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DO LIBERALISMO AO ESTADO CONTEMPORÂNEO:


MUDANÇAS QUE TRANSFORMAM A FATALIDADE EM
OPORTUNIDADES
Joselito Viana de Souza*
Ilma Fernandes Tosca Viana**

RESUMO — O artigo analisa a falta de uma definição política clara


para o Estado. Para tanto, é importante que se resgatem algumas teorias
marxistas do Estado, como também o histórico do liberalismo e neoliberalismo.
Dentro deste contexto, encontra-se o capitalismo presente e futuro em
crise e os problemas pós-neoliberal. Ao final, são apontados elementos
visando contribuir para um re-estudo da questão neoliberal.

PALAVRAS-CHAVE: Estado contemporâneo. Neoliberalismo. Marxis-


mo. Capitalismo.

INTRODUÇÃO

As transformações ocorridas nos últimos dois séculos com


referência ao papel do Estado são discutíveis por parte dos
cientistas sociais, pois um grupo defende a interveniência do
Estado e outro, o livre mercado. Para que se possa direcionar
a tendência futura do Capitalismo, é necessário se analisar os
processos históricos dos principais pensadores como Marx,

*Prof. Adjunto (DCIS/UEFS). Mestre em Ciências Agrárias


pela UFBA. Doutor em Administração Pública pela Universidad
Complutense de Madrid/Espanha. E-mail: jvsv@terra.com.br
** Coordenadora do Curso de Administração da Faculdade
da Bahia (FAB). Pós-Graduada em Marketing pela Universidade
Candido Mendes, Rio Janeiro/Brasil.
Universidade Estadual de Feira de Santana – Dep. de
Ciências Sociais Aplicadas (DCIS). Tel./Fax (75) 3224-8134 - Av.
Transnordestina, S/N, Módulo III - Novo Horizonte - Feira de Santana/
BA – CEP 44036-900. E-mail: dcis_uefs@yahoo.com.br

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Engels, Weber, Hegel, Gramsci, Poulantzas, Offe, Friedman,


Hayek, Anderson Perry, Goran, Bóron, cuja literatura é vasta
sobre a questão.
O grande obstáculo que se encontra hoje é a falta de uma
definição política clara quanto aos rumos sociais e políticos nos
últimos 150 anos, que vai de Marx até os Neo Liberais ortodo-
xos, latentes ou não. Mas um fato é claro, o discurso lúdico se
transformou em autoritário e hoje mais uma vez, procura en-
volver a sociedade em mais uma falácia. Este fato é verdadeiro
quando se analisam os principais economistas dos últimos 30
anos, pois se vê que seus estudos são frágeis em praticidade
geral, mas bastante eficientes no que tange à manutenção dos
que concentram o poder econômico.
O Estado mais uma vez será manipulado pelos detentores
do poder econômico, haja vista os fatos referentes à redução
do Bem Estar das sociedades, compostas tanto pelos países
do primeiro mundo, quanto pelos dos segundos e terceiros.
Na verdade, o que se observa é que os estudos para
viabilizar as sociedades passam diretamente por três pontos
paradoxais, a saber: o processo Sociológico, o Econômico e o
Político. Todos buscam direcionar seus esforços para uma
solução única, ocorrendo na prática sempre o inverso.
Por quê? Será que a ciência Política é superior à Econô-
mica ou a Social? Claro que a resposta é não. Entretanto, na
prática, o fato se desenvolve dentro deste contexto. Keynes,
quando escreveu suas teorias econômicas, jamais as desen-
volveu para atender à esquerda, mas para adequar a direita
a uma nova leitura da economia clássica (Ricardo) que vigo-
rava na época, valendo ressalvar que o mesmo fato a posteriori
veio acontecer consigo, não invalidando, porém, o exemplo. O
fato é que enquanto as três ciências continuarem a construir
uma sociedade hot money, dificilmente se terá solução em
longo prazo.
Este trabalho foi desenvolvido buscando pesquisar as três
principais linhas que busquem a solução para a questão do
Estado contemporâneo frente às mudanças recentes do capi-
talismo.

