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EUROPA EM ASSIRIO & ALVIM £SPACO LLANSOL Joao Barrento Maria Gabriela Llansol: Europa em sobreimpressao 0 que a Wictria nie perrnitin, a ie eine MG. Manet 0 Senhar de Merbar: Do desencanto da Europa... Quando, no principio dos anos setenta, comega a nawet, na primeira trilogia de Maria Gabricla Llansol, 0 seu projecto tran-hisdrica da histria, a Europa — of seus pensadores ¢ os seus escritores, a historigrafia ea criaglo artistica — entra, segundo Eduardo Lourengo, em mais uma fave «desen- ‘antadan, asiste-xe 4 morte da pulsdo critica que alimentara a década ante- rior das ograndes recusas- © que fora paradoxal sustentéculo da hegemonia europeia desde as Luzes: «A década de setenta poe termo ao narcisismo oci- dental. Sob todos on planos, a década representa a morte do olhar ocidental como olhar absolute da Histbriar’. fo tempo em que se anuncia, quer o fim de todas as «grandes narrativas», quer 0 proprio termo da histdria, abrindo camino a um terceito tempo do século XX, depois da grande explosao cul- tural que, no principio do século, ultrapassa finalmente o véculo XIX, ¢ do tempo intermédio, para ld de toda a medida da hist6ria, que foi o dos totali- tarismos. Abre-se 0 caminho para a «reinveng4o da nostalgia»” € de varias formas de desencanto activo € reactivo perante 4 uniformizasao dos modelos politicos ¢ culturais que 0s poderes cada ver mais hegeménicos impoem. A margem disso, ¢ ainda inconsciente disso, Portugal vive a sua erevolugio», acidente de urna historia propria que viria rapidamente a ser absorvido pela onda dominante de uma cultura americana sem perfil, ¢ a alimentar-se, acé “Wamarh | outengy, A Barapa Dexmcani, Para wma miele cuepee\ibow Vio, 1794. p-2 Ud, sd, y 34 a ordem, Somos um estranh, 0 compensacsrion de ¥4TH8 TEED amo Eduardo Lourengo anali sata j sata jg vacobectivae que ome revue, onwte far 0 iagnsstico FTC de y um je. de Fenoine! caso dee inconse abirinto dt antes, em O14 t spre vio, cseeananente cm fungao de uma imagem, nao ideal pove que te a a sempre no nosso horizonte de portug Fras irealsta le si mess Sempr ne de portugues vsesperad para obstdculos imexpugndves a fy Ba ou como soluyie para cg mas propos” Longe do pais (cult pirito de urn tempo cure arama da existencia» ¢ dos tempos di - lo pod le, seu edificio de uma contra-visio dy em geral. Quando deflagra em Po, r a construgie (O Livro perfil wvalugao recebe desde logo de forma céptias unas no tora oe speu que era, também no exilio d, Belgica, 0 do desencanto dat aaa constrir neste da histéria humana cira pedra de que podemos ver como manifesto anos 0 Llansol comes histéria da Europa € egal a revolugio. est ja talhads a prim das Comunidades), « esrito 0 Seu PrS10g0, vacates de uma visio alternativa da historia europeia, ¢ da portugu nla, que continuaria aca década seguinte (com a conclusto da con = "0 Litoral do Mundo»), ¢ se protongaria mesmo pelos anos — Iver provisoriamente a tensio ea nm logia, em Lisboaleipsig,o livro que parece resol Iéctica, irresolvidas na histéria europeia, entre a liberdade de consciénci iaea sua superagdo por uma visio ético-estética do mundo — tudo isto da antes entrada numa nova ordem figural ¢ num outro projecto de construgio fi . ges. + .. ic ional de uma histéria fora da hist6ria, de alcance humano, demasiado hi . iado hu- mano, ¢ ndo meramente politico. ... a bio-cracia Mansoliana A 5 Fi a are as minhas notas de leitura de varios autores sobre a situa- ee oom na década de oitenta — para além de Eduardo Lou- es en ‘dgar Morin, Alain Minc, Peter Sloterdijk, Hans Magnus ger, Augusto Santos Silva, José Fernandes Fafe, etc. —, espanto » Eduardo Lourengo . 