foi assim que optámos
pela adesão à Comunidade Francesa em detrimento do combate pela
independência11».
Na base dessas opções deve procurar-se qualquer estratégia dos
Estados para os quais, nos territórios ultramarinos, a verdadeira
questão é uma questão tribal: o problema nacional não existe. Só é
formulado na medida em que os líderes do movimento nacionalista
não passam de «comunistas», agentes ao serviço de uma potência es-
trangeira. Entre 1946 e 1957, os verdadeiros líderes do movimento
nacionalista tiveram de relembrar a opinião internacional de que
adécada de 1950aqui
confundir-se, designam por
e acolá, «nacionalismo
com africano»
a própria história dos epaíses
que tende
pro-
fundamente envolvidos num processo de ruptura com a ordem co-
lonial. À margem de qualquer interpretação simplista em matéria
de «tribalismo», o movimento depara-se com os jogos das forças co-
loniais – a administração, os meios dos negócios e as igrejas cristãs
– que encurralam determinados povos no combate armado, tal como
se veriicou na Argélia, nos Camarões, em Moçambique, em Angola ou
no Zimbabwe.
Face ao problema colonial, C. Anta Diop envolve-se a dois níveis: o
de militante e o de cientista. A nível político, o próprio salienta: «é
em Fevereiro de 1952, quando era secretário-geral dos estudantes do
RDA, que formulámos o problema da independência política do con-
tinente negro e o da criação de um futuro Estado federal. É verdade
que, na época, salvo os deputados malgaxes e o líder camaronense
Ruben Um Nyobé, nenhum político negro-africano francófono ousava
falar de independência, de cultura, sim, de cultura e de nações afri-
canas. As declarações actualmente em curso, nessa matéria, frisam a
impostura e são, no mínimo, contraverdades lagrantes12».
De facto, há uma discordância nítida entre aqueles que, em 1956,
declaram: «Não
«Não há nenhum problema nacional na África negra»
negra» e o nú-
cleo de homens que teimam em formular «o problema nacional» e se
envolvem
envol vem na luta pela independência, no seguimento
seguimento de Bandung, onde
alguns pretendem inculcar um «espírito de vingança contra os anti-
gos colonizadores». Um dos paradoxos do Estado pós-colonial con-
siste em avistar no topo da pirâmide, elevados pela graça do neocolo-
nialismo gaullista, os homens que durante muito tempo se opuseram
à independência. «A nova política “liberal” suscitou por toda a parte
a supressão dos verdadeiros movimentos revolucionários e o triunfo
das equipas tradicionalme
tradicionalmente
nte conformistas13.»
12. Les fondements économiques et culturels d’un Etat fédéral d’Afrique Noire, p.
Noire, p. 50.
13. Idem.
O sonho de um pan-africanismo
Para aquele que, ao invés de um verdadeiro Estado federal da África
negra, se depara com uma «proliferação de pequenos Estados dita-
toriais sem vínculos orgânicos, efémeros, assolados por uma debi-
lidade crónica, governados pelo terror com a ajuda de uma polícia
hipertroiada, mas sob o domínio económico do estrangeiro», a frus-
tração é inevitável.
independência só é Para o pan-africanista
concebível no âmbito deC. um
Antagoverno
Diop, afederal
Diop, a verdadeira
. Eis
que nos deparamos com o sonho dos «Estados Unidos de África» que
percorre o movimento pan-africanista. Para o intelectual, nacionalismo
e pan-africanismo são indissociáveis. Por conseguinte, após 1960, a
situação política que prevalece em África, em nada se aproxima das
suas exigências e convicções. C. Anta Diop acredita, inclusivamente,
que o início do Estado pós-colonial marca uma regressão. Segundo
escreve, «Quando França quis administrar racionalmente a África
Ocidental, criou uma federação, mas, quando se retirou, detonámos
essa federação, provando assim que nem sequer fomos capazes de
14
preservar a experiência
unidades regionais
region da colonização
ais e sub-regionais
sub-regionai .» Segundo
s que proliferam sãoC.um
Anta
malDiop,
menoras,
menor,
tratando-se,
tratando-s e, nesta situação, de uma av
avaliação
aliação crítica das independên-
cias da década de 1960. Este assunto não é apenas o foco das relexões
relexões
e das interrogações dos romancistas africanos – tal como evoca a
literatura que gira em torno do tema da desilusão – num contexto no
qual uma elite se apodera dos frutos da luta nacionalista e impõe o
silêncio ao povo para explorá-lo ainda mais. C. Anta Diop não alimen-
ta grandes expectativas relativamente às equipas no poder na medida
em que foram implementadas para salvaguardar os interesses es-
trangeiros e apresenta o caso dos Camarões, onde o partido que lutou
pela independência
interesses materiaisfoi
emafastado. O historiador
jogo. É impensável constata:uma
beneiciar «Háequipa
fortes
revolucionária que viria a questionar tantos interesses. Por isso, deve
transmitir-se a impressão de que o povo camaronense não sinta que
deve a sua independência ao partido de Um Nyombé». Nessa perspec-
tiva, deparamo-nos com «um regime concebido para melhorar garan-
tidamente a produção capitalista estrangeira por meio de processos
cuja evidência não escapa ao pov
povoo no seu todo15.»
Quando, em La tragédie de roi Christophe,
Christophe, A. Césaire discorre so-
bre as independências africanas à imagem do Haiti, que foi a primeira
14. Entrevista
Entrevista a C. Anta Diop em Afrique-Asie
em Afrique-Asie,, 9 de Novembro de 1981, p. 58.
15. Les fondements économiques et culturels d’un Etat fédéral d’Afrique Noire,
Noire , p. 50.
da questão nacional
governação quedesesuperar
susceptível manifesta com a procura
os grandes desaiosdedoum modo de
continente.
«Ainda não somos livres, mesmo no seguimento deste abrandamento
dos laços, pois não poderemos escolher um regime político e social
diferente do regime do campo ocidental sem corrermos o risco de
combatermos militarmente ou de sermos arrasados por intrigas, com
recurso aos partidos locais de obediência ocidental16.» O Estado pós-
-colonial emerge num contexto no qual o Ocidente decide manter sob
a sua égide os povos cujas elites substituem os administrad
administradores
ores colo-
niais. Ora o que signiica então «preservar um país independente»?,
pergunta-se C. Anta Diop. As opções para o futuro de África giram em
torno desta questão. Segundo C. Anta Diop, a opção primordial faz-se
entre a «sul-americanização ou a federação de África». Tal como consta-
ta: «África é ensombrad
ensombradaa pela sul-americanização. Que está presente.
E que é a regra pela qual nos regemos.» Por conseguinte, a OUA é um
mal menor que tenta libertar-se infrutiferamente das armadilhas do
colonialismo na medida em que se assiste ao triunfo dos nacionalis-
mos, no âmbito das fronteiras herdadas da geograia colonial.
