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Cada texto apresentado nesta colectânea carrega em si uma energia capaz de fa-
zer-nos viajar e experimentarmos os sorrisos e as dores de cada um dos personagens
apresentados, bem como vivenciarmos os mistérios que cada narrativa carrega em si, ao
ponto de transcendermos para um plano no qual a imaginação ganha vida e as barreiras
que limitam nosso entendimento e nossa capacidade criativa são drasticamente quebra-
das, fundindo a realidade e a ficção através de uma mistura perfeita entre o útil e o agra-
dável.
Mauro Campos
Docente, Escritor, Engenheiro, Palestrante
CEO do projecto Realiza Sonhos
“Tudo se foi. O que restou não passa de saudade causada pela par-
tida do que um dia foi presente.”
Índice
Marido da noite ................................................................................. 1
O nome dela era Leila ......................................................................... 4
O último final de semana .................................................................... 7
Uma parte de mim ............................................................................ 13
Sasha .............................................................................................. 16
A um passo de ter sido cordeiro .......................................................... 18
Delta .............................................................................................. 21
Quando uma mulher decide partir ....................................................... 24
Preto no branco ................................................................................ 27
Palavras que ferem, matam ................................................................ 31
Uma Noite Sem Você ....................................................................... 33
Cotidiano ........................................................................................ 38
Um dia feliz .................................................................................... 40
Nunca é para sempre ........................................................................ 45
Uma carta no tempo ......................................................................... 49
E se não houver um amanhã? ............................................................ 53
Eu não disse, mas agora estou dizendo: Adeus! .................................... 58
24 Horas de mistério ......................................................................... 60
A alegria embrulhada em um caixote de papel ...................................... 65
Um caos (des)ordenado ..................................................................... 68
Antologia Saudades e Partidas
Marido da noite
N aquela manhã timidamente fria, o sol não despertara ainda da sua soneca.
Aquele dia foi marcado para a escolha das virgens que dariam o sangue para o
sacrifício. Entre as três escolhidas, estava Rosa, que na noite seguinte seguiam ao ritual.
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Antologia Saudades e Partidas
Era um dia sagrado para a aldeia, tudo precisava sair conforme a tradição daquele lugar.
Sangue virgem para agradecer a colheita e abundancia; tudo em gratidão à rainha
Mbimba.
Quando terminou o serão, as mulheres e homens dormiam separados, para a pu-
rificação. As meninas escolhidas dormiam ao redor dos sobas e do ancião, para a pro-
tecção. Naquela noite, algo aconteceu. Velho kulembelele entrou na casa das virgens,
onde Rosa dormia, e fê-la sua.
Rosa pensou ser apenas um sonho, como os que tivera há dois dias. O marido da
noite a possuiu mais uma vez, um dia antes da festa da colheita. Desta vez, Rosa sentiu
a presença do marido da noite de uma forma ainda mais real.
Na manhã seguinte, no dia da festa, o soba reuniu com as virgens. Explicou co-
mo o ritual seria feito. Naquela manhã, Rosa estava estranha, pálida e não comera a ma-
nhã toda.
Receava falar sobre o marido que a visitava pelas noites.
— Rosa, o que se passa? — Perguntou-lhe a mãe.
— Nada mamã, não é nada. — Respondeu ela num tom meio triste.
— Se tens alguma coisa, fala já. O ritual é logo mais. É a tua vez. Depois desse
ritual, já serás moça para casar.
Nada fez Rosa mudar. Seu desespero aumentou, enquanto descansava horas an-
tes do ritual, apareceu mais uma vez o marido da noite, que voltou a possui-la. Desta
vez, viu que era o mais velho kulembelele que a visitava às noites. Rosa gritou tão alto
que despertou a atenção das mulheres.
— Rosa, filha, o que houve? — Perguntou a mãe assustada. — Fala filha, foi um
sonho pesado? — Perguntou novamente uma das mulheres.
Rosa transpirava como se tivesse saído do banho, ou voltado da rua depois de ter pega-
do uma chuva.
Chorava e nada dizia.
— Fala então Rosa, tens o quê? — Insistia a mãe em desespero.
— O avô, o avô... — Respondeu ela aos prantos.
— Qual avô mais! O avô não morreu então? — Perguntaram as mulheres ali pre-
sentes.
— O Avô kulembelele veio me dormir.
O pânico tomou conta daquele cenário. O alarido e os gritos de desespero entre
as mulheres aumentaram.
— Oh meu Deus! Não fala isso, oh filha Rosa.
— É verdade mãe. Já há alguns dias ele vem às noites. Mas hoje veio mesmo es-
sa hora.
Naquele mesmo instante o soba e os mais velhos da aldeia foram chamados e a
situação foi exposta. Velho kulembelele foi julgado em meio ao povo naquele mesmo
instante.
— Você, kulembelele, te acolhemos na nossa aldeia, quando foste expulso da tua
aldeia de raiz, por ser marido da noite. Prometeste não mais usar as miúdas virgens, mas
cometeste de novo, justo na festa da colheita. — Retorquiu um dos mais velhos da al-
deia.
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Antologia Saudades e Partidas
— Não podemos sacrificar toda uma aldeia, por causa de uma pessoa só. — Todos con-
cordaram uníssonos.
Naquele ano a festa da aldeia foi interrompida pelo marido da noite que deson-
rou uma das virgens cujo sangue servia para sacrifício em agradecimento a Mbimba. A
crença era clara, quem tocasse nas moças virgens, escolhidas para sacrifício na festa da
colheita, devia ser morto, para que a maldição não caisse sobre a aldeia. Ninguém, em
absoluto, poderia ser marido de virgens. Velho kulembelele teve o seu fim, e Rosa, co-
mo a esposa do marido da noite, não poderia casar jamais, para que a aldeia se manti-
vesse sobre protecção de Mbimba.
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Antologia Saudades e Partidas
sua cara de um modo reprimido e denunciador, gritava por socorro sem mesmo soltar
um som que definisse toda aquela situação que ocorrera na imensidão do meio-dia,
quente e caloroso.
A janela pela qual eu via ela estava velha de receber os meus olhares penetran-
tes, que enxergavam a tristeza dos olhos daquele gesso humano, que já não tinha uma
barriga elástica para acariciar, pois o tempo fê-la oca. Era uma janela quebrada, a qual a
abertura tornara-se convidativa para mim, por isso fiquei aí especado a observar todo
aquele silêncio. Os raios de sol que entravam pela janela iluminavam o quarto, mas por
mais intensos que estivessem não iluminavam a ela. Seu interior parecia inundado de
escuridão.
Alguns segundos depois de tanto silêncio, surgiu um som que ecoava mais do
que qualquer pio selvagem, não era um pássaro negro inibido de voar, nem a natureza
fazendo o seu som habitual. Era ela, que através das colunas de casa ouvia uma música
extremamente triste, e apesar de triste, entoava lindamente nota atrás de nota “a vida já
é um filme, não precisamos assistir”.
Naquele momento já não havia dúvidas de que a vida nem sempre começa com
uma introdução fenomenal, céu azul, sol radiante, com o ar mais limpo para se respirar,
o abraço mais bonito para se dar, o riso mais lindo para se sorrir, a música mais bela
para se cantar; mas que por vezes é cheia de preto no branco, e muitas vezes cinzento.
Foi assim que eu traduzi o canto: “A vida é cheia de doce e salgado, às vezes mais
amarga, outras vezes mais adocicada; mas de certeza que aquele momento não era
doce.”
Quando ela cantava, embora a sua voz fosse abafada pelo som que saía das colu-
nas, ela contava a razão do porquê estar especada defronte ao espelho, talvez ela visse
um retrato da família que teria se não tivesse sido vítima de um breve e panorâmico
acidente que apesar de lhe ter tirado o brilho nos olhos, não lhe tinha tirado a voz que
insistia em gritar dentro de si. Havia plantado em si fantasmas que a consumiam por
dentro. Tanto que, ela não se cansava de entoar o hino que afirmava que “a vida já era
um filme, não precisamos assistir”.
Vi ela acariciar a barriga, certamente por ter perdido a filha há alguns dias, ela
sentia saudades de ter uma forma de vida dentro de si, que depois de certa altura já esta-
ria no berço de cristal a chorar por atenção; logo depois, subiu as mãos até aos ombros,
provavelmente sentisse saudades do marido que já não estava aí para a consolar; talvez
tivesse saudades do bombô com ginguba que o marido preparava a cada manhã ou das
massagens que estaria a receber naquele exacto momento para a deixarem menos tensa.
Logo de seguida, colocou as mãos à cabeça, como se para ter a certeza que acabara de
jogar porcelanas no túmulo da mãe, ela repetia esses gestos com esperança de tê-los
todos de volta. Eu apreciava, a sensivelmente vinte ou poucos metros a mais do que
isso.
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Antologia Saudades e Partidas
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Antologia Saudades e Partidas
respondia aos estímulos que lhe eram impulsionados. Ela já estava morta.
Aí percebi que realmente a vida é um filme e eu pude assistir àquele filme pela
janela, sentado em minha cadeira de rodas. Não era um filme de acção, terror, drama ou
suspense, era algo maior, era o final de uma vida, uma vida pela qual me apaixonei du-
rantes reduzidos longos milésimos, e hoje sinto o desejo de poder ter tido mais tempo,
bem antes que o filme terminasse.
Escrito por: LN
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Antologia Saudades e Partidas
S entei num cantinho isolando-me das outras pessoas na festa. Meus únicos
companheiros eram meu copo e minha garrafa de gin. Via as pessoas dançarem e grita-
rem eufóricas, mas nada naquele dia parecia me animar, nem mesmo o convite para
dançar da mulher com quem tanto quis conversar. Neguei. E continuei no meu canto
sem mais olhar para o relógio, apenas calculava o tempo a cada copo cheio que eu esva-
ziava.
— Sempre pensei que preferisses gin com tônica! — Alguém atrás pareceu diri-
gir-me a palavra.
Não podia ser o álcool me fazendo ter alucinações, a garrafa nem sequer estava
no meio, ainda. Também não podia ser uma mera emoção porque eu estava tão sem dis-
posição que parecia que minhas emoções estavam desligadas. Não podia ser um milagre
porque eu não acreditava nessas coisas. Nem podia ser efeito especial porque não era
um filme, era a vida real. Então só havia uma resposta: era realmente ela. Bem aí diante
de mim, era ela. Weza, a única mulher que eu realmente amei, estava ao meu lado no-
vamente sorrindo para mim. Ela tornou a tomar a palavra.
— Ficaste mudo? Eu trouxe água tônica para ti. Lembro que sempre pedias que
eu nunca te deixasse beber gin seco. Então cá estou eu cumprindo a minha palavra.
Trouxe uma lata para você.
Ela colocou à mesa e sentou-se na cadeira mais próxima de mim. Eu ainda em
silêncio. Olhando para ela encantado, sorri.
— Três anos depois! E ainda lembras bem do que eu gostava.
— Difícil esquecer as tuas manias.
— Não! — Contrariei. — Difícil esquecer quem aturava as minhas manias. — E
ambos sorrimos.
Conversávamos sobre tudo. Dos nossos dois anos de namoro. Dos actuais três
anos separados. Ela ainda tinha a mesma elegância e sofisticação pela qual havia me
apaixonado. Ainda era vaidosa. Mas agora parecia bem mais inteligente, demais para
quem havia desistido da faculdade.
Ela tivera se mudado para outra cidade quando conseguiu um contrato para sua
carreira como pintora. Eu tive que ficar por causa da faculdade. E com o passar do tem-
po, passavam também os fortes sentimentos, a distância foi desfazendo o nosso nó de
escuteiro com justificativas que dávamos de estarmos sempre ocupados com os nossos
afazeres. Nem nos apercebemos quando definitivamente deixamos de ser importante um
para o outro.
Mas lá estávamos nós, sentados à mesa naquela festa, conversando, sorrindo e
bebendo no mesmo copo como se a última vez que nos tínhamos visto tivesse sido há
vinte e quatro horas.
— Vi algumas das suas pinturas numa revista. Pelo preço, acho já deves estar ri-
ca. — Comentei.
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— Digamos que agora posso muita coisa. - Respondeu ela. — Mas ouvi falar
muito bem da tua firma também, senhor advogado bem-sucedido. - Adicionou com um
meio sorriso no canto da boca.
— Foi um golpe de sorte. — Respondi sorrindo de volta. — Aliás, é minha e do
Gil.
— Gil... O louco? — Perguntou meio incrédula.
— Sim, ele mesmo. Parece que na loucura se revelou um gênio e construímos
uma obra-prima. — Respondi dando de ombros.
— Um império, isso sim. Não tente ser modesto. — Retrucou ela. — Eu ouvi
sobre o teu último grande caso que ganhaste. Meus parabéns. — Ela falou erguendo o
copo, deu um gole e passou para mim. Esvaziei o copo com um último gole e tornei a
encher com gin e água tônica.
— Amo ver que conquistamos nossos sonhos. Embora nada justifique não ter-
mos conseguido conquistar o coração um do outro até chegarmos à meta. — Afirmei.
— O que aconteceu connosco? — Ela fez uma pergunta retórica, e ao mesmo
tempo dirigindo-a a mim!
— A vida... Foi o que aconteceu. — Respondi.
Conversamos por mais algum tempo até que eu notei que a garrafa de gin já es-
tava bem abaixo do meio. Comentei: “Se eu beber mais um gole, serei capaz de fazer
uma loucura.
— Então, por favor, beba mais um pouco. Quero ver até onde vai seu senso de
loucura.
— Mesmo que essa loucura for beijar você? — Questionei.
Ela sorriu sem responder. Apenas serviu mais bebida no copo e empurrou deva-
garinho até mim. Eu sorri entendendo a deixa. Levantei e fui atrás dela. Ela manteve-se
sentada, eu bebi tudo num gole e bati o copo na mesa com força. Ela assustou-se. Es-
tando eu bem atrás dela, falei: — Olhe para cima!
Assim que ela olhou eu beijei-a a testa. Beijei-a ao nariz e em fim, na boca. Senti
o tremor dela quando nossos lábios se tocaram. Foi como voltar no tempo e sentí-los
pela primeira vez. Também senti borboletas no estômago. Deu para notar o sorriso no
meio do beijo. Dei meia volta até ficar em frente dela e continuei beijando-a. Quando
me afastei dela, olhei para o seu rosto e percebi que ela estava corada, com os olhos
brilhando tal como anos atrás.
Peguei a mão dela e saímos da festa. Fomos caminhando pelo bairro residencial
de classe alta onde havia se realizado a festa de casamento. Ela descalçou os saltos altos
e foi andando assim pela relva. Eu ajudei-a a carregar seus calçados.
— Para onde vamos? — Perguntei.
— Sei lá. Já faz tanto tempo que eu não ando por aqui, que já nem sei quais são
os melhores lugares. Leva-me onde for mais divertido. — Ela respondeu empolgada.
— Então segure minha mão e prepare-se para entrar no mundo da fantasia. —
Ambos sorrimos.
Paramos um táxi e indiquei o local para onde eu queria que fôssemos. Pedi para
ela esperar no carro e desci rapidamente. Voltei num instante. E entreguei uma sacola
para ela. Ela abriu e viu os dois calçados lá dentro, uma sandália e um sapatinho, ambos
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Sol.
Eu tinha combinado com ele para vermos o pôr-do-Sol juntos, mas no final de
tudo, entre beijos e fumaça, o pôr-do-Sol parou para ver-nos. Em seus tons alaranjados,
enquanto ele se punha lentamente no horizonte.
— Eu te amo, Janilde. — Disse ele em um sussurro, olhando para minha pele
negra, e cabelo crespo. Olhei para ele, e sorri em resposta. Quando o Sol se pôs total-
mente, Micael ajudou-me a levantar.
— Você fuma muito para alguém que tem 17 anos de idade. — Ele disse, en-
quanto deitava o último cigarro, agora apagado.
— Você resmunga muito para alguém que tem 19 anos de idade.
— Você é a Janilde, não a Alasca. — Ele continuou, enquanto andávamos em di-
recção a minha casa.
— Você é o Micael, não o Miles. — E nos momentos que se sucederam, insta-
lou-se um silêncio confortável.
— Chegamos! — Ele disse, quando estávamos no alpendre da minha casa. En-
costei-me a ele, e estiquei-me, para poder abraçá-lo. Abraçar aquele corpo forte, negro,
cujos abraços, deixavam saudades.
— Eu te amo. — Ele disse mais uma vez.
— Está bem. — Foi tudo que consegui responder. Ainda não sabia lidar com
aquela frase. Entrei em casa e encontrei a agradável surpresa dos meus padrinhos. César
e Benvinda. Casal “Bésar”, como eu gostava de dizer. Após os cumprimentos, risos e
abraços, meu padrinho chamou-me para conversar sobre meu namorado.
— Então Jany, como é que ele é? — Mano César perguntou, interessado. Eu es-
tava derretida pelo Micael, e isso era visível.
— Ele é um excelente rapaz. Me entende, me ajuda. Talvez eu me case com ele. — Eu
disse séria. E naquele momento, nos olhos do meu padrinho, instalou-se um olhar de
amor paterno, e pena ao mesmo tempo.
— Olha, Ny, na tua idade, é normal gostar de alguém. — Ele dizia, escolhendo
cuidadosamente as palavras. — É bom namorar, mas te peço… — Ele disse receoso. —
Que tenhas cuidado e não leves muito a sério esse relacionamento, pensando que será a
longo prazo. — Meu padrinho usava uma voz doce e ao mesmo tempo penosa, como se
lembrasse de seus próprios amores passados. — É que na tua idade, os sentimentos ten-
dem a ser… a ser mais intensos. E não quero que te magoes. — Aquele tom de protec-
ção paterna, tocou-me profundamente. Quase lacrimejei. E assim findou a conversa en-
tre afilhada e padrinho.
Era como se meu padrinho soubesse o desfecho da história, e me alertasse. Os
dias passaram-se; e depois meses. E num desses dias, fui visitar Micael.
— Estás linda! — Ele disse, enquanto seus caninos afiados estavam à mostra,
esculpindo um perfeito sorriso que repousava em seus lábios carnudos. Eu sorri, agra-
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Estava frio. Decidi usar o casaco laranja que ganhei do Micael. “Laranja deveria
ser a nossa cor.” Eu lembrei, com carinho dessa mensagem que há meses tinha enviado
para Micael, quando isso se tornou nosso código secreto, quando ele era um pouco mais
presente. Quando a distância era utópica e a dor, uma realidade que não nos dizia respei-
to. Ele mudou.
Eu estava sozinha em casa. Eu tinha medo, não de estar sozinha, de assassinos
ou palhaços. Mas de que o NF tivesse razão: “Se você quiser o amor, você vai ter que
passar pela dor.” Ele estava enganado. Eu queria mostrar que ele estava errado. Então,
decidi confrontar Micael.
