Este documento descreve a Guerra Civil Portuguesa de 1832-1834, também conhecida como Guerras Liberais ou Guerra dos Dois Irmãos, entre os liberais constitucionalistas e os absolutistas sobre a sucessão real. Relata os eventos desta guerra civil na ilha de São Jorge, incluindo o desembarque das forças liberais lideradas pelo Conde de Vila Flor e sua vitória sobre as forças miguelistas.
Este documento descreve a Guerra Civil Portuguesa de 1832-1834, também conhecida como Guerras Liberais ou Guerra dos Dois Irmãos, entre os liberais constitucionalistas e os absolutistas sobre a sucessão real. Relata os eventos desta guerra civil na ilha de São Jorge, incluindo o desembarque das forças liberais lideradas pelo Conde de Vila Flor e sua vitória sobre as forças miguelistas.
Este documento descreve a Guerra Civil Portuguesa de 1832-1834, também conhecida como Guerras Liberais ou Guerra dos Dois Irmãos, entre os liberais constitucionalistas e os absolutistas sobre a sucessão real. Relata os eventos desta guerra civil na ilha de São Jorge, incluindo o desembarque das forças liberais lideradas pelo Conde de Vila Flor e sua vitória sobre as forças miguelistas.
Boa noite Fausto, boa noite, boa tarde ou bom dia caros amigos ouvintes a
RWR, programa Radio Face
A Guerra Civil Portuguesa, também conhecida como Guerras
Liberais, Guerra Miguelista ou Guerra dos Dois Irmãos, foi a guerra civil travada em Portugal entre os liberais constitucionalistas e os absolutistas sobre a sucessão real, que durou de 1832 a 1834. Em causa estava a sucessão ao trono português. As partes envolvidas foram o partido constitucionalista progressista liderado pela rainha D. Maria II de Portugal com o apoio de seu pai, D. Pedro IV, e o partido absolutista de D. Miguel. O Reino Unido, a França, a Espanha e a Igreja Católica participaram indiretamente no conflito. As repercussões deste conflito, como não poderia deixar de ser também chegaram a S. Jorge. Assim ao longo do inicio do ano a câmara da Calheta manifestava a sua preocupação com o desfecho deste conflito entre realistas e constitucionais. Em 31 de Maio de 1821 tinha sido com grande entusiasmo que que a edilidade tinha jurado o projecto da nova constituição, juramento este renovado a 2 de Fevereiro de 1833. Acontece que a 23 de Agosto do ano seguinte ficou tudo sem efeito, sendo demitidos os vereadores que haviam apoiado o novo projecto. Foi uma desilusão que provocou descontentamento, porém não houve revolta. Mas recuemos no tempo. A 8 de Setembro de 1826 estando presente o juiz de fora Carneiro de Vasconcelos, foi jurada solenemente a Carta Constitucional, mas a 30 de Outubro de 1828 é lida em Câmara a proclamação de D. Miguel enviada pelo governador da ilha, Maurício Rodrigues, que impunha um Te Deum em acção de graças por estar D. Miguel à frente da nação como monarca absoluto. Não foi pois uma atitude correcta uma vez que os homens mais importantes desta jurisdição eram lavradores, na sua grande maioria não letrados, mas tinham vergonha, tinham dignidade e estes acontecimentos causavam-lhes perturbação e determinada apreensão. A acta de sessão da câmara da Calheta de 30 de Outubro é muito breve, fazendo uma leve referência aos acontecimentos sem manifestar adesão nem entusiasmos. Entretanto tendo ocorrido a derrota na batalha da Praia e embora a esquadra não tivesse sido destruída era impensável aos jorgenses, numa pequena ilha, sem exército nem recursos, fazer frente a D. Miguel que era apoiado em quase todo o país e possuía um exercito de cerca de 80 000 homens. O triunfo da causa liberal era assim uma utopia, uma autêntica loucura pelo menos era o que a maioria das pessoas pensava ao verem como os liberais eram perseguidos, sendo muitos deles condenados à morte e confiscados os seus bens ficando a pesar sobre as famílias dos condenados a infâmia, a desgraça, a miséria. Nesse ano de 1829 deliberou o comando superior das forças miguelistas guarnecer com tropa as ilhas fiéis ao governo de D. Miguel e assim vieram para S. Jorge 200 praças de