Você está na página 1de 88

Amores em Perigo

Lindsay Armstrong

Julia 501

Copyright: Lindsay Armstrong
Título original: Surrender, my heart
Publicado originalmente em 1986 pela
Vlills & Boon Ltd., Londres, Inglaterra
Tradução: William Mineo Tagata
Copyright para a língua portuguesa: 1989
EDITORA NOVA CULTURAL LTDA.
Av. Brigadeiro Faria Lima, 2000 — 3º andar
CEP 01452 — São Paulo — SP — Brasil
Esta obra foi composta na Editora Nova Cultural Ltda
impressa na Divisão Gráfica da Editora Abril S.A.

Este livro faz parte de um projeto sem fins lucrativos, de fãs para fãs.
Sua distribuição é livre e sua comercialização estritamente proibida.
Cultura: um bem universal.

Doação: MARISA NISHIMURA
Digitalização: Palas Atenéia
Revisão: Cris Bailey
Stephen a envolveu num diabólico jogo de sedução

Inimigos declarados, eles acabam cativos de uma grande paixão

O amor por Roderick fez Amanda esquecer tudo: a grande diferença de idade, o
desnível social, o preconceito dos amigos. Corajosa, ela se esforçava para ignorar as
críticas e agressões dos que se empenhavam em arruinar seu casamento.
Seu maior inimigo, sem dúvida, era Stephen Chandler, o jovem e ambicioso sócio do
marido na rede de hotéis. Temendo a ascensão de Amanda na empresa, ele decidiu
usar de todas as armas para destruí­la: do desprezo a um diabólico jogo de sedução!