Eram duas horas da madrugada. Em cima da mesa havia cigarro, bebida e rabis-
cos de poesias. A mão tremia. Disquei o número dele, e no segundo toque, ele atendeu.
Eu sabia o que seguiria, quais palavras ele diria.
— Eu preciso de um tempo. — Ele disse em um sussurro. — Desculpa. —
Acrescentou, e depois desligou. Eram duas horas da madrugada. Em cima da mesa ha-
via cigarro, bebida e rabiscos de poesia. A madrugada seria mais longa do que alguma
vez eu imaginaria. Nesse momento, senti no peito um aperto tão forte que pareceu que
minha caixa torácica se tornara pequena demais para suportar o peso do meu coração.
NF tinha razão esse tempo todo, então, decidi deixar a música tocar. Já tinham se
passado duas horas. “A madrugada pertence aos poetas, às prostitutas e aos que sofrem
por amor.” E dos três critérios, eu era a poetisa que sofria por amor. Comecei a chorar.
Um choro doloroso. Meu padrinho disse que os sentimentos são mais intensos na minha
idade. Ele apenas esqueceu-se de dizer que eu choraria por ele às quatro horas da ma-
drugada.
Decidi confrontar ele pessoalmente. Já havia amanhecido e eu estava a caminho
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de sua casa.
“Na sua vida, você só terá três amores. O primeiro que chega na adolescência,
aquele que te ensina a querer, te enche de ilusões e parece um roteiro de filme. O segun-
do te ensina a dor e te ter. Apegas-te a ele ainda que saibas que não é pra ti, aquele que
terias desejado que fosse para sempre, mas te ajudou a amadurecer, e, o terceiro é aque-
le que não esperavas que acontecesse, mas deixas que simplesmente aconteça sem criar
expectativas. Surpreende-te. É aquele que cura às feridas e te faz feliz, é o verdadeiro
amor.” E Micael era o meu segundo amor. Bati na porta, até que ela se abriu.
— Explica-te! — Exigi.
— Estou confuso. Desculpa. — Ele parecia cabisbaixo. Como se a felicidade o
tivesse abandonado.
— Vai à merda, Micael. Do fundo do meu coração, vai à merda! — Eu disse,
com o choro preso à garganta. — Você não pode entrar na vida de uma pessoa, fazer
com que ela te ame, confie em ti, doe uma parte de si e depois partires com o seu cora-
ção! Eu te dei uma parte de mim, eu doei para si uma parte de mim! — Empurrei-o com
brutalidade. — Não sabes lidar com um bom amor e um relacionamento sério? Eu dei-te
uma parte de mim! — Eu queria tanto chorar. E eu tinha razão, a Sia tinha razão. Gran-
des garotas choram quando seus corações são partidos.
— Me desculpa! — Ele sussurrou.
— Você nem tem a decência de olhar para a minha cara. Vai à merda! E espero
que isso realmente te sirva de algo, porque a parte de mim, aquela que te amava, acabou
de morrer.
Assim saí da vida e da casa do Micael.
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Antologia Saudades e Partidas
Sasha
C om as mãos à cabeça, e lamentando-se do estado em que as coisas haviam
***
Senhor Abreu era membro das FAA (Forças armadas angolanas) desde o tempo
do conflito armado pós-independência; estudou até a quarta classe do tempo do colono,
não tendo possibilidades de concluir o seu ciclo de formação académica, e, infelizmen-
te, nem o seu ofício o proporcionou uma visão culta do mundo. Continuava o mesmo
crápula doutrora. Mas também que visão culta sobre o mundo pode ter um FAA como
ele, quando tudo o que sabe fazer é se embebedar, e acabar o salário na disbunda?
Além de alcólatra, o patife era um devasso. Depravado. Há vários anos que vi-
nha estuprando a sobrinha, além de maltratar a mulher, dona Zeferina. Esta o amava
tanto, que mesmo depois de saber da esterilidade do mesmo, preferiu adotar uma das
filhas da sua irmã, em vez de separar-se dele. A irmã compadecera-se com o cunhado, e
achou por bem ajudar o casal. Dona Zeza aturava-o apesar dos maus tratos, e dos vícios
que este tinha. Mal sabia ela que entre os seus vícios, a pedofilia e o incesto eram partes
do cardápio. Achava que fora uma boa decisão adotar a filha da irmã, quando no fundo
atraira a sobrinha para a cova do leão, ou do lobo... em pele de cordeiro. E este se ali-
mentava dela sem escrúpulos.
Senhor Abreu, há muito que desligou o seu senso de humanidade, se é que al-
gum dia teve um. Sempre fora atraido por desejos libidinosamente insanos, ao ponto de
não se importar se fodia com o futuro da sobrinha, arrancando-a o que tinha de mais
sagrado: a sua inocência.
Seu ego tornou-se o centro do seu pequeno e inexplicável universo, no qual o sol
e a lua eram seus servos, aos serviços do seu prazer doentio. Sasha era apenas uma es-
trela. Uma linda e raríssima estrela, morrendo prematuramente; há muito que estava
cansada de forçosamente brilhar para quem não a merecia. Há muito que estava cansada
de ser explorada, abusada... Há muito que estava cansada de ver-se privada da própria
liberdade. Privada da liberdade de fazer suas escolhas. Privada da liberdade de ter um
futuro como tal. Há muito que estava cansada de gritar por socorro e nunca ser ouvida.
Há muito que estava cansada de nunca ser socorrida.
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Antologia Saudades e Partidas
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Naquele dia, a casa estava silenciosa demais, mais que o de costume. Dona Zeza
ainda estava no mercado, como era habitual, e o senhor Abreu voltara mais cedo do ser-
viço, e mais bêbado que o normal. Fora despedido por más condutas.
Chegando este à casa, Sasha estava de costas, voltada à estante, quando as mãos
rugosas apalparam às suas coxas, causando um desconforto repugnante; ela logo perce-
beu de quem se tratava. O terror espalhou-se por todo o seu corpo. Cada célula sua sabia
o que viria a seguir, e, de igual modo, cada célula sabia o quanto ela estava cansada com
tudo aquilo.
A sinapse entre os seus neurónios ocorria a uma velocidade descomunal, e seus
membros enrijeciam a cada toque que lhes eram empregados. A angústia tomava conta
de si, enquanto o seu próprio tio abusava do seu corpo.
Sobre o último compartimento da estante estavam diversos copos de vidros, pra-
tos... e, diante destes, um enorme jarro de vidro fumado e tampa plástica azulada bri-
lhante.
Suas células procuravam por alguma escapatória possível. Seu corpo relutava
sem sucesso.
No momento em que o tio tentou puxá-la para mais perto, Sasha empurrou-o le-
vemente, afastando-o, e de seguida pegando o jarro, desfez-lho sobre a cabeça, deixan-
do-o inconsciente e jogado ao chão. Parte do sangue saltou por todos os cantos, borran-
do a sua roupa, e outra parte escorria ao chão, formando uma poça a volta do corpo.
Na flor dos seus 15 anos de idade, com as mãos à cabeça, e lamentando-se do es-
tado em que as coisas haviam chegado, Sasha encontrava-se sentada no canto esquerdo
da sala, soluçando, e com a blusa ensanguentada. O corpo diante de si continuava imó-
vel, perdendo aos poucos o fôlego de vida, enquanto ela olhava para o seu futuro inexis-
tente.
O que era suposto lhe ser um lar, naquele momento era o último lugar no qual
gostaria de estar. Sua trajectória terminara bem antes de cortar a linha de chegada. A
meta fora adulterada. E entre o passado e o presente, seu futuro agora se encontrava
aprisionado em um loop eternamente infinito. Sasha levantou o rosto, e lá estava a tia,
incrédula, tentando digerir a situação que encontrara...
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Antologia Saudades e Partidas
souros lindos é o “porquê do vazio”. Era uma piada quando ele chegava em nossas vi-
das, quando se instalava em tudo. Até dentro de nós! Li uma vez uma teoria sobre o
vazio, na qual o autor escreveu, dizendo o seguinte: “O vazio é a existência do nada
num local, seja físico, ou não-físico.” Provavelmente seja a definição certa porque eu
me sintia um “nada” dentro desse universo, desse mundo, dentre as pessoas com sorri-
sos lindos e vidas de sucessos. E de noite, depois da refeição, depois das orações altas
de minha mãe. Quando o mundo todo se calava, excepto as vozes dos ratos de casa que
perambulavam pelos cantos à procura de restos de comida que alguém deixasse no prato
ou ainda pelos pequenos baldes de lixo, eu fazia-me as mesmas perguntas. Sempre as
mesmas:
Será que existe mais alguém com as mesmas inquietações que as minhas? Al-
guém que não consegue entender a vida e os homens? Alguém que também queira saber
o porquê de ter nascido?
— Sei lá... deixa pra lá, é besteira mesmo. — Respondia para mim mesmo, enquanto me
virava de um lado para outro, para encontrar conforto no travesseiro entre os lençois.
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Antologia Saudades e Partidas
Então minha mãe foi para o serviço, acreditando que resolveria a situação finan-
ceira e o estado de saúde de minha mana. Mas, naquela semana, passamos algumas noi-
tes sem comer, excepto minha mana que precisava mesmo da refeição para recuperar a
saúde e as energias.
— Deus vai ajudar. — Dizia a mãe, com sorrisos no rosto, e com a mesma fé di-
ariamente.
— É... pode ser. — Eu respondia, tentando me harmonizar em sua fé.
— Você ainda não entende, mas vai entender um dia. — Sorria e abraçava-me.
É. Eu não entendia mesmo. Nem um pouco. E ela, dando uma pausa ao abraço
fortemente apertado, e ao sorriso, certa vez disse-me:
— Você devia começar a estudar a Bíblia.
— Por que? — Perguntei estranhando, e me levantei da cama de minha mãe on-
de estávamos sentados, decepcionado com o que acabara de ouvir, querendo logo voltar
para a sala durante a conversa.
— Só assim você vai entender tudo. — Disse ela meio que sussurrando.
Ela insistiu tanto nisso que no quarto dia me juntei a uns vizinhos que estudavam
a Bíblia duas vezes por semana, nos domingos à tarde e nas quartas, igualmente pela
tarde. E parte do estudo se resumia em ter fé. Adelina, uma das garotas do estudo, que
comummente usava um vestido todo azul, disse para mim:
— Precisas ter fé!
— Como? — Perguntei eu, já meio cheio daquele assunto.
— Lendo e ouvindo a palavra do senhor. — Respondeu ela.
— E o que a fé resolverá? — Perguntei de novo.
— A fé amplia a proporção das coisas boas. Sem falar que, sem fé é impossível
agradar a Deus. Sabe? Leia Hebreus 11, todo ele, e você entenderá e terá exemplos mai-
ores.
Então, embora meio relutante, eu li por noites seguidas, sem fé. Li apenas para
entender aquela dor de cabeça. No estudo seguinte, quase no final dele, perguntei o se-
guinte para Adelina: "Então foi pela fé que todos venceram?"
— Claro! — Respondeu ela, com um meio sorriso entre os lábios, como se esti-
vesse orgulhosa da conclusão a qual eu havia chegado.
— Acho que é um poder exagerado para cair nas mãos humanas. Não acha? —
Indaguei.
— A fé? — Perguntou Adelina, fazendo algumas rugazinhas no rosto.
— É. Sim, a fé." — Eu disse, meio que chorando. Mas não era pela minha mãe
ou pela minha irmã que estava muito doente, na verdade, muitíssimo doente. Era pela fé
que tinha por Elizabeth. Essa fé me deixava vazio. Eu ainda a amava de todo o coração.
Era cego quando se tratava de enxergar a verdade sobre ela. Eu era surdo quando se
tratava de ouvir a dura verdade sobre ela... Eu era opostamente oposto para qualquer
verdade que tirasse minha fé na Elisabeth; por isso eu achava a fé um poder exagerado e
perigoso demais para cair nas mãos humanas.
Entretanto, depois do estudo, chorei de novo no meu quarto, e de novo, e de no-
vo. Talvez minha mãe ouvisse os soluços. Ou talvez apenas quisesse saber como tivera
corrido o estudo bíblico, por isso entrou despropositadamente em meu quarto, sentou-se
do meu lado, abraçou-me, e disse-me a dura verdade:
— A morte não faz favoritismo. Não faz escolha entre rico ou pobre. Branco ou
negro. Bonito ou feio. E tampouco se importaria em saber se você a amava ou não. Ou
se você iria sofrer sem ela.
Em seguida afagou a minha cabeça em seu peito. E abraçando mais forte, com
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Antologia Saudades e Partidas
20
Antologia Saudades e Partidas
Delta
H avia uma pequena comunidade, na qual vivia uma jovem de 17 anos de ida-
de, de nome Delta, formosa e esbelta. Ela vivia com os pais e seus dois pequenos ir-
mãos.
O pai da Delta era marceneiro e a sua mãe vendedora ambulante. A mãe, humil-
de senhora, apenas teve a oportunidade de estudar até a quarta classe do tempo do colo-
no, e destacando-se das demais teve a sorte de aprender a ler e escrever, embora sem
muita fluência, e infelizmente a vida não lhe deu a chance de alcançar altos patamares
na sociedade.
Eles viviam numa casa de madeira construída pelo pai. O pai tinha o dom de
construir coisas, embora fosse alguém que até os últimos centavos acabava na bebedei-
ra. Mas em todo o caso, o seu trabalho com a madeira chamava sempre a atenção da
vizinhança, razão pela qual, muitas pessoas o contactavam para fazer vários tipos de
objectos como: camas, portas, bancas e janelas.
***
Certa manhã, a mãe da Delta levantou-se da cama e dirigiu-se até ao quintal on-
de ela sempre deixava o seu negócio por baixo de uma bancada velha. Ela vendia num
mercado que ficava a cerca de uns dez quilómetros da sua residência. Motivo pelo qual
se levantava muito cedo e incansavelmente ia com a sua banheira à cabeça a proucura
do sustento para a sua família.
Enquanto a mãe saía, Delta levantava-se sempre e ia até ao quarto dos seus pais
deitar-se com este. Ambos mantinham um envolvimento consensual a cerca de um ano.
Certa vez, enquanto a mãe de Delta saiu, Delta levantou-se e foi até a cozinha
pegar as camisinhas no seu esconderijo. Mas neste dia ela ficou totalmente surpreendi-
da, pois não havia encontrado camisinha alguma.
Saiu da cozinha meio assustada, dirigiu-se ao encontro do pai e perguntou-o com
insegurança:
— Foi o senhor quem tirou as camisinhas que estavam debaixo do fogão?
— Não, não fui eu. Por quê?
— Porque elas desapareceram. — Respondeu ela.
O medo instalou-se em fração de segundos e ambos partiram para as acusações e
deduções, visto que era impossível elas terem evaporado no espaço-tempo.
— Será que a mãe nos descobriu? — Delta perguntou em baixo tom.
— Não! É impossível isso acontecer. — Retorquiu o pai levantando-se da cama.
— Mas o senhor sabe que nesta casa não pode haver camisinha alguma visto que
os rapazes ainda são crianças, e eu nem um namorado tenho. E ainda mais porque o
senhor se envolve com a mãe sem elas.
— Eu sei bem disso, menina! Agora cala-te e volta para o seu quarto. Não vamos
fazer tempestade em um copo d´água.
Delta saiu do quarto do pai aflita, com medo e preocupação. Enquanto isso, seu
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Antologia Saudades e Partidas
pai pensava em como resolver aquela situação sem que o alarido se espalhasse em toda
a comunidade.
Com os braços apoiados à cintura, senhor Baptista girava o quarto todo tentando
encontrar alguma solução. Procurou por todos os cantos de casa o dia inteiro, mas não
obteve sucesso, e em fim preparou-se para lidar com a pior das hipóteses.
***
Quando o sol estava a se pôr, apresentando tons de vermelho alaranjado, a mãe
de Delta regressou do mercado e sentou-se no passeio do quintal. Cansada, pediu um
copo com água ao marido que se encontrava em pé ao lado da janela. Ele dirigiu-se à
cozinha, pegou um copo com água para a sua mulher, dona Isabel, conforme era comu-
mente chamada. Aproximou-se e atenciosamente entregou-a o copo.
Dona Isabel deu alguns goles e, em fim, encostando-se à parede, soltou as pala-
vras entaladas na garganta:
— Nunca pensei que isso fosse acontecer comigo! Que mal fiz para merecer esse
castigo, Baptista? Eu sabia que eras mulherengo, tinhas os seus vícios e hábitos nojen-
tos, que gostavas de se meter com as catorzinhas, mas ao ponto de fazer o que fizeste, e
trazer essas merdas aqui em casa... que exemplo darás aos nossos filhos? Que exemplo?
Senhor Baptista tentava defender-se, mas nada havia que pudesse dizer ao seu
favor. Delta ouvindo a discussão, percebendo de quê a mãe se lamentava, correu do
quarto em direção a ela e ajoelhou-se diante de si. Dona Isabel não reagiu; seu corpo
imóvel, olhos avermelhados e mãos trêmulas denotavam a sua angústia, mas não perce-
bia o porquê da intervenção da filha. Delta tentava explicar-se em meio aos soluços.
— Mãe, por favor, me perdoa! Eu juro que nunca quis me envolver com o pai.
Juro que estou arrependida! — Confessou ela, mal sabendo que a mãe jamais suspeitara
de si.
O pai, do outro lado, sentiu-se completamente constrangido pelas palavras profe-
ridas pela filha, pois passou o dia todo preparando um argumento convincente para po-
der acalmar a dona Isabel, sua esposa.
— O quê — Prolongando excessivamente a última vogal, perguntou dona Isabel,
recuando os seus maxilares, denotando o choque que a nova informação lhe causara. —
Nzambi ya me1! — Exclamou ela, elevando as mãos à cabeça. Delta não parava de se
explicar perante a mãe. Dona Isabel chorou lágrimas de sangue ouvindo tudo aquilo que
a filha estava a falar, pois ela apenas reclamava por causa de algumas cartas e calcinhas
encontradas no bolso de alguns casacos do marido, que certamente recebera de algumas
amantes, e então temia que a filha (que ultimamente já andava em maus caminhos) visse
no momento de lavar a roupa do pai; nenhuma mãe quereria que seus filhos fossem con-
taminados por uma educação doentia. Porém, não esperava tamanha monstruosidade por
parte do esposo nem da sua própria filha.
Por fim, sem conseguir se conter, ela esbofeteou o lado direito do rosto da filha,
descarregando a raiva e a angústia que naquele momento tomaram conta de si. O marido
tentou intervir, mas em nada resultou.
Dona Isabel estremecia sua filha e gritava sem parar:
“Ndoki2! Como é que foste capaz de se envolver com o seu próprio pai? Kin-
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Antologia Saudades e Partidas
dumba3. Kimpumbulu4!” Soltava as palavras mais pesadas em kikongo, pois o seu dia-
lecto ajudava-a a exalar a fúria que aquela informação lhe causara.