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1 TEORIA MARXISTA DO ESTADO

Ao tratar das questões do Estado, é inevitável que inici-


almente se estude a literatura de Marx, pois ele tem o mesmo
ponto de vista defendido neste trabalho, que é a integração
entre o político, o econômico e o social como base de
sustentação para um Estado sólido.
Quando Marx/Engels afirmam no “O Manifesto Comunis-
ta” que o poder executivo do Estado moderno é mais que um
Comitê que administra os interesses comuns a toda a burgue-
sia, estes reafirmam que o Estado era voltado para atender às
relações econômicas, logo, representantes dos interesses de
toda uma sociedade, ou seja, daquela parte da sociedade que
comandava e dirigia estas relações. Vê-se, com clareza, que
o Estado já era tendencioso e deformado na base de sua
estrutura.
Ao analisar outros pensadores liberais clássicos como
Lioche e Rosseau, verifica-se que eles colocam o Estado como
defensor das liberdades individuais do homem, destacando-se
o direito à propriedade, e com o desenvolvimento da moeda,
o direito à acumulação da riqueza emergindo, como também a
idéia de que o Estado deve promover os interesses “comuns”.
Percebe se, entretanto, que a realidade da época era diferente
do que se doutrinava. O desenvolvimento da classe burguesa,
e com ela o capitalismo, aplicava um regime de opressão e
exploração do homem pelo homem, deixando os (operário e
camponês) na mais baixa condição servil. Neste período, na
Inglaterra, o novo sistema fabril era desumano em vista das
condições de trabalho colocar as pessoas expostas a toda
sorte de doenças.
Marx discorria que o Estado não é um mero mediador das
lutas de classes, como declaravam os liberais; ele é uma
instituição que interfere nesse embate, buscando sempre to-
mar partido das classes sociais dominantes. Assim, a função
do Estado é garantir o domínio de uma classe sobre as outras.
Outra afirmava é que a base econômica de uma sociedade
é a que exerce a influência mais poderosa, e, assim, direciona
as demais instituições. Logo, o quadro exposto na atualidade

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pouco difere dessa época, pois os elementos que compõem


essas forças são as mesmas, só alterando as políticas.
Outros pontos a serem analisados são: a questão do
domínio exercido através da estrutura jurídica política, que
coloca o Estado a serviço da classe dominante, a estrutura
ideológica, que condiciona a cultura e a filosofia de vida (cons-
ciência social) da classe dominada, que absorve as idéias e
valores da classe dominante.
Vale ainda ressaltar outra de suas assertivas segundo a
qual “na sociedade burguesa, o Estado representa o braço
repressivo da burguesia”.
Marx também pontua que o Estado tinha vida própria
separada da sociedade civil. A sociedade é sabedora que este
fato não reflete o processo evolutivo atual, mas traduzia um
realismo em sua época.
Quando afirma que o Estado surge da contradição entre
os interesses do indivíduo (ou família) e o comum de todos os
indivíduos, ele desenvolve uma visão ampliada do comprome-
timento e o papel do Estado, algo não comum nos dias atuais.
O Estado, portanto, emerge das relações de produção e
não do conjunto das vontades dos cidadãos. Mais uma vez, é
retratada em Marx a preocupação em se ter um conjunto
harmônico social, onde a produção exerce seu papel social no
qual mantenedora da subsistência da sociedade e não sua
subordinação.

2 HISTÓRICO DO NEOLIBERALISMO

O neoliberalismo nasceu por volta de 1947, em alguns


países da Europa e América do Norte. Nestes Estados, o
regime era o capitalismo. Havia uma preocupação em reagir
contra o intervencionismo do Estado do Bem Estar. O que
provocou esta nova visão de Estado foi o texto de Friedrich
Hayer (1990) “O Caminho da Servidão”, escrito em 1944, que
atacava veementemente a limitação dos mecanismos de mer-
cado por parte do Estado, e desta forma, ameaçando a liber-
dade tanto econômica como política, destruía a liberdade dos
cidadãos e a vitalidade da concorrência.