infantaria Nº 1 e 7 sob o comando do major João José de Almeida, que destacou para a vila da Calheta o capitão José Alvares de Sá Mendonça com 39 homens. Aquartelaram-se numa casa próxima do forte de Santo Espírito. A permanência deste destacamento lançou embaraços à vereação calhetense que tinha de providenciar a sua subsistência. Assim em trinta e um de Agosto, estando a tropa já na vila da Calheta, a respectiva câmara deliberou que se aproveitasse o trigo do dízimo para a sua alimentação e como este não era suficiente deveriam ser notificados os moradores para fornecerem quanto tivessem e, por último participassem ao governador para que ajudasse na manutenção das tropas pelo facto daquela jurisdição se achar falta de mantimentos. A 17 de Novembro, ordenou o governador Maurício Rodrigues, à Câmara que esta fornecesse à tropa 44 enxergões e travesseiros, que posteriormente seriam entregues aos seus donos. Encontrava-se esta ilha governada por um fanático, o tenente coronel José Maurício Rodrigues que era apoiado por um corregedor do mesmo alinhamento politico e por uma força militar de 200 homens sob o comando do major Almeida. Por estes factos tornava-se necessário aguardar os acontecimentos com a maior prudência e reserva. Nesse ano de 1829 começou em S. Jorge a perseguição aos liberais, pelo corregedor Francisco José Pacheco e pelo governado da ilha atrás mencionado, sendo pronunciados nas velas João Soares de Albergaria, Francisco Pereira de Lacerda Cabral, Francisco Bento e outros. Na Calheta foram indiciados António Teixeira Machado de Oliveira e José Maria Cândido de Oliveira. Dos velenses foram uns absolvidos pela Junta Criminal de Ponta Delgada, em 17 de maio de 1830 e, condenados Francisco Bento a tês meses de cadeia, Francisco Pereira a um ano de reclusão no forte de Elvas, João Soares a cinco anos de degredo em Angola sendo-lhe comutada a pena em cinco anos de prisão nas praças de Elvas e de Almeida. Quanto aos Oliveiras da Calheta, Raimundo José não chegou a ser preso por ter falecido a 27 de Junho de 1829. José Maria foi preso e enviado para S. Miguel, sendo julgado e absolvido no dia 5 de maio de 1830. António Teixeira Machado de Oliveira evadiu-se para o Pico. E como José Maria fora considerado sem culpa, apresentou-se voluntariamente a julgamento perante a referida Junta Criminal, sendo mandado livre para sua casa, por sentença de 20 de Setembro do referido ano, tomando logo posse dos seus bens, que lhe haviam sido confiscados. Por essa época os miguelistas da Calheta cantavam com a música do rei chegou a seguinte quadra: Os malhados da Calheta Andam todos de alcateia Um morreu, outro fugiu Outro está preso na cadeia. Será também dessa época uma outra quadra que aprendi com minha avó que por sua vez a tinha aprendido com a avó dela, do seguinte teor: Fora malhado Chucha judeu Acabou a guerra D. Miguel venceu. Cantavam vitória antes de tempo. Neste contexto o conde de Vila Flor, capitão general e governador da ilha Terceira, resolveu submeter à obediência dos constitucionais as restantes ilhas do arquipélago. Saiu de Angra com a sua divisão com destino ao Faial ou a S. Jorge conforme o vento o permitisse, encontrando-se pela manhã de 9 de maio desse ano de 1831 em frente à vila das Velas. Não querendo expor-se ao fogo da Fortaleza de Santa Cruz que defendia a baía daquela vila, optou pelo desembarque por volta do meio dia, junto ao porto da Ribeira do Nabo na baía das Freiras, após ter mandado o capitão Hills e o major Pacheco fazer um reconhecimento da costa Após estes fazerem um sinal saltaram as tropas que couberam para as lanchas que tinham trazido de Angra a reboque. Por volta do meio dia desembarcou em primeiro lugar o primeiro ajudante Bernardo de Sá Nogueira com trinta homens do regimento de infantaria Nº 18 secundado pelo major José Joaquim Pacheco com 20 homens que foi desembarcar um pouco mais a S.E. de onde estava localizado o fortim de Nossa Senhora do Desterro tendo que subir por escadas com que providentemente se haviam munido uma