0, O Labirinto. ic ia. 982.9 51 to da Saudade, Prcanlise mitica do destino portugues, 2. ed Lisboa. Do ___ *Neia-s, por cxemplo, o «Vilancet —_ ‘spirito ee tede 4 de oe tod dvd (na tan sco 4 de Maio», escrito pouco depois da revolugio. conde ésemsvd ® tn pba wns devi mae da reac poi de alee LSet po ern paccr atures) Cement ; win 2009, pp. 54-55). -me coma selativa ingenuidade desses analistas (ea minha prépria) cm tela ao as perspectivas que entao pareciam ainda abrir-se para uma Europa da cultura», em que ninguém hoje acredita. Regressada jé da didspora belga para um outro exilio, a margem da vida literdria portuguesa, o que escrevia € pensava Maria Gabriela Llansol nesses anos? Que imagem da Europa, de Portugal e do mundo era a sua, depois da leitura singular, mas nem nostdl- gica nem desencantada, que fizera antes com as duas trilogias, publicadas en- tre 1977 € 1985? Avangava na escrita do tiltimo grande encontro imaginario de confrontacao produtiva & escala europeia, 0 de Aossé e Bach (nesse lugar, no mitico, mas de real sobreimpressao de dons, Lisboaleipzig, onde se assiste a0 processo de humanizacao da figura que melhor representa uma anti-tra- digo portuguesa, um Pessoa a quem o espirito sdlido da Europa Central confere uma «bi-humanidade»), e preparava jd a superago da histéria com a entrada em cena na sua Obra de uma linhagem sem nome, com vista a uma reformulacao do projecto do humano para além da histéria. A partir de agora, a Obra de Llansol orientar-se-d exclusivamente no sentido de uma on- tologia a-histérica cujos ingredientes fundamentais serio a decepacéo da meméria, a realizacao plena do «contrato com o Vivo» € uma visio essen- cialmente «estética» do mundo. O seu texto nao sonha jd sonhos impossiveis de liberdade politica, a «comunidade» alarga-se ¢ transforma-se, sem deixar para trés a sua configuragao «demo»-cratica particular (a do «povo» dos po- bres da histéria), mas abrindo-se a uma b/o-cracia, qualquer coisa como uma aisthesis universalis sob o signo, nao do tempo da histéria ¢ das suas Figuras (porque «chegou o momento de sair da Hist6ria e ir viver no mundo de seis- centos milhdes de anos», CJA, 19), mas do «Hé» e de uma «restante vida transposta para o plano total, césmico, do Ser (entendo aqui a categoria do «Hi», que Llansol teré pedido de empréstimo a Levinas, como um espago onde tudo converge ¢ tudo se confunde, um liquido amnidtico do Ser, aquele fundo, hist6rico ¢ ontol6gico, sobre o qual se inscreve cada Figura ¢ todo o Vivo). O espago do texto é agora ainda mais o de uma comunidade em regime de «comum idade», € os «trés Vazios» que «metem medo» (do Prélogo d’O Livro das Comunidades) do lugar a um tinico vazio em que es- ses trés se fundem ¢ ganham em densidade profundidade existencial, fora da histéria, no centro da cadcia do Ser: «.. sinto-me como alguém que viaja em pats estrangeiro, por néo me sentir, de modo algum, ligada a uma nasio, Na Bélgica, sinto-me menos em terra ei talvec porque etd explo que nenbur las de orig, yy, hi liga a este pals. Sem pais em parte alguma, salvo no vazio em me sama conurn idade, Coma idade real por imaginari,e may verdadcina, A escrita, os animais, fazem parte dessa orla, ¢ say Me deg Mdy "4 boy tais Sere; cluidos pelos homens que eu recebo. 7 Trabalhar a dura matéria, move a lingua; viver quase a ss atra, és. (F, 72). Pouce 4 pouco, 05 absolutamente sbs. (72). © que daqui resulta ¢ qualquer coisa de radicalmente diferente css vss da Europa eda sua histra na Iiteratura portagucsa content nea. Aliés, poucos escritores entre nds tiveram uma visio ampla da Ey nio instrumentalizada ou posta ao servigo de meras estratégias fic com inteng6esideolbgias, como é 0 caso dA Jangada de Pera de xt, ramago. Foram mais os poetas ¢ os ensuistas que, em determinados mone, cos da nossa contemporaneidade, arrscaram leicuras da histriareceme Europa e do lugar de Portugal nela, uase sempre da perspectiva da Ero como realidade cultural, continente de crises, «doenga incurévels (New, che). Entre 0s poucos exemplos actuais de que dispomos destacam-se cay, como os de Vasco Graga Moura (usa carta no inverno, de 1997) ou Paulo Teixeira (O Rapto de Europa, de 1993). J& no ensaio, em