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O processo ideológico foi desencadeado por Hayek, em


1947, na estação de Mont Pàlerin, na Suíça. Participaram desta
reunião Milton Friedman, Karl Popper, Lionel Robbins, Ludwing
Von Mises, Walter Lipman, Michel Polanyi, Salvador de Magarida,
entre outros. Todos, porém, adversários do Estado do Bem-
Estar europeu ou inimigo do New Deal norte-americana. Fun-
daram a Sociedade de Mont Pèlerin, cujo propósito era com-
bater o Keynesianismo e o solidarismo e propor uma base para
um novo capitalismo.
A grande crise do modelo econômico capitalista ocorrido
por volta do ano de 1973, em virtude de uma profunda e longa
recessão, conjugada com baixas taxas de crescimento e altas
taxas da inflação, contribuiu e permitiu que suas idéias ganhas-
sem corpo e, rapidamente, segundo Anderson Perry (1996), foi
o que necessitava e esperava Hayek para disparar sua máqui-
na neoliberal conjuntamente com seus companheiros. Eles
afirmavam que as raízes da crise estavam no poder excessivo
dos sindicatos. Estes dois fatores foram os responsáveis pela
diminuição das bases de acumulação capitalista sem contar o
aumento de gastos sociais por parte do Estado.
Como solução, eles propõem a estabilidade monetária,
uma disciplina orçamentária quanto aos gastos sociais, a res-
tauração da taxa natural de desemprego e reformas fiscais
para incentivar os agentes econômicos, isto é, reduções de
impostos sobre os rendimentos mais altos e sobre as rendas.
Hayek comenta que o crescimento retornaria quando a esta-
bilidade monetária e os incentivos essenciais houvessem sido
restituídos.
A hegemonia do projeto neoliberal durou toda a década de
70, porém, só no ano de 1979, foi que apareceu a oportunidade
de sua implantação com sucesso, mais precisamente na Ingla-
terra, no primeiro governo Thatcher. Em 1980, nos Estados
Unidos, com Reagan, e em 1982, com Khol, na Alemanha, dá
se seqüência para logo todos os países do norte da Europa
ocidental, exceto a Suécia e Áustria, adotarem esta nova ide-
ologia.
Na prática, estes governos neoliberais tomaram medidas
como no governo Thatcher, redução da emissão monetária,

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elevação da taxa de juro, redução dos impostos sobre rendi-


mentos altos, retirou o controle do fluxo financeiro, aumentou
a taxa de desemprego, nova legislação sindical e corte nos
gastos sociais; no governo Reagan, reduziram-se os impostos
em favor dos abastados, aumentaram-se as taxas de juros e
ampliou-se o orçamento público para atender a competição
militar.
Neste período, os países europeus eram mais cautelosos,
pois tinham maior controle no seu orçamento e nas reformas
fiscais, demonstrando o seu radicalismo, mas, mesmo assim,
aplicavam uma política austera.
Pode-se dizer que o programa neoliberal na década de 70
obteve êxito em diversos pontos, tais como: deflação, lucros,
taxa de crescimento econômico, entre outros. Já nos anos 80,
o quadro apresentou declínio, a taxa de crescimento foi nega-
tiva a despeito da evolução do crescimento do mercado de
câmbio e a diminuição dos gastos sociais.
Continuando sua análise, Perry (1996) destaca que em
1991 a dívida foi enorme em quase todos os países ocidentais,
o que provocou uma grande recessão, e levou a um desempre-
go para torno de 38 milhões de pessoas. Mesmo assim, o
neoliberalismo continuou com vitalidade em diversas nações
que o implantou.
Para provar sua vitalidade, o governo Clinton tinha como
prioridades reduzir o déficit orçamentário e adotar uma legis-
lação draconiana e regressiva na delinquência.
Os neoliberais declaram verdadeiros feitos, a ponto de se
vangloriarem dos resultados obtidos nos governos que os
aplicaram. Mas um fato é concreto: o impacto causado na
Europa alastrou-se por toda a América Latina e, hoje, converte-
se no terceiro grande laboratório neoliberal formado por Brasil,
Argentina, México, entre outros países.
Vale ressaltar que o berço do neoliberalismo entre nós foi
o Chile, na década de 70, através de Pinochet, cuja inspiração
foi dada por Friedman. Instalados sob uma ditadura cruel, suas
principais ações foram: a desregulação, o desemprego em
massa, a repressão sindical, a redistribuição de renda e a
privatização dos bens públicos.