A gritaria ouvia-se por todo o lado. Contudo, a vizinhança apercebeu-se do tu-
multo que estava a decorrer no quintal do senhor Baptista, e dirigindo-se para lá, conse-
guiram interromper a briga após alguns minutos.
Delta chorava descalça ao lado da velha bancada da mãe, enquanto dona Isabel
explicava-se diante da vizinhança.
Alguns minutos após a briga, os irmãos menores da Delta, de um modo inocente,
dirigiram-se ao quintal com as camisinhas na boca, brincando e fazendo balões.
Delta vendo os seus irmãos, percebeu então que as camisinhas haviam sido reti-
radas debaixo do fogão por eles. E que a sua mãe, dona Isabel, nada sabia sobre o su-
posto desaparecimento delas, nem antes tivera conhecimento sobre o seu envolvimento
com o pai. Mas é como diz o provérbio kikongo “Avodidi e nguba muna nsi maza e titi
vaika kaka yi singa vaika5”
Depois daquele ocorrido, dona Isabel expulsou a filha de casa, e separou-se do
marido, ficando apenas com os dois outros filhos, enquanto tentava recolher os cacos da
sua vida que estava aos pedaços. Durante a vida inteira doou-se pela família, para no
final das contas receber espinhos em troca das rosas que plantou. Agora só lhe restava
seguir em frente, apesar do fardo do passado que insistia em puxá-la para trás.
23
Antologia Saudades e Partidas
— É a última vez! Já não aguento. Suportei a carga do mundo por ti, pelo
nosso filho, pelo nosso relacionamento e por nós, mas a mudança é um passo importan-
te para o funcionamento desta relação. Tens de decidir, ou ser diferente ou voltar a ser
solteiro, pois eu cansei de ser a cola deste relacionamento, cansei de lutar sozinha pelos
dois, prefiro voltar na casa da minha mãe. — Dirigindo-se ao companheiro, ainda cho-
rando, Mariana arrumava as malas enquanto Tomás, apoiado a parede junto a estante na
qual se encontrava a tela, mal conseguia se recuperar da bebedeira e do efeito da festa
que teve na noite passada.
— Então, não falarás nada? — Perguntou ela impaciente, e cansada de ser a úni-
ca que dava o máximo para que relacionamento desse certo.
— A cabeça dói-me tanto. Faz para mim uma sopa e traz uma aspirina. Depois
falamos sobre o que quiseres. — Respondeu o Tomás, completamente desajeitado e
tropeçando entre as palavras. Seu comportamento talvez se devesse ao facto de saber
que tinha uma excelente mulher que apesar de tudo cuidava-o como um bebê.
— Chega, Tom! Chega! Desta vez você passou dos limites. Não há mais volta.
E...
— Não há volta e blá blá blá. Vai só, Iana. Não me faz confusão. Se não vais
ajudar, não piora as coisas. Eu quero canja e não choradeiras e escândalos. — Tomás
cortou-a e concluiu arrogantemente a frase.
— Então é assim? Vais ficar ali deitado como um covarde? Se eu passar pela
porta já não há volta. E eu estou a falar sério! — Reclamou Mariana.
— Iana, se queres ir, vai só. Tua voz está a piorar minha dor de cabeça. — Res-
pondeu o Tomás, fazendo movimentos de despedida com as mãos, e por fim concluiu.
— E leva também o teu pirralho!
— Pedro, vamos! O teu pai já não nos merece. — Mariana pegou à mão do Pe-
dro, seu filho, e com a outra recolheu as malas. Em seguida olhou para trás, com um
monte de palavras por dizer, mas, puxando o filho consigo, partiu. Ambos dirigiram-se
até a estrada e pegaram um carro, deixando Tomás deitado em sua poça de vómitos.
— Mãe! Aonde vamos? — Perguntou o pequeno, com lágrimas por cair e a alma
aflita.
— Meu filho, vamos na avó. — Respondeu a Mariana abraçando o filho.
— E quem vai cuidar do pai? — Questionou o Pedro, soltando as lágrimas que
se prendiam nos cantos dos olhos e, amargurado, o pequeno deixou-se chorar.
— Não chores filho. O papai já não merece as nossas lágrimas. Ele vai se cuidar
sozinho, pois não era recíproco o tratamento que ele nos dava. — Mariana respondeu
apertando ainda mais o abraço.
***
24
Antologia Saudades e Partidas
— Bem-vindo meu amigo e Neto querido. — Avó Anabela levantou e pôs o me-
nino ao colo e este, não aguentando mais segurar a dor que o afligia, soltou o choro,
libertando assim a dor e a angústia que carregava no peito.
— Olá, mãe! — Saudou a Mariana, pousando as malas, e posteriormente beijan-
do o rosto da mãe.
— Olá, minha filha! — Reciprocamente a Avó Anabela respondeu, e em seguida
partilhou das lágrimas de ambos.
— Podemos ficar contigo? — Perguntou o Pedro à avó.
— Com certeza, meu netinho. Bozala na kimia1” Respondeu a avó em lingala,
passando a mão à cabeça do neto, e posteriormente os trés caminharam para dentro.
Natural de Mbanza Kongo, e viúva já há alguns anos, a Avó Anabela vivia em uma pe-
quena casa feita de adobe2, mas ainda bastante conservada apesar da enorme quantidade
de chuvas que sobre ela já caiu.
— Mãe, eu só tenho algo a pedir: Não vamos falar sobre nada ligado ao Tom,
por favor. Desta vez ele verá que quando uma mulher decide partir, nada nem ninguém a
faz recuar. — Disse a Mariana com um ar de otimismo, confiança e determinação.
— Está bem, minha filha. Hoje vamos fazer coisas de família e esquecer o pas-
sado, até que se recuperes deste dano. Agora vamos comer, pois vocês estão muito ma-
gros. — Respondeu a avó com um leve sorriso.
Sentaram-se à mesa, tomaram a refeição, conversam sobre a vida e os feitos do
pai da Mariana, e viram o dia passar até que se fez tarde o suficiente para dormirem.
Por sua vez, Tomás realmente desistiu de tudo. Os salários eram depositados, le-
vantava-os e terminava-os no bar, ou em algum jogo idiota. Era um beberão que nos
bares de toda a cidade o conheciam; Muitos garçons sentiam pena dele e mandavam-no
para casa, e ele chorava quando questionado sobre ter ou não familiares ou alguém que
o cuidasse, pois ainda estava a espera que Mariana mudasse de ideias e voltasse para
ele.
***
Certo dia, saindo do bar, completamente embriagado, Tomás viu um telefone fi-
xo e então decidiu ligar para Mariana e pedir que ela voltasse. “Isso sim eu faço. É bara-
to!” Disse ele, e foi discando o número da Mariana repetidas vezes, porém, sem ser
atendido. Ele ligou até suas moedas acabarem, e por volta das duas e cinquenta e pouco
se retirou de lá, ofendendo todo mundo a sua volta e falando coisa com coisa. Havia
riscado tanto o cartão multicaixa, que só lhe sobraram 15% de seu salário, e caminhando
chegou a casa gritando por Mariana, e foi aí que sentiu realmente a ausência dela, e per-
cebeu que por causa da bebedeira havia estragado a sua família, então jurou que lutaria
para tornar-se alguém melhor, alguém digno de recuperar o tesouro que um dia teve por
perto.
***
Tomás cumpriu com a promessa que fez a si mesmo, e depois de três meses es-
tável, fez novos planos que realizaria após ir atrás da Mariana.
— Olá, Mariana!
— Tom, oi!
Admirada com a mudança, Mariana alegrou-se em ver Tomás diante de si.
— Como estás, Mariana? E o nosso filho? — Perguntou ele.
— Nós estamos bem, e você como está? A propósito, gostei de ver a mudança
em ti.
25
Antologia Saudades e Partidas
— Então por que não me convida para entrar? — Perguntou em tom de brinca-
deira.
— Porque por esta porta nunca mais entrarás, Tom. — Mariana respondeu curta
e fria.
— Como assim, Mariana? — Indagou ele.
— Sim. Nunca mais entrarás nem na minha vida, nem na vida do Pedro. —
Acrescentou ela.
— Mas, Mariana... eu mudei por vocês! — Retrucou ele.
— Tal como eu mudei por sua causa, e prometi a mim mesma e a minha mãe que
aquela era a última vez. Então, já não hei de voltar para ti, Tom. — Respondeu ela em
tom de pesar.
— Mas Mariana...
— Gostei da mudança, de coração. Agora percebo que foi realmente necessária a
minha mudança de atitude para que a tua se concretizasse, e, estou feliz por você. Foi
bom vê-lo, Tomás. — E com lágrimas no canto dos olhos, Mariana voltou para dentro
de casa, fechando a porta atrás de si.
Com o seu buquê de flores, roupas novas num domingo ensolarado de outubro
que fora antecedido por uma noite chuvosa de sábado, Tomás ficou pálido e calado,
encarando à porta fechada diante de si. E aí percebeu que nem tudo se pudia recontruir,
nem mesmo para o engenheiro de construção civil que ele era. Era doloroso ter desvalo-
rizado uma mulher e mais tarde vê-la fechar a porta em sua cara. Era doloroso demais
saber que, por vezes, nem títulos científicos ou académicos, nem uma mudança de atitu-
de, nem todo o dinheiro do mundo seriam capazes de trazer de volta uma mulher quan-
do ela realmente decide partir.
26
Antologia Saudades e Partidas
Preto no branco
T
“ u não sabes quanto tempo tens com alguém. Por isso, perdoe, ame, cuide, va-
lorize, demonstre. A vida é um sopro. Hoje estamos aqui... amanhã não.”
Provavelmente já ouviu alguém dizer algo parecido e assim como eu, na hora
julgou entender do que se tratava, mas vai por mim, você não entendeu. Nunca entende-
rá o real significado dessas palavras até viver uma situação que lhe esclareça realmente
do que se trata. Acredite, há uma grande diferença entre ouvir e viver. Ouvindo você
saberá que dói, vivendo você saberá como dói. Por muito tempo achei que era apenas
sobre perdoar, amar, cuidar, valorizar, demostrar. Mas, não é só sobre isso, é também
sobre deixar o orgulho e impedir que a pessoa que você ama morra por sua causa.
Lembro-me bem daquele dia, para falar a verdade, não consigo esquecer e não
sei se um dia esquecerei. Por anos isso tem sido o meu pior pesadelo. O clima estava
tenso: raiva, gritos, lágrimas. Minha esposa estava brava p´ra caramba. Eu nunca a tinha
visto assim, mas do jeito que as coisas estavam, sabia que cedo ou tarde, um dia este
momento chegaria. Ela nunca foi de surtar, sempre foi tão calma. Fazia uma cara feia de
vez enquanto quando estivesse brava, mas nunca chegava naquele ponto. Era uma briga
boba, os mesmos motivos de sempre, coisas banais, nada que uma conversa não resol-
vesse. Ela reclamava por eu nunca parar em casa e quase sempre chegar tarde mesmo
depois de prometer várias vezes que mudaria. Eu estava na recta guarda como de cos-
tume, com minhas poucas palavras, frio e direito. Não fazia questão de gritar, mas sabia
bem como magoar alguém. Ela estava diferente, gritava e chorava. Parecia que havia
chegado ao seu limite e tudo que vinha guardando estava a tirar para fora de uma só vez
naquela noite.
— Você já não muda! — Falou, com a voz ronca.
— E o que tem para mudar? — Perguntei, fazendo pouco caso.
— E você ainda pergunta? — Perguntou, sem quase acreditar.
— Pergunto sim! — Respondi no maior orgulho.
— O que você tem dentro do peito, coração? Eu duvido. E se tiver, só se for de
gelo. Um coração frio e duro. Sem sentimentos e nem nada — comentou com os olhos
cheios de lágrimas.
— É... pode até ser, mas ainda é um o coração — falei com cinismo.
— Quer saber? Eu estou farta de tudo isso. Eu vou-me embora, vou sair de sua
vida. — Falou, deixando cair às lágrimas.
— Tomara que saia de vez. — Respondi, sem dó.
— Você não... eu nem sei... Quer saber? Melhor deixar pra lá — falou, entre
suspiros.
— Para mim tanto faz! — Respondi friamente.
Abanou a cabeça. Acho que quis dizer algo, mas por algum motivo hesitou.
Olhou-me nos olhos. Um olhar profundo. Suspirou e abanou a cabeça outra vez.
— Ninguém merece isso! — Falou, em uma única frase e calou.
Eu também calei. Não era para evitar a briga ou algo assim, acho que só não sa-
bia o que responder. O clima estava estranho demais, já havíamos brigado várias vezes
antes, mas nunca como daquela vez. Tudo estava diferente, na verdade, só ela estava. Eu
continuava o mesmo quando se tratasse de briga, duro, frio e orgulhoso. Ela foi para o
quarto, não sabia o porquê, geralmente era eu quem ia. Fiquei na sala a pensar na coisa
toda, naquela cena, reproduzindo aquele olhar. O que quer que ela tenha decidido, sabia
que levaria até ao fim. Já vi aquele olhar antes, fez um igual quando pediu demissão há
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Antologia Saudades e Partidas
um tempo atrás na antiga empresa onde trabalhávamos antes de estarmos juntos. O nos-
so chefe era abusivo, raramente respeitava os funcionários. Ela havia reclamado várias
vezes até que cansou de não ser ouvida e um dia pediu demissão. Foi embora mesmo
com a vida apertada e várias contas por pagar. E olhando para tudo, vi que a situação
era semelhante, eu não era seu chefe, mas abusava demais e ela já havia reclamado bas-
tante. Eu acho que foi isso que mais me cativou nela, era decidida e sabia ser indepen-
dente. Tinha a mania de falar bastante, mas quando calasse, calava de vez. Nunca foi de
recuar com as suas decisões, acho que é por este motivo que falava tanto antes de deci-
dir qualquer coisa. Minutos depois saiu do quarto. Carregava uma mala, não era grande,
mas era o suficiente para levar algumas coisas. Nessa hora dei-me conta que ela estava a
ir embora. Parecia um déjà vu. Na minha mente essa cena já havia acontecido umas mil
vezes. Sabia bem lá no fundo que pelas coisas que eu fazia e pelo meu orgulho, um dia
ela iria embora. Pegou a chave do carro que estava sobre a mesa, caminhou em direção
à porta.
— Para onde você vai? — Perguntei.
— Isso faz diferença para você? — Perguntou, ao invés de responder.
— Não! — Respondi, acenando negativamente a cabeça.
Abriu a porta e saiu. De dentro, sentado no sofá ouvi o ligar do motor, em segui-
da o carro arrancou. Ela foi sem eu saber para onde. Brava, triste e chorando. Eram vin-
te e uma horas quando ela saiu. Fiquei sozinho em casa, que não era grande, mas na
hora pareceu que era bem maior do que costumava ser. Sentei, liguei a TV e fiquei a ver
um monte de coisas sem sentido. Não estava concentrado e para falar a verdade nem sei
porquê liguei, mas mesmo assim perdi uma hora do meu tempo naquilo. Entediei, pois
nada fazia sentido naquele momento. Tudo estava chato, até o meu programa favorito
no momento parecia sem graça. Desliguei a TV e continuei sentado por um tempo.
Acho que esperava ela voltar, uma parte de mim acreditava que voltaria e a outra parte
de mim sabia que só por um milagre isso aconteceria.
Ela era como o tempo, só para frente e nunca para trás. Peguei o telemóvel e
comecei por discar o número dela, mas não terminei. Apaguei tudo e desisti sem tentar
de novo. Levantei, tranquei à porta e fui para o quarto. Entrei e fiquei parado olhando
tudo, um olhar minucioso. Vi nossas fotos e coisas dela que ainda estavam lá. Troquei a
roupa, apaguei as luzes e deitei. O sono não vinha, era muita coisa a flutuar em minha
cabeça, e, vai por mim, é difícil dormir assim. É quase impossível. Fiquei no escuro
com os olhos abertos a pensar em mil coisas. Acho que ninguém merece isso, nem
mesmo um tipo orgulho como eu. O telemóvel tocou. Era ela, era tarde, mas não impor-
tava, eu ainda estava acordado. Peguei o telemóvel e fiquei a olhar até parar de tocar.
Não atendi, só fiquei a olhar. Era orgulho e só orgulho. Uma hora depois o telemóvel
tocou novamente. Era um número desconhecido. Achei que devia ser ela a ligar com um
outro número para que eu atendesse. Tocou por três vezes e eu continuei na mesma.
Parou de tocar. Houve um silêncio e na hora pensei direito e decidi que atenderia se o
telemóvel tocasse outra vez. Fiquei a espera que tocasse, dessa vez estava decido a
atender. Mas não tocou novamente, nem ela e nem o número desconhecido. Achei que
ela resolveu deixar-me em paz. Duas horas depois, meus olhos estavam cansados e fo-
ram fechando aos poucos, lentamente, até fechar de vez.
***
Amanheceu. Acordei com olheiras, estava cansado. Meu rosto denunciava que
tivera uma péssima noite. Aliás, nem noite tive. Eram seis horas, mas já estava com fo-
me. As coisas aconteceram tão rápido que não me dei conta de jantar. Fui tomar banho
para melhorar um pouco a aparência, era certo de que se ela estivesse presente não fica-
28
Antologia Saudades e Partidas
ria feliz em ver-me assim e para ser sincero, nem eu estava feliz em ver-me assim. Ter-
minei o banho e troquei a roupa, não era a melhor roupa, mas na situação em que me
encontrava não fazia diferença. Fui para à cozinha preparar algo para comer. Não era
bom, mas safava-me bem e sem falar que estava sozinho. Então tinha que me virar. Fiz
tudo, servi e comecei a comer.
O bem de cozinhar para você mesmo, é que não precisa de mesa, basta apenas
servir e comer. Minutos depois bateram à porta. Eram policiais civis. Logo pensei que a
minha mulher tinha aprontado e que estava detida. Pois ela não conduzia direito e lem-
bro-me de nalgumas vezes ter ido buscá-la na delegacia.
— Bom dia, é o senhor Valdimiro Santos, o esposo da senhora Júlia Santos? —
Perguntou um dos policiais.
Casamo-nos no civil e por este motivo ela levou o meu sobrenome.
— Sim, sou eu. — Respondi, já certo que ela havia aprontado algo.
— A sua esposa foi encontrada morta essa noite, na Avenida 04 de Fevereiro.
Suspeitamos que foi um assalto que correu mal, parece que ela tentou fugir dando reta-
guarda mas foi atingida por um tiro no peito. Foi socorrida e levada ao hospital, mas
infelizmente não resistiu. Precisamos que o senhor nos acompanhe para fazer o reco-
nhecimento do corpo — Disse o policial.