Em 1965, num editorial de Jeune
de Jeune Afrique
Afriqu e, C. Anta Diop escreve:
16. Entrevista
Entrevista a C. Anta Diop em Afrique-Asie
em Afrique-Asie..
17. «L’Afrique -doit s’unir», Jeune
s’unir», Jeune Afrique,
Afrique, n.º 240, 17 de Julho de 1965.
18. Idem.
19.
20. Idem.
Ibidem..
Ibidem
21. Cf. entrevista a C. Anta Diop em
em Afrique-Asie
Afrique-Asie,, 9 de Novembro de 1981
to no
da qual o futuro
comunicação. Se pertence
o problemaàs da
sociedades queproblema
língua é um detêm o monopólio
de Estado,
então preservar oicialmente a língua da antiga metrópole equivale a
uma «capitulação cultural». Nesse aspecto, «ainal de contas, nada da-
quilo que constitui a grandeza das nações modernas – no domínio da
cultura nacional e até da infra-estrutura económica – poderia existir
aqui». Qualquer missão do investigador deve contribuir para lançar
«as bases económicas e culturais de um Estado federal da África
negra». Daí que o problema da unidade linguística e da unidade cul-
tural constitua o cerne da estratégia de C. Anta Diop.
Eis o sentido das ideias apresentadas em Nations nègres et culture
culture
que é necessário retomar para contextualizar o âmbito da relexão do
historiador sobre a questão nacional na África negra. Com esta obra
fundamental assiste-se ao im do discurso dominante através do qual
o Ocidente, tal como airmava Sartre: «desfrutou durante três mil
anos do privilégio de ver sem que o vissem. Era puro olhar, a luz dos
seus olhos subtraía todas as coisas da sombra natal…22».
A memória de um pov
povoo
O texto fundador de C. Anta Diop amadurece no contexto das lutas
pela libertação do continente. Actualmente, as novas vulgatas africa-
nas gostam de retomar ideias que pareciam tão revolucionárias às
quais pouquíssimos intelectuais ousavam aderir. Essas ideias con-
tribuem para «a airmação da identidade nacional», tal como deinida
por C. Anta Diop num congresso
congress o organizado pela UNESCO sobre a ma-
téria. Deve frisar-se a dimensão política das ideias-chave alumiadas
pelos trabalhos do historiador africano mais ilustre do nosso tempo.
Para terminar com o discurso do mestre, C. Anta Diop dedica-se a
demonstrar os mecanismos e os aparelhos ideológicos da dominação.
«Alistar a alma nacional de um pov
povoo num passado pitoresco e inofen-
sivo, deveras adulterado, é um procedimento clássico da dominação.»
Logo, em nome da ciência, deve travar-se a luta contra o colonialismo
22. J.-P. Sartre, Orphée Noir , Situations III, Gallimard, 1949, pp. 229-230.
mo africano.
cional O principal
reside nessa contributo
reconquista de C.memória
da nossa Anta Diopcultural
para a equestão na-
histórica
histórica.
O historiador avalia a extensão de tal iniciativa num contexto no
qual os resultados da dominação se implicam no imaginário adulte-
rando o passado africano. No panorama colonial, a cultura é um espa-
ço do poder.
poder. Os temas centrais
cen trais de Nations nègres et culture
culture inserem-se
numa estratégia de luta contra a dominação.
tiva diferente
demasiado do homem
tempo, e do dominou
o ocidente mundo num contexto
o espaço do no qual,Quando
olhar. durante
o
acto de «descolonizar o espírito» se torna um imperativo para os po-
vos negros25, eclode uma crise desse olhar. Facto que J.-P. Sartre com-
preendeu claramente, em vésperas das independências africanas:
«A Europa já não era mais do que um mero acidente geográico. Se ao menos espe-
rássemos recuperar a nossa grandeza aos olhos domésticos dos africanos. Porém,
já não há olhos domésticos: há olhares selvagens e livres que julgam a nossa terra
(…). O homem branco iluminava a criação como uma tocha. Revelava a essência
secreta e branca dos seres. Hoje, olhamos para nós e o nosso olhar penetra nos
nossos olhos; tochas negras, ao seu redor, iluminam o mundo 26.»
25. Sobre o tema, ler Ngugi Wa Thiong IO, Decolonising the Mind. The Politics of language in Afri-
can Literature
Literature,
26. J.-P. Sartre,, op.
Nairobi,
cit .,., p.1987;
231. (Hinw Eizu, Decolonising the African Mind , Lagos, 1987).
27. P.
P. Biya, Pour le libéralisme communautaire,
communautaire, Ed. P.M. Favre, 1987.
1. Antériorité
1. Antériorité des civilisations nègres
nègres, p. 10.
À margem da universidade
Quando aquele que foi um dos principais dinamizadores da Fédéra-
tion des Étudiants d’Afrique Noire en France (FEANF) e o secretário-
geral da RDA (Reunião Democrática Africana) decide voltar ao país-
natal, é no ensino e na investigação que antevê a sua vida e o seu futuro.
Ambas as actividades são indissociáveis do seu projecto de vida mas,
segundo o seu plano, numa primeira fase, é necessário formar os es-
tudantes, para depois poder dedicar-se à inve
investigação
stigação no domínio que
lhe é característico. Projecto que corresponde perfeitamente ao seu
peril intelectual, pois pretendia dedicar-se à investigação atómica
pelo facto de ser formado em Física e também por ter encetado inves-
tigações nesse domínio juntamente com Pierre e Marie Curie quando
viveu em França. Após regressar ao Senegal, a prossecução das suas
investigações aigura-se natural. Salienta-se que, ao longo de toda a
sua existência, C. Anta Diop vive ensombrado pelo problema da inves-
tigação cientíica sem a qual nenhum plano de recuperação de África
pode concretizar-se. As suas relexões de Les fondements économiques
et culturels d’un État fédéral d’Afrique noire terminam
noire terminam precisamente
com esse problema. Embora a investigação aplicada «deva ser par-
tilhada, tanto quanto possív
possível,
el, com institutos especializados ligados à
Universidade», para C. Anta Diop, «fundamentalmente, a investigação
fundamental emanará sempre da Universidade4». Como tal, a Univer-
sidade deve tornar-se «um dos centros de formação mais importantes
dos quadros africanos5».
Um dos aspectos perturbadores do destino intelectual do ilustre
egiptólogo é o facto de o poder ter recusado o acesso à Universidade
2. Idem
Idem,, p. 11.
3.
4. Ibidem
Ibidem, , p. 12. économiques et culturels,
Les fondements culturels, p. 117.
5. Idem
Idem,, p. 118.
nhum
um intelectual
trabalho da sua geração
no domínio reunia
atómico, condições
a decisão que para empreender
condena C. Anta
Diop a viver à margem da Universidade não é de todo inocente.