2
CAPÍTULO I

Amanda   Ballantyne   andava   pela   rua   das   Orquídeas,   rumo   ao


restaurante onde comumente fazia sua refeição matinal.
Depois da chuva que caíra na noite anterior, o frescor da manhã era
agradável  e a luz do sol  realçava ainda mais o  verde das  palmeiras.  Não
muito distante dali, o Pacífico, com suas águas muito azuis, vinha banhar as
areias brancas da praia, num vaivém constante.
Ela caminhava contemplando o cenário fantástico, quando chegou ao
restaurante que servia os melhores pratos de toda a costa. Assim que entrou,
sentou­se perto da janela e foi recebida com entusiasmo:
— Está muito elegante esta manhã, sra. Ballantyne!
— Obrigada, Aldo.
— Outra reunião de negócios?
— Sim — concordou, com um suspiro.
— É uma pena, num dia tão ensolarado. O que vai ser para o café da
manhã? O de sempre?
— Sim, obrigada. Como está sua mãe?
— Bem melhor. Daqui a alguns dias volta a trabalhar. A propósito, ela
ficou encantada com as flores que mandou.
—  Que bom!… — exclamou Amanda, satisfeita. Por ser uma cliente
habitual,   conhecia   toda   a   família   de   Aldo,   que,   com   muito   esforço   e
determinação, mantinha o pequeno negócio.
Enquanto   esperava   pelo   suco   de   laranja,   ela   refletiu   no   principal
compromisso daquela manhã: uma reunião com a diretoria da empresa da
qual fazia parte. Felizmente, aqueles encontros não eram muito freqüentes.
Do contrário, teria uma crise de nervos.
Sua imagem diante da firma sempre a preocupava. Tinha a impressão
de que não era respeitada pelo resto dos diretores, talvez pelo fato de ser a
única mulher. Antes de vir, ela examinara com cuidado o traje na tonalidade
pastel que vestia, e mais de uma vez ficou em dúvida. Para a reunião do ano
anterior,   escolhera   um  tailleur  azul­marinho,   apropriado   para   o   inverno
australiano. Agora, porém, estavam na primavera, e por isso havia optado
por aquele conjunto de duas peças: o blazer largo caía­lhe muito bem, assim
como o cinto de couro dava um toque especial à elegância do modelo. Para
destacar   mais   a   aparência,   usava   uma   fina   corrente   de   ouro   em   volta   do
pescoço e na mão direita um anel de brilhante e esmeralda, além da aliança
de casamento.
— Aqui está o suco de laranja — Aldo bradou, interrompendo­lhe os
3
pensamentos. — Os ovos com bacon ficam prontos num minuto.
— Obrigada — agradeceu, com um sorriso.
Meia hora depois, ao terminar o desjejum e degustar uma xícara de
café, Amanda se levantou. Andar até o prédio da Ballantyne certamente a
deixaria mais calma. Antes, todavia, abriu a bolsa e apanhou o estojinho de
pó compacto para retocar a maquilagem.
Seu rosto de feições delicadas e pele macia era claro, pois raramente
tomava sol. Os cabelos castanhos, como de costume, estavam repartidos ao
meio e terminavam em ondas suaves nos ombros.
Por fim, Amanda guardou o pó compacto na bolsa e saiu convencida
de que, aos vinte e cinco anos de idade, ainda não tinha aprendido a controlar
sua insegurança.
— Oh, como vai, sra. Ballantyne!? Está muito elegante hoje!
— Obrigada, Flora.
Flora Hardcastle trabalhava na recepção da firma fazia muitos anos, e
havia   sido   uma  das  poucas   funcionárias   que   tinham   aceito   a   ascensão   de
Amanda de simples datilógrafa a esposa do diretor­presidente. Por isso, ela
dedicava­lhe uma grande afeição e juntas costumavam trocar confidencias.
Naquela manhã, porém, Flora parecia um tanto aflita.
—  A reunião teve de ser adiada por meia hora, sra. Ballantyne: o sr.
Kidder telefonou avisando que atrasaria um pouco. Já o sr. Chandler aguarda
a senhora na sala dele.
— Agora? — Amanda perguntou, apreensiva.
—  Pediu para avisá­la assim que chegasse — acrescentou Flora, em
voz   baixa.   —   Creio   que   é   acerca   de   um   novo   empreendimento   nas   ilhas
Whitsundays.
Amanda   ficou   perplexa.   Sabia   que   a   empresa   possuía   colônias   de
férias   espalhadas   por   todo   o   litoral   da   Austrália,   mas   não   ouvira   nada   a
respeito da implementação de um projeto tão ambicioso.
— Por que ele quer falar comigo?
—  Parece que nem todos os membros da diretoria estão de acordo.
Kidder e Ramsey são contra. O sr. Chandler e Jeff Whitby são a favor. Parece
que a senhora dará o voto de Minerva. Amanda empalideceu. Temia que isso
acontecesse mais cedo ou mais tarde.
— Por que não me disseram nada a respeito?
— Bem… A decisão foi tomada da noite para o dia… Além do mais, é
melhor não deixar o sr. Chandler esperando. Para variar, ele não está de bom
humor.
— Tudo bem — murmurou Amanda.
Ao avistar a porta da sala onde se lia “Diretor­presidente“, ela fechou

4
os olhos e deu um longo suspiro, para tomar coragem antes de bater.
— Pode entrar.
— Bom dia, Stephen. Está fazendo uma manhã esplêndida. 
O homem por trás da mesa ampla e repleta de papéis encarou­a com
frieza, e respondeu sem se levantar.
—  Bom   dia,   Amanda.   É   realmente   um   dia   muito   bonito.   Pena   que
tenha de desperdiçá­lo dessa forma… — Havia arrogância na voz doce, e,
antes que ela pudesse dizer algo, Sthepen Chandler continuou. — Sente­se.
Você está elegante como sempre. Quanto custou esse traje modesto que está
usando?
— Não é de sua conta! Ou está querendo comprar um igual para você?
—  Bem,   desde   que   o   tenha   adquirido   com   o   dinheiro   da   firma,
acredito que me deve explicações. Infelizmente, porém, não posso controlar
suas despesas.
Amanda sentiu­se tentada a apanhar o pesado cinzeiro de pedra na
mesa   e   atirá­lo.   No   entanto,   tivera   aqueles   impulsos   antes,   e   sabia   que   a
violência com Stephen não adiantava; aliás, ele queria justamente provocar
uma reação dessas. Em vez disso, conteve­se e perguntou:
— Por que me chamou aqui?
— Está calma demais hoje, Amanda.
—  O que você quer, Stephen? Se deseja meu voto a favor das ilhas
Whitsundays, devia ir direto ao assunto.
— Como soube? — indagou ele, surpreso.
Amanda sentiu um calafrio, e arrependeu­se de ter tocado no assunto.
Sabia que Flora poderia ser punida por ter revelado a informação.
— Eu… eu tenho minhas fontes — gaguejou ela.
— Pelo visto, são mais eficientes do que pensava… Quem foi? Kidder,
por acaso? Só pode ter sido. Ele sempre desejou conquistá­la, não é mesmo? E
para isso não mediria esforços.
Os olhos de Amanda faiscaram de ódio. Contudo, foi incapaz de reagir
aos comentários insidiosos de Stephen, com medo de denunciar Flora.
—  Ou foi Ramsey? Ele  é tão tolo, que  não consegue  resistir a seus
encantos.
Ela permaneceu impassível, o que o fez dar uma risada ainda mais
provocativa.
—  Tudo   bem,   Amanda,   não   me   interessa   como   soube   do   novo
empreendimento.   Apenas   quero   lembrá­la   de   nosso   acordo;   não   podemos
permitir   que   a   reputação   da   empresa   se   torne   alvo   de   comentários
maledicentes.
Então Stephen se levantou e deu a volta na mesa, em direção a ela.