particular o de Eduardo Lourengo, se oferecem termos de comparacao mais interessant com a leitura da histéria por Llansol (uma leitura sempre centrada na Eu- ropa, numa autora que ¢ visceralmente europeia no seu projecto de revise da hist6ria), Para além de perspectivas distintas quanto ao «destino por gués» na Idade Moderna, existem desde logo diferengas assinaléveis de pono de vista. Enquanto critico da cultura, Eduardo Lourengo acompanha, apa tir de dentro, 0 processo histérico-cultural da Europa do seu tempo; Llanso, pelo contririo, «inventay, numa «conjectura espiritual» tinica, uma out Europa, um outro Portugal e outro mundo — uma contra-realidade rest no exterior da prépria histéria tal como ela foi e vai sendo configurada. ES 8 luz desse olhar exterior, pessoal e radical, se pode compreender 0 seu PI” jecto de humanizacao da histéria, que é acima de tudo «um trabalho de ‘ura da histéria pela escrita do texto»’. Para se entender melhor a difee™? entre uma hermenéutica que procura compreender 0 que acontect ¢ uma woe Como escreve 7-139 dnp Hompeatvin Eiras em «Les années 70 ont-elles existé? — A propos de Finite 4 70.bbrary wun), sao alternativa que contrapée aquilo que € © que poderia ser, convémn nao perder de vista que visio lansoliana da historia da Europa tem wma ide uma forma. Hi nela uma ideia de Europa que 0 s¢ traduz numa reflexio explicita sobre a Europa, mais eufbrica ou mais disforica, mas antes na cons- trugdo de um universo trans-h st6rico textualizado — mas que nem por isso deixa de ter um claro ¢ forte sentido polftico. Nesse universo se da a ve on quanto experiéncia de leitura/escrita com intengbes que vio para além da eli teratura», uma imagem da Europa que se vai configurando no espaco do texto — porque nao pade realizar-se no tempo da historia! Do tempo da histéria para o espago do texto Esta parece-me ser uma questo-chave para entender o modo como Maria Gabriela Llansol opera com a matéria da histéria, nomeadamente a da Europa, em termos de uma topologia lterdria que reconfigura o seu potencial Iibertador, € no como matétia passivamente disponivel para ser adaptada pelo imagindrio ficcional. Em Llansol, a histéria que nao se cumpriui no tempo devém espaco, ou instante que é todo o tempo (o Jetztzeit de Benja- min), que funciona como um holograma dos tempos. Esse espago € sempre tanto na fase das linhagens historicas (a antiga ea moderna, dO Livro das Comunidades a Lisboaleipzig), como na obra tardia, em que as figuras nio tém nome histérico — o da Casa, 0 das muitas casas da Comunidade, do «li- vro-fonte» a Os Cantores de Leitura,livro em que a casa se desdobra em vé- vias Casas, Mas nao se trata aqui, nem da casa burguesa do romance desde 0 século XIX (microcosmo de todos os poderes ¢ alcova de mesquinhos inte- resses gregirios), nem da «casa do Ser» da ontologia (que nao comporta © corpo, mas apenas o «mundo»), nem muito menos desse lugar-comum pro- pagandistico de uma qualquer «casa comum curopeiay. Trata-se, isso sim, daquilo a que em Llansol se chama um Lugar, 0 espaso inico do «mituo» onde se warrisca o destino nas dobras que apuram o silencio» (F, 101), ou uma Paisagem, nogio que nela contrasta, quer com oS territérios dos pode- res, quer com a desolacio do deserto ¢ do extlio (ainda assim, com subtis di- ferengas entre o Lugar, verdadeito «porto de nascer»,¢ a Paisagem, espelho que apenas me devolve o que de melhor existe no humano). Esse Lugar € 0 ponto de encontro (e de metamorfose permanente) de Figuras semelhantes na diferenga ¢ do seu mundo-outro, nao isento de tensdes, mas baseado na sade principios de vida ede afisayae jubilosa que aq, ia de conten . - inctpie ap 5 re verarno do matuoe. Assim, o princtpio que distingue gy. de wcterno Fe at cy dad ular pode ser o da diferenca na repetigao, tal come Deleuze My, lade singula ee ° { gm em Hansol a repetigao nao € cSpia, nem adiferengaéng, deu: també | ay nao €o de mesmo, mas do mutuo, € “0 