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2010
Artigo Original
sociedade, e são vividos no tempo atual. Entre as democracia, questionando e intervindo nas ações
diversas transformações que o autor sinaliza e decisões públicas.
estão, no âmbito econômico, o aumento do
Levando em consideração o contexto
desemprego – devido as novas demandas de
econômico/social atual, entendendo o esporte e o
conhecimento para os trabalhadores – e no
lazer como direitos sociais e, ao mesmo tempo o
âmbito social, o aumento da urbanização e dos
direito a participação democrática do povo sobre
desprotegidos sociais - com menos redes de
as políticas públicas, o estudo apresenta um
proteção sociais. Enfim, um aumento profundo
exemplo de como o Estado, no âmbito municipal,
das desigualdades.
se organiza para eleição das políticas públicas e
Tais crises enfraquecem ainda mais as lutas por como acontece a participação popular nesta
direitos sociais travadas pelos trabalhadores. E
nesse contexto, importantes conquistas da organização.
classe trabalhadora (direitos sociais) são postos
em questão e alguns são retirados (HÚNGARO, Democracia e participação popular
2005 p. 3211).
O entendimento popular e usual de
Pensando em alternativa que possibilitem a democracia costuma ser restrito ao tempo de
redução das desigualdades sociais, encontra-se eleições e ao momento de voto. No entanto,
na vivência da democracia, através da entender que basta escolher candidatos, esperar
participação popular, um caminho para que estes decidam todo por todos os aspectos
transformação da realidade. Para tal afirmação, sociais e aceitar estas condições não é suficiente
apoia-se no entendimento de Demo (2001) ao para ser caracterizar um povo democrático, pois
explicar que as transformações não caem do céu, democracia significa participação (DEMO, 2001;
bem como também não vem “de cima para BORDENAVE, 1986 E DALLARI, 1984).
baixo”, que depende de conquistas processuais,
Para Bordenave (1986), a falta de participação
não imediatas, materializadas na forma de
e organização civil é a própria marginalização do
organização e participação civil frente ao Estado.
sujeito, pois este fica a margem das decisões e
Ao tornar-se uma república presidencialista da sociedade. No mesmo sentido, para Demo
em 1889 e com a instauração do suposto voto (2001), a falta de participação significa pobreza
universal pela constituição de 18912 surge o política3.
entendimento do Brasil como um país Um povo politicamente pobre é aquele que […]
“democrático” devido a concepção de democracia não passa de massa de manobra…aceita um
estado avassalador e prepotente, bem como
como sufrágio. Esta concepção se confirma como uma economia selvagem […] não reivindica
equívoco ao retomarmos os processos ditatoriais direitos, mas pede, suplica, os espera
que ocorrem no Brasil de 1937-1945 e de 1964- passivamente, […] vê o serviço público como
caridade […] que somente reclama, mas não se
1984, bem como os processos de coronelismo organiza para reagir (p. 22).
que ainda podem ser observados em nosso
tempo. Quando a intervenção civil se efetiva, traz
consigo aspectos positivos, como o controle e a
Assim, costuma-se pensar sobre democracia
fiscalização de obras e serviços públicos, as
esporadicamente, ao aproximarem-se as eleições
reivindicações por igualdades de condições, bem
ou no momento do voto, no entanto, é preciso
como a construção de políticas públicas que
pensar para além desta compreensão inicial que
estejam realmente em acordo com a realidade,
carrega consigo o significado literal e etimológico
necessidade e vontade de cada comunidade,
de poder controlado pelo povo através de
desta forma maximizando seus resultados. No
representantes eleitos. Democracia significa
entanto, para além de um instrumento que traga
necessariamente a participação popular e como
benefícios e resultados práticos, o exercício de
explica Bordenave (1986), não trata-se apenas de
participar também tem base afetiva que envolve a
um sistema de governo, mas de um estado de
satisfação, a necessidade humana de fazer parte
espírito, um estado de participação. Necessita-se,
do coletivo, de realizar (BORDENAVE, 1986).
portanto, avançar para a vivência quotidiana da
3
No livro pobreza política, Pedro Demo explica que apesar
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Ramos (2007) esclarece que, apesar de ser designada considerarmos, normalmente a pobreza nas dimensões do
historicamente como referência ao sufrágio Universal, o voto Ter, ela apresenta-se também na dimensão do Ser, que
na constituição de 1981, manteve-se restrito a parte significa uma incapacidade de sermos cidadãos críticos e
alfabetizada da população. participativos, a incapacidade de viver democraticamente.
Pode-se dizer que a constituição de uma como concretizar estes direitos através de
participação popular real e efetiva depende ou se políticas públicas que possibilitem universalizá-los
situa em dois pólos: a vontade do Estado e a para a maioria em detrimento a grupos
vontade civil. A vontade do Estado se refere aos privilegiados. Principalmente, priorizando e
canais de abertura que estimulam a participação facilitando o acesso às camadas que geralmente
popular, como as ouvidorias, o orçamento não são atendidas (MARCELLINO, 1996).
participativo e a organização de conselhos.