vez que naquele local a rocha era bastante alta. Foi por esse local também que desembarcou o conde de Vila Flôr. O forte da Ribeira do Nabo estava guarnecido com 150 homens de ordenanças e alguns soldados de linha cuja tendo para sua defesa uma peça que havia sido encravada pelo capitão da ordenança, António Miguel de Bettencourt, comandante do fortim, que foi ao encontro dos invasores, tratando-os amistosamente, não se sabendo no entanto se este desembarque foi uma opção do general um consequência de uma indicação dada por António Miguel com a indicação de que não haveria resistência caso o desembarque se desse nesse local. Qualquer uma das alternativas constituía uma traição à confiança do seu comando. Dirigindo-se às Velas não quis no entanto arriscar-se a ficar entre dois fogos, assim mandou uma força de 50 homens pertencentes aos caçadores Nº 2 comandados pelo capitão Joaquim José Nogueira que era coadjuvado pelo capitão do estado maior do conde, Baltazar de Almeida Pimentel, em direcção à Calheta. No seu avanço para as Velas ao chegar ao local denominado Lombo do Gato, encontrou os seus inimigos em número de 300 entre homens de linha e milicianos que se encontravam em posição vantajosa e que eram defendidos por um parque de artilharia de campanha. Não obstante a posição vantajosa das forças miguelistas nada lhes valeu contra o entusiasmo e coragem dos constitucionalistas que logo ao inicio lhes conquistaram duas peças de campanha e os puseram em fuga deixando atrás de si muitos mortos, feridos e prisioneiros. Foi tal a rapidez com que avançaram que ás duas horas da tarde a maioria das tropas bem como o conde de Vila Flor já haviam chegado à Vila das Velas e haviam tomado toda a artilharia e munições que existam nesta vila. Como o resto das forças miguelistas e o governador se haviam retirado pelo norte da ilha, mandou-os perseguir por uma coluna comandada pelo capitão de caçadores Nº 12, João António Rebocho tendo sido todos aprisionados na manhã do dia seguinte. Entretanto as forças que havia mandado em direcção à Calheta, ocuparam a freguesia da Urzelina e ao chegar ao lugar de Santa Rita na freguesia das Manadas foi confrontada com as gentes do capitão Mendonça e com duas companhias de milicianos do capitão Manuel Machado de Sousa num total de 70 homens de linha e 150 milicianos. A oposição foi fraca porquanto ao entardecer havia cessado o fogo por ambas as partes e pouco depois as forças do Mendonça e de Manuel Machado se Sousa retiraram-se para a vila da Calheta deixando em poder das tropas de Vila Flôr uma peça de calibre 6 bem como os três fortes artilhados que guarneciam aquela costa. Deste recontro resultou a morte de dois milicianos que foram enterrados na igreja das Manadas. Eram eles José de Azevedo conhecido por Canhoto, natural dos Biscoitos. Segundo Manuel Azevedo da Cunha era este miliciano um homem valente mas inapto no manejamento da arma. Ao aproximar-se um soldado liberal, largou a arma e avançou para ele para uma luta corpo a corpo. Um disparo vindo dos liberais matou os dois lutadores. A outra baixa nas forças miguelistas foi um Manuel Silveira da Ribeira Seca. Na participação oficial dos liberais são atribuídos aos adversários 70 mortos, e informando que dos seus apenas morrera o cadete Severino José de Ramos. Não é muito credível uma vez que no combate do Lombo do Gato, no caminho das Areias que dá acesso á freguesia de Santo Amaro, os miguelistas utilizaram artilharia e entre os atiradores do major João José de Almeida havia 150 soldados de tropa de linha. No entanto sendo verdade o liberal que morreu abraçado pelo miguelista Canhoto seria o cadete Ramos. Na manhã do dia 10 o major Almeida já se encontrava na vila da calheta preparando-se para fugir para a ilha de S. Miguel conjuntamente com o capitão Mendonça e o seu destacamento. Prontos a acompanhá-los estavam o capitão miliciano João Vitorino Pacheco da Ribeira Seca, irmão do sargento-mor António Vitorino Pacheco, e o alferes Miguel António, filho do capitão-mor Miguel António da