O desespero tomou conta de mim, congelei e não sabia o que fazer. É uma posi-
ção complicada de se estar, o chão some debaixo dos seus pés. Mil coisas passam na sua
mente de uma só vez. É devastador, é assustador. Suspirei aflito, não acreditando no que
ouvira. Deixei tudo e acompanhei os policiais. Nem tive tempo sequer de trocar de rou-
pa. Fui vestido feito um maluco. No momento preferi pensar na minha esposa brava,
detida, impaciente, em vez de pensar nela morta. Chegamos, entrei tremendo, quase sem
força. O clima gelado daquele lugar misturava-se com o meu desespero sufocando-me e
quase me deixava sem ar.
Na mesa, estava um corpo coberto com um lençol branco. Aproximei-me deva-
gar, fui tirando o lençol lentamente, desejando que tudo aquilo não passasse de um en-
gano. Que aquele corpo fosse de outra pessoa. Mas não houve engano algum, antes
mesmo que terminasse de tirar o lençol reconheci o corpo de minha esposa. Aquele cor-
po que tanto amava, agora, ali, naquela mesa gelada do necrotério. Não conseguia acre-
ditar no que estava a ver. Numa tentativa falha de fugir da realidade, quis pensar em
algum engano, quis pensar que era uma brincadeira dela. Desejei que fosse apenas um
pesadelo e assim que acordasse estaria tudo bem.
Lembro-me de fechar e abrir os olhos várias vezes na esperança do cenário mu-
dar, mas nada mudava. Continuava a ser o corpo dela aí. Imóvel, sem vida. Estava difí-
cil olhar ela daquele jeito. Seu rosto pálido não mais carregava o lindo sorriso que ela
tinha. Estava mais difícil ainda olhar para o buraco de bala em seu peito. Lágrimas cor-
reram-me dos olhos, queria gritar, mas não conseguia. Estava sem forças, tudo em mim
doía. É uma dor que não existe palavras para descrever. Toquei o seu rosto. Segurei sua
mão fria, no dedo ainda estava a aliança, chorei amargamente. Dizem que o choro alivia
a dor, mas acho que nem todas as dores, pois eu chorei, mas a dor ainda continuava ali.
Era tão intensa que eu só queria morrer. Implorei para que ela se levantasse, mas ela não
voltou e nem sequer me ouvia. A médica vendo o meu desespero, tirou-me dali e levou-
me para outra sala. Deu-me um copo com água para acalmar-me. E ficou comigo por
cinco minutos sem nada dizer, acho que ela sabia que nenhuma palavra naquele momen-
to me ajudaria.
— Quando isso aconteceu? — Perguntei à médica.
— Ontem, por volta das cinco horas. Deu entrada no hospital quando era uma da
manhã, ligamos para si, mas o senhor não atendeu. Ela chegou aqui quase sem vida.
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Antologia Saudades e Partidas
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Antologia Saudades e Partidas
M esmo estando no tempo de cacimbo, tudo parecia muito quente, para aque-
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Antologia Saudades e Partidas
à sua filha ao ver seus netos recém-nascidos. Ninguém conseguia entender quais eram
as razões da sua atitude.
Abanando a cabeça, voltou a caminhar para perto da sua filha, e disse:
— Que erro grave foi esse? Você teve gémeos, e agora, quem cuidará deles? Vo-
cê? Sozinha? Eles dão muito trabalho, minha filha! Um já é castigo. Agora imagina
dois!?
Todos se mantiveram em silêncio, incluindo os que estavam do lado de fora, ou-
vindo aquelas palavras que os entristecia.
Após tais palavras serem recitadas, um dos bebés parou de choramingar, virou
vagarosamente a cabeça em direção à avó maternal e fechou os olhos, num sinal de par-
tida. Após essa manifestação, a recém-mãe sentiu que o batimento do bebê parou, e pôs-
se a chorar amargamente.
O povo marcou a maior árvore da aldeia, ao ver que um bebê se despediu do
mundo por menosprezo, com o seguinte texto: “palavras que ferem, matam!”
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Antologia Saudades e Partidas
casal no outro lado da rua, vemos alguns velhinhos de mãos dadas, vemos pessoas fa-
zendo declarações e demonstrações de amor em publico, outras vezes, simplesmente
sentimos, por conta daquilo que recebemos, não nos damos conta de mudanças, de pe-
quenos detalhes deixados de lado, dos sorrisos que se vão, das memórias que se substi-
tuem, afinal de contas, enquanto sentimos que tudo está bem, detalhes são apenas deta-
lhes, e com lagrimas nos olhos é que vos falo que é sobre isso que se resume a história
de hoje, eu vi o meu sorriso partir aos poucos.
Os dias de sol sempre foram os mais alegres, mas, diz-se sempre que para toda
regra há uma excepção, e esse foi um dia de excepções. Após acordar, tratei da minha
higiene pessoal, tomei o pequeno-almoço e pus-me a andar, “hoje será tudo para ti, Lu-
na”, dizia repetidamente em um monólogo interior, era suposto ser um dia perfeito,
comprei flores no caminho para acompanhar o anel de compromisso e a prenda que ela
tanto quis para o seu aniversário, 14 de Outubro marcava o seu dia, e quis tornar esse
dia o mais especial possível. No horizonte, bem ao lado da hamburgaria mais famosa da
cidade, estava ela acompanhada das amigas, vestido rosa estampado com flores brancas
e uns ténis brancos, ela estava simples e deslumbrante como sempre, suas curvas faziam
as raparigas terem ciúmes e os rapazes morrerem por não a poderem ter, e o seu sorri-
so... nem há como descrever, a melhor curva que o seu corpo possui, cabelos negros e
crespos, olhos castanhos, e uma boca que só de imaginar já me babo todo. Aproximei-
me, quis dar-lhe um beijo e parabeniza-la, mas, oferecendo a bochecha, desviou o olhar
e agradeceu simplesmente pelas rosas, tentei não relevar, afinal o dia era todo para ela, e
não havia porque lhe tirar o protagonismo. Fiz questão de levá-la á casa, e ao longo do
caminho ela perguntou se podíamos conversar urgentemente, pois havia algo que muito
a incomodava, mas não sabia como expressar; sem hesitar, disse que sim, e quando che-
gamos a sua casa, paramos no portão, foi estranho, pois nunca houve problemas em
frequentar a sua casa.
— Podes falar, amor. Não precisa ter medo. — Disse eu, tentando perceber o que
se passava.
— Já paraste para pensar nas coisas que fazes? — Disse ela, olhando para mim
com nojo e repulsa.
— O que foi que eu fiz? — Perguntei surpreso, pois na verdade não fazia ideia
do que se tratava.
— Se tu não sabes é porque para ti foi certo fazer. Não quero te ver mais a minha
frente, acabou tudo. — Com lágrimas nos olhos, essas foram as suas últimas palavras,
abraçou forte as rosas e virando as costas para mim entrou fechando o portão na minha
cara sem mais explicações.
Fiquei com a mente a mil, com raiva dela e de mim também, por não entender o
que se estava a passar, doeu ver e ouvir aquilo, doeu sentir a forma como ela olhou para
33
Antologia Saudades e Partidas
mim. Todos os santos dias me pergunto o quanto uma pessoa poderia impactar a vida de
alguém, no caso, a minha vida, a verdade é que não fazemos ideia até sentirmos tal im-
pacto.
“O que foi que eu fiz?” Vasculhei as minhas redes sociais a procura de conversas
e comentários que pudessem justificar sua atitude, mas não tinha nada que explicasse;
procurei em mensagens normais, mas nada aparecia. Precisava de respostas, então ao
cair da noite, decidi tomar um banho e ir ao seu encontro para procurar saber o que se
passava, peguei no anel e na sua prenda, pois, por maior que fosse a dor que estivesse a
sentir, tinha esperança que fosse apenas um mal-entendido, então decidi ligar para o
meu fiel amigo, Ariel, era a única esperança para chegar a casa dela àquelas horas.
— Aló mano! Podes me dar uma boleia?
— Yah mano, deixa só tomar um banho rápido. — Respondeu o Ariel do outro
lado da linha.
Alguns minutos passaram até que ouvi a buzina do carro, era o Ariel, com o seu
ar irónico e em tom de brincadeira como habitualmente fazia, começou com o gozo.
— Há gajos que amam, pah! — Falou sorrindo. E enquanto seguíamos em dire-
ção a casa dela, acabamos nos perdendo na conversa.
— Então mano, é hoje? — Perguntou o Ariel com um sorriso no canto da boca.
— Mano, para ser sincero já não tenho a certeza, mas ainda assim vou tentar e
ver no que dá. Sabes que eu não desisto fácil.
— Desembucha! O que foi que aconteceu?
— Ao que parece eu fiz alguma merda, e ela decidiu terminar comigo. Mas eu
não faço ideia do que aconteceu.
— Epah! — Disse ele franzindo as sobrancelhas.
Continuamos o resto do caminho calados, com apenas algumas músicas que ser-
viam para manter o ambiente menos pesado. Chegamos a casa dela e, surpreendente-
mente não havia nada organizado para a suposta festa de aniversário, fomos recebidos
pelos seus pais que se mostraram surpresos com a nossa chegada, mas convidaram-nos
a entrar, e começaram a sussurrar sem que pudéssemos ouvir alguma coisa enquanto
caminhávamos em direção à sala.
— Filho, nunca mais o vimos, por onde tens andado? — Perguntou o pai de Lu-
na em um tom meio envergonhado.
— Por aqui mesmo, tio. Tenho estado muito atarefado com o trabalho e as via-
gens, por isso nunca mais apareci.
— Fico feliz por estares aqui no dia do aniversário da nossa filha, mesmo depois
de muito tempo separados.
— Como assim, muito tempo separados tio? Nós só terminamos hoje. E eu vim
aqui para me reconciliar com a vossa filha. — Perguntei com um ligeiro desconforto e
literalmente perdido;
Naquele instante pairou um silêncio no meio da sala, e a tensão tomou conta do
momento, seguida de uma troca de olhares que expressavam desconforto. No instante
seguinte levantei-me e pedi licença para retirar-me, desculpei-me pelo incômodo e disse
que já estava na nossa hora de partir, apercebi-me que alguma coisa estava errada na-
quela história. Saímos sem rumo, e levamos o silêncio connosco, decidi entrar no face-
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Antologia Saudades e Partidas
book para ver se conseguia falar com ela, e obter algumas respostas. Foi quando aciden-
talmente entrei em sua conta e deparei-me com uma sequência de conversas estranhas
demais para o meu gosto, nomes de carinho, saídas marcadas, declarações, surpresas, e
nalgumas mensagens, marcação de um jantar romântico, e ene promessas. No mesmo
instante eu senti o meu coração ser despedaçado, pisoteado. “Como eu nunca vi isso?,
Porquê que a conta dela tinha que estar aberta no meu telemovel?. Eu preferia não ter
visto, não quis sentir mais, o errado não fui eu. Então por que ela agiu daquele jeito? O
que foi que eu fiz para que das rosas que ofereci receber em troca pétalas de dor?”. Fi-
quei com a voz presa, a cara pálida, e o único caminho que essa dor encontrou para per-
correr foram os meus olhos e as curvaturas do meu rosto. Ariel decidiu levar-me a um
restaurante onde tentando me animar pagou umas cervejas e despejou-me um kibuto1 de
conselhos. Foi nesse mesmo instante que no fundo do restaurante, ouvimos em uníssono
um grupo cantando parabéns, desviamos o olhar para lá, e concidentemente era nada
mais nada menos que a Luna, acompanhada das duas amigas e amigos.
Naquele momento o meu coração ficou frio e relaxado ao mesmo tempo, pelo
menos teria uma chance de esclarecer as coisas, levantei-me e aproximei-me à mesa,
enquanto as pessoas abriam alas para que eu pudesse passar, olhavam para mim com
admiração, e eu simplesmente negando tudo o que tinha acontecido me preparava para
dar-lhe o anel e firmar o maior dos compromissos da terra, fazer um pedido para que ela
se casasse comigo. Quando em uníssono outra vez ouço as pessoas gritando, “beija,
beija, beija”, foi nesse momento que a última pessoa que cobria a minha visão saiu da
frente, e, com um sorriso alegre no rosto, beijou os lábios que um dia juraram me amar,
o sorriso sumiu do meu rosto, a raiva tomou conta do meu coração, e dei por mim es-
magando uma das caixas que tinha na mão enquanto todo mundo olhava para mim. Vi-
rei as costas e pus-me a andar, deixei o Ariel no restaurante e simplesmente fui, levando
comigo a dor que queimava por dentro.
“Como é que eu vim acabar assim? Porquê tenho de sentir essa dor?” — Pensei.
Tudo o que eu queria naquele instante é que a minha alma fosse devorada pelos
meus pecados e que a vida em mim desse o seu último grito, o meu coração não aguen-
tava. “Onde foi que eu errei?” Cansava sentir aquela dor, talvez eu merecesse que o
karma me trouxesse tais sentimentos, mas eu estava a ponto de quebrar. Não sabia que
querer tanto alguém podia ferir a alma humana em tamanha proporção. Ilusões, dor,
perda, traições, fizeram parte do meu dia-a-dia, e de achar que hoje eu não passo de um
ex-play-boy arrependido, player reformado como comumente tem-se dito, e foram nes-
sas vielas da vida que descobri que, no final, nem sempre importa quantos amigos te-
nhamos, ou que tenhamos uma bela família, porque quando se sofre, seremos apenas
nós. Pensamentos do género inundavam a minha mente enquanto caminhava sem saber
para onde ir.
Pouco tempo depois Ariel veio atrás de mim, preocupado e chocado com o que
havia acontecido, pediu que subisse no carro para que ele me levasse á casa, decidi ou-
vi-lo, mantendo o silêncio enquanto a minha mente estava uma barulheira enorme. Ten-
tava concentrar-me para não chorar, para não me deixar desmoronar, chegando á casa,
pedi-lhe que me deixasse sozinho, queria um momento só meu. Eu só me queria entre-
gar aos amores da vida, carimbar até às páginas inexistentes desse passaporte infinito,
35
Antologia Saudades e Partidas
quis me perder e encontrar-me no meio de tudo e nada, mas algo dizia que era apenas o
preço dos meus actos, pois estava a colher o que noutra vida plantei, e me recusava
acreditar que mudei e me redimi dos meus erros para ter de vivenciar as histórias que eu
escrevi. Peguei em uma guitarra, e acompanhado de algumas cervejas tentei esvaziar a
minha mente compondo algumas canções, pois é como dizem, “quem canta, os seus
males espanta”, e eu só queria me livrar de toda a dor que estava a sentir. Então, com
uma e outra nota, as ideias iam fluindo e os resultados se tornavam mais sinceros a cada
verso;
“Pedaço que completa o dia
Motivo da minha alegria
Agradeço por tu seres quem és, e mesmo imperfeita da cabeça aos pés...
Surgiram motivos de choro essa noite, mas eu decidi que vou contrariar
Só que não adianta dizer que eu sou forte
Porque eu não consigo ficar sem te amar
(.....)”
E antes que pudesse transferir por completo os meus sentimentos para uma fo-
lha, e transformá-los em verdadeiras melodias, ouvi o soar da campainha que num pis-
car de olhos retirou a minha atenção, era Luna do outro lado da porta, os pedaços do
meu coração pediam para serem curados por quem outrora os despedaçou, eles ainda
chamavam por ela, mas a minha mente se recusava a dar espaço a qualquer pensamento
que a trouxesse de volta, e nessa luta entre fazer e não fazer, rendi-me aos meus praze-
res e larguei-me aos sentimentos.
Abri à porta e no mesmo instante cai aos prantos, dominado pela raiva, e além
das lágrimas o meu rosto foi ocupado por um semblante ameaçador.
— Posso entrar? Só preciso de um minuto do teu tempo — perguntou ela. Man-
tive-me imovel, procurando entender o que ela queria.
— Não estás feliz por me teres destruído? Isso não é suficiente para ti? O que
você veio fazer? — Perguntei sequencialmente enquanto me controlava para não deixar
o meu mundo desabar diante dela.
— Não quero te pedir para sairmos ou algo parecido, só queria poder olhar nos
teus olhos e dizer isso, mas não... — Dando uma pausa dramática suspirou e continuou
dizendo — não sei por onde começar.
— Podes falar simplesmente, afinal é para isso que vieste fazer, pois não? —
Respondi com um tom impaciente
— Está bem, é o seguinte: Acho que essa é a ultima vez que vamos ter uma con-
versa normal, sei quais foram os motivos, mas sinceramente preferia que não fosse as-
sim. — Retrucou.
— Espera um pouco, você teve a sua oportunidade de falar, e simplesmente de-
cidiste fugir, e arranjar a maneira mais fácil de viver a tua vida, então cale à boca e ou-
ve, porque é a minha vez de falar. Tu fizeste-me sentir especial por um longo tempo, as
tuas lágrimas, a tua sensibilidade, o teu “amor” e tudo mais, fizeram com que isso acon-
tecesse. Mas é assim: Eu não quero me sentir especial desse jeito, sabendo que isso
acontece por causa dos teus erros, disseste que te importavas comigo! Talvez para ti
sim, mas na verdade não, eu não quero de jeito nenhum voltar a sentir o que sinto por ti
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Antologia Saudades e Partidas
nem mesmo sentir o que me fazes sentir, é complicado ter que conviver com as turbu-
lências que tu tens, dizes sempre que não sabes o que queres, e foi isso que te trouxe até
aqui novamente, mas hoje me pareceu que sabias muito bem o que querias.
Remove, perde, sei lá, faça alguma coisa para que essa vontade de cuidar de
mim desapareça, não sei como pretendes fazer isso, mas sei que não é, e não será só
comigo, pois de diversas formas isso vai acontecer com outros. Não sei por que eu sou
assim... Diferente, mas talvez sejam estas mesmas diferenças com relação aos outros
homens que fazem com que sejam nulas todas as hipóteses de estarmos juntos. Davas a
entender que um dia seria possível lidar um com o outro na normalidade, mas eu vi que
não. Eu não te conheço, e esta é a verdade, queria conhecer mais, mas agora sei que não
posso, e conformo-me com isso. — Fiz uma curta paragem, e posteriormente prossegui.
— Eu estive ai, porra! Mas isso foi irrelevante para ti. Dói saber e sentir, mas eu quero
me conformar e não sentir mais, tu nunca viste, e duvido que chegues a ver em mim
alguém capaz de te fazer feliz um dia.
— Eu não posso ficar sem ti, Paulo. Olha para mim e diz alguma coisa, diz que
ficas. — Falou ela em meio aos soluços.
— Não! Eu não vou ficar, e só espero que não voltes a usar as tuas lágrimas para
tentar amolecer o meu coração, porque vai doer tanto para mim quanto para você, ou
talvez para ti nem tanto! Mas eu prefiro não magoar ninguém, pois é bem mais fácil
dormir com o coração partido do que com a consciência pesada, e sei que não tens uma.