mutante é g forade que traz a série consigor 10,9). b, tal como em Deleuze, da Confromtags,, diverso resultam uma positividade c uma afirmagad’. Por isso a visa Hanseiig da histria nfo se Funda na contradigio, nem se serve de nenhuma fons diaéctica, mas aposta na contradicco, isto & numa escrita propria quey mesma o lugar dessa diferenga que nao pode deixar de convergir com a da sa da neuttalizagio pela redusao a0 idntco ou do yg aretorno” guras que cla r mento na histéria de onde provém. E este também o sentido, aparenteme, paradoxal, dos trés vazios da histéria (LC, 9) que o texto de Llansol, por 4. Jocamento, preenche com sentidos residuais e potenciais”. Que sentido para a histéria? Que «sentidos» poderao ser esses, concretamente em relacdo a histéri de encontros ¢ desencontros da Europa moderna e contemporinea? () acordo com 0 projecto Ilansoliano, a Europa poderia ter sido, na Idade No- derna da descoberta do mundo exterior e interior, das revolugées cientificze teolégica, a grande casa-modelo da histéria. Mas perdeu essa oportunidacé, envolveu-se em guerras de crenga e cobiga, langou-se nas naus para um ult mar ¢ transformou-se — e ao resto do mundo — num terrivel «ércere de invenges» (nao o artistico de Piranesi, mas 0 maquiavélico, do poder). 4 Obra de Maria Gabriela Llansol propde uma saida desse cércere pelo esprie daquilo a que chama a «Restante Vida» — que nao considera utdpica, ms ao alcance do Homem. A histéria da Europa foi, porém, no subterrineo é todas as suas glérias e progressos, uma histéria de desastres ¢ derrotas, u notério fracasso na construgéo de «um mundo humano que aqui %** Vemo-lo hoje bem, e por isso Llansol pode dizer, com a legitimidade a" ¢ f & Deleuze, Diferenca ¢ Repetigdo. Lisboa, Relégio d’Agua, 2000, pp. 35-39. pa dek™ ded Mone "noe bar exemple, © livro de Maria Carolina Fenati Trés Vazias, Leitwra eet cando, continuando eva msl. isboa, Edges Vendaval, 2009. Aqui se le, em forma de tes ONT ieencae tl vlumbando vais, texto excapa da formatacio através da sua amo? * vendo com que toda repeticéo, ¢ toda leitura, seja deslocamento.* (p- 112) desastrovo estado do mundo The confere: snada ainda modificen cd (CA, 10). O culo XX foi 0 culminar dese processa de barbirie pretensa uarbarie pretensa ou ilusoriamente huminosa, Ein Portugal, na fiteratra, foram sobretudo alga Hdeste process, de Camées a Pes guns do nosso tempo, como Jorge de Sena ou Vasco Gr poctas que melhor se apercebe' Oa ca ale aga Moura, poctas do desassossego € dt melancolia. romance, esse viveul se) quase sempre na complacéncia ensimesmada do mundo de onde provinha — o de uma bur- guesia enfatuada ¢, afinal, autodestrutiva, s durante séculos sem cons ciéncia disso (vd. 0 comego de O Senhor de Herbais). Fo «texto intermindvel da derrota» que marca ahistéria da Europa. Essa Europa, tal como vai sendo vista por Llansol, passard por clarifica- ges sucessivas em momentos intermédios varios (em Causa Amante, Lis- boaleipzig 1, Da Sebe ao Ser) ¢ desemboca em textos esclarecedores mais re- centes, como «O espago edénico» (1995) ou o texto enviado ao Parlamento Internacional de Escritores em 1994, préximos no tempo. No primeiro ex- plica-se a escolha da linhagem de rebeldes e 0 que em Llansol se poderia ver como uma versio prépria de humanismo depois do fracasso de todos os hu- manismos, a que eu chamaria um humanismo do risco, ou talvez melhor, uma visio do humano que propée o vislumbre da luz pelos caminhos da «meta- -noite» («O ser humano € 0 tinico que pode arriscar a sua identidade. Ao lu- gar desse risco cu chamo metanoite»: «O Espago Edénico», CJA, 143). Ai se diz, entre outras coisas, que algumas dessas figuras se propuseram mostrar Europa um sentido para a sua histéria: Hd uma constante em todas as figuras da linhagem: |...) provar que 0 curso que se estd seguindo enveredou por um caminho errado, Para qualquer ser humano que tente, mais a mais numa posigio de fraqueza, definir