5
Amanda   teve   vontade   de   deixar   a   sala   naquele   instante,   porém   estava
paralisada. Aquele homem sempre a deixava atônita, não só porque fazia de
tudo para atormentá­la, mas também pelo fascínio que exercia sobre ela. Com
trinta   e   três   anos   de   idade,   Stephen   era   alto,   esbelto,   e   seu   dinamismo
revelava o executivo bem­sucedido que era.
Amanda   lidava   com   ele   com   um   certo   receio.   Em   várias   ocasiões,
Stephen havia se valido de sua personalidade forte e arrogante para humilhá­
la. Sem dúvida, possuía suas razões para odiá­lo, embora não pudesse deixar
de, no fundo, alimentar uma profunda admiração por ele.
Naquele   momento,   temia   que   Stephen   se   aproximasse   demais;   no
entanto,   ele   sentou­se,   cruzando   os   braços   no   canto   da   mesa,   e   ficou   a
observá­la.
Após um breve silêncio, Amanda tomou coragem para enfrentá­lo. Era
visível a impaciência nas feições rígidas e bem marcadas.
— Não confunda minha vida particular com negócios, Stephen.
— Agora parece um pouco nervosa, Amanda — ele sussurrou, cínico,
deixando­a mais embaraçada. — O que foi?
—  Nada. Apenas recuso­me a discutir assuntos que não se refiram a
negócios.
— Muito bem. Aceito.
— Então vamos ao que interessa. Mas, quero preveni­lo: outro insulto,
e eu vou embora.
— Está certo, Amanda — assentiu, intimidado, e a ironia cedeu lugar à
formalidade. — Vou contar por que chamei você até aqui. Na reunião desta
manhã, haverá uma votação sobre um novo projeto e quero que vote a favor.
Lembra­se de nosso trato? Você continua na diretoria, recebendo sua parte
dos lucros e, em troca, me apóia em todas as decisões da companhia. Afinal, a
empresa deve continuar se expandindo, concorda?
— Você acredita mesmo que pode me controlar, não é. Stephen?
— Pense como quiser.
— Eu poderia mover um processo contra você. A lei…
— Amanda, seja realista. Você sabe muito bem que não teria a mínima
chance.
— Posso arranjar um bom advogado, Stephen.
—  Mesmo? Vai precisar de um, se votar contra mim. E daí, qual é a
sua decisão?
— Espere e veja por si mesmo. — Para sua própria surpresa, Amanda
levantou­se sem hesitar e dirigiu­se para a porta. Antes que tivesse tempo de
sair, porém, Flora entrou na sala.
— Desculpem interromper, mas o sr. Kidder acabou de chegar. Todos