Evidentemente que a abrangência dos estudos
estudo s do jovem
jovem ísico negro
não passou despercebida a determinadas instâncias que, com recurso
a diversas máscaras, asseguram o controlo da vida intelectual afri-
cana das independências. Ao afastar da Universidade uma «mente co-
lossal», cujos trabalhos são uma autoridade na matéria, coloca-se um
entrave ao lorescimento cientíico dos povos africanos. O bloqueio
das relações entre C. Anta Diop e a juventude estudantil pressagia um
futuro de pobreza e de fome que se urdia para África. A autoridade do
cientista teria transforma
transformadodo incessantemente os meios universitários
e não há qualquer dúvida acerca da vastidão da sua inluência na vida
dos estudantes e do número de estudiosos e investigadores que um
contacto permanente teria suscitado em muitos países africanos. Será
necessário frisar o peso considerável que ele teria exercido nas men-
tes desses meios que, em princípio, constituem um local privilegiado
do saber e da cultura cujos efeitos são previsíveis nas transformações
sociopolíticas?
Efectivamente, ninguém parece ignorar a envergadura de tal candi-
dato à função de professor, conhecendo as suas ideias desde a época
em que o jovem estudante da RDA formulava resolutamente
resolutamente o problema
da independência dos territórios da África negra. O escândalo susci-
tado em plena Sorbonne pela defesa de tese de Nations nègres et cul-
ture encetava
ture encetava um conlito com os senhores da verdade: conlito que
não deixaria indiferentes os senhores do poder no meio africano. Mas,
incontestavelment
incontesta velmente,
e, não foi pelos seus trabalhos de ísica ou química
que C. Anta Diop gravou o seu nome na história da ciência. A maioria
dos seus textos, dos seus artigos, o tema das suas conferências e das
suas comunicações e os grandes debates nos quais participou versam
sobre as ciências humanas. O resultado dessas investigações deve-se
à sua formação pluridisciplinar e à sua enorme erudição. De certa ma-
neira, talvez a conversão do ísico a esse domínio resulte da urgência
dos problemas das sociedades dominadas relativamente às quais o
investigador deve adoptar uma posição. Na sua vida de investigação,
6.
deEdem
1986.Kodjo, «Cheikh Anta Diop ou la pensée à contre-coura
contre-courant»,
nt», Le
Le monde diplomatique,
diplomatique, Março
7. Idem.
camente
da culturapela via dasC.artes.
africana, Ao frisar
Anta Diop rompea dimensão cientíica
com os poetas e técnica
da negritude
que professam a tese intolerável da inferioridade dos negros. O histo-
riador recusa-se a admitir essas ideias quando o contributo do Egipto
negro para a ciência e a ilosoia é conhecido pelas testemunhas do
pensamento greco-latino. Tal como também não é concebível que os
negros sejam «aqueles que não inventaram nada» num momento no
qual o homem descobre, comprovadamente, o papel determinante
desempenhado pelo Egipto africano na civilização que surgiu na
bacia do Mediterrâneo. Para compreender adequadamente a cultura
africana à luz do processo histórico, deve então resistir-se à perigosa
mistiicação que converte o irracional e a não-tecnicidade nos atribu-
tos essenciais da «alma negra». C. Anta Diop deve travar um árduo
combate face às elites africanas: descolonizar os espíritos dos seus
congéneres que interiorizaram os os a priori
priori mentais impostos pelo
racismo colonial, que ediicou um sistema de ideias e constitui uma
reserva de imagens sobre os povos nativos. Essa missão será ímproba
pois, para um escravo, não será fácil esquecer as lições do seu mestre.
Desde a década de 1950, Césaire fora um dos raros intelectuais ne-
gros a enunciar o desaio das ideias que se tornaram lugares-comuns
lugares-comuns
a partir do II.º Congresso dos Escritores e Artistas
Artista s Negros. Na verdade,
o objectivo visado pelo historiador consiste em fazer-se compreender
compreender
pelos seus, tendo em conta o cerne do debate cientíico sobre África.
Nesse plano, os textos de C. Anta Diop destinam-se especialmente aos
jovens
jovens africanos que o cientista não teve oportunidade de alcançar na
Universidade. São esses jovens que correm permanentemente o risco
de serem manipulados pelo Estado neocolonial que, recorrendo ao
sistema de ensino, transmite mensagens alienadoras. Num contexto
intelectual no qual África igura
igura exclusivamente na condição de objecto
na tentativa de produção cientí ica
ica que se faz sem ela, o negro é con-
denado a descobrir-se através do olhar do Outro.
Outro. Foi o que aconteceu,
com a colonização, nas salas de aula onde, através de Mamadou et
Bineta,, os alunos africanos se submetiam a um verdadeir
Bineta verdadeiroo martelamen-
to ideológico. Em plena crise do colonialismo, quando a investigação
cientíica desponta, C. Anta Diop revela rapidamente as mentiras de
serveem
siste e, neste caso,fazer
conseguir aquilo que serve
acreditar o colonialismo:
ao negro, sob a capao da
objectivo
ciência,con-
que
ele nunca foi responsável por algo de válido, nem mesmo daquilo que
nele existe».
Para alcançar a verdade de que África necessita para decifrar o seu
mistério é necessário percorrer um longo caminho, no qual «os
africanos se debruçam sobre a sua própria história e civilização e as
estudam para se conhecerem melhor8». C. Anta Diop compreendeu
rapidamente que os africanos
afric anos teriam de alterar a sua perspectiva
perspe ctiva para
enfrentar a nova ordem das coisas imposta pelo im do colonialismo.
Para operar essa reforma do entendimento, uma nova inteligência
africana exige uma verdadeira retomada de iniciativa por parte dos
nativos. Ao introduzir os jovens africanos na tomada de consciência
das articulações internas da dominação e dos seus aparelhos ideológi-
cos, o cientista «liberta» um vasto campo de investigação, no qual as
novas gerações devem assumir as disciplinas das ciências humanas
na expectativa de alumiar melhor «a noite negra 9» ensinada pelas
obras ocidentais. Face à alienação cultural do seu povo, C. Anta Diop
visa unicamente: suscitar e promover em África um movimento de in-
vestigação cientí ica
ica dinamizado pelos próprios africanos.
africanos.
Por isso frisa veementemente «a necessidade de um povo conhecer
a sua história e salvaguardar a sua cultura nacional. Se ambas ainda
não foram estudadas, é obrigatório fazê-lo. Não se trata de criar, in-
teiramente, uma história mais bela do que as outras, para inebriar
moralmente o povo (…) mas de partir dessa ideia evidente segundo
a qual cada povo tem uma história. Para orientar adequadamente a
sua evolução, um povo deve conhecer imperativamente as suas ori-
gens, sejam elas quais forem. Se, por acaso, a nossa história é mais
bela do que o previsto, isso não passa de um feliz pormenor que já
não deve suscitar qualquer mal-estar desde que se tenham fornecido
provas objectivas10». Logo, o problema não reside na «gloriicação de
um passado mais ou menos grandioso»: reside «na descoberta
8.
9. Nations
Idem,, p. nègres
Idem 14. et culture,
culture, vol. 1, p. 15.