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Na América do Sul, dentre os países que aplicaram o


neoliberalismo nestas duas últimas décadas, três se destaca-
ram: a Argentina, o México e o Peru. Dentro deste contexto,
Perry (1996) comenta: a) somente os governos autoritários
podem impor o êxito político dos neoliberais na América Latina;
b) o neoliberalismo fracassou quanto à questão da revitalização
econômica; c) e que seu sucesso só ocorreu nas áreas política
e ideológica e sociais, aumentando paradoxalmente as desi-
gualdades; d) o neoliberalismo alcançou um êxito maior do que
o previsto pelos seus autores; e) e que qualquer análise atual
do neoliberalismo é provisório, pois este movimento tem ape-
nas quinze anos nos países mais ricos.

3 CAPITALISMO CRISE E FUTURO

Goran Therborn (1989) analisa esta questão tendo em


vista os seguintes pontos centrais: o neocapitalismo e sua
relação com o socialismo real, problemas estruturais do capi-
talismo, atual situação geopolítica e geoeconômica da atual
conjuntura, e teoria e prática política contemporânea.
Assim sendo, o neoliberalismo é uma superestrutura ide-
ológica e política que acompanha uma transformação histórica
do capitalismo moderno. Em sua perspectiva, este regime está
em declínio, pois foi criado e aplicado na prática através de
despachos ministeriais da área econômica dos governos.
Desta forma, a queda do socialismo real nos regimes
autoritários e ditatoriais na Europa oriental se constitui apenas
uma mudança política, mas, também uma transformação no
sistema econômico mundial.
Outro ponto considerado por Therborn (1989) seria a
modificação ocorrida a partir do desenvolvimento da força
produtiva, reorientada na direção da iniciativa privada. De fato,
presencia-se uma nova fase do capitalismo, que é o capitalismo
competitivo.
As principais instituições e poderes que compõem as eco-
nomias são: o Estado, com seu poder político; as empresas,
com seu poder empresarial; e o sistema de mercado, com seu
poder de competição. Na fase anterior, do Bem Estar, quem

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dava as diretrizes era o Estado, mas hoje quem define o rumo


é o Mercado. Logo, o mercado é forte, mas o Estado é rela-
tivamente pequeno.
O fato concreto é que o comércio mundial cresceu mais
que a produção, mas é necessário não esquecer que até os
meados dos anos 70, o capitalismo defrontou-se com o cres-
cimento tanto dos Estados como dos mercados.
Therborn também descreve que houve mudanças radicais
entre os anos 70 e 80 no processo industrial com a automação,
reduzindo, por sua vez, o nível de emprego no parque indus-
trial. Com o advento do pós industrialismo, ocorreu mudança
na relação entre os mercados e as empresas, com exceção dos
serviços sociais e públicos, já que os serviços privados pas-
saram a ser produzido em empresas menores.
Outra observação feita por ele foi a introdução de novas
modalidades de produção, de tecnologias mais flexíveis e de
maior capacidade de adaptação às demandas do mercado.
Além disso, há expansão dos mercados financeiros internaci-
onais (os mercados financeiros de capitais são altamente competitivos),
que se inicia a partir do déficit do governo norte-americano com
a guerra do Vietnã. Outro fato é que os mercados mundiais de
diversos países são dezenove vezes o volume do comércio
mundial de mercadorias e serviços. Isto pode ser demonstrado
no ano de 1993, por exemplo, na Alemanha, quando as tran-
sações financeiras foram cinco vezes maiores do que os ne-
gócios com mercadorias.
Apesar de se colocar que promoveram cortes nos gastos
públicos como política do neoliberalismo, isto não foi verdadei-
ro no caso da Inglaterra, pois no ano de 1993 os mesmos gastos
foram maiores do que no ano 1979. Encontra-se o mesmo
quadro retratado em alguns países da América Latina.
A proposta de retirada do Estado de Bem Estar fica difícil
porque ele já é uma instituição, a ponto de estar inserido no
cotidiano de grande parte da população, chegando a 40% da
população norte americana com renda primária, e em outros
países a 65%, sem se contar os aposentados, os assalariados
e outras transferências públicas.