um sentido para a Histbria, trata-se de uma tarefa ingente e propriamente im- posstvel. (id., 160) E no texto enviado ao Parlamento de Escritores, que abre este volume, reitera-se essa visio para 0 momento actual — com um olhar que, face & «crise» de hoje, dirfamos quase profético. As duas Europas ticular de Llansol sobre a Europa Nesse olhar partic 2 destacan apt eel 01 ESPASO“EENPO LO ge Ah i le pagos histéricos, abrangem e fazem confluir pe 2 , No es Vcoumunia) toda historia uropela, da dade 4g a ia ay n m o projecto de revisio da historia e de ontrgn 7 hy pectore, Wer fande tempos € © uma “casa” sos dias, ¢ clar Maria Gabriela Llansol. 9 eles: mano em 1. O espirito da Restante Vida versus a violéncia dos poderes, matica que transcende os limites da Europa ¢ da sua histéria, e por oe ivros, entrando pela «ordem figural do quotidian, : td. Jonga até aos slsimos I arvpacando numa perspectiva global ¢ integradora, ebsmica, de wig ! % planos do Ser (dos contratos no cu raven ‘9Vivo) — ponto de vista que, aids, jé esté presente deseo} i. dispositivo figural, que integra plantas, animais, texto, etc; mpridos, entre os Homens, a.cumprircom cio no proprio 2. Aclivagem introduzida na Europa no século XVI, que segue orien. goes diametralmente opostas: 4) Na Europa centrale do Norte o caminho da Reforma eda libra conseitncian, a via interior que jé vern dos misticos ¢ herétics medi (Hadewijch ¢ beguinas, cétaros ¢ adeptos do Livre Espirito, Ecian\x continua com Joao da Cruz eo misticismo ibérico, ea que se associa, no ui: verso de Llansol, o misticismo sufi de Ibn’ Arabi e Al-Halladj. Trata-e deur flao que foi alimentado pelo protestantismo ¢ gerou, nos priméxlin& histéria moderna, um sistema que mais tarde viria a revelar-se comoaqu dratura do cfrculo: um «capitalismo com ética» (Max Weber), que os pie res flamengos e alemes representam num universo burgués segu correctamente devoto. O destino desta Europa, j4 com dinheiro mas #° alma, exilada da «Paisagem» (espago do humano) ¢ diversamente © : pela posse do «territérion (coutadas dos poderes), foi tragado, na are” do texto de Llansol, pela derrota do visionarismo de Thomas Minas vf talha de Frankenhausen em 1525 (simbolicamente representative 4 i er ios poderes absolutos, quer aa perda de uma py volte a eas q 7 nemo Proteranismne viria a recuperar a pt Presente, mais de dois séculos depois, 4 musica I : lugar determinante que ela assume em Lisboaleipzig)- £ isto que parece querer dizer a apresentaao dO Livro das Comunida- x por Augusto Joaquim: Perdida a batalha de Frankenhausen, perdeu-se a Europa. Miintzer ar- riseara a sua cabeca. Os camponeses entravam na rota do desaparecimento inelusdvel e progressive. Haveriam de extinguir-se até ao tiltimo. O Livro dividiu-se e 0 cristianismo acabou, porque sé um podendo ser, ¢ nd sendo. Sé 05 Principes ficaram, para morrer no continente que, falhara o seu des- tino. Barbdrie a Leste, lucro a Oeste, pobreza a Sul, neve a Norte. Miintzer, o cavalo Pégaso, Joao da Cruz, Nietzsche, Médicis, 0 Urso, Suso, Eckhart e santos outros, em filiagdo a Ana de Penalosa, vivem o grande exilio da Paisa- gem. De lugar em lugar vido, 0 deserto Decapitado, Miintzer continua a pro- fri palavra viva, entre seus companheiros de peegrinaso que Ibe guardam “tcabeca caida que lé. O texto intermindvel da Derrota, que sempre Fim, «do corpo Cem Memérias de Paisagem, que é Causa Amante ‘Aué que 9 Poder perca a meméria de nossos nds. (Caderno 1.04, pp. 187-188, 26.12.1977) bb) Em Portugal, com a saga dos Descobrimentos, 0 caminho da dgua, a via activa da exploragio e do comércio, a circum-navegagio encerrada no quadrilitero da f{é ¢ do império, com uma «missao», mas sem ética, a viagem exterior das caravelas que gerar4 monstros no «abismo do mar: Odmbito do mar que invade este Cabo [Espichel}, onde as caravelas nio tm mais beleza e apodrecem, 6, com todas as novas rotas descobertas, parte da amplitude do monstro, do