Silveira e Sousa. O seu intento foi porém gorado graças a João de Matos de Oliveira, comerciante da Calheta, um liberal. Os miguelistas para a sua fuga haviam mandado arriar o pequeno iate Nossa Senhora da Boa Nova que se encontrava varado no porto da referida vila. A tripulação receosa de participar nesta aventura e seguindo os concelhos de João de Matos Oliveira ao proceder ao lançamento ao mar da embarcação propositadamente deixaram-na cair sobre um dos flancos o que lhe causou danos nalgumas tábuas do costado. Os soldados de D. Miguel andavam desarmados e dispersos pela Calheta. O capitão João Vitorino encontrava-se no pátio da câmara, o major Almeida recolhido no quartel, o alferes Miguel António no terreiro do porto e o capitão Mendonça junto á casa da guarda. Aconteceu que o soldado realista Manuel Francisco, completamente embriagado, ia subindo armado a estrada de acesso à Calheta foi morto por um dos primeiros soldados constitucionais que em numero de 50 desciam para a referida vila sob o comando do capitão Joaquim José Nogueira e do tenente António Joaquim Borges de Bettencourt. Também foram baleados e acabados de matar a golpes de baioneta, quando seguiam pacificamente ao Ribeirinho, junto ao lugar de São Pedro, o tenente coronel das milícias Miguel Teixeira Soares de Sousa e o padre António Rodrigues Pereira. O tenente coronel Miguel de Sousa era um dos cavalheiros de maior respeitabilidade da ilha e seguidor do partido liberal sendo a sua morte sentida por todos. O próprio conde de Vila Flor pareceu sentir também esta morte pois para minorar o odioso caso, nomeou para juiz e corregedor na ilha o capitão José Soares de Sousa, irmão do tenente coronel assassinado. Dirigiam-se as tropas de Vila Flor à vila da Calheta e ao Topo para aclamar D. Maria II. Com certeza que já saberiam do projecto de evasão das tropas realistas, porque ao chegarem ao Miradouro, os doze soldados que constituíam o 1º pelotão, deram uma descarga contra o terreiro do porto. Ninguém lhes respondeu. No último grupo vinham os oficiais a cavalo e um dos soldados trazia à arreata uma besta cavalar na qual haviam colocado um porco de engorda que haviam matado a tiro nas Manadas e que se destinava ao rancho. A cerca de meia ladeira no sitio denominado volta grande encontraram-se com um ordenança que vinha de fazer guarda e transportava às costas um enferrujado chuço. Ao encontrar.se com o 1º pelotão, foi alvo do seguinte interrogatório como nos conta Manuel Azevedo da Cunha: -Donde vem você? -Saiba Vossa Mercê que venho da guarda. -Que é isso que traz aí? -Saiba Vossa Senhoria que é um pique. -Para que serve esse pique? -Saiba Vossa Senhoria que a gente traz esta arma quando vem para a guarda. -Quebre já a arma. -Pois sim senhor. E enfiando o ferro do chuço num buraco da parede próxima, tanto se esforçou que partiu aquele instrumento de morte, perigoso, perante a galhofa daqueles simpáticos defensores da Carta Constitucional. Poucos passos dados encontraram uma pobre velha, assustada, atónita ante aquela temerosa força dos liberais e como não saberia como responder a qualquer atrevimento caiu desmaiada. Um soldado saindo da formatura, dirigiu-se a ela, levantou-lhe a saia e aplicou-lhe uma palmada no fundo das costas no meio das gargalhadas de todos os camaradas. Estes soldados pela sua apetência para a galhofa deviam certamente pertencer ao grupo dos académicos. Ao descerem à praça da vila da Calheta os oficiais vinham na vanguarda acompanhados por uma dúzia de soldados e deparou-se-lhes junto à casa da câmara um oficial miliciano de alta estatura com boa aparência no seu uniforme impecável, que passeava de um lado para o outro com as mãos atrás das costas numa total indiferença à chegada da força inimiga. “oh, capitão olá”, gritaram-lhe. Não respondeu, não fez continência, uma forma de cortesia, respeito, submissão ou camaradagem. Por cautela um praça desfechou por duas vezes a arma contra ele e das duas vezes a pederneira não funcionou. Então o Nogueira avançou para ele e desembainhando a espada atirou-lhe uma violente cutilada à cabeça. Instintivamente recuou e a acutilada apenas lhe cortou a pala do boné e ferido ligeiramente o nariz, mas o suficiente para que desmaiasse caindo desamparado pela surpresa do ataque inesperado. “Quem és este homem, perguntaram. – É o dr capitão João Vitorino Pacheco, da Ribeira Seca, que ia para S. Miguel com a tropa realista.