6
os diretores já se encontram na sala de reuniões.
—  Obrigada,   Flora   —   agradeceu   Amanda,   lançando   um   olhar   de
desdém para Stephen Chandler.
A sala de reuniões ocupava o último andar do luxuoso arranha­céu.
Da   varanda   avistava­se   a   deslumbrante   Costa   Dourada,   onde   as   águas
cristalinas do rio Nerang encontravam o oceano.
—  Este   é   o   momento   ideal   para   implantarmos   novos   projetos   —
anunciou Jeff Whitby, dando início à reunião. — O que Stephen e eu temos
em mente é um excelente negócio nas ilhas Whitsundays.
Jeff era um profissional competente, ligado ao ramo imobiliário havia
vários anos, tendo conquistado a confiança total de Stephen. Amanda tinha­
lhe uma certa simpatia, por ele tratá­la sempre com respeito e cordialidade.
Contudo,   sentia   um   profundo   desprezo   por   Ramsey   e   Kidder.   Stephen
estivera certo sobre os dois; costumavam mandar flores para o apartamento
dela e convidavam­na constantemente para sair, com a intenção de iniciar um
romance.
Amanda   examinou   os   dois   homens,   sentados   a   sua   frente.   Lance
Kidder, quarenta e dois anos, achava­se o homem mais atraente do mundo.
Ele vivia atrás de outras garotas, apesar de ter uma esposa dedicada e dois
filhos. Quanto a George Ramsey, era viúvo e às vezes revelava­se um homem
impertinente, elogiando e galanteando as mulheres fora de hora.
Perdida   em   pensamentos,   Amanda   não   percebeu   que   Jeff   havia
parado de falar, e que ela tinha se tornado o centro das atenções.
__ Algum problema? — indagou Stephen.
—  Não,   eu…   eu   estava   prestando   atenção,   só   isso   —   respondeu,
culpando a si mesma por estar tão distraída naquele instante. — Prossiga, por
favor, Jeff.
— Gostaria de fazer algumas observações a respeito — Lance Kidder
aparteou. — Segundo meus cálculos, as ilhas Whitsundays correm o risco de
ficar   saturadas.   Acredito   que   a   ilha   Hamilton   tem   melhores   condições   de
receber   milhares   de   turistas,   assim   que   estiver   terminada.   Podemos
desenvolver   colônias   de   férias   em   Daydream,   Hayman,   South   Molk,
Lindeman e outras regiões, sem falar nas vantagens da praia Airlie. Já lhe
ocorreu Stephen, que Whitsundays não seja uma boa escolha?
—  Pelo contrário, Lance — Stephen contestou, de forma decisiva. —
Nenhum   dos   lugares   que   mencionou   parece   apropriado   para   o   tipo   de
empreendimento   turístico   que   pretendo   construir.   Em   termos   de   luxo,
conforto…
—  Pelo   menos   Hayman   pode   ser   considerado   um   lugar   luxuoso,   e
Hamilton continua sendo altamente lucrativo — atalhou Lance.

7
— Aí está a diferença. O tipo de local que tenho em mente receberia no
máximo cinqüenta pessoas, como se fosse um refúgio tropical; um paraíso
para milionários
— Você quer dizer… algo como a ilha Lizard? — perguntou Amanda,
arrependendo­se logo em seguida. Fora naquela ilha que passara a lua­de­
mel, a vários quilômetros ao norte das Whitsundays.
— Exatamente — Stephen aquiesceu, olhando para ela.
— Existe uma outra vantagem que favorece o projeto — Jeff retomou a
palavra. — Quando o aeroporto de Hamilton entrar em funcionamento, as
ilhas Whitsundays terão um acesso mais fácil. Para chegar até lá, seria preciso
apenas uma curta viagem de helicóptero ou barco. Creio que os aviões de
companhia Ansett vão continuar fazendo vôos de Hamilton a Hayman, para
auxiliar nossos barcos que estão começando a operar de forma mais rápida e
confortável.   Passamos   a   contar,   também,   com   uma   área   de   recepção   para
turistas. Assim, as reservas podem ser feitas antes mesmo de se chegar até a
ilha.
—  Bom, do jeito que fala, Jeff, tudo isso parece vantajoso — George
Ramsey   argumentou,   com   cuidado.   —   No   entanto,   não   acham   que   estão
sendo um tanto precipitados?
— A ilha está em nossas mãos — Stephen replicou. — podemos levar
anos   para   ter   outra   oportunidade   como   esta.   E   não   estamos   sendo
precipitados.   Fiz   estudos   minuciosos   sobre   a   rentabilidade   do   negócio,   e
nosso   presidente­fundador,   o   sr.   Ballantyne,   também.   Devo   lembrá­los   de
que um dos sonhos dele antes de morrer era construir uma colônia de férias
em Whitsundays.
Amanda abaixou a cabeça, percebendo que Stephen  estava olhando
diretamente para ela.
—  É verdade — Ramsey reconheceu. — Não temos, porém, recursos
para   enfrentar   uma   eventualidade.   É   arriscado!   Formar   um   consórcio   de
investidores… Quando o sr. Ballantyne estava vivo…
—  George, como diretor­presidente da Ballantyne, eu já fiz um mau
negócio?
— Claro que não, mas…
— Tenho tudo sobre controle, George. Você chegaria a esta conclusão,
se   tivesse   o   trabalho   de   analisar   os   relatórios.   E,   mesmo   se   enfrentarmos
dificuldades financeiras, o que é difícil, o risco vale a pena, pois os lucros
serão enormes.
—  Desculpe,   Stephen.   Estou   velho   demais   para   correr   riscos
desnecessários.
— Então, eu sugiro colocarmos em votação.