grande golém das naus. (SS, 25). O destino desta (nossa) Europa foi tragado entre o Gama (Vé Gar como é chamado em Da Sebe ao Ser. «se este homem... soubesse 0 q¥° # manobrar-te 4 volta dele, talvez Preferisse morrer na ponta de uma cord: lie «oihoas $5, 46) ¢ Alcécer-Quibir, a altima, ¢ fatidica, «langa em Africar. Dai nasce 0 mito fatalista que nos alimenta ¢ ilude até hoje, € uma vestética do encontro» {desigual] de culturas e do eparadigma da 4gua na nossa fingua-cultura, um paradigma frontalmente inatacdvel» (FP, 32). Mas o texto de Liansol oferece duas saidas para o dilerna da vaventura da Aguas: «um outro modo de abor- FO- dar o Oriente, dando-the por centro de gravidade 0 eixo Lisboaleipy deando a vestética do encontro» através do vtrio Aosse-Bach-Spinoza», que possibilitard a varticulagao criadora de uma nova ‘aventura da dgua’» em Lis- boaleipzig (vd, SH, 81). Por outro lado, ¢ jé antes (em Causa Amante), em vez de servir de isco para a impostura do mito, Sebastido, 0 rei morto, sera © primeseo arias mederno: 0 Theasrum Orbis Terarum, de Ortelius, impreso na ofcina de Plant More foxeado em arbusto: Dom Sebastiao éassimiladg 20 te eamor metan ving do verde. (e este seré um tépico muito importa Py, de Llansol, com lig , eng creve, das nervuras da escrita: vd, por exemplo, Ardente Tex deg pastifo, irmao de Mintzer nos efeitos que provoca a sua more de, o perta-se da «lei da morter ¢ dos poderes, nao pela aura do hoch imortalidade, mas porque se transforma em Dom Arbusto, g Sig fose, assimilaaa si «0 interior do mundo vegetal, ¢— Hi, do alcance da obra de Spinoza, libertando em ¢ wvegetaliza-se” agoes a0 proprio acto de escrever, da folh a ametamor! Amante — 4 intuigao - de Alcdcer-Quibir, alcangando outro nivel de perfeigéo: quang natureza perfeita, maior € a existéncia que abrange» (CA, 145.49. Na Casa de Julho ¢ Agosto (1984) serd jé 0 livro da aproximagig djuas Europas, 3 primeira vista «sem comum medida». Em Lishoa — “ado € ilusio e histéria» nesse estranho casamento entre a tera vale eo mar de u ae eda chama (interior) da vela, que contrasta com a das fogucirs ds vos-de-fé, o caminho para o encontro do humano ¢ do néo-humano pag mais aberto (na casa de Plantin, em Antuérpia, onde reina um espitio en. ménico — ou simplesmente pratico? —, imprime-se a Biblia Poliglta, Theatrum Orbis Terrarum do cosmégrafo Ortelius, tratados de botiia O elemento que conduz este livro, que 0 acende, para lé das divisdes eda proprias vidas das figuras, 60 fogo. Mas —e aqui é que as duas Europaseo megam a revelar talvez como uma tinica —, 0 fogo que acende é tnbin aquele que consome. A aparéncia das duas Europas revela pouco a pou cendrio tinico, hd «rafzes ocultas» que ligam esses dois mundos. Para oben: para o mal, se assim se pode dizer. Em ambas se busca 0 nao limite doc nhecimento (pelo livro ¢ pela acgio), uma é «herbério de livros», outa: blioteca de ervas» ¢ rio-mar que nao se sabe onde leva (Tejo-rioé univers as beguinas ¢ Luis M. (Camées) circulam por estas Europas, ts fonts Tigre «do Eufraces, Ana de Pefialosa é ubiqua, hd uma «genedogia ai nios- provavelmente comum, evocada por Eleanora, a beguinas¢0% Ea uno que Alisubbo, 0 jardineiro de Lisboa, vem lembrar: “Um eer um sé corpo, uma sé forma sem duragao sem extensi0 sem ol (CJA, 61). Mas 0 que este veo — também nisso um livro-Pone , mostrar como entre as duas Europas, a de um certo poder 4 * oot a da total arbitrariedade do poder, nao haverd grandes diferent? ee naquilo que aos resultados da histéria diz respeito: os «Po i ma transparéncia sem limites; na Europa do Nore, ado, uss, a historia continuardé em aberto numa e na outta, Tejo-tio & rico po bre, Copémnico € sibio ¢ seco. E talver 0 sinal mais inequivoco do grande equivoco dessas duas Europas seja 0 «regresso» de Mintzer (que «ja perdera a histdrian) a Lisboa, para aqui ter 0 seu segundo enterro ¢ af, nesse lugar que a si peéprio se é como 0 de um novo comego, se