- Cadeia com ele. Terá sido o capitão Vicente Machado quem pressurosamente se dirigiu ao carcereiro a buscar as chaves da prisão para por a salvo o irmão do senhor sargento-mor. A cerca de 50 metros da casa da Câmara, ao aproximar-se a força liberal, o major Almeida saiu do quartel agitando a espada no ar e gritando “Viva a Senhora D. Maria II e a Carta Constitucional”. É tarde, redarguiram, ouvindo-se de seguida uma descarga, caindo o oficial varado pelas balas. Já por esta altura o alferes Miguel António subia a encosta que ligava a orla da baía com o caminho do Terreiro da Forca com vista a retirar-se para casa do seu pai na Ribeira Seca. De todos os participantes nesta contenda terá sido o que teve a atitude mais ajuizada pois uma vez que o embarque se tinha tornado impossível e estando a força realista totalmente desorganizada, que poderiam fazer no local para onde se dirigia o inimigo? Sofrer impunemente algum desacato era coisa certa. A sua atitude foi justificada pelos acontecimentos subsequentes. Morto o major Almeida continuou a tropa na sua marcha até ao terreiro do porto onde se encontrava o capitão Mendonça junto à casa da guarda. O capitão Nogueira adiantou-se para ele que se encontrava junto à casa da guarda. Intimou-o a que se rendesse e como este recusasse, dizendo que derramaria até à ultima gota do seu sangue pelo senhor D. Miguel, começaram a esgrimir; o Nogueira com uma espada e o Mendonça com um florete. E como o Mendonça estava a levar de vencido o Nogueira, ouviu-se uma detonação caindo o capitão Mendonça varado por uma bala. Uns vadios do Faial que por ali andavam e testemunharam a morte, depois dos soldados se terem retirado para os quartéis, espoliaram-no de todo o fardamento e até da roupa branca e de um anel que tinha no dedo atirando ao mar o cadáver daquele valente capitão, completamente desnudado e que por algumas horas ficou nos calhaus a rolar no fluxo e refluxo da maré. Acabou por ser enterrado no lado esquerdo da porta principal da matriz da Calheta. Acabada a guerra, uma senhora residente em Lisboa, procurou alguns soldados desta ilha, que tinham ido na expedição, a ver se lhe davam noticias do seu marido que havia sido destacado para a ilha de São Jorge, depois da batalha da Praia em 11 de Agosto de 1829. Informaram-na de que na Calheta havia sido morto um oficial e que o tinham deitado ao mar completamente nu. Perguntou-lhes então se lhe tinham notado algum sinal no corpo. Responderam-lhe que sim, que era muito branco e que de um lado tinha um sinal preto do tamanho de uma moeda de tostão. Então desfeita em pranto afirmou que era o seu marido. Estava assim aniquilada toda a resistência ao governo constitucional no concelho da Calheta. A proclamação realizou-se no dia seguinte, onze de Maio e tal como se segue: “Ano do Nascimento de Nosso senhor Jesus Cristo de mil oitocentos e trinta e um. Aos onze dias do mês de Maio do dito ano, nesta vila da calheta, ilha de S. Jorge, sendo em as casas da câmara dela alia se reuniram os actuais camaristas dela: o vereador mais velho António Alvares Machado de Azevedo, e no impedimento do segundo vereador o capitão-mor Miguel António da Silveira e Sousa, se convocou o da pauta passada o capitão António Faustino de Silveira, e o terceiro vereador João Caetano de Sousa, e o tesoureiro dela Filipe de Sousa Teixeira; todos unânimes de debaixo de juramento de seus cargos prometeram guardar fidelidade à rainha Nossa Senhora, a Senhora Dona Maria Segunda, assim como à Carta Constitucional, na conformidade de determinação vocal do Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Conde de Vila Flor, capitão general