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Depreende-se então, que as crises no capitalismo são


cíclicas, de ordem econômica estrutural, e sua principal con-
tradição atual é mais ideológica do que econômica, sem contar
com os aspectos sociológicos.
Therborn (1989) aponta também a questão do fim do
eurocentrismo e do centralismo americano e indica que o
neoliberalismo vai derivar deste fato na história moderna. A
globalização da economia, da política e das comunicações é
hoje a grande responsável pelo seu desenvolvimento.
Uma releitura acerca das transformações sociais e da
prática é um discurso pós moderno necessitando de ação
flexível e políticas diferenciadas para atuar sinergicamente,
tanto local como globalmente.
Ainda segundo Therborn (1989) enquanto o dinamismo do
capitalismo está sendo deslocado na direção dos países da
Ásia oriental, a dinâmica futura da esquerda será mais globalizada
do que a européia ou a asiática.
As principais receitas econômicas do neoliberalismo têm
como fonte às obras de Milton Friedman, com base na relação
entre o mercado e o Estado e entre as empresas e os mercados.
O balanço que se faz é que o neoliberalismo a cada dia
ganha poder político, sendo capaz de exportar suas idéias,
além da Europa e Estados Unidos, para outros países do globo,
mesmo não sendo um projeto com grande êxito. Isto não inva-
lida as críticas feitas ao Estado de Bem-Estar, tanto da esquer-
da como da direita, mas, mesmo assim, continua a sobreviver
surpreendentemente. Não há, entretanto nenhuma opção teó-
rica ou política à vista para suceder o neoliberalismo, nem
mesmo o modelo macroeconômico do Sudoeste asiático ou do
Japão, por ser demasiadamente nacionalista. Quanto à aplica-
ção da macroeconomia, esta é viável de se transferir.
A despeito das políticas neoliberais serem um desastre
social, tendo provocado nos anos 90 cerca de 38 milhões de
desempregados, nos países do OCDE, significando duas vezes
a população da Escandinávia, ainda assim, não houve grandes
manifestações contrárias ao modelo.
Por outro lado, o capitalismo bem sucedido do Japão o
torna um grande militante contra o neoliberalismo (Consenso

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de Washington), bem como a China, Coréia, Taiwan, entre


outros, a ponto de serem assediados pelos teóricos neoliberalistas.
Finalizando, para Therborn apud Sader (1996) é necessá-
ria uma nova etapa de capitalismo competitivo, com um novo
papel e uma nova dinâmica para acompanhar o mercado, pois
o neocapitalismo corrente está disposto somente e no máximo
a conceber uma rede de proteção (safety net) para os mais
pobres (miseráveis). Na verdade, esta corrente propõe direitos
sociais mais seletivos, e defende que a grande chave para o
futuro é alcançar a articulação social (o trade off).

4 COMPREENSSÃO DA CRISE

Pierre Salama (1997) descreve que o futuro do capitalismo


pode ser um capitalismo selvagem, capitalismo liberal ou so-
cial-democrata, em função das políticas voltadas para uma
única visão, que é a acumulação do capital.
Outro ponto criticado pelo autor é que os neoliberais só
comentam os sucessos e se negam a assumir a paternidade
dos desastres gerados por suas próprias políticas, e colocam
que a única saída para a crise é liberalismo. Ao analisar com
profundidade, constata-se que sua política é fundamentalmen-
te econômica de exclusão social. Suas aplicações muitas vezes
frearam a inflação, mas o fizeram a preço de crescentes de-
sigualdades sociais e de um déficit elevado da balança comer-
cial. Para demonstrar que não há solidez nas afirmações dos
neoliberais, pode-se verificar quanto às fugas de capitais que
ocorreram no período, aumentando, assim, as desigualdades
sociais nestes países.
Para Salama (1997) os neoliberalistas só defendem uma
única solução para crise, isto é, o domínio absoluto do merca-
do. Mas sua visão mais ampla propõe duas saídas: um Estado
ético, como princípio fundamental para se fazer política; e
providenciar soluções científicas na busca de empresas mais
humanas de venham a resolver questões inflacionárias e de
evasão fiscal.
Destaca Salama que é necessário se fazer uma re-leitura
da crise, para que se possa formular uma outra: política eco-