dar por encerrado o capitulo dabatalha perdida de Frankenhausen: «Aqui faremos seus funerais ¢ daremos porfinda a batalha». O espirito de Miintzer fora 0 do fogo, o de Tejo-rio é de- cididamente o da 4gua. Os dois encontram-se na mesma busca, pela violén- cia€ pelo petigo insensato, de uma liberdade que se julga estar a aflorar, em aligeitos voos de revolta, ¢ cartas», mas que nao vird. E um dos textos de O Encontro Inesperado do Diverso \embrard 0 elo invisivel entre estes dois mundos: «eu digo, mas no demonstro, que foi essa batalha, esse intento quebrado no modo, que exportémos nas caravelas» (LL1, 90). Entre estas duas paisagens, entre a casa burguesa ¢ sibia de Plantin ¢ a horta de Alisubbo, inscreve-se, por sobreimpressao, uma terceira: a de um es- aco edénico» (nio perdido, como se diz do mito, mas disponivel), lugar so- nhado da realizacao do humano na ordem da imanéncia, e onde se sente mais o trinsito entre a totalidade dos seres, para !4 dos paises, como a Ilha de Ana de Pefialosa, o lugar «onde se resiste», nao fortificado, mas coberto de erva. Sobreimpressao ‘A sobreimpresséo &, de facto, 0 método pelo qual, no texto de Llansol feito a partir do texto da Histéria ou do Ser, nasce um dinamismo que lhe ¢ muito préprio. A autora define a sobreimpressio como «uma técnica visual» das Figuras, «a sua arte de ver 0 mundo sobreimpresso, impelindo a deslizar umas sobre as outras paisagens afastadas que o poder nunca alcangaria sub- meter ao seu dominion; «Sei hoje que nessa sobreimpressio que eu habito » (LLI, 131). Essas Figuras («figuras definitivamnte inscritas no drama europeur), € este co mundo, e vejo, com nitidez, que outros vieram ter comigo processo de ver 0 mundo e de o transformar, manifestam-se particularmente em épocas criticas, «nas encruzilhadas da soberania, sobre os nés em que €s- teve em jogo o destino da Europa (id, ibid.). Sendo uma «técnica visuab, a sobreimpressao 56 pode acontecer no espago (apesar de a sua matéria-prima poder vir do tempo), melhor ainda, num Lugar. Na visio convencional da histéria como sucessio de tempos, ela resulta em palimpsesto. Mas sobreim- pressio nao € palimpsesto, Este permite ver, a Uansparg, cia 6 Mtn aldo tempo 4 da histérias € uma imagem ver a : *Petpendicula, as Sng, ene 10 circular (mas nao espiralad. presente, um poy pitalado). Suge UBere ung a cial da historia, que tende a esconder ou anular 6 g IMC stg in burguess AES, con “tou h » Cory herdica, do Tey época soma a seguinte, cone queria Michele, cada gpocy qa 04 dendo a uma visio competit ‘a deseja i ea Bln anular a anterior. A sobreimpressio, pelo contritio, corresponde a um ¢ lesvio, 0 deslocamento, os seus momentos ni sio sobrepostos, nn 3, Mas tan ve if isso cla acontece no espago), situam-se, ndo apenas uns Sobt oun, . Ma COSta por ao lado»: CA, 136). Enquanto modo de estar no mundo ¢ : Na esctitg, também de entender a histéria, a sobreimpressio & asin, dissonante» (CA. 62), 0 sencontro ines me a bitagio serena do dispersor, ou sum efeito surprecndente debeeg talgias (IQC, 66). Esta titima definigio parece-me partiulatmen tva, e vale a pena dla no seu contexto:eente howe hi, prem ao lado uns dos outros («E a Flandres ¢ © Brabante coy perado do diverson (CA, » (CA, 18) ag haverd sobreimpressio. Nao saberemos talvez mais por isso, mas assistitemoy, aum efeito surpreendente de beleza sem nostalgia», Ou seja: em primey gar, da sobreimpressio nao resulta mais saber, mas a percepgio de uma de ridade; depois, na sobreimpressio, os scus clementos nao exercem qualgur forma de dominancia um sobre 0 outro, mas esto a0 mesmo nivel; nem quer um provoca a «nostalgia» do outro, situando-se antes dele ov aim dele; a «coabitacao [é] serena». E ainda: 0 propésito da sobreimpresso nt o de recuperar um passado (mais ou menos idealizado ou instrument (ou elementos dispares ale zado), mas o de fazer convergir varios tempos ‘ bro gua portuguesa sobre a paisagem do Brabante, 0 