8
— Não sei se é preciso — Lance Kidder objetou, um tanto aborrecido.
— Jamais tivemos uma divergência de opiniões nesta diretoria… De qualquer
forma, isso tinha de acontecer algum dia, não é mesmo? Amanda, acho que
você tem a palavra final. O que pensa do projeto?
Amanda empalideceu. Tinha consciência da responsabilidade que lhe
fora   atribuída,   e   antes   de   anunciar   sua   opinião   olhou   para   cada   um   dos
presentes.
—  Sei  muito bem  que o  último desejo de meu marido era ter uma
colônia de férias em Whitsundays. Se estivesse aqui, neste momento, faria de
tudo para realizar seu velho sonho. Portanto, sou a favor do projeto.
Houve um breve silêncio. Aí Stephen sorriu satisfeito e declarou:
—  Obrigado,   Amanda.   É   bom   ver   que   você   continua   fiel   ao   velho
Ballantyne.
— Stephen! — Lance protestou. — Não vê que esta questão não pode
ser decidida por uma mulher?
— E sendo assim, você não devia ter permitido que o sr. Ballantyne a
nomeasse para a diretoria, Lance. Contudo, na hora, você concordou com a
decisão. De fato, todos vocês fizeram o mesmo. Fui o único que discordou da
indicação.   Todos   vocês   se   deixaram   manipular,   mesmo   sabendo   que   ele
estava velho. E sabem por quê? Porque sonhavam com o dia em que o sr.
Ballantyne morreria, e desejavam, aqui, uma garota linda e inteligente que
pudessem manejar.
— Basta, Stephen! — George Ramsey exclamou, batendo na mesa.
—  Isso   não   é   verdade   —   bradou   Jeff.   —   Sempre   considerei   o   sr.
Ballantyne um homem lúcido e sensato; mesmo em seus últimos dias de vida.
Além   do   mais,   a   sra.   Ballantyne   já   contribuiu   para   a   empresa   com   idéias
excelentes.   É   uma   pena   que   não   tenha   uma   participação   mais   ativa   nas
decisões de nossa companhia, sra. Ballantyne — acrescentou, olhando para
Amanda.
O clima estava insustentável, e ela lutava para manter o controle. De
repente, o eixo da discussão tinha mudado.
— Está certo — Stephen admitiu. — Se pensa dessa forma, Jeff, talvez
eu esteja errado. Ela terá uma chance. Vou passar uma semana em Hamilton,
para inspecionar o segundo pavilhão, que já está terminado, e visitar as ilhas
Whitsundays   com   um   engenheiro   e   um   arquiteto.   Você   pode   vir   comigo,
Amanda, e me apresentar algumas de suas idéias fantásticas. O que acha, sra.
Ballantyne?
—  Eu   não   iria   a   lugar   nenhum   com  você!  —   exclamou   Amanda,
pondo­se   de   pé,   furiosa.   —   Por   que   não   leva   uma   daquelas   garotas   que
aparecem nas colunas sociais a seu lado? Ou melhor, por que não leva todas?

9
Talvez possam lhe ser mais úteis. — E acrescentou, antes de deixar a sala: —
Bom dia, senhores!
Stephen observou­a atônito, e pôs­se a rir.