10. Idem
Idem,, p. 19.
e na to
tomada
mada de consciência
consciência da continuidade
continuidade desse passado, seja
seja qual
for11». C. Anta Diop visa fundamentalmente «contribuir para o des-
pertar da consciência cultural de um povo 12», dando a descobrir às
gerações actuais o papel relevante desempenhado pelos negros na
história da humanidade, com base numa investigação cientíica minu-
ciosa sobre o Antigo Egipto. Pois:
11.
12. Ibidem
Ibidem,, p. 15.
25.
13. Citado por I. Babakake, La Diaspora Noire,
Noire, Paris, 1976, pp. 36-37.
tica desse
dignas espírito
de lhe serememinente, não hámantém-se
apresentadas: questões estultas que para
disponível não sejam
ouvir
tudo aquilo que vem de baixo e para manter o contacto, através de
correspondência ou um telefonema, para responder a uma questão
ou prosseguir uma discussão e uma troca de ideias que tenham sido
encetadas. «Aqui os deuses também estão presentes» (junto ao for-
no), poderia airmar, parafraseando o poeta citado por Aristóteles
ao empreender as suas investigações sobre o mundo animal para
demonstrar que nenhum assunto é negligenciável. Na falta de anite-
atros, C. Anta Diop contenta-se com um assento normal num vagvagão
ão de
segunda classe para expor as suas teses a um simples estudante.
Num testemunho elucidativo, Marcien Towa relatou o seu encontro
com C. Anta Diop em circunstâncias inesperadas e escreve: «Conheci
efectivamente C. Anta Diop no II.º Congresso dos Escritores e Artistas
Negros realizado em Roma, em 1959. Tínhamos percorrido um lon-
guíssimo trajecto de comboio de Paris até Roma. Ao longo da viagem,
falámos sobre a sua obra e as suas teses que eram audaciosas e eram
aceites por poucas pessoas (…). No regresso, publiquei um artigo so-
bre o congresso no jornal dos estudantes franceses de Caen e outro
em La revue camerounaise que,
camerounaise que, na época, era dirigida por Eyinga Abel,
nos quais sublinhei as teses de Cheikh que aprovava 14.» Outro teste-
munho, também ele de um estudante negro, ilustra a facilidade com
a qual esse homem de valor se deixa abordar pelos jovens. Segundo
Edem Kodjo: «Depois de nos falar sobre o parentesco entre o negro-
-africano e o árabe, Cheikh Anta Diop deveria preambular a unidade
cultural da África negra, considerando-a a base fundamental de uma
construção política durável.
durável. Esse combate passa pelo domínio das lín-
guas nacionais, e Diop, que traduziu à minha frente a teoria da rela-
tividade de Einstein para wolof, constituía-se o apóstolo de uma lín-
gua africana cuidadosamente seleccionada e ensinada15». Cena que se
desenrolaa no meio estudantil, durante um seminário organizado pela
desenrol
FEANF em Julho de 1959, em Rennes, onde, segundo indica o antigo
secretário da OUA: «encontrei Diop pela primeira vez». Não há dúvida
Um desaio político
Essa responsabilidade
responsabili dade que C. Anta Diop assume relativamente
relativamente ao seu
povo, através de diversas publicações e de encontros determinantes,
representa um desaio político considerável. Para perceber isso, não
se pode reduzir a vida militante do investigador a querelas com os
poderes instituídos, é necessário retomar os principais temas da sua
obra e do seu pensamento. Ora, se a história e a cultura, o homem e a
sociedade e, por im, o Estado e as línguas constituem os actos funda-
mentais da investigação do cientista, além da coerência interna deve
analisar-se também a pertinência. C. Anta Diop faz parte dessa gera-
ção da década de 1950 que representa, provavelmente, o período axi-
al do pensamento africano elaborado a partir de acontecimentos que
marcaram a memória dos povos negros. Em vésperas de Bandung, o
historiador africano retoma as ideias, publicadas num artigo intitu-
lado «Para uma ideologia política na áfrica negra», editado em La Voix
de l’Afrique noire,
noire, órgão dos estudantes da RDA. Em Nations nègres
et culture,
culture, retém apenas dois temas essenciais relativamente ao na-
cionalismo: a cultura nacional e a independência nacional. Evidente-
mente que esses temas compõem o horizonte da sua investigação nos
diversos domínios das ciências humanas. Um dos factos notáveis é
precisamente a abrangência dos temas que C. Anta Diop decide tratar
nas suas obras e que voltará a reler e aprofundar, incessantemente,
partindo de uma intuição magistral que lhe serve de io condutor.
Evocando apenas alguns exemplos, ainal de contas, por que motivo
a história domina a problemática da investigação de C. Anta Diop, a
não ser por se tratar de um tema verdadeiramente estratégico? Neste
caso, para o investigador, a história em causa não é a história dos
acontecimentos, mas aquela que é analisada à luz de práticas socio-
económicas do passado africano. Constatou-se anteriormente que o
estudioso salienta o facto de que o Egipto negro foi «ao longo de toda
a Antiguidade, a terra clássica para a qual os povos mediterrânicos
acorrerão em peregrinação para beberem das fontes dos conhecimen-
tos cientíicos». Facto que foi cuidadosamente acobertado pelos estu-
diosos europeus. Ao retomar a questão das origens negras do Antigo
Egipto, C. Anta Diop não desvela uma realidade que teria escapado à
tivo de consolidar
amnésicos o regime
em África. colonial,
Realidade queo Alioune
mundo europeu criou povos
Diop compreendeu
claramentee ao considerar as ciências históricas «o ilho predilecto de
clarament
qualquer política nacional16». Atendendo ao universo mental no qual
se elaboram as grandes teses do egiptólogo senegalense, a reposição
da verdade histórica das sociedades africanas é um acto político.
político. Não
é necessário frisar a importância do problema das línguas que preo-
cupou incessantemente C. Anta Diop. Actualmente sabe-se que essa
questão é inerente à do poder. Ao conduzir um povo a renunciar à
sua língua, também se cultiva o abandono, a renúncia a qualquer as-
piração nacional por parte dos habitantes e acentuam-se os relexos
de subordinação junto daqueles que já eram alienados. Por isso
existem inúmeros teóricos ao serviço do colonialismo (…) cujas ideias
são divulgadas, ensinadas à escala do povo, à medida que vão sendo
elaboradas 17». A alienação cultural como «arma de controlo»: eis a
verdadeira situação que o investigador deve considerar para deinir
as suas missões e assumir as suas responsabilidades, caso pretenda
renunciar proferir discursos mercenários sobre a realidade africana.
Com a identiicação das diferentes redes através das quais o sistema
colonial propaga e comunica as suas teorias (escola, meios de comu-
nicação, propaganda, igrejas, etc.), C. Anta Diop tenta sensibilizar os
africanos para a gravidade do risco de depositar uma coniança cega
no saber instituído pelos seus mestres. Pois nada é neutro na medida
em que a prática cientíica é indissociável
indissociável da acção colonial. Deve ha-
ver ousadia para duvidar das teorias que visam justiicar a domina-
ção. O saber dominante não procura de todo alcançar a verdade, mas
antes forjar as «armas culturais perigosas ao serviço do ocupante18».