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nômica; papel para o Estado; forma de abertura econômica;


política industrial; e distribuição de renda.
Logo, não se resolve esta questão somente a nível eco-
nômico; sua solução advém das relações de forças a nível
social, não perdendo de vista a sociedade solidária.
Assim sendo, constata-se que os liberais sustentam que
uma crise é sempre conseqüência de comportamentos vicia-
dos, derivados de um Estado onipotente. Na verdade, se tomar
a inflação com o exemplo se verifica que enquanto os neoliberais
dizem que ela é produzida por excesso de oferta da moeda,
acredita-se que é produto de conflito distributivo, fruto da
existência de dois grupos sociais que em dado momento entram
em colisão. Em relação ao processo conjuntural, ocorre a
financeirização das empresas, onde ganham muito mais dinhei-
ro no setor financeiro do que no produtivo. Diante disso, a
solução não está em aumentar o peso do Estado, mas, sim, em
definir uma intervenção estatal diferente da que se tem conhe-
cimento até aqui em termos de distribuição de ingresso e
política industrial.

5 PROBLEMAS DA SOCIEDADE PÓS-NEOLIBERAL

Atílio Borón apud Sader (1996) comenta que o capitalismo


Keynesiano defende a demanda agregada para combater o
desemprego e a integração da classe operária, criando con-
dições favoráveis para o surgimento e a institucionalização de
Estados capitalistas democráticos na Europa pós guerra. O
capitalismo selvagem que surge da receita neoliberal tem, ao
contrário, afinidades eletivas com formas mais primitivas. Seu
comentário é complementado ao do Friedrich von Hayek (pai
do neoliberalismo), quando em entrevista dada ao jornal chi-
leno El Mercúrio, diz que preferiria escolher uma economia de
livre mercado com governo ditatorial.
Demonstra com clareza que o saneamento proposto por
esta teoria possui aliado como o Banco Mundial e o FMI, todos
propondo um remédio que provoca mais miséria do que nunca
e a uma dívida social crescente (hecatombe social), conside-
rando que estão no rumo certo.

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Não se pode esquecer também dos discípulos de Adam


Smith, que provocaram pobreza generalizada em sua época.
Na verdade, o que se observa é que o legado dos últimos
anos é marcado por uma sociedade heterogênea e fragmen-
tada, com desigualdades de classes, etnias, gêneros, religi-
ões, etc.
Atílio Borón (1994) indaga quanto ao fim do trabalho em
massa e diz que é ainda imaturo se afirmar tal questão, mas
é inevitável não observar o desenvolvimento das forças pro-
dutivas, pois elas estão apontando nesta direção.
Até o secretário do trabalho do Estados Unidos coloca que
o impacto do neoliberalismo afeta seu país e diz que há pes-
soas que vivem na mesma sociedade, mas em duas economias
complementares diferentes. Se transpuser para a América Latina
esta indagação será o caos.
O neoliberalismo impõe uma rígida disciplina fiscal para se
obter taxas inflacionárias desejadas, levando, desta forma, a
uma pauperização da população. Este fato pode ser visto nos
países Latinos como Argentina, Bolívia, Brasil e México. Res-
salva-se que a política do BM e FMI, quanto à aplicação desta
medida, dependerá do país, isto é, varia muito em função dos
contextos regionais. Na verdade, o que ocorre é uma sociedade
dual, na qual uma parte pequena se integra e o restante é
excluído.
O grande problema do neoliberalismo é que ele tem carac-
terísticas selvagens, não existem regras definidas, mas, sim,
a força bruta, não havendo concorrência no mercado interna-
cional da força do trabalho.
Perry apud Sader (1996) defende três elementos para uma
possível implementação do pós neoliberalismo. Os valores, que
são o princípio da igualdade, como critério central, com pos-
sibilidades reais para cada cidadão, segundo o padrão que
escolhe ter igualdade de saúde, educação, moradia e trabalho.
O segundo foi o da propriedade, que são as novas formas de
propriedade popular, que desagregam as funções da rígida
concentração de poderes na clássica empresa capitalista con-
temporânea. E, por último, a democracia, que é um sistema
parlamentar forte, baseado em partidos disciplinados, com um
financiamento público equitativo e sem demagogias.