Não vou deixar de sentir agora, mas já me habituei á ideia de não te ter. Há mais para se
falar, mas acho que disse o suficiente. Fizeste a tua escolha, e eu não faço parte dela,
então tenho de conformar-me com isso. Espero que encontres o que procuras, desejo-te
felicidades. — Conclui.
Chagamos àquela parte da história em que descobrimos que, muitas são as vezes
que acreditamos em contos de fadas, olhamos para um casal do outro lado da rua, ve-
mos alguns velhinhos de mãos dadas, vemos pessoas fazendo declarações e demonstra-
ções de amor em publico, outras vezes, simplesmente sentimos, por conta daquilo que
recebemos, mas esquecemo-nos das mudanças, de pequenos detalhes deixados de lado,
dos sorrisos que se vão, das memorias que se substituem, afinal de contas, enquanto
sentimos que tudo está bem, detalhes são apenas detalhes.
37
Antologia Saudades e Partidas
Cotidiano
A ndei pelo quarto procurando a carteira de comprimidos. Era o primeiro do
dia. Não encontrei entre os lençóis, ou por baixo da almofada, nem por baixo da cama.
Quando não os tomo o dia não corre bem. É como o derrube da primeira peça de domi-
nó, todas as outras caem de seguida. Eu precisava que hoje não fosse um desses dias, eu
precisava manter-me intacto pelo menos hoje.
Jorge fitava a rua. Os mesmos carros, os mesmos postes, o gramado não tão ver-
de da casa do outro lado. Alguns cães rondavam nosso caixote de lixo. O que havia de
tão interessante na mesmice? Ele fazia o mesmo todo o dia.
— Greg! — Chamou — Tu sabes o que faz as pessoas saírem da cama?
— Esperança, eu acho!
A carteira estava entre os livros, e tinha sobrado uma única pilula. Sentei-me
na cama e vi o ventilador girando. O som do relógio avançando. Foi desse jeito que
aprendemos a controlar o tempo. Era daquele jeito que eu sabia que era à hora de engo-
lir a pilula azul e branca.
— É algo desesperador, acordar todo o dia acreditando que alguma coisa vai
mudar.
— Estamos todos na mesma encruzilhada, Jorge.
— E tu achas que isso é causado pela falta de felicidade? — Ele saiu da janela e
foi até à porta. Virando e sentando contra a porta, mas sempre fitando a janela.
Algumas vezes acho que Jorge imagina que aquela janela é mais do que uma ja-
nela. Talvez um escape de sua vida. Em momentos escuros, uma janela é mais do que
uma janela. É um escape da vida, dos postes, dos cães. De desesperanças andando lado
a lado enquanto o relógio empurra o tempo para frente. Talvez ele olhasse para a janela
e pensasse: “eu podia saltar, e tudo acabaria logo”.
— Sabes! — Respondo — esse é o problema, Jorge. Por algum motivo, pensá-
vamos que a felicidade está fora de nós, está na outra pessoa, no carro, no novo telefone,
na viagem, ou no diploma do fim do curso. Projetamos a felicidade fora de nós. Mas ela
não pode ser encontrada na outra pessoa e nem em objetos. — Engoli a pílula. Ela faria
efeito depois de dez segundos. — A outra pessoa está tão perdida quanto nós. Enquanto
forçamos outros nos fazerem feliz, nunca o seremos, Jorge.
Voltei a cabeça para o lado. As paredes agora pareciam curvar-se. O teto parecia
mais baixo do que antes. Na minha cabeça começara a tocar “Origin of love”, era o sinal
de que o comprimido começara a fazer efeito.
— Já pensaste em escrever um livro sobre isso?
— Não, não sou assim tão hipócrita, Jorge. Eu sou um deles. A minha felicidade
está enfileirada em pequenas lâminas e contidas em pílulas azuis e brancas. Não há mui-
ta diferença entre eles e eu.
Jorge riu. Tirou um cigarro e o acendeu.
— Lembras-te da Susan?
— Não, quem é a Susan?
38
Antologia Saudades e Partidas
— Ela sentava atrás de nós e sempre vinha para a casa com a gente, ruiva, peitos
grandes e usava óculos. Não lembras?
A primeira baforada fez o cheiro espalhar-se pelo quarto todo. Roupas, banca, o
quarto todo cheirava agora a cigarro. Jorge nunca abria a janela quando fumava.
— Não lembro… a janela, Jorge!
— Ah, sim, vou abrir. A garota feminista que todo mundo achava que andava
contigo, não lembras?
— Ah, a Val. Lembro-me dela.
— Val?
— É, era desse jeito que os pais dela a chamavam. Era desse jeito que eu a cha-
mava.
— Ela gostava de ti, Greg. — Ele tragou o cigarro e segurou antes de libertar a
segunda baforada. — Um dia contou-me, no bar, antes dele se tornar o bar do Zé.
— Eu sei. Mas eu não gostava dela.
— E porque disseste que ela era um objeto?
Levantei da cama e fui para a janela. Jorge passou-me o cigarro. Traguei e deixei
escapar. O fumo se misturou com o vento e desapareceu segundos depois. Eu já não
ouvi o relógio tocar. Agora tocava “Tired of being alone” de All green. Todos estávamos
cansados de estar sozinho. Nossa própria companhia era insuportável.
— Porque era assim que ela queria ser vista. É a objetificação adjetiva. Li algu-
res. Val, sempre dizia como queria que os homens fossem. Que tipo de homem andaria
com ela? Ela se metia como um obejcto que só certas pessoas, com certas qualidades
mereciam conquistar…
— Merda, greg! Eu sei que merda é essa coisa adjetiva. A gente leu o mesmo li-
vro.
— Ele interrompeu-me e jogou o cigarro pela janela. Rimos durante um momento.
— Jorge, eu podia ter-lhe amado se ela fosse azul e branco e viesse uma fila dela
em uma carteira lamina como essa.
Fui até a cama e mostrei-lhe a carteira vazia de comprimido. Jorge riu e voltou a
olhar para a janela, a sua pequena saída. Eu voltei para a cama, eu estava feliz outra vez.
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Antologia Saudades e Partidas
Um dia feliz
D aniel esperava ansiosamente pela chegada desse dia, quase que não dormia
nas últimas noites pensando em qual presente ofereceria a sua namorada no dia do seu
aniversário. O alarme tocou às vinte e três horas e cinquenta minutos, ele já tinha a
mensagem preparada para que fosse o primeiro a felicitar o seu amor. Faltavam 10 mi-
nutos para que Helda completasse mais um ano de vida. Daniel sentou-se na cama e
pegou no telemóvel para reler a mensagem antes de enviar.
“Antes de tudo quero agradecer a Deus por te ter concedido mais um ano de vida, mui-
to obrigado senhor. Eu fico muito feliz por saber que hoje podemos juntos celebrar o
seu aniversário, porque eu te amo tanto e quero estar contigo até sempre que Deus qui-
ser. Você é uma pessoa maravilhosa, e sabes que eu digo isso mesmo não sendo dia do
seu aniversário. Você é uma mulher encantadora, impossível não apaixonar-se por si.
Neste dia aproveito desejar-te muitos mais anos de vida, sei que quanto mais anos com-
pletamos mais nos aproximamos da morte, porém, também quanto mais anos comple-
tamos mais tempo de vida temos. Eu desejo que tenhas muito tempo de vida, para que
possas sempre iluminar o mundo com o seu sorriso encantador e o seu jeito meigo. Que
hoje o seu dia seja repleto de felicidade, que recebas muitas mensagens e presentes.
Desejo-te o dobro do que desejas para mim. Amo-te, Helda. Feliz 25 anos de idade.
Peço mil desculpas por não poder estar contigo hoje.”
Daniel soltou um sorriso assim que terminou de ler a sua mensagem. Ele sabia
que Helda ficaria muito chateada por não poderem estar juntos no dia do seu aniversá-
rio, eles sempre passavam os seus aniversários junto um do outro. Já fazia quatro anos
que eles namoravam. Contudo, Daniel estava mentindo, ele havia preparado uma sur-
presa para Helda, e dizê-la que não podia aparecer certamente deixaria tudo mais espe-
cial quando aparecesse. — Pensou ele. Quando tocou pontualmente meia-noite, Daniel
enviou a mensagem para Helda e adormeceu.
Quando Daniel acordou, a primeira coisa que fez assim que abriu os olhos foi
pegar no seu celular; como esperava, havia a mensagem de agradecimento e insatisfação
da Helda, e também cinco chamadas perdidas dela. Sem pensar duas vezes retornou a
chamada assim que terminou de ler a mensagem.
— Bom dia para a aniversariante mais linda do mundo. — Falou assim que Hel-
da atendeu o telemóvel.
— Bom dia para o namorado que não quer estar com a namorada no dia do seu
aniversário. — Retrucou Helda com a voz carregada de sono.
— Você sabe que eu faria o impossível para estar contigo hoje, amor. Mas tudo
que pode acontecer caso eu falte ao trabalho para estar contigo hoje é ser despedido.
Que tal? — Perguntou sorrindo.
— Não quero viver com o peso de teres sido despedido por minha causa. Eu te
entendo, amor. Mas eu queria muito estar contigo hoje…
— Eu também queria muito estar contigo hoje, amor. É muito bom mimar-te no
dia do seu aniversário. — Daniel falou com a voz triste.
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Antologia Saudades e Partidas
— Não faz mal, amor. Vamos recompensar esse dia. Estou a pensar em ir ao ci-
nema com as minhas amigas, já que não podemos estar juntos hoje! O que achas? —
Helda perguntou.
— Boa ideia! Mas eu preciso que estejas em casa as dezasseis horas. Encarre-
guei alguém de levar o seu presente.
— Sério amor? — Perguntou Helda, visivelmente animada. — Sabes que não
tem sentido sair com as minhas amigas e voltar as dezasseis horas para casa; podes
mandar deixar o presente com qualquer pessoa que encontrarem em casa.
— Não! Tem de ser você mesma a receber amor, apenas você! — Falou Daniel
tentando convencer Helda a estar em casa no horário que ele havia programado para ir
ter com ela sem que ela soubesse.
— Está bem, amor. Então vou ao cinema com as meninas depois de receber o
presente que mandares para mim. Pode ser?
— Está perfeito! — Concordou Daniel. — Feliz aniversário mais uma vez, amor.
Amo-te muito.
— Eu amo-te muito mais. — Respondeu Helda com um sorriso doce.
— Hoje o dia é seu, aceito tudo que você falar. — Respondeu sorrindo. — Vol-
tamos a falar mais tarde, amor. Agora me vou preparar para ir ao trabalho.
— Está bem, amor. Até logo. Amo-te.
— E eu a ti, pequena. — Respondeu Daniel e desligou a chamada.
***
41
Antologia Saudades e Partidas
cima.
Depois de alguns minutos Helda estava finalmente abrindo a porta que dava
acesso a rua, foi correndo em direção ao Daniel com um sorriso lindo nos seus lábios.
Abraçaram-se prontamente e beijaram-se apaixonadamente. Helda estava vestida de uns
calções jeans curtos que evidenciavam as suas pernas grossas, uma blusa com o rosto da
Rainha Nzinga Mbandi e calçava umas chinelas. Havia feito umas viradas ao cabelo ao
seu cabelo crespo.
— Vamos sair agora. — Falou o Daniel sorrindo, enquanto a entregava o buquê
de flores.
— Deixa eu ir trocar-me, amor. — Falou Helda.
— Não precisas, amor. Estás perfeita assim. — Retrucou Daniel enquanto tirava
uma venda no carro.
— Mas amor…
— Não se preocupa, bebé. Você está perfeita. — Falou antes que Helda termi-
nasse o que quis dizer. — Agora me deixa colocar essa venda nos seus olhos e vamos.
— Para onde vamos amor? Olha como estou vestida! — Reclamou Helda ten-
tando entender o que o Daniel estava a aprontar.
— Qual é o melhor lugar do mundo, amor? — Daniel perguntou enquanto beija-
va as mãos de Helda.
— O melhor lugar do mundo sempre é onde nós os dois estamos juntos. — Hel-
da respondeu sorrindo.
— Então não pergunte mais nada. Ambos estamos no melhor lugar do mundo
agora. — Falou enquanto abria a porta do carro para que Helda entrasse.
— Hoje vai ser um dia muito especial! — Daniel falou assim que ligou o carro.
— Sempre vai ser especial estar ao seu lado. — Falou a Helda. Beijaram-se.
Daniel arrancou o carro, Helda não fazia a mínima ideia para onde estavam a ir.
Daniel baixou os vidros e voltou a reproduzir à música “Best Part”. Os dois cantavam
energicamente, Daniel totalmente descompassado e Helda acompanhando perfeitamen-
te. Ambos sorriam e cantavam um para o outro com bastante paixão, e repetiam à músi-
ca toda vez que estivesse para terminar. Helda continuava com os olhos vendados.
— Já sabes onde estamos? — Perguntou Daniel baixando o som da música.
— Não faço a mínima ideia. — Respondeu Helda sorrindo.
— Já chegamos! — Falou Daniel enquanto estacionava o carro. — Só preciso de
um minuto, prometes não tirar a venda?
— Prometo, amor. — Respondeu Helda sorrindo, totalmente curiosa para saber
onde estavam.
Depois de quase dez minutos Daniel voltou.
— Desculpa a demora, amor. Espero que não tenhas tirando a venda.
— Não tirei, ainda não faço ideia de onde estamos.
— Já podes descer. — Falou Daniel abrindo à porta do carro. Segurou a mão de-
la para ajudá-la a descer. Foram caminhando lentamente.
— Podes descalçar se quiseres. — Daniel falou baixinho na orelha da Helda.
— Já sei onde estamos! — Helda falou sorrindo. — Estamos na Praia. — Des-
calçou para que pudesse sentir a areia nos seus pés.
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Antologia Saudades e Partidas
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Antologia Saudades e Partidas
Não parecia normal Daniel fazer tanto tempo dentro da água aquelas horas. Helda le-
vantou preocupada e caminhou em direção ao mar.
— Daniel! Daniel! Daniel… — ela gritava repetidas vezes, mas Daniel não res-
pondia.
— Daniel, para de brincar dessa forma! — Gritava, assustada, na esperança que
ele estivesse escondido. Em nada resultava. Não havia nenhum sinal do Daniel. A noite
não facilitava, não dava para ver quase nada no mar. Apenas ouvia-se o barulho das on-
das e nada mais. Helda ficou sem saber o que fazer, pensou em entrar na água, mas não
iria resultar em nada porque estava escuro. Helda caiu em prantos.
Helda pegou o seu telemóvel ligou apressadamente para os bombeiros e explicou
a situação. Em poucos minutos já havia bombeiros na praia e até o serviço salva-vidas
da praia foi accionado. Usaram dois barcos e com lanternas foram procurando por Dani-
el no mar, começando na direção indicada pela Helda onde Daniel havia mergulhado.
Foram quase três horas de busca, mas sem resultados, Daniel havia simplesmente desa-
parecido. Não podiam continuar com às buscas porque o mar estava cada vez mais vio-
lento.
Foi questão de minutos para um dos dias mais lindo da vida da Helda tornar-se o
pior dia da sua vida. Era como se num piscar de olhos saísse de um filme de romance
para um filme de terror. Cada vez que tocava ao anel no seu dedo imaginava todos os
gestos carinhosos e os momentos lindos que juntos viveram. Não conseguia acreditar
que repentinamente Daniel tivesse sumido.
O que era suposto ser um dia feliz, memorável, por ser o seu aniversário e o dia
em que foi pedida em casamento, tornara-se na data mais triste da vida da Helda. As
buscas continuaram por semanas, mas nunca conseguiram encontrar sequer um vestígio
do Daniel. Infelizmente o mar nunca devolveu o corpo do Daniel. Todos os anos quando
chega o dia do aniversário da Helda, ela precisa lembrar-se de tudo que aconteceu na-
quela noite. O dia em que o mar levou o seu amor deixando apenas saudades com a sua
partida.
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Antologia Saudades e Partidas
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Antologia Saudades e Partidas
que acabava de fugir do seu porto seguro. Além de namorado, Tiago era o seu melhor
amigo, e Ana estava prestes a perder os dois de uma só vez, e esse pensamento só a dei-
xava ainda mais desesperada e sem saber o que fazer.
“São por estes motivos que não devia se apaixonar por seu melhor amigo”. Pen-
sou Ana. Então ela decidiu ir para a casa da sua irmã Beatriz.
Ao Ver Ana chorando diante da sua porta, Beatriz logo alcançou a irmã, e per-
guntou o que se passava.
— Ele vai abandonar-me. — Disse ela, com uma voz quase inaudível
— Como assim? — Perguntou a irmã.
— Ele aceitou uma proposta para estudar na Alemanha. E decidiu terminar tudo
entre nós. — Ana falava aos soluços.
— Sinto muito, querida! Mas... pelo menos vocês já conversaram bem sobre este
assunto?
— Ele achou melhor não manter um relacionamento à distância, alegando que
isso só faria a gente sofrer.
Beatriz não sabia ao certo o que dizer. Apenas abraçou a irmã, e ficaram juntas
no sofá por um tempo, sem pronunciar uma só palavra; afinal, não havia nada que ela
pudesse falar para melhorar a condição da sua irmã.
O telefone de Beatriz tocou. Era o Tiago.
— Será que atendo? — Perguntou ela, olhando para irmã.
— Claro! — Respondeu Ana.
— Olá Beatriz!
— Oi Tiago.
— Me diz que ela está ali, por favor.
— Sim, ela está aqui comigo.
— Que alívio! Por favor, diga para ela vir para casa, eu preciso conversar com
ela.
— Está bem, Tiago. Transmitirei o recado.
Beatriz olhou para a sua irmã, com um olhar de tristeza, e em seguida perguntou:
— Você quer voltar para casa? Ele quer falar contigo.
Ela apenas abanou a cabeça em sinal de afirmação,
— Você não pode andar sozinha nesse estado, deixa que eu te leve para casa. —
Acrescentou à Beatriz.
As duas dirigiram-se ao carro e, passados trinta minutos, estavam diante da casa
de Ana e Tiago.
— Quer que entre com você? — Perguntou Beatriz, preocupada com o estado
em que a irmã se encontrava.
— Não, não precisa. Já estou bem melhor, obrigada por tudo.
— Sabe que pode sempre contar comigo, eu sempre cuidarei da minha irmãzi-
nha. — Falou Beatriz, e em seguida deu um beijo à testa da irmã.
Elas despediram-se e Ana ficou em pé diante da porta, sem saber o que acontece-
ria depois que ela passasse por ela. Aquela mesma porta que um dia não seria mais aber-
ta por Tiago.