Por conseguinte, a missão do cientista não está coninada às paredes
do seu laboratório. Na prática da investigação, é preciso ser-se vigi-
lante para prevenir e alertar os negros para o «perigo inerente em as-
similarmos nosso passado, a nossa sociedade e o nosso pensamento,
16.
17. Cf. Présence
Nations africaine
africaine,
nègres , n.º p.
24-25,
et culture, p.
culture, 14. 1959, p. 44.
18. Idem
Idem,, p. 14.
sem espírito crítico, através das obras ocidentais 19». Pode avaliar-se o
tamanho da dúvida que se impõe numa situação actual na qual, com
base nos manuais escolares, os centros de estudos e de relexão, os
organismos de investigação e a maioria das publicações, as gerações
africanas só acedem à civilização do livro através das obras redigidas
no Ocidente. C. Anta Diop é provavelmente um dos grandes mestres
da dúvida da história africana. Do alto da sua eminencia cientíica,
surge
tuir como
uma uma de
espécie sentinela que domina
desacatamento todo o mundo
em relação negro. Aodo
ao pensamento insti-
seu
mestre, ele desperta o homem africano para a sua própria vocação
intelectual e cientíica. Para o investigador a ciência dominante é sus-
peita: logo, o homem tem de olhar de forma diferente para si mesmo,
para a sociedade africana
afric ana e para a sua história. Ao invés de reproduzir
os discursos institucionais, trata-se de questionar e repensar os sa-
beres constituídos para libertar o imaginário dos negros do «venen
«venenoo
cultural sabiamente inoculado desde a mais tenra infância 20». Ora,
tudo se passa como se a questão do Estado e do poder fosse o hori-
zonte da investigação de C. Anta Diop.
Neste caso, as relexões e as análises que elabora no estudo Afrique
estudo Afrique
noire pré-coloniale que
pré-coloniale que se revela um ensaio de «sociologia histórica»
no qual o estudioso se interroga sobre a evolução das sociedades e
lança as bases para uma análise dos movimentos revolucionários
partindo de uma consideração das particularidades das estruturas
sociais e políticas africanas. Antes de mais interessa-nos observar
que, em plena colonização, quando a maioria dos intelectuais ainda
não ousava aventar a questão da independência nacional, paralela-
mente ao problema da libertação, C. Anta Diop apresenta o da criação
de um Estado federal na África negra. Questão do Estado que nunca
mais abandonará, retomando-a com Les fondements économiques et
culturels d’un État federal d’Afrique noire.
noire. A persistência dessa temáti-
ca nas sociedades pós-coloniais desvela o fosso existente entre a re-
alidade política e africana e aquilo que deve considerar-se
considerar-se a utopia de
C. Anta Diop. Situação que é motivo de tensões na medida em que os
regimes africanos se encerram nas fronteiras traçadas pela Europa no
Congresso de Berlim.
Outro motivo de preocupação para o politólogo é a violência dos
poderes. A debilitação africana por conta da «proliferação de Esta-
dos microscópicos condenados à ditadura e à impotência política
e económica»: eis o receio do estudioso. Não se trata do pesadelo
de um intelectual angustiado, mas da realidade actual na qual nos
19. Ibidem
Ibidem,, p. 14.
20. Ibidem
Ibidem,, p. 25.
aespaço
questãogeopolítico actual.que
incontornável Queo tipo de Estadotransmite
investigador para a África negra?
às novas Eis
gera-
ções. A despeito da evidente relevância política da questão, o mesmo
não acontece relativamente à questão da identidade do negro que é
um dos grandes temas da investigação de C. Anta Diop.
No entanto, na África negra não deveria negligenciar-se o papel fun-
damental das ciências sociais nessas regiões onde, tal como reconhece
R. Jaulin, a etnologia suscitou frequentemente
frequentemente o etnocídio para que «a
paz branca» reinasse. A partir do encontro brutal entre África e a Eu-
ropa, não há prática antropológica que não se insira numa estrutura
ideológica, política, económica e militar imposta pelo Ocidente. Como
tal, a antropologia faz parte de determinado contexto político que deine
as relações entre as sociedades europeias e as sociedades não euro-
peias. A ideologia colonial e a antropologia resultam de uma mesma
coniguração e existe um jogo entre as duas ordens de fenómenos que
condiciona o seu desenvolvimento. O antropólogo serve-se da «paz
branca» para estudar as populações ditas primitivas. Mas essa «paz»
não é capaz de impedir a alienação cultural, económica ou política.
Ora, o antropólogo é o álibi ou a causa dessa alienação na medida em
que participa na dominação. No contexto colonial, tal como a história
se situa do lado do Ocidente que faz a História, a prática da antro-
pologia equivale indirectamente a procurar respostas para a crise e
para as contradições internas da sociedade dominante e também a
conirmar a autoridade e o poder das sociedades ocidentais, do seu
pensamento e da sua cultura. Não é por acaso que a disciplina nasce e
se desenvolve enquanto as grandes potências europeias conquistam
os seus impérios além-mar. Enquanto unidade teórica, a antropologia
é uma expressão do imperialismo colonial; é uma prática que lhe é
útil. Os antropólogos: exploradores ou espiões? A pergunta sugere o
conjunto das relações que se estabelecem entre o antropólogo e o im-
perialismo21.
Ao retomar a questão da identidade do negro, C. Anta Diop detém
uma imagem de África que remonta à Antiguidade, tal como retrata-
da por Galeno no séc. III; deve recorrer-se igualmente a todas as
21. Sobre o assunto, ver as obras anteriormente citadas, n.º 13, p. 31.
que consistePara
dominação. na tomada de consciência
compreender de uma exploração
o compromisso cientíico doe investi-
de uma
gador é preciso sempre retomar o «grau de alienação dos africanos
de então».
Perante essa situação, o cientista não pode permitir-se o luxo
daquele que faz de conta que não se mete nos assuntos que não lhe
dizem respeito e limitar-se
limitar -se a viajar para o outro canto do mundo, para
tribos onde o branco ainda não chegou. Pela própria natureza da sua
função objectiva, o investigador africano deve adoptar posições que
divergem das do antropólogo ocidental que tem tendência a refugiar-
-se na pureza (?) de um mundo fechado que estaria imune ao pecado
mortal da civilização; é aí que tenta negar o tumulto e a fúria que en-
tristecem os trópicos na medida em que inundam as sociedades desde
a invasão das armadas coloniais, o aparecimento dos movimentos
de protesto rurais e populares ou a introdução do álcool e da «so-
ciedade da Coca-Cola». Nesse plano, para C. Anta Diop, a missão mis são não
consiste em valorizar a pureza primitiva relativamente à inautenti-
cidade das civilizações brancas. Trata-se de destruir «o mito do ne-
gro» lançando as bases de uma «antropologia incomplacente» que é
a única que pode oferecer ao africano
african o a verdade da sua humanidade
e da sua identidade na medida em que evidencia o verdadeiro pa-
pel do negro na história da humanidade. Repor essa verdade não
traduz unicamente um acto de submissão às exigências da racio-
nalidade científica, é também um atentado às bases ideológicas da
dominação. Se a antropologia ocidental é «filha do imperialismo»
participando, assim, no «desenvolvimento do subdesenvolvimen-
to», «a antropologia incomplacente» é uma prática científica que se
insere numa dinâmica concreta na qual o africano deve passar da
alienação para a iniciativa. Ao
iniciativa. Ao invés de se limitar a uma análise do
homem e da sociedade com base num quadro teórico no qual a his-
toricidade do mundo negro é um um a priori
priori epistemológico, C. Anta
Diop elabora a ruptura com a antropologia colonial assumindo a
história como local privilegiado da descoberta da identidade afri-
cana. A investigação sobre o homem
hom em negro centra-se na perspectiva
per spectiva
25.