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Para o autor, o Estado deve ser disciplinado, capaz de


romper a resistência dos privilegiados e bloquear a fuga de
capital de qualquer reforma tributária. Este cita Roberto Mangabeira,
que propõe uns planos institucionais, audazes e rigorosos, com
distribuição de dividendos para cada cidadão, retirados dos
lucros das empresas, como forma de socialização, fato hoje
refutado em vários países capitalistas. Outra chamada é quan-
to ao modelo pretendido pela China, que é a forma de propri-
edade, tanto industrial quanto agrária, nem privada, nem es-
tatal, mas coletiva.
Ao analisar a propagação da literatura de Friedman (1982)
e Hayek (1990), o primeiro lançou seu livro Freedom to Choose
em noventa países em quatro semanas, enquanto o segundo
lançou um livro acadêmico de título o Caminho da Servidão que
só foi distribuído no meio acadêmico. No caso de Friedman, seu
sucesso se deve ao um projeto político direcionado à obtenção
de um impacto global, levando para a queda da esquerda nos
principais países socialistas do Leste europeu.
Borón (1996) afirma que a resposta doutrinária dos teó-
ricos do neoliberalismo está na democracia que se equivoca e
não tem poder de administrar com eficiência o neoliberal – que
avança contra o mercado, sendo necessário, então, excluir o
modelo democrático.

6 MOMENTO TERMINAL DO NEOLIBERALISMO

É inacreditável que a renda de trinta mil pessoas, dos mais


ricos dos Estados Unidos, cresceu cerca de quinhentos por
cento entre 1983 e 2004, e um por cento da população ganhava
vinte por cento da renda do país. Esse fato deveu-se ao
movimento neoliberal empreendido pelas classes dominantes.
Frente aos números acima, pode-se confrontar os dados
descritos pelo Fundo Monetário Internacional que estima as
perdas nos Estados Unidos originadas de empréstimos e outros
produtos financeiros devem se acima de 1,4 trilhões de dóla-
res, valor 50% superior ao estimado no início de 2008.
No país responsável pelo epicentro da crise, o USA, se-
gundo previsão do Departamento do Trabalho, conforme pe-

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didos nacionais de auxílio-desemprego devem alcançar 1,5


milhão. É a maior marca já ocorrida na história, sinalizando
fortes indícios de recessão na maior economia mundial. Além
de ser o pior quadro social, pois estima-se que 3,5 milhões
trabalhadores percam seus postos de trabalho.
Os fatos apresentados podem ser historiados a partir de
especialistas em julho de 1997, quando ocorre a primeira
grande crise neoliberal globalizada, quando os tigres asiáticos
desfizeram-se. No ano seguinte, em agosto de 1998, há crise
russa, que apesar de seu Produto Interno Bruto - PIB mundial
ser de dois por cento, em horas fez cair centenas de pontos
as bolsas de valores de New York. No ano de 1999, apenas
cinco meses depois, produz-se a crise do Brasil. No ano 2000,
observou-se os primeiros sintomas, com uma diminuição cons-
tante do ritmo da produção industrial mundial, e no mesmo ano
em março, o índice Nasdaq, da chamada tecnologia de ponta,
já começava a apresentar sinais de queda.
Outro dado importante foi o crescimento do déficit comer-
cial em 1999, que foi de 264,9 milhões dólares. No ano seguin-
te, elevou-se para 368,4 milhões. Já em outubro de 2000, a
produção do setor industrial começou a decair.
No início de 2001, o FMI, o Banco Mundial, o Desenvolvi-
mento Econômico (OCDE), a Comissão Européia, assim como
as instituições privadas, verificaram que deveriam rever suas
previsões de crescimento para esse ano, nos diversos países.
Cinco meses depois sua previsão global passou para três
vírgula dois por cento. Já para o governo americano a previsão
já era de um vírgula cinco por cento, enquanto para a zona
européia era de dois vírgula quatro por cento.
Em agosto de 2007, há a crescente inadimplência nos
pagamentos das hipotecas no setor financeiro dos EUA e da
Europa. Inicia-se não mais uma crise local, mas, sim, global
marco terminal do neoliberalismo. Ocorre neste momento uma
crise sistêmica que atinge banco de investimento, agente finan-
ceiro não-bancário, agência de classificação de risco, compro-
metendo definitivamente a ordem institucional criada na déca-
da de 80.