texto de Llansol s atravessando a poesia de Ans io trazidos fragments? uma das suas figuras, a miisica de Bach numa paisagem-outra situada no presente 20 qual s resolvidos do passado. visa A sobreimpressdo de Llansol contraria, assim, as visbes ra histéria, ao contrapor-lhes uma visio ainda ¢ sempre esas io calage, ¢ descont{nua, gerando uma densidade relacional que vi (nisto se aproxima, em muitos aspectos, de uma filosofia da ve , de Walter Benjamin). Por outro lado, a sobreimpressio n4° eq a uma concepao clclica ¢ fechada da histéria. Ne cas encontram-se, as figuras renascem num espaso de do tempo controlivel da hist6riae furtandlo-se, como atris se suger, 9 acg i ‘ eri, 4 acgao dos poderes. Por isso 0 texto assim construido «mete medon. A vertig mais do que a voragem, é 0 seu modo de relagio com ofs) tempos). O préximo ¢ 0 distante, ou o modo leve de mudar A reviso da histéria faz-se, em Llansol com recurso a um olhar sobre ela ¢ sobre o mundo que visa tanto uma ontologia do Vivo como uma visio da histéria que desemboca num projecto que jé referi como «ucrénico c eude- monista»*, O que dia visio da hist6ria em Llansol marcas absolutamente di- ferentes, quer do romance histérico, quer da reflexio filosdfica, é 0 facto de esta dupla perspectiva convergir numa conjectura tinica que recuperara proximidade do ser através de uma pritica libidinal da escrita (c da leitura, da cépia, também pritica de vida) que se desenrola no exterior da histéria € no interior do Lugar por exceléncia deste texto, a Casa, que € também o lugar da maior proximidade, lugar da alegria terrena ¢ do regresso, com uma escala mais humanizada que permite reconstituir uma visio-outra da histéria, No centro da Casa est4 também a vontade de proximidade da origem (que a his- téria dos vencedores deixa para trds ¢ ignora, ¢ que aqui, como na Ieitura de Hélderlin por Heidegger, é «da ordem do segredo»), € no seu interior tudo acontece por inscrigao indicial, pequenos desvios, em suma, sobreimpressbes. Em Finita, Llansol escreve: «nao me desprendo da visio do eterno retorno do miituo, que se revela no modo leve de mudar» (F, 43). A recolha (a «leitura» no sentido etimolégico do termo) de indicios ¢ vestigios ¢ também 0 modo de relacionamento de Maria Gabriela Llansol com a histéria europeia, atra- vés das figuras que dela escolhe, retira e «salva». E um método metonimico, avesso A pretensio de totalidade, ¢ selectivo, declaradamente «potencial» ou evirtualv: a latencia do que resta, do que ficou soterrado, é 0 que a move na direccao do ainda-nao-realizado (encontra-se, nisto, com a nogio de «utopia concreta» de Ernst Bloch e do seu «principio esperanga»). ria apresenta-se entio como um vasto texto cheio de O terreno da indicios que pedem para ser lidos ¢ recolhidos, ¢ € preciso — como em Ben- jamin — ler também «o que no foi escrito», os restemunhos sem vor desse "Joo Barreto, «A wor dos tempos e sléncio do tempos, in J. Bh. Nu Dobra de Mande sero oe 10s, Lisboa, Mariposa Azual, 2008, p. 153. grande peat, F a eset QUE asin absorve ¢ CRNA ah st achapa forognatica q Apartr dlessas Imagens porguc ade im, agen ARENDS ~ revcta sees § Wr fy are novela esses sitnais esi cen ey WS te Wendy ‘a Llansol na vida ou na abt dessa ti FAA Quang, hess Fig WRU, ® a historia no cexto Hlansolia ansoliana, Roe N Recolhende o ie Wey Nd fj continente de todas 4 Buropy fay rdidas an AUN cOnting Jes pentidas — como se nae existisse passado, tite AMEO, COMO se dk con gevakeados fala do que constcayad nova recolhide. Maria Gal ssoportuniddades, mas que cla ti ¢ AN{eTESsa bricla Lansol vent diver ¢ mostrar SETAE que oportunidad pasado se no pandessem extra aligdess (0 séouilo NX teed sid XX teri sido, 8 oping ve am historador actual como Tony Judt, aquele que mi ° oo: ee Mais inexpf mente parece (er esquecido essas ligdes). Mas, de facto, pa area 7 . no existe (6s cto, para Llansol sado

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