Por fim, Ana abriu a porta e, ao contrário do que deixou, um cenário totalmente
encantador apareceu diante dos seus olhos. Ela não imaginou por um segundo que ele
realizaria tamanha surpresa. A casa estava com pouca luminosidade, pétalas de rosas
espalhadas por toda a casa, balões em forma de coração pendurados ao tecto, e uma
faixa pendurada á porta do quarto, dizendo “Eu te amo”.
Ana não conseguia acreditar no que via. Ela olhou a sua volta e ainda não havia
sinais de Tiago. Então, caminhou entre as pétalas vermelhas até a mesa de centro, onde
46
Antologia Saudades e Partidas
***
47
Antologia Saudades e Partidas
— Indagou ela.
— Sabe aqueles casais que ficam de grude no parque enquanto fazem um piqui-
nique super romântico e a gente tem o costume de abusar?
— Sim! — Respondeu com insegurança.
— Pois é, meu amor. Nós seremos eles. — Falou o Tiago, abrindo um largo sor-
riso e apalpando as bochechas de Ana.
— Minha nossa! — Exclamou ela. — Por essa eu não esperava. — Comentou,
sorrindo incrêdula.
— Ainda tem mais. — Continuou ele. — Hoje a noite o jantar será lá no restau-
rante “Lovers”, onde a comida é servida a céu aberto.
— Hoje teremos as estrelas como companhia durante o jantar? — Perguntou Ana
com a voz ansiosa.
— Sim! Isto mesmo. — Respondeu ele.
Ana saltou para o seu colo e os dois acabaram por cair da cama...
A semana passou num piscar de olhos. Os dias incríveis que viviam, embora eles
quisessem que não mais tivessem fim, infelizmente terminaram.
***
Chegou o momento da viagem de Tiago. O dia em que ele partiria para Alema-
nha a fim de fazer o seu mestrado. Ana acordou indisposta naquele dia, afinal, era o
amor da sua vida que estava a partir.
Eles decidiram que não fariam uma despedida no Aeroporto, pois seria mais di-
fícil para ambos. Despedir-se dos pais e irmãos já era doloroso o suficiente para o Tia-
go. Enquanto o Tiago acabava de arrumar as suas coisas para a viagem, Ana observava-
o com um olhar triste, não acreditando ainda que aquilo realmente estava a acontecer.
Alguns minutos depois, Tiago acabou de arrumar os seus últimos pertences e fe-
chou a mala.
— Estou pronto! — Disse esse olhando para Ana.
— Você esqueceu o seu casaco favorito por cima da cama. — Comentou ela.
— Pego ele quando eu voltar. — Respondeu Tiago com um sorriso entre os lá-
bios.
Ana pôs-se a chorar de forma inconsolável. Aproximando-se dela, Tiago abra-
çou-a o mais forte que pôde.
— Calma, eu voltarei. Eu sempre voltarei para você.
— Eu sempre estarei aqui esperando por você. — Entre os soluços, respondeu
Ana com a voz trémula.
— Não é um Adeus entre nós, Ana. Nunca será um Adeus. É apenas um até bre-
ve. — Sussurrou Tiago em seu ouvido. Em seguida beijou-a. Deu o melhor beijo que ele
já havia dado em toda a sua vida, posteriormente pegou as suas malas, olhou nos olhos
de Ana, e com um sorriso entre os lábios, disse que a amava.
— Eu também te amo! — Respondeu ela ainda com lágrimas nos olhos.
Ana continuou parada enquanto Tiago desaparecia de sua visão, deixando para trás ape-
nas a imagem da porta branca se fechando lentamente.
48
Antologia Saudades e Partidas
quanto era doce e pura a nossa irmandade? Parecíamos uma dupla de soldados, dispa-
rávamos juntos em qualquer batalha, e nunca íamos para baixo, e o tanto que cele-
brávamos quando saiamos das trincheiras, lembras-te?
Não havia segredos, sempre fomos nós, uma vez dissemos que se eles se revolta-
rem e vierem contra nós porque somos um paradoxo para o estereótipo social, nós iría-
mos contra tudo e todos.
Mesmo estilo de vida, mesmas músicas favoritas, a nossa conversa fluía, princi-
palmente por causa da extrema harmonia. Hoje tudo não passa de uma dolorosa nostal-
gia. Tudo porque num belo dia... bem, na verdade, nem era belo porquê mais tarde só
nos trouxe problemas. Por intermédio da nossa mãe, entraram duas meninas em nossas
vidas.
— Ei, rapazes! Venham cá para fora.
— O que foi mãe? — Perguntei.
— Quero apresentar-vos as minhas meninas. Esta é a Diana e a outra é a Carla.
Tu demoraste a sair, e encontraste-me aí, encarando as duas. Elas eram primas,
duas meninas lindas e atraentes. Ao que tudo indicava, seria uma bela história. E lá es-
távamos nós, conversando e fazendo o ambiente ficar ofegante.
Elas, talvez conversaram e chegaram a mesma conclusão, de que era uma para
cada, e tu fizeste as escolhas, tu fizeste-as. Disseste que ficarias com a Diana porque a
mesma parecia mais inocente e a Carla ficaria para mim, só que ali, ainda não sabias o
quanto aquela mesma inocência atraiu-me.
Enquanto conversávamos os três na sala, a Carla estava fazendo companhia na
nossa querida mãe.
— Márcia Fernandes Diana. — Falei.
— Como sabes o meu nome? Tu és o jovem com quem falei em frente à minha
casa da outra vez, certo? — Perguntou a Diana.
— Sim, sou eu mesmo. — Concordei.
Quando eu citei o nome de registro daquela que era a menina com quem querias
ficar, o clima ficou estranho, acredito eu que ali já havias percebido que aquele rosto
não me era estranho e eu já o vi iluminando a minha retina outrora e que chegamos a
conversar também, mas isso não mudava quase nada. Estávamos recomeçando. Foi o
que pensamos.
***
49
Antologia Saudades e Partidas
me apercebi de que realmente a querias afastei-me. Mas com essas coisas do coração
não se brincam, e tu sabes bem.
Eu falava com a Diana e ela parecia estar dando em cima de mim, achei que fos-
sem apenas coisas da minha cabeça até ela dizer-me o que nunca pensei ouvir. Num
belo dia em nossa casa ela veio ter comigo e disse que precisávamos conversar, achei
estranho, mas aceitei.
— Eu não sei como dizer, espero que entendas e não te rias de mim. — Falou
ela, colocando um pouco de suspense no ar.
— Sim, tudo bem!— Depois de responder acabei por sorrir.
— Então, vou direito ao assunto. Eu gosto de ti, na primeira vez que nos encon-
tramos cá em casa eu lembrei-me de ti e o interesse que tinha por ti voltou a nascer. Na
verdade, eu fiquei esperando o teu contacto, afinal, ficaste com o meu nome e era supos-
to contactares-me nas redes sociais, certo? Mas não o fizeste. Quando eu e a minha pri-
ma estávamos a ir para casa, ela disse-me que gostou de ti, antecipou as minhas jogadas
e até hoje eu me julgo por isso, talvez se eu dissesse primeiro não seria assim, mas a
verdade é que continuo a gostar de ti.
— Isso é complicado! Porque na verdade eu também gosto de ti, nunca disse an-
tes porque achei que querias ficar com o meu irmão e que tudo entre vocês estava bem.
Mas o que queres fazer agora? O meu irmão precisa saber, e tens que dizer enquanto é
cedo. — Respondi.
— Eu vou falar com ele, mas não com a minha prima, ela é muito complicada e
egoísta, não vai perceber! — Desta vez ela falou com bastante firmeza.
— Tá bem! Fala com o meu irmão, por favor. Melhor se o fizeres hoje.
Imediatamente um sentimento agridoce tomou conta de mim, porque eu real-
mente gostava dela a sério. Mas sabia que não podia porque já não era minha aquela
jogada. Sabia que querias mais ela do que eu, eu já estava entrando num caso com a
Carla e seria egoismo querer também estar com a Diana.
Entre tu e eu as coisas fluiam sem segredos, mas isso terminou por aí!
Como achas que eu diria tudo isso para ti? Depois de ver-te sorrir enquanto fala-
vas dela? Eu pensei em dizer-te, mas vi a minha vontade ir-se embora pela ausência de
coragem e palavras. Estava dando cabo do nosso relacionamento, sempre dissemos que
não deviam haver segredos.
Até que um dia a Diana foi lá à casa e ficou comigo, sinto muito por isso, era
suposto eu ser resistente o suficiente para evitá-la. Mas sabes como é difícil rejeitar o
seu prato de comida favorita enquanto estiveres com fome, não que ela seja uma sim-
ples refeição, pois eu realmente gostava dela.
Caí na tentação, na verdade não foi literalmente uma traição, porque vocês não
estavam juntos, mas sabia o quanto gostavas dela, e errei com a minha parceira. Nunca
me perdoarei por isso, a Carla nem imagina que aconteceu tudo isso.
Depois de um dia eu vi a Diana em casa novamente. Ela veio dizer-te que queria
conversar contigo e era algo sério.
Viste as tuas forças irem-se embora quando ela disse-te que estava apaixonada,
perguntaste o porquê não disse antes em vez de alimentar-te de esperanças, ficaste mais
chateado quando ela disse que era por mim e que eu já sabia.
50
Antologia Saudades e Partidas
Quando ficaste a saber que eu já tinha conhecimento, ficaste com mais raiva
ainda. Chamaste-me de falso, mas não tens noção do quanto este nome é bastante pesa-
do. Achas que eu queria carregar este fardo? Achas mesmo que eu queria fazer-te de
palhaço? Achas que eu queria ver a alegria abandonar o teu rosto?
Apartir dali passaste a agir estranho comigo, dizias que está tudo bem, mas esta-
vas completamente diferente. E demonstravas com o isolamento social e a ausência de
palavras.
No dia seguinte a Carla veio cá em casa ver-me, ficamos juntos e tudo chegou
aos ouvidos daquela que seria a tua namorada e tinha ficado comigo.
Eu senti-me um merda, mas aposto que pensaste o contrário disso, quando foste
tu que abriste a mensagem que a tua amada enviou dizendo:
“Nunca mais quero voltar a ver-te! Como foste capaz de beijar a minha prima
depois de me teres beijado? ter deitado com ela na mesma cama onde nós ficamos? Por
que o fizeste? Disseste que gostas de mim, mas não parece, odeio-te com todas as mi-
nhas forças, não te quero voltar a ver-te.” Diana havia redigido com toda a raiva que
possuía naquele momento.
Naquele mesmo momento, acabavas de ler a mensagem mais pesada que já re-
cebi em toda a minha vida e também estavas te juntando ao grupo, um grupo de pessoas
que me odiavam e que não queriam olhar para a minha cara naquele momento, por isso
foste embora sem ouvir o que eu tinha a dizer.
Mandaste mensagens ofensivas a Diana e hoje já não falas com ela, não queres
saber de nós, isso mesmo. Tu o disseste!
Até hoje a Carla não sabe o que se passou e pergunta por que me afastei, mas
ainda que eu explicasse, ela não iria perceber, por isso prefiro nada dizer, e se ela tiver
que saber que seja por intermédio da Diana, pois não quero que aconteça com elas o que
aconteceu conosco.
A mãe ficará com o coração partido quando souber o que realmente aconteceu
com os seus filhos, não imagino as suas lágrimas de tristeza ao saber que nos magoamos
tanto. Mas a verdade, é que nada disso deveria ter existido se eu tivesse sido mais pru-
dente. Por minha culpa todos saimos magoados. Contudo o pior de tudo isso foi a nossa
amizade, nunca pensei que uma menina estragaria a nossa relação, irmão!
Nós éramos fortes como a rocha mais dura, estávamos acima de tudo e todos,
nossa amizade era muito pura, e hoje é doloroso não te ter aqui. Não sei se sentes o
mesmo, mas eu perdi o tesouro mais precioso que alguma vez já tive.
Sei que deveria dizer tudo isso há um tempo, mas infelizmente estava sem forças
para escrever, e queria que ficasses a saber tudo a partir de mim, eu nunca imaginei este
fim. Perdi duas pessoas que me amavam e estavam dispostas a fazer de tudo para me
ver feliz. Perdi a Carla e a Diana por um mesmo erro, mas aceito que perdi, e deixei-as
partir. Fiz pensando em nós.
Não sei se esta carta chegará a ti, se será ignorada ou aberta, não sei se ficarás
com mais ódio ou receberás da forma correta. Na verdade não sei muita coisa, e é triste
saber que não sei como estás. Ausentaste-te da minha vida e dos meus olhos, seria muito
bom poder fortalecer os laços, seria maravilhoso receber um abraço teu.
Na verdade, eu só quero que saibas que sinto muito por nós e espero ver-te no-
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Antologia Saudades e Partidas
vamente, fortalecer a amizade e seguirmos como antigamente. Esta é uma carta que
devia ser escrita no passado para evitar este presente, mas agora ela está sendo escrita cá
no presente para melhorar o futuro. Portanto a leia bem, e se pensares em voltar, lem-
bra-te do cativeiro, estarei esperando-te por lá.
52
Antologia Saudades e Partidas
A noite passada foi mais longa que o habitual. Tive pesadelos a noite toda.
Mas finalmente o sol acordou os prédios, e o concreto do seu brilho era amarelo e vivo
por algum instante. Não me apetecia sair do quarto, então mantive-me deitada à cama
com os olhos fechados, até ouvir o barulho de alguém batendo à porta. De início achei
que estivesse a sonhar novamente, mas de imediato o barulho aumentou. Abri parcial-
mente os olhos e respondi.
— Está aberta, podes entrar!
— Oi querida. Como você está? Faltam poucos minutos para as onze da manhã.
Devias levantar dessa cama, tomar uma ducha e comer qualquer coisa. — Disse a tia
Clementina.
— Bom dia tia, daqui a pouco eu desço. Tá bom?
— Está bom, tô esperando por ti lá em baixo.
Ela caminhou até a porta de saída, girou a maçaneta, e no momento em que ela
dava o último passo para sair totalmente do quarto, soltei as palavras que estavam enta-
ladas em minha garganta "Sonhei novamente com o papai". Imediatamente ela parou
entre a porta, e regressou.
— Qual foi o sonho dessa vez? Viste-o novamente apertando o gatilho? — Con-
cluiu suas falas ao sentar-se do outro lado da cama.
— Não. Dessa vez o seu semblante parecia áspero e angustiado. Pediu perdão e
disse que eu precisava ser forte, por mim e pela minha filha. Pois o amanhã é tão incerto
como o vento.
— Agora está tudo bem. — Ela deu-me um abraço tranquilizador.
— Certo. E por outra — eu disse — Hoje irei visitar a mamãe. Afinal, faz tempo
que não vou para lá.
— Queres companhia?— Perguntou completamente expectante.
— Não, tia. Eu preciso fazer isso sozinha.
— Com esse barrigão quase a explodir? — Sorriu de leve — Você não deveria
andar sozinha.
— Tia, a senhora e o João Tiago vão acabar por me sufocar com esse excesso de
cuidados. — Sorri de volta.
— O João Tiago gosta muito de ti, querida.
— Eu também o amo... eu também amo. — Em um duplo sussurro respondi.
— Está bem, agora se arrume que eu vou chamar um táxi assim que desceres.
A tia Clementina saiu do quarto, eu levantei-me, fiz a minha cama, fui para o
banheiro, fiz a higiene completa, desci as escadas e fui à mesa. Tomei o pequeno-
almoço, saí e peguei o táxi.
Atualmente as viagens até ao hospital duram cerca de duas horas. Tudo porque
as vias principais estão a ser reabilitadas. Meu coração palpitava de tanta emoção, visto
que, depois de alguns longos meses, finalmente eu veria novamente a minha mãe.
53
Antologia Saudades e Partidas
***
Cheguei ao hospital e cumpri com todos os formulários. No final fui dirigida até
ao quarto dela, fiquei parada à porta por alguns minutos enquanto tomava coragem, e
em seguida entrei.
— Bom dia mãe! — Saudei-a caminhando ao seu encontro.
Ela estava sentada em uma cadeira defronte a parede. As paredes daquele quarto
eram todas brancas, e pelo facto das janelas estarem sempre trancadas, pareciam nem
existir.
Havia uma cama sempre bem arrumada, e uma cadeira na lateral direita da cama.
Naquele instante ela mexia as mechas dos seus cabelos. Eles eram longos até ao ombro.
Eram pretos carregados, com excepção dos fios brancos que agora cresciam, por conta
da idade. Mamãe sempre foi uma mulher muito elegante, e sempre gostou de espelhos.
Mas Agora a sua face parecia tão pálida... Seus olhos pareciam focar aqui, enquanto sua
mente viajava para mundos desconhecidos. Era como um fardo que o papai a deixara.
Um pesado fardo que ela diariamente carregava.
— Oi! Tudo bem, Querida? És a moça do salão, né? Anda, venha arrumar os
meus cabelos, que hoje o meu marido vai levar-me a jantar fora. — Falou ela.
Não me consegui conter. Pûs-me a chorar. Ela ficou encarando-me por uns se-
gundos.
"Princesas não precisam chorar" — Sussurrou, do mesmo jeito que ela sempre dissera.
De seguida esticou os braços para mim. "Elas dobram os joelhos e oram" — Respondi
continuando a frase.
Corri, abracei-a, e ela abraçou-me com a mesma veracidade. Ficamos em silên-
cio durante uns minutos. Naquele instante a minha mãe estava de volta. Disse a mesma
frase, e abraçou-me com a mesma intensidade.
— Teu pai já não volta, né? — Ela perguntou aos murmúrios.
— Não, mãe. Agora somos apenas tu e eu. — Respondi colocando a mecha do
seu cabelo por trás da orelha.
— Eu sinto tanto a falta dele. Até hoje não entendo porque raios ele tirou a sua
própria vida. Se é que algo estivesse errado, deveria falar comigo. Nós estávamos um
para o outro. É ruim acordar todos os dias e viver a mesma rotina sem ele. Agora quem
me irá pedir um pé de dança? — Ela indagou olhando para mim, era como se eu fosse a
sua única esperança. Pena que seus momentos de lucidez não eram mais felizes que os
insanos.
— Eu também sinto a falta dele, mãe. E tem dias que até sonho com ele. Mas
amanhã a gente fica bem. — Conclui, tentando parecer mais forte do que eu realmente
era.
— E se não houver um amanhã? — Questionou ela.
— Sempre existirá, mamãe. Sempre! — Respondi.
— Mesmo sem o ver, ele continua aqui, presente. Sinto como se, num passe de
mágica, a Lua podesse finalmente trazê-lo para mim.
Ela olhou para mim lacrimejando, sua boca emudeceu. Apenas se notava a água
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Antologia Saudades e Partidas
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Antologia Saudades e Partidas
o vidro. Eu olhava para o nada com saudades do João. A gente nunca ficou tanto tempo
sem nos falarmos, e a última mensagem dele foi meio seca. Então eu só precisava espe-
rar que ele voltasse. “O nosso filho nascerá no mês que vem, e ainda faltavam duas se-
manas para o mês acabar.” — Lembrei-me. Mais uma vez o semáforo piscou verme-
lho, e os carros pararam.