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Frente aos problemas, o Banco Central dos USA, o Fede-


ral Reserve FED, tem buscado socializar os prejuízos, fazendo
a troca dos títulos comprometidos por títulos do tesouro, logo,
uma “estatização branca” de grande parte do sistema financei-
ro norte-americano. Paralelamente a essa intervenção, o con-
sumo diminui, e estima-se que a dívida pública aumente em
mais de US$ 1 trilhão de dólares em 2009.
Consolida-se, definitivamente, o fracasso do neoliberalismo
como ideologia econômica, isto é, o fim da hegemonia norte-
americana e o retorno do Estado como elemento vital para
reorientação do próprio Estado. Trazendo consigo, apesar de
controvérsia, uma mudança geopolítica, esta será iminente e
inexorável, mesmo que vagarosa.
A voga neoliberal brasileira no Brasil, desde o início da
implantação do programa, sofreu especulação financeira inter-
nacional, com desdobramentos caóticos sobre as possibilida-
des de um período de crescimento acelerado, mesmo em uma
dinâmica de bases aparentemente sólidas.
O programa neoliberal no Brasil tem origem política inici-
almente com as crises do regime militar, depois nos anos 80,
na volta da democratização, e firmando-se em 1994. Nesta
etapa, finalmente há condições políticas para se implantar as
ações liberais no país.
Na verdade, o que houve foi uma neo-fundação neoliberal
do Estado brasileiro, pois foi necessário ter uma abrangência
e profundidade muito significativa, pois foi obrigada a se apoiar
em duvidosas coalizões políticas, levando a desdobramentos
em nível de gestão da nação brasileira em 1994.

CONCLUSÃO

Uma das máximas de Lenin descrita por Perry (1996) é que


não se deve subestimar o outro (inimigo), portanto, correlaciona
ao fato de que o neocapitalismo é um fenômeno frágil ou
arcaico, ou já anacrônico e é uma ameaça ativa e poderosa,
tanto para a América Latina e Europa, como para outros países.
Também não se deve esquecer as principais lições básicas
do neoliberalismo. Logo, não ter receio de ser contrária a

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corrente política existente, ou as idéias, ou aos princípios ou


instituições, pois estas podem ser mutáveis. Outra é que sem-
pre será tratado como uma situação política e social dos
direitos sociais e econômicos. Por fim, deve-se verificar como
será o processo de acumulação advindo da gestão dos proces-
sos a partir do manejo produção, da direção macroeconômica
e da macropolítica.
O que se observa em 2009 é o esgotamento das experi-
ências do neoliberalismo. Este deixa um rastro enorme de
regressão social, aumentando a desigualdade e expõe que o
pós neoliberalismo, mesmo em construção, é irracional e o
socialismo é inviável. Na verdade, o que se tem é a completa
irracionalidade do capitalismo, este é insolúvel, e como contra
ponto se tem a inviabilidade do socialismo, e este pode ser
provisório e solucionável, segundo Borón (1996).
Assim sendo, aqueles que contribuíram na formulação do
dogma anti-Estado voltam a defendê-lo, para que esse volte às
funções para as quais foi criado, e guarde todos os fundamen-
tos de seu papel como regulador da coesão territorial, política,
econômica, social e ambiental. Que esse possa assegurar um
eco-desenvolvimento realista, dentro de uma visão sistêmica
em que o econômico não seja predominante e, simplesmente,
inserido num sistema de produção de utilidade social e ambiental.
Por fim, Weber já declarava que neste mundo não se
consegue nunca o possível se não se tenta o impossível reiteiradamente.

FROM LIBERALISM TO CONTEMPORANEOUS STATE:


CHANGES FROM FATALITY TO OPPORTUNITIES

ABSTRACT — The article deals with the lack of a clear State political
definition. In order to get it one has to rescue some of the Marxist theories
of State as well as the liberalism and neo-liberalism history. Within this
context, the present capitalism, forthcoming crisis and post neo-liberal
problems can be found. As a final statement, some elements are pointed
out to contribute for a re-estudying of the neo-liberal question.

KEY WORDS: Contemporary State. Neo-liberalism. Marxism. Capitalism.

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Recebido em:30/06/2009
Aprovado em: 21/07/2009

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