26. Nations nègres
Idem,, vol.
Idem 2, pp.et523-542;
culture, vol.
culture, 1, p. 17 ;L’Unité
ler também vol. 2, p. 418. de l’Afrique noire,
culturelle noire, pp. 154-170.
27. E. Kodjo, Et demain l’Afrique,
l’Afrique, Stock, Paris, 1986, p. 296.
com as ilusões
questões do humanismo
mais terrenas abstracto para
que o atormentam se debruçar-se
há largos sobre
anos. Cinquen-
ta, tal como relembra o seu Alerte sous les tropiques
tropiques.. É o desaio da
crise alimentar que está em causa no momento no qual «o Ocidente
pretende proteger o seu bem-estar num mundo miserável». A fome
não teria afectado inúmeros africanos se, a partir de então, esse aler-
ta tivesse sido levado a sério numa região do continente onde, nos
meios intelectuais e cientíicos, se silenciaram homens que tinham
trabalhado em África por longos anos, que aí tinham feito carreira
e, por vezes, criado obras eruditas sobre as suas populações. Para
os «especialistas» das questões africanas, tratava-se da indiferença
quase global relativamente ao drama do Sahel, cujos sintomas são
anunciados por C. Anta Diop a partir de 1954. O drama salienta a
gravidade do problema da responsabilidade do homem da ciência e
da cultura na África negra onde, sob pretexto de uma investigação «ob-
jectiva», se contribui
con tribui activamente
activ amente para
pa ra a subjugação dos agricultores
a gricultores e
criadores de gado.
gado.
Propaganda ou verdade?
É possível questionar o valor de uma obra na qual o investigador é
indissociável do militante, na medida em que as suas ferramentas de
análise também se revelam meios de luta pela dignidade dos povos
africanos. Ao defender a tese da origem negra da civilização egípcia,
C. Anta Diop não está a sacriicar a verdade cientíica à sua consciên-
cia política?
Eis a questão que está no cerne dos debates sobre a obra do egip-
tólogo e antropólogo africano e à qual o próprio respondeu, no seu
prefácio à segunda edição da sua obra fundamental, Nations nègres
et culture.
culture. Segundo salienta, o livro «foi escrito num período diícil
(1948-1953) de luta anticolonial no qual de bom grado se dava lar-
gas às paixões». Situação que não impede o investigador de manter o
sangue frio e, no fulgor da luta nacionalista, é capaz de adoptar uma
28. Antériorité
28. Antériorité des civilisations nègres
nègres, p. 281.
não «renuncia
origem a civilizações
negra das nenhum dos grandes
etíope temas
e egípcia, desenvolvidos
à extensão sobre a
e à antiguidade
do substrato negro da humanidade, à anterioridade da cultura me-
ridional à volta do Mediterrâneo, ao parentesco cultural dos povos
africanos nem à possibilidade de que estes
estes povos
povos dispõem para construir
constru ir
uma cultura moderna que beneicie dos feitos da humanidade».
Engendradas nesses anos de luta, «essas ideias aiguravam-se de tal
modo revolucionárias que pouquíssimos intelectuais ousavam aderir-
-lhes29». Para os cientistas, foram um escândalo inadmissível. Actual-
mente, «os grandes temas desenvolvidos em Nations nègres et culture culture
(…) caíram na esfera dos lugares-comuns30». Já ninguém contesta as
teses do jovem investigador envolvido na luta pela independência de
África. Facto que convida à relexão sobre as relações entre a investi-
gação cientíica e o envolvimento político. Eis um texto fundamental
de C. Anta Diop:
«Há tendência para acreditar que todo o pensamento, toda a actividade intelec-
tual – que supostamente contribuem para despertar a consciência de um povo –
devem debruçar-se, forçosamente, sobre o campo cientíico. No âmbito da nossa
abordagem, existia uma forma de evitar essa doença infantil da investigação cul-
tural. Bastaria admitir que cada povo tem um passado, por mais modesto que seja,
que é relativamente possível descobri-lo com uma investigação apropriada (…).
Para alcançar esse objectivo, não é necessário alterar conscientemente os factos
(…). Mesmo assim, não podia deturpar a verdade histórica, complacentemente,
inventando outras origens para os povos africanos para dar a impressão de um tra-
balho mais «sério», mais «cientíico»,
«cientí ico», sobretudo mais aceitável aos olhos de muitos
especialistas que, remontando a origem da raça negra a alguns milénios, acreditam
tratar-se de uma concessão extraordinária. Este foi, por essa razão, um verdadeiro
diálogo entre surdos31.»
29.
30. Nations
Idem,, p. nègres
Idem et culture,
cultureo, Colóquio
5; ver também vol. 1, p. 5.
do Cairo de 1974.
31. Ibidem
Ibidem,, p. 25.
«Por vezes, o tom da nossa argumentação é denunciado. Para nós, não se tata de
adoptar os defeitos dos textos que criticamos. Numa demonstração, deve estabelecer-
-se uma distinção entre a irmeza dos argumentos apresentados
ap resentados e o tom com que se
expressam. Não se concede qualquer indulgência relativamente ao primeiro ponto
que, só por si, emana essencialmente da ciência. No segundo caso, a atitude a adop-
tar depende das circunstâncias (…). Evita-se o debate cientíico de uma maneira
que não engana ninguém ao substituir a refutação dos argumentos por uma expli-
cação «psicológica» da motivação de uma obra 32.»
tinente.sentido
ganha O destino do estudioso
nas sociedades quese
onde viveu à margem dacom
lida diariamente Universidade
a fome e a
miséria. Aparentemente,
Aparentemente, nos países onde «comer em primeiro lugar»
é um problema primordial, a vida da inteligência apenas constitui um
interesse menor
menor..