destas ilhas. E para inteligência dos povos mandaram se afixassem os editais e proclamações que do mesmo governo vieram para constar. E logo mandaram riscar a cópia da proclamação do Senhor D. Miguel Primeiro, assim como o auto de vereação folhas cinquenta e uma, verso e parte de folhas cinquenta e duas. E finalmente se procedeu a um Te Deum solene na matriz desta vila com a assistência deles camaristas no dia de hoje. Do que para constar lavraram o presente auto, ….” Mais tarde houve nova aclamação em que compareceram todas as pessoas de representação do concelho, lavrando-se o respectivo auto que todos assinaram. Permaneceu a tropa de D. Pedro na Calheta até ao dia 22 de Junho, altura em que a expedição saiu das Velas para o Pico e Faial tendo-se-lhe juntado o destacamento que estava na Calheta ficando nessa vila apenas uma pequena guarda. Feita a aclamação na vila da Calheta dirigiram-se para o Topo para igual fim. Sabendo estar lá fugido à justiça o provincial de S. Francisco de Angra, Frei João da Purificação, natural dos Altares, ilha Terceira, trouxeram-no preso para a Calheta a 15 do referido mês de maio, ficando cativo na casa da Câmara. Já nesse dia á tarde corria o boato de que nessa noite seria morto. Provavelmente teriam transpirado as ordens do comandante da força. De facto próximo da meia noite o guarda preveniu o provincial que estaria livre podendo ir para onde bem entendesse. Desceu o padre lentamente a escada do tribunal e, na rua pública aquela hora só lhe restava o acolhimento da morada do seu colega o vigário padre João de Matos Azevedo, a poucos passos da casa do concelho. Lançava mão à aldraba da porta do vigário, quando foi morto a tiro pelas costas com o argumento que fugira. Esta acto não tendo justificação tem todavia uma explicação. O provincial tinha responsabilidades políticas e quem se envolve na luta dos partidos políticos, quem se mete em guerras, sujeita-se a tão terríveis consequências e a tão absurdas vinganças. Outro caso foi que sabendo-se estar na Ribeira Seca hospedado em determinada casa, Frei Matias da ordem dos menores, foram busca-lo no dia 19, conduzindo-o para a vila da Calheta. Porém ao passarem junto ao armazém da pólvora que se situava a São Pedro, os soldados pararam dizendo ao frade que podia seguir pois estava livre. Frei Matias deu alguns passos dispondo-se a descer a Ladeira, quando lhe foi atirada uma descarga pelas costas. Não satisfeitos tiraram-lhe as roupas deixando-o completamente nu. Foi um acto brutal de grande selvajaria apenas causado apenas pelo facto de alguns religiosos denominarem os liberais de hereges, , mações e excomungados, nos seus sermões e confissões. Os liberais não temiam os frades pela sua eloquência que salvo poucas excepções pouco valiam. Temiam-nos porque confundiam política com religião fazendo desta um instrumento servil da primeira e atribuíam princípios doutrinais à politica como dogmas irrevogáveis, o que perturbava fortemente a população. Por isso mesmo D. Pedro no seu livro dizia primeiro que tudo: Oh Pátria! oh rei! oh povo! Ama a tua religião. E então acrescentava Observa e guarda sempre Divinal Constituição. Não admira pois a animosidade com os seguidores de D. Pedro tinham para com o clero que até a si próprios prejudicaram com o seu fanatismo político, suas intransigências e excessos. O sangue da guerra é o dinheiro e os liberais achavam-se bem desprovidos dele. Assim os comandantes do destacamento que se encontrava na vila da Calheta tentaram criar receita a favor dos cofres do regimento. Aboletaram-se alguns grupos de soldados nas casas principais da Ribeira Seca. Alguns instalaram-se na casa do sargento-mor António Vitorino Pacheco que se havia retirado para o norte da ilha e cujo irmão o capitão João Vitorino Pacheco, se achava preso na vila da Calheta desde 10 de Maio. Acariciavam os sobrinhos, meninos ainda, e que foram mais tarde os doutores José António e João Pereira da Cunha, insistindo com eles para que fizessem vir para casa o dito seu tio. Queriam o donativo