— Luna, veja esse homem! Está lendo jornal do mês passado — A tia falou em
tom de zombaria.
Eu olhei para o homem que estava no banco do passageiro do elantra cinzento.
Li as manchetes do Jornal “BNA EXCLUI 19 BANCOS DO LEILÃO.
AS CHUVAM DEIXAM 30 FAMÍLIAS SEM ABRIGO.
CONFIRMA-SE O NAUFRÁGIO DO ASAS NOVAS" e, por fim, o semáforo vol-
tou a acender verde. Então os carros arrancaram.
— Tia, você viu as notícias? Você viu?
— Que notícias, filha?
— Naquele jornal! — Dei uma pausa quase que sem conseguir dizer alguma coi-
sa. As palavras eram pesadas demais para serem entoadas a leve tom, mas, tentando
segurar-me, concluí. — O Asas Novas afundou, tia. O navio no qual vinha o João Tiago
afundou.
***
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Antologia Saudades e Partidas
***
Hoje eu entendo o que a minha mãe sentiu. Hoje eu sei o que é perder o chão, o
ar, e o universo todo num piscar de olhos.
Hoje eu estou em um jardim, onde não há flores nem aromas. E aqui permane-
cerei por toda a minha existência. É horrível saber que não posso voltar ao passado.
Nada mais poderia me ligar à vida, não mais sentia prazer. Depois de uma sema-
na de confinamento, então, por um tempo parei, olhei ao meu redor, e em fim vi a minha
única saída. Abri a janela do meu quarto, do alto do edifício, sentei-me na sacada, olhei
para fora e vi a imensa escuridão da noite. Limpei as lágrimas e fechei os olhos com
bastante força. Meu coração acelerava a cada respirar. Eu sentia medo, porém almejava
a plena liberdade. Aí contei até três e...
Por algum motivo, eu não me joguei.
Acho que lá no fundo eu sabia que não era a saida mais viável, pois quando nos
suicidados partimos, mas deixamos os nossos fardos para aqueles que ficam, e minha
mãe já carregava os fardos deixados pelo papai, então, adicionar mais dois fardos à sua
quota de desgraças seria o fim do mundo para ela, visto que por pequenos momentos ela
ainda conseguia ver-me como um motivo para prosseguir, embora nem sempre os seus
demónios deixavam-na em paz por tempo suficiente para lembrar-se de si mesma. Po-
rém, do pouco que tinha, ainda conseguia manter-se em pé. Contudo, levantei-me, fe-
chei os vidros e abaixei as percianas. Nenhum direito eu tinha de torturá-la ainda mais,
nem era sensato fugir da minha própria realidade, ainda mais sentenciando prematura-
mente uma vida incapaz de fazer suas próprias escolhas.
Naquele dia eu podia ter me suicidado, mas decidi continuar a viver, continuar
pelo João Tiago, pelo meu tio, pelo papai... e acima de tudo pela minha mãe e pela vida
que crescia dentro de mim, por maior que fossem os danos causados pelo vazio que sur-
gira dentro de mim.
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Antologia Saudades e Partidas
Juro que tento lutar. Faço o meu melhor para não pensar na gente, seguir em
frente. Mas daí, eu me lembro do último beijo, do último abraço, da última noite de
amor — foi uma conexão de almas, de corpos e de mentes. Era fora do normal, nossa
sintonia era tudo.
Vivi anos dentro de um sonho contigo, toquei os céus pensando que já sabia vo-
ar, até que caí. Com você, eu senti o que o amor é, aprendi o que é amar. Conheci o lado
bom e o lado ruim de uma relação, e, vi que era aquilo que queria. Você! Sim, eu só
quero você. Quero você de volta. Junto com todos os defeitos, com suas qualidades,
com suas manias. Mas eu quero.
Há quase um mês que não saía de casa, e nossa filha reclamava. Estava morren-
do, Laura, e cada dia morria um pouco mais. Todos os dias. Você, que foi a minha me-
lhor parte, se foi. Porque tinhas que te ir embora logo naquela hora? Por que me deixou
sozinho? Eu não sei o que fazer da minha vida. Está uma confusão aqui.
Hoje de manhã, quando fui dar um beijo a Márcia, nossa filha, ela perguntou por
você, tal como ela faz todos os dias. E de novo, eu não sabia o que responder. Por favor,
me fala, quando ela perguntar novamente, o que eu vou responder?
Você está me ouvindo? Dê-me algum sinal de sua presença, por favor, Só um!
Estou olhando a volta do cemitério, e parece que a vida se resume a isso... Morte!
Ah... E Laura, tem algo que eu queria te contar antes de me despedir. Ontem foi
a primeira vez que eu saí de casa dentro de um mês. Mas eu não estive aqui, deves ter
notado. Sabe por quê? Ontem seria o nosso nono aniversârio de casamento. E decidi
fazer diferente, quer dizer, na verdade fiz igual. Lembras de como foi o nosso primeiro
aniversário de casados? Pois é, eu refiz tudo o que a gente fez naquele dia.
Primeiro fui para a igreja, tal como a gente fez. Cumprimentei o Padre Simão,
que está muito bem, por acaso. Ele diz que sente muito a sua falta também. Depois fui
até a casa dos seus pais. Eles continuam a mesma gente boa de sempre. A seguir, fui ao
"Parque Albano Machado", comprei dois gelados como a gente fazia, chocolate para
mim e morango para ti, o calor derreteu o seu. Mas tudo bem, eu continuei e fui até a
roda gigante, paguei dois lugares. E enquanto a roda girava, eu só me imaginava conti-
go, via você sorrindo, meu Deus! Seu sorriso era lindo. Antes do anoitecer, fui a última
paragem do nosso trajeto, o "hotel Epic Sana". Paguei o nosso quarto, o 101. Pedi jantar
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Antologia Saudades e Partidas
para dois, mas depois... Depois eu me peguei em prantos. Chorei por horas. Chorei por
mim, por nossa filha, porém, chorei mais por você. Eu tanto que te queria comigo, mas
não dá. E agora eu entendo.
Já se passaram dois anos, três meses e doze dias desde a sua partida. Mas ne-
nhum sinal de você. Você não voltou. Deus não te ressuscitou por mais orações que eu
tenha feito. Eu até quero tocar-te de novo, mas, agora eu percebi que é inútil tentarmos
entender certas coisas, que de algum modo nos tornam impotentes e incapazes, por mais
que se prove a grandeza do ser humano e a genialidade da sua mente.
Nesses dois anos, eu consultei a bíblia, tive contato com a astrologia, o horósco-
po, a magia, a feitiçaria, médiuns espíritas, eu até conversei com cientistas, mas de nada
adiantou. Difícil é saber que tudo acaba num sopro, sem poder se prevenir ou se despe-
dir. Não posso contrariar e muito menos discutir com Deus.
Eu só sei que a minha mente preserva tudo o que se passou quando estive conti-
go, e o sentimento jamais desaparecerá. Pois, por mais que tu tenhas partido, e assim
teres partido o meu coração. Você deu um jeito de garantir que ele seria reconstruído.
Nossa filha é a certeza de que você estará sempre no meu coração e mente.
O que posso fazer agora? Agora vou tentar dar significado a minha vida e a tudo aquilo
que acredito. Eu li o seguinte por aí: "Vão-se os homens, mas ficam as suas obras e os
seus feitos, e isso nunca morre no coração e na mente de quem fica!".
Eu nunca vou olhar uma outra pessoa do jeito que olhei para ti. Nunca vou tocar
uma outra do jeito que toquei a ti. Nunca vou beijar ninguém do jeito que beijei a ti.
Nunca vou amar do jeito que te amei!
É vivendo que se faz a vida, pois a morte é garantida. Por um tempo, eu esqueci
que a vida é apenas uma trilha de saudades e partidas. Eu sei que ainda não disse, mas
estou dizendo agora, Laura: Adeus!
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Antologia Saudades e Partidas
24 Horas de mistério
E ncontrava-me estendido a apreciar a beleza da cidade de Luanda, sentado em
um dos bancos da Baía de Luanda, a olhar para o horizonte do mar situado entre a Ilha e
o porto. Os ponteiros do relógio barato localizado em meu pulso marcavam nove horas
e trinta minutos da manhã. Um relógio de marca fila, era o mais barato do mercado. Não
sei porque, mas os escritores têm a mania de usar acessórios baratos. Mas até que se
entende, escrever um livro em Angola não torna rico ninguém, por isso é que 98% dos
escritores nem possuem carro. Eu sou um deles. Vinha dos subúrbios da cidade de Lu-
anda, como nós chamamos "Gueto". Eu precisava refletir um pouco, imaginar que ex-
plicação daria aos mesmos leitores sobre o paradeiro de Napoleão. Napoleão é uma per-
sonagem de um dos livros que eu escrevi. "Entre dois mundos". Todos procuram por
ele, mas nem eu como escritor sei o que aconteceu com ele. Precisava imaginar uma
resposta para dar aos meus leitores. Uma desculpa literária, para ser mais preciso.
A brisa da manhã batia em meu rosto, mil ideias passavam pela minha mente. “O
que hei de dizer? Morreu? Foi raptado ou está inconsciente em um lugar qualquer des-
se planeta terra?” — Quem me dera que o Napoleão aparecesse para mim e explicasse
o que aconteceu com ele. Já havia se passado um bom tempo desde que me encontrava
aí sentado. O meu relógio barato agora marcava onze horas e vinte minutos. Estava filo-
sofando comigo mesmo sobre o mundo das ideias de Platão.
Platão dizia que as pessoas vivem em dois mundos diferentes: o mundo das ideias
e o mundo dos objetos físicos. Ele chamava os objectos materiais de receptáculos. Ele
dizia ainda que tudo o que existe no mundo físico, primeiro existiu no mundo das ideias.
Parei e pensei, “Napoleão deve ter vindo ao mundo físico, e talvez por isso não o encon-
tro no mundo da ficção literária. Bum! Encontrei uma resposta para os meus leitores”.
Dizia eu, enquanto filosofava sozinho na Baía de Luanda. Perto de mim senti alguém se
aproximar, virei para o lado direito e vi uma jovem muito linda, morena, crespa, com
um sorriso radiante, usando umas calças jeans azuis escuras, uma t-shirt branca persona-
lizada, e um ténis branco da marca Nike. Logo que a vi, meu coração deu um salto e
logo respirei fundo, a sensação daquele momento foi como se já tivesse convivido com
ela há muito tempo. Mas onde? Essa era a pergunta que não se calava em minha mente.
Ela chegou mais perto e dirigiu-me à primeira palavra.
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que a ideia surgiu no momento. Logo ela fez a pergunta que eu estava fugindo respon-
der. Olhou fixamente em meus olhos e questionou.
— Escritor Bestmora Manuel, só tu podes saber onde está o Napoleão Job, diz-me
onde o posso encontrar! — Abaixei a cabeça, e com voz melancólica, respondi que não
fazia ideia sobre onde ele podesse estar.
Com rosto céptico ela olhou para mim, seus olhos molhados pelas gotas de soros
salgados, disse com voz trêmula:
— A saudade vai me matar. Eu não cheguei de me despedir dele. Preciso encontrá-
lo.
— Querida, eu não a posso ajudar, nem mesmo como vosso criador sei o que acon-
teceu com ele. — Ela olhou para mim e comentou:
— Achei que encontraria a resposta em ti. Como não tens o que procuro, devo reti-
rar—me e já não mais o encomodarei.
Levanteime do banco e respondi:
— Nós ainda temos muito que conversar. Não te podes ir assim. Que tal almoçar-
mos e aproveitamos conversar mais um pouco? Imagino que ainda tenhas muitas per-
guntas.
— Está bem, eu aceito o convite. Até porque tenho muitas perguntas mesmo. Ain-
da me resta um tempo aqui no vosso mundo. — Respondeu ela, meio animada.
Saímos e fomos à ilha de Luanda, mostrei-lhe as maravilhas na nossa ilha, contei-
lhe sobre a Kianda, a deusa do mar de Luanda, falei sobre a chegada dos europeus utili-
zando o mar para captura de escravos. Sobre a guerra entre os portugueses e holandeses
para dominar o nosso país. Caminhávamos sobre a areia branca da ilha, como um lindo
casal. Sentia-me como uma criança, nenhuma mulher havia feito eu me sentir daquele
jeito até então.
Já se faziam catorze horas e dez minutos, o céu romântico decorava a nossa cami-
nhada. Perto de Raquel Santos eu perdia a noção do tempo. Não queria perder nenhum
detalhe. Ela fazia-me sorrir, e divertia-me.
Fomos até ao Tamariz e almoçamos um bom mufete acompanhado de uma bebida
natural espremida de fruta. Foi super-romântico estar ali com ela. Meu coração batia
fortemente. Sem perceber já estava apaixonado por Raquel Santos, uma personagem
que eu mesmo criei, ela era perfeita a minha medida. Ela parou e olhou-me no fundo
dos olhos e perguntou:
— Existe alguém similar a mim aqui no vosso mundo?
Admirado com a questão feita por ela, pensei durante uns segundos e respondi:
— Não. Não conheço ninguém similar a ti. Na estrutura física, emocional, tam-
pouco sentimental.
— E de onde veio a ideia de criar-me assim? — Questionou Raquel Santos, Admi-
rada.
— Eu não sei. — Respondi com sinceridade. — Foi tudo fruto da minha imagina-
ção. Vezes há que eu mesmo me surpreendo como a minha imaginação tenha chegado
tão alta assim. Criar uma beleza como à tua.
— Obrigada! — Agradeceu ela. — E quanto ao que eu e o Napoleão passamos no
livro, tem a ver com o que você já passou algum dia? Ou aconteceu com outra pessoa?
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— Tem um pouco a ver comigo! Já perdi a chance de ficar com uma amiga que eu
amava, por medo de me declarar e acabar por perder a sua amizade caso não fosse cor-
respondido. Quanto ao resto dos pontos abordados, a minha mente se encarregou de
inventar.
— Que mente brilhante a sua!
— Muito obrigado! — Agradeci.
O relógio marcava dezasseis horas e trinta minutos. Ainda nos encontrávamos den-
tro do Restaurante. Ela pediu-me para ver o pôr-do-sol. Levantamos e fomo-nos sentar
mais perto das ondas. O mar cantava para nós, melhorando o ambiente cheio de ar fres-
co. O sol morria lindo por trás do mar azul. Ela encostou a sua cabeça sobre meus om-
bros e continuou a olhar para o mar, e disse-me com uma voz doce e melancólica ao
mesmo tempo:
— Resta-me pouco tempo aqui no vosso mundo.
— Como assim? — Questionei perplexo.
— Só tenho vinte e uma horas para ficar aqui. E cheguei ontem quando eram vinte
e uma horas.
Olhei para o relógio, e marcava dezoito horas e vinte e três minutos. Então eu co-
mentei:
— Faltam poucas horas para você voltar!
— Sim, infelizmente. Mas uma coisa eu sei: Napoleão talvez não veio para cá,
mas, embora eu tenha de partir, estou feliz por conhecer você.
Meu coração cortou-se ao meio, na angústia de perder alguém que me deu motivos
para voltar a viver, logo no momento que a conheci. A compainha da Raquel aliviava o
meu estado depressivo. Sim, nós escritores também passamos por estes momentos; Foi
isso que circulava em meus pensamentos. Por que a vida tinha que ser assim comigo!
— Tenho uma ideia. — Falei com ânimo.
— O que é?
— Vamos! Levanta-te! Vou levar-te a um lugar divertido antes que o dia termine.
— Aonde vamos? — Perguntou curiosa.
— Confie em mim.
Voltamos a Baía de Luanda, lá havia alguns jovens que aos sábados declamavam
poesia.
Chegamos, sentamo-nos em um luando com almofadas e apreciámos os jovens a
declamarem as mais lindas poesias. O tempo foi passando e rimos bastante. A noite foi
super-divertida.
***
— Está chegando a minha hora de partir. — Seus olhos carregavam uma tristeza
sufocante.
— Já chegou a sua hora? — Perguntei, igualmente triste.
— Já sim. — Respondeu ela.
— Vamos caminhar um pouco. — Sugeri.
Levantamos, pequei em suas mãos e caminhámos mais um pouco ao longo da baía.
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A noite estava calma e a lua cheia brilhava para nós. Ela olhou para mim e disse:
— Obrigado por criar-me e por proporcionar-me o dia maravilhoso de hoje. Sou
muito grata por tudo.
— Eu sou ainda mais grato por me teres procurado.
Quando olhei para o pulso, o relógio marcava vinte horas e cinqueta e oito minu-
tos. Lágrimas caíram dos meus olhos. E vi-a desparecer lentamente, evaporou como um
gás, ela foi se misturando com o oxigênio.
Em poucas horas misteriosas amei a Raquel Santos, como nunca havia amado al-
guém. E por menor que tenha sido o tempo que juntos passamos, até hoje eu vivo com
saudades da Raquel.
"A saudade é uma mistura de amor e dor. Só sente saudade quem ama”.
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E u sentia-me a pessoa mais feliz do mundo. Tinha uma linda família, os meus
pais eram os melhores do mundo, e apesar do pouco que tinham, nunca faltou nada para
mim e para o meu irmão. Eles sempre se esforçaram para pôr comida na mesa e darem-
nos o essencial para que nos mantivéssemos de cabeça erguida.
O meu irmão era um ser muito alegre. Estava sempre disposto a me ajudar em
tudo, e eu amava muito ele. Meus pais sempre disseram que ele era a benção de casa, a
nossa alegria, razão pela qual o chamaram de Isaac, tal como o filho de Sara e Abraão.
Ele era o meu companheiro e sempre compartilhamos tudo. Já passamos por
muitas dificuldades juntos, e inclusive já usamos cada um o seu único calçado para ir à
escola durante seis meses, até que os nossos pais compraram outro para cada um de nós.
Nunca nos queixamos, e sempre nos amamos com a mesma intensidade. O destino nos
brindou quando, finalmente, o nosso pai conseguiu um outro emprego, o seu salário
aumentou, e a nossa mãe abriu uma loja de roupas e diversos. Não nos tornamos ricos,
nem nada parecido, mas pelo menos já conseguíamos bancar as nossas contas com me-
nos dificuldades, e eu e o Isaac já não tínhamos por que sermos gozados pelos colegas
riquinhos da escola.
***
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Um caos (des)ordenado
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— Mano quer banhar? — Perguntou Laércio, ainda imóvel, mas com uma ex-
pressão mais alegre;
— Sim, o mano quer banhar. — Respondeu-o, levantando-se e abrindo a porta
para que ele saísse. Ele então saiu.