Ao iniciar a reflexão sobre a construção
Também depende de como o Estado lida com as
democrática de políticas públicas no campo da
formas de poder que possui. Trata-se do poder
Educação Física, esporte e lazer, é preciso
econômico, traduzidos pelo controle do fundo
agregar ao superficial entendimento de
público, das licitações, as possibilidades de
representatividade, ou seja, eleição e voto,
fraudes e superfaturamentos; o poder político,
atribuído a “democracia”, aos estigmas da área.
que pode facilitar vantagens e ou impunidades, e
As marcas da desvalorização iniciam pela visão
manipular resultados; o poder de informação,
dualista corpo/mente, que relacionava a
onde situa-se uma das mais fortes formas de
Educação Física apenas como exercício do
manipulação da massa, permitindo ao Estado
corpo, menos nobre do que a mente, e a serviço
mostrar e esconder o que lhe interessa e, o poder
desta (CASTELLANI, 1988). Atualmente a
científico, da apropriação de saberes para
desvalorização se dá pela hegemonia do modelo
interesses individuais e a submissão à
neoliberal, centralizado nos ajustes econômicos.
tecnocracia (DEMO, 2001).
Este contexto por muito tempo tem provocado
No pólo onde a participação depende da olhares preconceituosos que diminuem o esporte
vontade civil, fala-se de uma vontade que, não e o lazer, considerando-o como um problema
necessariamente, nasce com o sujeito, mas que menor em relação aos demais direitos sociais
ele aprende através de uma educação que seja (MARCELLINO, 2001; DUMAZEDIER, 2001 E
esclarecedora da realidade política em que vive. MELO, 2005).
É como ensina Bordenave (1986) quando diz que
Portanto, percebe-se que o esporte e o lazer
a educação tem o importante papel de
ficam “nas bordas”, mais do que outros direitos
“desenvolver mentalidades participativas pela
sociais constitucionais, tanto sobre a sua
prática constante e refletida da participação” (p.
compreensão e valorização, como na própria
26). Esta prática da participação parece bastante
efetivação de ações. Assim como a sociedade, o
difícil quando se pensa em abordá-la nos
poder público confere pouca estima ao esporte e
processos de macro participação, como
lazer, atribuindo a temas de caráter utilitário e
associações ou partidos políticos, no entanto é a
compensatório (CASTELLANI, 1996 e
micro participação, no ambiente familiar e na
MARCELLINO, 2001). Da mesma forma, as
prática escolar por exemplo, que se prepara para
ações que possibilitem a participação social na
a macro participação através da capacidade de
tomada de decisão são pouco organizadas pelo
conhecer a própria realidade, aprender a
poder público.
distinguir efeitos de causas, a observar, a
manejar conflitos e respeitar opiniões Dois exemplos mostram a realidade da (não)
(BORDENAVE, 1986). participação nas políticas públicas de esporte e
lazer. Trata-se do estudo de Starepravo (2007)
No âmbito das políticas públicas de esporte e
que, ao investigar municípios paranaenses, além
lazer, é pertinente questionar se há alguma forma
de não evidenciar a participação popular, indica
de participação na materialização destes direitos
que há casos onde os mecanismos de
sociais, e se há, que tipo de participação ocorre e
participação são vistos como “inimigos” dos
quais são alternativas possíveis?
gestores. Da mesma forma, o estudo de Rocha et
al. (2007) também apontam falta de relação entre
Participação popular nas políticas de
poder público e sociedade em municípios
esporte e lazer
baianos, apontando desarticulação entre as
A partir do avanço do reconhecimento do
ações do Estado com a realidade encontrada.
esporte e do lazer como direitos sociais pelo
Estado, em 1988 através da Constituição Notando que as decisões permanecem
Brasileira (BRASIL, 1988), é preciso pensar em restritas ao poder vigente, Stigger (1998) explica
setor. Sua localização é em um prédio no centro fecha as portas, claro que tem que pensar no
do município, sendo que este não abriga a sede orçamento” (Entrevista nº 4 de Bruno).
Umas das formas organizadas para eleger as Apesar de existir um planejamento anual,
atividades são as reuniões realizadas com os transparecendo uma certa conformação, é
funcionários da Secretaria. Estas acontecem de possível inserir ou excluir atividades do
forma esporádica, ou seja, apesar de haver um Calendário, desde que sejam aprovadas pelo
dia específico para tal, nem sempre é realizada Poder Legislativo. Este, não parece ser um
devido ao acúmulo de atividades, conforme empecilho para as alterações propostas pela
relatado nas entrevistas. A forma de eleição das Secretaria, visto que até o momento nenhuma
atividades é relatada da seguinte maneira: alteração havia sido negada.
“Às vezes definimos entre todos, em reunião, às
vezes, só sentamos rápidos e vemos o que
Como proposta para organização e
podemos fazer de diferente, aí um dá uma idéia elaboração de políticas públicas Marcellino
e colocamos no papel” (Entrevista nº 1 de (1996) sugere que deva se pensar em termos de
Amélia).
conteúdos, abrangendo diferentes interesses da
“A gente trabalha aqui em grupo, cada um população e remete significativa importância para
procura trazer suas idéias [ ..]. Dando um
exemplo do ano que vem, a gente fez o a fixação de prioridades devido às dificuldades e
levantamento das atividades deste ano (no inicio limitações da Secretaria. O autor continua
de outubro) e já pensando para o ano que vem, descrevendo que uma política não pode levar em
se avalia cada evento, o que pode melhorar o
que é que não deu certo que a gente poderia consideração somente as atividades, mas
pensar no ano que vem e também não fecha a também, a questão da formação dos funcionários,
possibilidade de surgir uma coisa extra que seja dos equipamentos e dos espaços públicos de
urgente ou que o pessoal esteja pedindo e está
dentro nas nossas capacidades a gente não esporte e lazer.
Bolsista CNPq.
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