para as urgências da campanha. O sargento-mor não sobe porém entender a situação pois sendo rico não lhes fariam falta umas centenas de milhares de reis que dando para aquele fim, teria ficado bem visto e teria evitado que o seu irmão fosse preso para Angra, pois as suas responsabilidade não eram de monta. Era lógico que isso acontecesse pois quem maiores atrocidades havia cometido tinha sido o governador da ilha José Maurício Rodrigues a quem no entanto foi poupada a vida sendo apenas destituído do cargo que ocupava. Alguns abusos foram cometidos como é o caso ocorrido na casa de João Caetano de Sousa, avó do maestro Francisco de Lacerda, de onde se apoderaram de alguns cordões de ouro e de livros de estimação que haviam pertencido ao Padre Tomé Gregório Teixeira, filho do capitão Bartolomeu Silveira Machado, e que fora vigário e ouvidor no Topo. Na rua nova dirigiram-se a casa do capitão Manuel Machado de Sousa, pessoa muito abastada, obrigando o pobre velho, que se achava de cama, a confessar onde tinha escondido as suas economias. Tendo aparecido a prata mas não o ouro, utilizaram da violência encostando-lhe ao peito uma baioneta, até que o ouro aparecesse. Há que dizer porém que o tenente Borges que comandava esta força, não teve conhecimento do ocorrido uma vez que estes soldados rapinavam por conta própria. O capitão Miguel António da Silveira não teve responsabilidades directas, mas o seu filho, o alferes estivera no cais da Calheta para se juntar aos realistas que se pretendiam evadir para a ilha de S. Miguel na tentativa gorada como já narrei. O capitão-mor foi procurado pelos comandantes e suas forças, tendo-lhes franqueado a porta, fazendo abater uma vaca para banquetear abundantemente os liberais e, acedendo à sugestão ou pedido directo subscreveu com 500$000 reis as despesas da expedição, não sendo mais incomodado. Quanto ao capitão João Vitorino seguiu preso para Angra, tendo sofrido os maiores vexames. Preso numa enxovia com mais onze companheiros de infortúnio, vinham cada um por sua vez respirar por debaixo da porta para não morrerem asfixiados tão pequenas eram as dimensões da cela onde se encontravam presos. A marmita onde lhes ara fornecido o rancho era revolvida à baioneta pela sentinela e pelas mãos imundas da mulher do carcereiro, receosos que lá dentro fosse alguma comunicação escrita. Valeu-lhe no cativeiro a senhora Dona Francisca Úrsula de Carvalhal, viúva de João do Carvalhal de Noronha da Silveira de Santa Luzia de Angra. Finalmente em Junho de 1832, insinuaram de Angra , que para que o capitão fosse libertado, conviria que concorressem com algum donativo para o esforço da guerra. O sargento-mor logo enviou 360 patacas, sendo portador um jovem de da Ribeira Seca de 14 anos de idade, João Silveira de Carvalho, muito hábil, inteligente e astuto, que mais tarde viria a ser vigário da matriz da Calheta e ouvidor eclesiástico. Feito o donativo e dado como pena suficiente para as suas culpas um amargurado ano de cativeiro, foram-lhes abertas as portas da prisão, que logo fretou um batel dos Biscoitos da Terceira, para o vir trazer ao Topo. Os grandes padecimentos que suportou modificaram-lhe o caracter. Aparecendo às vezes no tribunal do julgado da Calheta, fazia grandes esforços para conciliar as partes, aconselhando à paz. …” se vocês vissem o que eu vi; se pensassem o que eu pensei; se sofressem o que eu sofri, nunca faziam guerra uns aos outros; Acomodem- se, amanhem-se conforme poderem.” Foi também necessário que as jurisdições da Calheta e Topo colaborassem na alimentação da divisão do Conde de Vila Flor, aquartelada nas Velas. Assim a câmara daquela vila reclamou à da calheta a 21 de Maio: “… para efeito de se prover o açougue da dita vila com uma derrama de 20 arrobas de carne para a tropa da expedição cada dia, que principiara no dia 23 de Maio, acabando-se quando ela sair para o Faial. No mês de Julho seguinte alguns dos moradores mais abastados do Topo ofereceram gado ao governo de Angra a saber: 6 bois, e 14 novilhos e novilhas.