Raine dirigiu-se ao quarto de banho e deixou-se embebedar pela água gelada que
beijava o seu corpo: “Nada me sabe melhor que isso. Eu poderia morrer neste momen-
to!”, disse para si mesmo, ao abandonar o quarto de banho;
“Estas são, realmente, sensações únicas: liberdade e pureza! Se morrer agora,
morrerei feliz!”. Continuou, sorrindo pelo canto da boca, sentindo prazer pelo pensa-
mento. O dia estava a começar e restavam-lhe longas horas para pensar e criar, mas a
preguiça era um obstáculo que precisava de ultrapassar antes. Decidiu relaxar com mú-
sica — ela era factor indispensável para o seu processo criativo. Era como escape para
dar vida às palavras que era capaz de sentir, mas não de exteriorizar com o som da pró-
pria voz.
O sol foi queimando cada vez mais intenso, as nuvens afirmavam cada vez mais
a sua presença no céu límpido, ouvia-se o chilrear dos pássaros e, longe, crianças brin-
cavam, sendo a sua alegria denunciada pelos seus risos estridentes. Uma hora passou-se
sem que tivesse feito nada. Mergulhado na falta de inspiração e deprimindo-se, começa-
ra a sentir o dia vazio e, consequentemente, uma vontade de chorar percorreu, avassala-
dora, seu corpo inteiro, mas ele conteve-se. Desligou a música, pegou o seu telefone e
começou a ler poemas; seus e de outros artistas, talvez para buscar alguma inspiração ou
simplesmente porque era terapêutico para si.
Viajava a cada texto, mergulhado nas tentativas de compreender cada artista por
trás da escrita, e não era apenas viagem: interpretações e compreensão também! Enten-
dia muito sobre, mas preferia acreditar que era leigo, para que outros aprendizados lhe
chegassem sem obstrução. E assim seguia, divertindo-se, embora meio aborrecido, pen-
sando que talvez precissasse de companhia. Convidou uma amiga para ir ter consigo —
Xica era o seu nome — para dividir a tarde e falar de qualquer coisa que quisesse, en-
quanto ele disponibilizava-se a ouvir, ela aceitou, tal como previra, apesar da falta de
expectativa. Apesar de ela ter aceitado, Raine não se sentia especialmente melhor, talvez
lhe fosse indiferente a recusa. Para ele, tanto fazia como terminaria o dia, estava esgota-
do e consciente de que estava se exigindo demais para ter um bom dia. Voltou a ligar a
música e tentou descontrair. Xica demorara-se tanto, que ele começou a achar péssima a
idéia de lhe ter convidado. Decidiu mandar uma mensagem a cancelar o convite, quando
esta entrou disparada para o quarto, pousou a carteira sobre a bancada e saltou sobre o
seu corpo bruscamente. Brindou-lhe com uns cinco beijos seguidos no rosto, depois se
voltou a levantar, descalçou os sapatos e ficou parada de frente a ele.
— Oi! — Disse, com um sorriso malicioso banhando os lábios; ele sorriu de
volta e, sabendo o que significava aquele sorriso, pediu-lhe que se despisse, ao que ela
aceitou sem recusa.
Totalmente despida, agachou-se até ao colchão e seguiu em direcção a si. Raine
apressou-se em subir em cima dela, sentindo o seu corpo a arder de tão quente:
— Estás bem? — Perguntou, aproximando a sua boca a dela, apertando-lhe o
seio esquerdo, fazendo-a se contorcer e soltar um leve gemido. Arrastou a sua boca até
ao seio que friccionava e deixou-se lambuzar, sentindo a erecção do seu mamilo entre os
seus dentes, enquanto friccionava-a o outro seio com a mão livre. Ficaram estimulando-
se por demorados minutos, envolvendo-se por fim.
— Gostas de estar comigo? — Perguntou ela, levantando-se.
— Por quê? — Perguntou ele, observando-a levantar-se, sem que desviassem do
olhar um do outro. — Sim, gosto! — Apressou-se em responder, antes que ela explicas-
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se o porquê da pergunta. Ela desligou a música, alegando sentir-se irritada com o baru-
lho. Ele revirou os olhos, porque achava que a música não estivera alta, mas deixou que
se pusesse confortável.
— Porque eu gosto de estar contigo e quero acreditar que seja recíproco. — Dis-
se ela, voltando a entrar para o colchão. Ele assentiu com a cabeça.
— Posso te ler alguma coisa? — Perguntou para ela, pousando uma das suas
mãos sobre uma das dela. Ela aceitou, com o rosto resplendoroso.
Começou a ler alguns poemas, com à cabeça dela pousada entre as suas coxas.
Ele só precisava que a apreciação que ela tinha pela arte a conduzisse a viagens inéditas,
e ela parecia ter entendido a mensagem, mesmo que trocassem nenhuma palavra sobre.
Interrompeu a leitura, quando seguia para o quinto texto. Ela não perguntou o porquê de
ter parado, apenas permaneceu imóvel e mantiveram-se, ambos, silenciosos. Ele teve
medo de que ela tivesse dormido sem escutar, mas teve certeza de que o escutara, quan-
do sentiu a sua respiração um pouco mais ávida roçando a sua pele, então, ele pensou
que o silêncio significara, talvez, que estivesse ainda a viajar.
— Fala-me sobre qualquer coisa.” — Pediu ele, tentando abafar o aborrecimento
que sentia renascer. Ela levantou-se, encarou-o sorrindo, puxou-o para junto de si, para
que ambos se encostassem à parede.
— Ah, sobre o quê? — Perguntou ela, cravando-lhe o seu olhar. Raine, num mo-
vimento brusco, puxou-a pela nuca, trazendo o seu rosto para junto do seu, e beijou-a
com voracidade.
— Qualquer coisa. Como tens passado? — Disse ele, após soltá-la.
— Bem. Tenho passado bem! — Respondeu Xica, ainda paralisada pelo beijo e
com uma expressão de satisfeita.
Tornaram a calar-se. Depois de uns quinze minutos, em que ambos se questiona-
vam sobre o que, provavelmente, estaria a passar pela cabeça do outro, Xica disse o seu
nome, meio a um breve suspiro.
— Raine Ômed!
— Diz. — Respondeu ele, movendo o rosto em sentido ao seu.
— Não chamei por ti. O que significa o teu nome, sabes? — Perguntou ela, pu-
xando à cabeça dele e pousando-a sobre o seu colo.
— Ah, sei lá! Raine é originário do latim, significa administrador ou governador,
quanto ao "Ômed", desconheço totalmente. — Respondeu ele, meio incomodado com a
pergunta, prevendo o rumo da conversa.
— Quem to deu? Pai? Mãe? — Voltou ela a questionar, com um pouco mais de
curiosidade.
Raine, aborrecido, contraiu os seus maxilares, levantou-se, ajeitou-se contra a parede e,
após um suspirar rouco, disse:
— Podes ir embora? Preciso de estar sozinho!” — Disparou as palavras, sem o
mínimo de amabilidade. Raine reconheceu, em seu íntimo, sua grosseria, mas acreditava
que ela o entendera, descartando a possibilidade de que ela quisesse e precisasse, tam-
bém, de estar só... só com ele.
Ela não dissera nenhuma palavra, apenas o encarou com uma expressão de tris-
teza e surpresa. Ouvia-se a sua respiração ofegante desacelerando, dando lugar a uma
mais paralítica, quase morta. Com os corpos ainda nus e suados, ele apertou a sua nuca,
beijou-lhe a boca húmida, arrastando-a, em seguida, até o meio das suas pernas, para
que o chupasse uma última vez. Ela cedeu, sem relutar, pôs-se confortável e dedicou-se
a chupar o seu membro erecto.
— Que excedente de carnes negritado maravilhoso! — Disse ele, gemendo. Re-
cuperou o fôlego, minutos após ter atingido o orgasmo, e voltou a pedi-la que se fosse,
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no telemóvel por um longo período, sem pensar em uma palavra sequer. Pousou-o sobre
o peito, fechou os olhos e deixou-se tristemente existir, acabando por dormir.
Despertou, mas, dessa vez, um pouco mais sereno. Olhou pela janela e constatou
que havia anoitecido. Pensou que talvez devesse sair para olhar o céu, achava-o belo e a
melhor invenção do universo, agradava-lhe especialmente por saber que ele não tem,
nem de longe, registos de toques humanos: “Estes estragam tudo o que tocam!” Alega-
va. E o céu é realmente belo, concordo. Raine decidiu não sair, simplesmente por pre-
guiça. A música continuava tocando, mas ele desligou, passando a preferir o silêncio.
Trinta segundos em silêncio foram mais que suficientes para fazê-lo ouvir novamente o
relógio "tictactando". Olhou para as peças espalhadas pelo chão, e uma corrente de irri-
tação percorreu o seu corpo. Raine levantou-se, após uma contagem de encorajamento
para vencer a preguiça, andou em direcção ao maldito relógio, recolheu as peças e le-
vou-as até ao balde de lixo: “Maldito!” Cuspiu, com um sorriso sem graça.
A noite estava fresca e convidativa: “Que noite linda!” Disse para si mesmo, em
viva voz, com o rosto para cima; “Embora a noite seja excepcionalmente bonita, só por
ser noite, a aparição da lua acaba conferindo-lhe um ar mais vivo - sem deixar as estre-
las de lado, claro! Complementam-se!” Continuou ele. Ainda olhando o céu, mas com
os olhos preenchidos de lágrimas, permanecendo com o rosto levantado, para evitar que
elas caíssem. Deixando o seu quintal para trás, sentou-se em uma pedra enorme, na rua,
que foi posta lá intencional e especialmente para ele, como ele mesmo decidira-se a
acreditar; “O céu parece um quadro!” Declarou, totalmente imerso nas suas fantasias.
Uma forte brisa se arrastou até ele, fazendo florir as dores que ele se recusou a sofrer
durante toda a vida e trazendo lembranças da sua atroz infância. Em altos pensamentos,
dizia: “Eu não queria ter sido mais bonito, nem fofo como um boneco, eu só queria que
o homem que me deu a vida me tivesse olhado melhor, com mais amor. Talvez eu não
entendesse as suas razões, por ser criança, mas agora, muito menos. Tudo era tão con-
fuso, eram torturantes as discrepantes formas de tratamento que eram dadas a mim e os
seus afazeres, não deixava de lado as suas responsabilidades, cuidava de tudo ao deta-
lhe, menos de mim. Por que não fui convidado a participar da sua vida? Nem como um
objecto eu fui tratado! Talvez tivesse sido melhor... ou não! Teria-o desprezado à mes-
ma, com igual indiferença. Não o odeio, apenas o desprezo. Talvez não!”.
Não sabia definir os seus sentimentos sobre o próprio pai. Tentava definir a sua
posição, mas era agonizante, para ele, lembrar-se de si como uma criança manca, sem
uma mão máscula servindo de bengala, era agonizante lembrar-se da partida de seu pai
antes que os seus olhos pudessem decorar o seu rosto, antes que o seu cheiro se eterni-
zasse em suas narinas e seu tacto absorvesse seu suor. Não tinha tempo para o odiar,
porque a vaga imagem do rosto do pai, atravessando os seus pensamentos, dava-lhe
ânsia de vómito.
Raine era um homem que vivia perdido na própria realidade, que se via forçado
a fugir de verdades também perdidas e, embora não quisesse culpar o pai por ter sido
um erro de fabrico, acreditava que ele carregava consigo uma quota de responsabilidade
sobre o vazio que preenchia a sua alma. Raine não sabia quase nada sobre o que queria,
mas tinha certeza de que não queria que a vida lhe desse uma oportunidade de se con-
fessar para o pai, confessar a falta que este fazia, desabafar quebras que causou, confes-
sar que se escondia em fantasias para não ter que pensar e sofrer. Não queria uma opor-
tunidade para mostrar as feridas que nunca se curaram, nem para dizer que as sensações
da infância às vezes vinham, ácidas, e queimavam-no a pele, apenas queria que a vida
tivesse dado uma oportunidade ao pai, não para que se viesse explicar, mas para que se
viesse desculpar. Queria que a vida lhe tivesse dado coragem para confessar a falta que
sentia do filho, que o seu desprezo lhe abriu feridas, feridas que Raine não queria que a
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vida lhe desse tempo para curar, mas não necessariamente desejava que o pai morresse
sofrendo, não o odiava até esse ponto. Talvez o amasse profundamente, mas quisesse
recusar-se por estar sofrido e magoado, talvez se submetesse a ser um quadro quadrado
para não se lembrar que o pai teria sido importante, se não tivesse agido como um pro-
duto danificado. Raine deu uma chance, não ao pai, mas à vida; uma chance desta pla-
near um encontro entre os dois, tempo para que ela realizasse a matança da saudade que
Raine sentia dos abraços que nunca teve, das partidas de futebol que nunca participou,
dos puxões de orelha por ser travesso que nunca sofreu e dos elogios, por ser esperto,
que nunca recebeu. Enquanto contemplava a noite, a areia da ampulheta havia, toda,
tocado a superfície e sentiu seus limites sendo atingidos.
Lágrimas molharam o seu rosto, e ele tentou consciencializar-se de que homens
não choram, para não esgotar as suas forças, mas ele chorou, chorou copiosamente, e
porque não? Ele merecia! Entre soluços e gemidos, deixou-se envolver. De repente, o
mundo parecia ter ficado grande demais para um ser tão minúsculo como ele, e a noite,
e a lua, e as estrelas, pareciam ter sido trancadas em um pote e ele passou a ser apenas
um corpo bêbado de comprimidos, estirado na cama, preenchido de vazio e esvaziado
de serotonina, despertando apenas na manhã seguinte em uma cama de hospital. Ao
acordar, deparou-se com a presença da mãe perto da sua cama. Raine desesperou-se,
porque era a presença do pai que desejava naquele momento.
— Onde ele está? — Perguntou ele, com a voz carregada de amargura e com lá-
grimas beijando à porta de seus olhos. A mãe não respondeu; limitara-se somente a cho-
rar pelo estado do filho. Sentia pena dele, pois estava consciente de que o pai não apare-
ceria. Uma mescla de sentimentos confusos domou todas as suas emoções. Raine não
sabia dizer se sentia raiva ou tristeza, mas desejava fortemente a presença do pai; acre-
ditava que ía morrrer, por isso queria conceder-lhe os seus últimos suspiros. Quis que o
rosto que não decorou no seu nascimento fosse sua última memória de vida. O tempo
passava e ele foi ficando cada vez mais angustiado, perguntando-se se o pai recebera a
notícia da tragédia. Quando cogitou sobre a possibilidade de morrer sem ver o pai pela
última vez, seu corpo tremeu todo, seu pulsar foi ficando cada vez mais lento e o corpo,
cada vez mais frio. Pai de Raine entrou no mesmo instante, assustado, e correu em di-
recção ao filho... mas já era tarde. Ele tinha se demorado, a vida tinha se demorado e
Raine já havia partido, triste como foi em vida.
Resiliência Humana
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Referências
Delta (Pág.21)
1. Nzambi ya me: Meu Deus
2. Ndoki: Feiticeira(o)
3. Kindumba: Prostituta
4. Kimpumbulu: Bandida(o)
5. Avodidi e nguba muna nsi maza e titi vaika kaka yi singa vaika (provérbio ki-
kongo): Quem come gingubas por baixo da água, tarde ou cedo, vê suas cascas à
superfície.
Biografias
Texto: Sasha
Mauro Campos é o pseudónimo literário de Marcos Ferreira Job Campos, licencian-
do em engenharia de electrotecnia; nascido aos 10 de agosto na província de Malanje
(Município cede), Angola. Concluiu o IIº ciclo do ensino secundário em ciências físicas
e biológicas, pela escola Eiffel de Malanje, onde actualmente exerce a função de profes-
sor. Mauro Campos é também palestrante além de escritor.
O gosto pela literatura, segundo o mesmo, surgiu desde pequeno, escrevendo po-
emas e versos soltos, e viajando em narrativas de clássicos da literatura angolana como
Artur Pestana "Pepetela", Manuel Rui, entre outros nacionais e internacionais.
De 2013 para cá vem partilhando seus textos de um modo mais aberto através da sua
conta do Facebook, no perfil pessoal, e posteriormente através da sua página "Mauro
Campos escritor", que actualmente é o principal espaço no qual o mesmo divulga o seu
trabalho como escritor.
Hoje Mauro Campos é um escritor bastante versátil, pois, além de poesia, es-
creve também textos motivacionais, crónicas, contos, novelas, e mais recentemente em-
Antologia Saudades e Partidas
barcando para os romances. Neste momento encontra-se com 3 livros de autoria indivi-
dual por lançar, entre eles "Nossas pegadas na lua", no formato físico e os outros dois
no formato digital, todos com datas por anunciar.
Texto: Delta
Respondendo pelo pseudónimo literário Mr. Ferra, Ernesto Ferra N. Kessongo, é um
jovem escritor angolano de 22 anos de idade, residente em Luanda/Cazenga (Angola).
Mr. Ferra Começou a escrever em 2017, partindo de frases de reflexão e hoje em dia
escreve de tudo um pouco. É um escritor vesártil quanto a extensão dos géneros literá-
rios; e actualmente encontra-se com um livro de poemas publicado “Sentimentos”.
xada a partir de links do Mediafire, e neste momento encontra-se com mais 3 prontas
para publicação, “Entre Nós e Nós”, “Orgulho Negro” e a Dor do Bandido. É estudante
de Ciencias Geologicas, Palestrante e filantropo.
Texto: Cotidiano
Aires Stélvio Mourinho, mais conhecido no meio artístico como Gregory Mou-
rinho. Nascido a 1 de Outubro de 1997, em Luanda. Começara a escrever em 2015 ten-
do actuado como colunista na página Sensations durante um ano e meio. Hoje, tem seus
textos no seu perfil na rede social Facebook.
Sobre o projecto
Criado aos 18 de maio de 2020, o projecto Realiza Sonhos é uma iniciativa dos
autores Mauro Campos e Anita Sanda, cujo objectivo é ajudar na divulgação de escrito-
res nacionais, principalmente os iniciantes, de modo a criar oportunidades através das
quais se possam reconhecer escritores talentosos que tudo o que precisam é de um espa-
ço para brilhar. Crescer colectivamente é um dos principais objectivos deste projecto.
Através da massificação de lançamentos de obras no formato digital, tanto indi-
viduais como colectivas, fazendo um destaque às antologias, o projecto Realiza Sonhos
tenciona atingir todas as esferas da nossa sociedade, de tal forma que a literatura se tor-
ne um cárcere inevitável, e que o hábito de leitura seja intensificado diariamente, a fim
de termos uma sociedade mais coesa, e dinânica, acima de tudo.
Sendo assim, presenteamos-vos com esta que é a nossa primeira obra, entitulada
“Saudades e Partidas”, a qual foi cautelosamente trabalhada por todos nós, com muito
amor e dedicação, e esperamos que tenha sido recebida por cada um de vós com a mes-
ma intensidade.