Dever-se-á condenar África a tornar-se uma verdadeira feira de
oportunidades na qual os homens do ritmo e da dança estão condena-
dos a consumir «pacotes tecnológicos» que aí são derramados, como
se de um enorme depósito de lixo se tratasse, tal como é possível
observar em relação aos medicamentos e aos povos que se mobili-
zam para transformar a produção da ciência num instrumento da sua
força e do seu crescimento? Tal como ressalva Edem Kodjo, «os res-
tantes continentes não estão dispostos a transferir-nos esses instru-
mentos da força que são a ciência e a técnica moderna34». Os grandes
consórcios não podem ser equiparados a instituições de caridade que
distribuiriam pelos «pequenos negros» as suas tecnologias de ponta.
Por conseguinte, não deve imaginar-se
imaginar-se que a única missão da cultura
e da sociedade africanas consiste em fornecer um «suplemento de
alma» ao mundo inado das máquinas, entregando aos restantes o
monopólio da investigação cientíica e tecnológica.
Nesse aspecto, o actual drama africano não reside unicamente na
fuga, mas no enorme desperdício de inteligências. Essa perda tende
a tornar-se uma prática institucional precisamente onde triunfam os
embusteiros da cultura, privando as sociedades que vivem na penúria
de um capital cientíico e tecnológico que deve ser valorizado e no
qual África deve aprender a coniar. O Estado africano deve proteger
os homens de valor e permitir-lhes viver dignamente e trabalhar com
toda a segurança na medida em que a vida de inteligência só pode lo-
rescer e desenvolver-se num clima de liberdade. Actualmente, os pen-
sadores e os espíritos criativos não podem ser condenados a submer-
gir a consciência da sua infelicidade em estádios de futebol. Milhares
de homens e mulheres não poderão desagrilhoar-se da miséria sem um
projecto cientí
cien tí ico
ico mobilizador assumido pelas equipas de investigação
em meio africano.
africano.
Embora
ridade se tenha
moral tornado um
que representa líder
com de obra
a sua opinião, atendendo
cientíica, à auto-
este lutador
tenaz desconhecia as barreiras artiiciais que as práticas escolares
acabaram por erigir entre as diferentes disciplinas. Munido de uma
formação global que lhe permitia dialogar com os estudiosos e os es-
pecialistas oriundos de diversos horizontes das ciências exactas e das
ciências humanas, personiica o tipo de homem de cultura cuja vasta
competência abrange todos os sectores do saber. Pressionado pela
urgência da luta
lu ta que tem de travar em todas as frentes, não tolera sim-
si m-
pliicações abusivas
abusivas nem a agitação estéril, sendo a sua maior exigên-
cia a busca incessante da verdade. Toda a sua vida é orientada pelo
desejo de envidar todos os esforços para lograr a evolução da ciência
ciênci a e
o triunfo da verdade, aprofundando sempre as questões tratadas e re-
nunciando a qualquer facilitismo. Desenvolve críticas inlexíveis sem-
pre que aspira a suprimir a mediocridade e denunciar a banalidade.
África precisa deste tipo de homem num momento em que iluminis-
mos de ordens diversas correm o risco de paralisar
paralis ar as forças críticas e
inventivas das sociedades bloqueadas. Assistimos a uma manipulação
do crível organizada pelos sistemas dominantes para neutralizar toda
a consciência crítica e impedir os escravos
escravos da fome de cometerem um
acto de loucura nos conlitos nos quais não têm nada a perder. Antes
que estes sistemas o desperdicem, é necessário restituir C. Anta Diop
aos povos africanos. Pois, na actual crise das sociedades pós-coloniais,
estes povos necessitam de um pensamento radical cujo exemplo é
oferecido pelo autor de Nations
de Nations nègres et culture.
Por que motivo a terra africana não se transforma num espaço onde
a razão é rica em invenções e investigações? Inúmeros Estados cor-
rem o risco de desaparece
desaparecerr do mapa geopolítico do mundo, sem uma
renovação da investigação cientíica e um verdadeiro programa de
inovação tecnológica. Devemos então relectir sobre as palavras de
C. Anta Diop aos jovens africanos: «Eles devem compreender que ao
domínio dos conhecimentos deve acrescer a eicácia da organização
para se manterem.». Nessas sociedades que se assemelham a uma
enorme manjedoira, «o investigador africano não tem o direito de
prescindir de uma formação técnica suiciente que lhe faculte o acesso
dos recursos
reunir naturais;
os cientistas constituem
africanos também um
para cumprirem as meio queinerentes
missões permite
aos seus próprios deveres: alumiar a noite que propicia a divisão dos
povos africanos, a sua dominação e a sua exploração.
Deinitivamente, pôr a ciência ao serviço de África requer, previa-
mente, um nível de competência elevado.
elevado. Tal como salienta C. Anta
Diop:
«Os especialistas africanos devem adoptar medidas de preservação. Devem ser ca-
pazes de descobrir uma verdade cientíica pelos seus próprios meios, dispensando
a aprovação de outrem, e de saber conservar a sua autonomia
autonom ia intelectual até que as
ideologias que se abrigam sob a capa da ciência se apercebam de que a era dos es-
tratagemas intelectuais chegou ao im. A competência torna-se a virtude suprema
do africano que pretende desalienar o seu povo36.»
36. C. A.
1974, p. Diop,
10. Prefácio a T. Obenga, L’Afrique dans l’antiquité, Egypte Pharaonique, Afrique Noire,
Noire,
37. Fanon, op. cit .,., p. 240.
1. Sobre o tema, ler «Ch. A. Diop, l’hérétique», Peuples Noirs, Peuples africains,
africains, Nov.-Dez.
Nov.-Dez. de 1986 ;
Verde
23 também o simpósio
Abril de sobre a obra
1982; «Contrer de C. A. Diop:idéologiques
les hégémonies «Problématique et Champ historique»,
historique»,Le
et scientiiques», LeKodjo,
id.; Edem Soleil ,
«Cheikh Anta Diop ou la pensée à contre-courant», Le Monde Diplomatique,
Diplomatique, Março de 1986.
cidos pelos
leva-o que distribuem
a anunciar im das menções
o im aos seusnovos
certezas, abrindo alunos: a sua audácia
caminhos para a
investigação sobre África, para lá dos contributos do africanismo.
africanismo .
Eis o cerne do problema do valor cientíico, dos resultados da obra
do egiptólogo, do historiador, do antropólogo e do linguista negro.
C. A. Diop não correrá igualmente o risco de ser desvirtuado pelas
novas gerações que, nos aniteatros e nos campus, nele reconhecem o
«homem de ciência» que repôs a verdade na sequência das falsiica-
ções da história africana impostas pelo imperialismo colonial? Aquilo
que actualmente ameaça a obra do investigador
investigador africano é a tentação
de transformá-la num objecto mágico, sagrado e, em última instância,
infalível, não situando C. A. Diop no contexto histórico no qual o seu
pensamento despontou, com os problemas especíicos que o acciona-
ram, atendendo aos meios de abordagem associados a um momento
da vida intelectual com os seus limites incontestáveis.
