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Ora, por escandalosa que possa parecer tal afirmação é no ócio, no lazer, no descanso
ou na vadiação que o homem atinge, ou pode atingir, a plenitude de sua condição. O
trabalho, em outras palavras, não tem caráter de fim. É um meio. A vida humana está
condicionada para o trabalho. Metafisicamente, é mais importante chegar à casa do
que chegar ao local do emprego; é mais elevado, mais plenamente humano, levar o
filho ao jardim zoológico, ouvir um quarteto de Bocherini, conversar com os amigos, do
que ser general do exército, engenheiro ou presidente da república. Todos os títulos
extrínsecos são inferiores ao título fundamental que todos possuem em casa, quando
encontram o cerne de sua personalidade e recuperam o nome de batismo.
O homem não vive para trabalhar, trabalha para viver e foi isto, em termos
simplíssimos e elevadíssimos, que Jesus ensinou a Marta quando lhe disse que “uma
só coisa é necessária”.
Liberdade
Sobre o homem
Em nossa reta doutrina nós sabemos que o homem, de dois modos e em dois níveis,
transcende ao mundo físico e à história. Por sua natureza racional, o homem possui
uma dimensão que ultrapassa todo o universo; por sua elevação à ordem da graça e
por sua ordenação à glória da visão de Deus três vezes santo, o homem ultrapassa o
próprio nível de sua natural humanidade.
Liberalismo e Socialismo:
No mundo de hoje temos os dois volumosos resultados de tal crise [crise originada no
nominalismo, que estrangula o pensamento, e no empirismo que mutila toda
experiência com o transcendente, jogando-nos em uma lata de lixo tampada e sem
luz]: de um lado o liberalismo dissolvente da dignidade humana, por ceticismo,
tolerância e capitulação; de outro lado o totalitarismo socialista que degrada o homem
por achatamento e escravização.
O fato bruto é este: a Igreja, sobretudo no tumultuoso século XIX, não se cansou de
apontar os erros do liberalismo, do modernismo e do socialismo. Ora, o liberalismo
cobriu a metade do planeta, enquanto a outra metade vestiu-se de socialismo; e o
progressismo católico está aí. Logo... a Igreja falhou. E se falhou é porque errou; é
porque não havia compreendido o mundo.
Educação sexual:
Sociedade e Família:
É também postulado nosso que uma sociedade é o que são suas famílias.
Lá dentro entre as quatro paredes bem opacas — contra as idéias arquitetônicas do Sr.
Niemeyer — a família aprende e exercita, entre as alegrias e aflições, as regras dos
atritos humanos.
Personalidade:
Nas lutas morais, ao contrário das físicas, quem vai resistindo e vencendo, vai se
tornando cada vez mais forte, mais armado, mais ágil, mais pronto.
Matrimônio:
A vida conjugal sempre foi difícil; e sempre o será. Mas o que se pode dizer sem erro,
e sem ridículo otimismo, na atual conjuntura em que vivemos, é que o desvario
ultrapassou seus razoáveis limites, e que alguma coisa pode e deve ser tentada no
sentido de uma recuperação. E para isto cumpre isolar, no emaranhado de causas,
aquela que mais influi na aceleração do mal. (parágrafo)Torno a dizer que é a
imaturidade, o despreparo. As outras causas são todas tributárias dessa imensa bacia
hidrográfica da frivolidade. As pessoas se casam por motivos oblíquos; se casam sem
saber o que é o casamento; fundam família sem conhecer o que é a família; mudam
de estado com ponderações menores do que os motivos de escolha de uma carreira, e
às vezes tão leves como as que determinam a escolha de uma gravata. Ignoram a
natureza do novo estado; desconhecem-se mutuamente os que se propõem viver
unidos; e se ignoram a si mesmos, seus próprios recursos, seus novos deveres, suas
responsabilidades novas.
Casa:
A cidade que não tenha casas para todos os seus habitantes ou não tenha meios de
transportes para facilitar a volta; ou cujos habitantes se espalham pelas ruas porque
não amam suas casas, ou não voltam porque não querem voltar; ou não se revoltam
somente porque não sabem, ou não querem saber, que estão diminuídos, frustrados,
ofendidos; ou ainda por cima se alegram por não poderem voltar para casa, e logo que
voltam e engolem um sanduíche reviravoltam para a rua, porque não têm como ficar
em casa, não sabem ficar em casa, não sabem o que é casa, não sabem mais o que
são eles mesmos — essa cidade não é uma cidade de homens livres; é um
ajuntamento de escravos.
Basta-me observar a rua, os bondes, os cafés, para poder concluir que as casas já não
retêm as pessoas. A febre nas ruas prova a agonia das casas. E como a felicidade
conjugal está vinculada à casa, ao equilíbrio, ao poder de retenção da casa, posso
deduzir do aspecto publicado nas ruas as infelicidades escondidas nas casas.
Dizem por exemplo que o amor é cego, e que é impossível, em meses de noivado, conhecer perfeitamente a
pessoa com quem se delibera fundar uma família.
Concedo que é impossível, em meses, conhecer perfeitamente o outro. Vou até mais longe. Se é preciso
conhecer perfeitamente o outro em todos os seus recantos psicológicos, a vida inteira não basta, e deveríamos
adiar todos os casamentos par o dia do juízo final. Ou então, para atender às flamas do mais impaciente amor,
deveríamos estipular que os noivos esperassem a provecta idade dos senadores.
Sobre o Amor
O amor humano, configurado à vida física do homem, tem esse estranho itinerário:
parte do paraíso para o mundo; começa na claridade de uma visão e aceita a inflexão
com que se torna aparentemente menos fulgurante, e menos belo. Troca o brilho pela
obscuridade, a delícia pela dedicação; e deixando guardada a beleza com que se
compõem as óperas e as baladas, reveste-se da obscura, da paciente, da humilde
bondade — da pura bondade que é apropria essência do amor. E é neste ponto que
começa a verdadeira e inenarrável história do verdadeiro amor. E é neste ponto de
inflexão que inicia uma nova e invisível ascenção em que o amor rastejante espera o
dia em que a crisálida se liberte, e as asas vivas da alma tornem a encontrar a grande
luz, o grande fogo, que é a fonte viva de todos os genuínos amores.
Amor poético:
Anti-amor:
Mas há um amor que é efetivamente cego; um amor que não é verídico; um amor que não é compreensivo;
um amor que não é transformante, e que não ressoa, que não simpatiza, que não advinha, que é inimigo da
verdade. É o amor-próprio. Cegueira voluntária, o amor-próprio se compraz nas mentiras que agradam as
paixões. Princípio de divisão interna, o amor-próprio divide o homem de si mesmo.
A maioria dos dramas consiste no equívoco com que se rotula de amor a triste pantomima do amor-próprio.
Esses romances de amor são comédias de erros em que cada um engana o outro, e a si mesmo se engana, com
o jogo gracioso que se convencionou ser próprio da juventude e da esgrimagem dos sexos. O centro de todos
os disparates é o amor-próprio, a divisão do eu, o divórcio interno entre a vontade e a inteligência, em torno
do qual se forma a constelação de tendências que Karen Horney chamou de pride system.