Não é fácil ler C. A. Diop sem desapaixonadamente,
desapaixonadamente, pois essa é uma
das marcas da sua obra multidimensional. Numa era na qual a se-
gunda geração da independência empreende a sua busca de mitos e
modelos, deve atentar-se para não converter C. A. Diop num mito. O
seu nome não poderia ser idolatrado, pois essa derradeira reassun-
ção não lhe interessa e em nada se aproxima da sua pessoa. Era um
homem que levava a ciência demasiado a sério para não reconhecer
a liberdade de pensar e aceitar a contradição. C. A. Diop mostrou-se
sempre aberto ao debate e à confrontação. A sua obra não emana
de uma inspiração divina, não deve ser considerada a Bíblia nem o
Alcorão. Na Idade Média, bastava citar Aristóteles para encerrar
qualquer discussão. C. A. Diop não deixou uma súmula teológica que
bastaria comentar ielmente, sem questionar a ediicação doutrinal
que deve ser reproduzida como dogmas intangíveis. O pior serviço
a prestar ao investigador seria consolidar o reino de consenso nos
regimes nos quais qualquer debate verdadeiro tende a desaparecer
do espaço da comunicação. C. A. Diop ainda tem mais a dizer sobre a
África negra, devendo renunciar-se a transformá-lo num «faraó do
saber». Era demasiado modesto para identificar-se com persona-
gens cujas práticas de poder associadas a regimes teocráticos não
Nesse
não deixasentido,
ninguémimporta situar Através
indiferente. o homem derelexões
das ciência edo
depresente
cultura que
es-
tudo, tentei alumiar toda a complexidade da obra e do pensamento de
C. A. Diop, frisando os principais temas e articulações, os seus desaios
e objectivos epistemológicos
epistemológicos e socio-históricos. Gostaria de sublinhar
a sua con iança
iança em si e a capacidade de criar que ele pretendia suscitar
no espírito dos africanos,
africanos, sendo que essa me parece ser a mensagem
fundamental legada por C. A. Diop. Não preconiza de todo uma nos-
talgia do passado africano, por mais glorioso que seja, nem pretende
ser repetido como se tivesse proferido a última palavra sobre todas
as coisas. Continua a ser um percursor e um pioneiro nas disciplinas
que praticou e legou questões fundamentais para as quais não teve
tempo de encontrar respostas. A sua obra inclui expectativas que é
necessário colmatar, daí que legue às novas gerações a responsabi-
lidade de fornecer as respostas à comunidade cientíica, retomando
as questões que permanecem, facto que se impõe a nível da história,
da egiptologia, da antropologia
antropologia e da linguística que estão no cerne da
obra de C. A. Diop. O uso que o investigador africano fez destas disci-
plinas leva-nos a renovar e desenvolver metodologias de abordagens
em ciências humanas no contexto africano. Gerir a herança de C. A.
Diop é recuperar o sentido da criatividade que se impõe no campo do
saber,, no qual a descolonização das ciências humanas é uma exigência
saber
do nosso tempo.
tempo.
África constitui um autêntico laboratório destas ciências, mas temos
de aceitar a morte do Pai e romper com o mimetismo para poder
criar.. Nas sociedades
criar socie dades onde vivem, os investigadores devem dar a com-com -
preender aquilo que se passa a nível das transformações de África.
É necessário assinalar os objectivos da investigação, elaborar ferra-
mentas de análise, inventar uma nova língua de transmissão. Na me-
dida em que C. A. Diop foi capaz de valorizar a interdisciplinaridade
nas diferentes ordens das ciências sociais e humanas, ica aqui uma
marca que ilumina o futuro. Muitos jovens interrogam-se: o que fazer
depois de C. A. Diop? Já airmei que deve evitar-se
evitar-se qualquer cristalização
cristalizaç ão
da sua obra e do seu pensamento e acrescento um ponto essencial:
ser iel ao ilustre egiptólogo africano é fazer parte de um momento da
«O africano que nos terá compreendido é aquele que, após a leitura das nossas
obras, terá sentido despontar outro homem dentro de si, animado por uma
consciência histórica, um verdadeiro criador, um Prometeu portador de uma nova
civilização e perfeitamente consciente daquilo que toda a terra deve ao seu génio
ancestral em todos os domínios da ciência, da cultura e da religião 2.»
2. Civilisation ou barbarie?, p.
barbarie?, p. 16.
3. T. Obenga, artigo citado.
casohumana,
gia se pretenda dominar
lucidez uma esituação
intelectual que exige
pensamento uma
criador
criador. enorme
. Deve ener-
afastar-se
qualquer forma de indolência e entorpecimento mental. Os trabalhos
do historiador africano indicam-nos o caminho para as respostas a en-
contrar no terreno. Eis o apelo de C. A. Diop aos jovens do continente:
«A nossa geração não tem sorte na medida em que não conseguirá evitar a tem-
pestade intelectual; querendo ou não, será levada a pegar o touro pelos cornos, a
libertar o seu espírito das receitas intelectuais e dos fragmentos de pensamento,
para envolver-se
envolver-se resolutamente na única via verdadeiramente dialéctica da solução
sol ução
dos problemas que a história lhe impõe.
Isso pressupõe uma actividade de investigação, no sentido mais autêntico, das
mentes lúcidas e ferazes, capazes de alcançar soluções eicazes e de serem consci-
entes por si mesmas, sem qualquer titela intelectual.
É a conjuntura histórica que obriga a nossa geração a resolver, numa perspectiva
favorável, o conjunto dos problemas cruciais com os quais África se depara (…). Se
não conseguir fazê-lo, igurará na história da evolução do nosso povo como a ge-
ração de demarcação que não terá sido capaz de garantir a sobrevivência cultural
e nacional do continente africano; aquela que, pela sua cegueira política e intelec-
tual, terá cometido o erro fatal ao nosso futuro nacional,
nacion al, terá sido a geração indigna
por excelência, aquela que não esteve à altura das circunstâncias5.»
Ler C. A. Diop equivale a tentar superar esse desaio.
Na medida em que as universidades
universidades africanas são locais de produção
da cultura, são chamadas a tornar-se centros de estudos e de inves-
tigação nos quais a vida e a obra de C. A. Diop podem alimentar e
incentivar a relexão dos jovens africanos. Somos os iéis
iéis depositários
do testamento de C. A. Diop.
Diop. Temos uma missão a cumprir para garan-
tir a presença e a divulgação do seu pensamento. Será que temos a
coragem das iniciativas históricas que condicionam o lorescimento
da ciência e da cultura?
A verdadeira idelidade a este homem de cultura que nos restituiu
a nossa memória traduz-se por tudo aquilo que permite reacender
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O Despertar Filosó ico
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Elungu P. E. A. [ISBN: 978-989-8655-39-4]
Sentido e Poder
Georges Balandier [ISBN: 978-989-8655-30-1]
O icina
icina de Ciências Sociais e Humanas:
Sobre a Ciência da Incerteza. O Método Biográfico na Investigação em
Ciências Sociai
Sociaiss
Franco Ferrarotti [ISBN: 978-989-8655-10-3]