CAPÍTULO II

Amanda   vestiu   a   saída­de­banho   e   sentou­se   na   cadeira   de   praia,


observando o pôr­do­sol no horizonte.
Sentindo­se   humilhada   e   furiosa,   voltara   para   casa   logo   depois   da
reunião. Pusera um maiô para mergulhar no mar e assim refrescar o corpo e
relaxar a mente.
Estivera   na   água   por   mais   de   uma   hora,   atravessando   as   ondas
maiores,   como   Roderick   Ballantyne,   o   ex­marido,   tinha   lhe   ensinado,   e
deixando­se   levar   pelas   menores.   Após   descarregar   toda   a   tensão   e
nervosismo, deitara­se na beira da praia, completamente relaxada.
Recebendo   o   calor   suave   do   sol   da   tarde,   Amanda   deu   um   longo
suspiro e começou a refletir. Por que deixara Stephen trata­la daquela forma?
Afinal, Roderick realmente a amara e ela nunca estivera interessada nas ações
da empresa, que acabara recebendo com a morte do marido. Então, porque
ela se sentia tão atingida com os insultos e comentários maldosos de Stephen?
Amanda   lembrou­se   da   mãe,   sempre   preocupada   com   sua
insegurança: “Você precisa ser mais confiante, Amanda! A vida é difícil para
todos,   porém   é   pior   ainda   para   os   que   se   preocupam   demais   com   os
problemas e se deixam influenciar pelos outros”.
Amanda recostou a cabeça, recordando os momentos vividos ao lado
da mãe.
Leila   Lawson   fora   sempre   decidida,   de   personalidade   forte,   que
conquistara a liberdade por iniciativa própria. A mãe tinha contado que aos
dezesseis anos  de idade, após abandonar  os estudos, fez uma viagem por
vários países, entrando em contato com outros povos e lugares. Costumava
dizer que a única forma de conhecer as pessoas era convivendo e trabalhando
com elas, participando de seu dia­a­dia.
Anos depois, Leila voltou à cidade natal, Melbourne, e se envolveu
com política partidária. No calor dos debates eleitorais, apaixonou­se por um
homem casado.
Contudo,   o   fato   de   ser   ele   comprometido   não   os   impediu   de   se
relacionarem, cada vez com maior freqüência, e o fruto daquela união acabou
sendo uma menina bastante parecida com o pai. Leila, cansada de esperar
10
pelo divórcio do amante, que sempre protelava, foi tomando consciência de
que sua felicidade ao lado daquele homem  nunca poderia ser completa, e
resolveu desaparecer da vida dele para sempre.
Algumas   semanas   depois,   ela   percebeu   que   estava   grávida;   no
entanto, decidiu não revelar o fato ao pai da criança.
Amanda sabia do passado, porque a mãe lhe falara abertamente do
assunto:
— Sei que não fui justa com você, nem com ele… — admitiu, quando
Amanda já possuía idade suficiente para compreender. — Talvez você me
odeie pelo resto da vida, porém acredito que fiz o melhor para nós. Além
disso, seu pai  ficaria numa situação  difícil, se descobrissem  que teve uma
filha com outra mulher.
— E a reação dele, qual seria?
— Não sei…
— Será que me rejeitaria?
— Não, não creio… — Havia dúvida nos olhos da mãe, como se pela
primeira vez em muitos anos ela se questionasse se tinha tomado a atitude
correta.
Contudo, a amizade entre Leila e a filha não se modificou depois da
revelação.   Amanda   continuou   dedicando   uma   grande   afeição   à   mãe,   que
sempre fora a razão maior de sua vida.
Pelo que podia recordar, tivera uma infância um tanto agitada, já que a
mãe conservara até o fim o espírito de liberdade. Leila Lawson desligara­se
de   todas   as   relações   passadas   e   iniciara   carreira   como   cantora,   levando
Amanda a diversas partes da Austrália.
Uma das frases mais comuns da mãe era:
— Aqui estamos nós, querida, sozinhas de novo!
Se Leila tomava suas decisões com firmeza e segurança, o mesmo não
se dava com Amanda. As constantes mudanças de uma cidade para outra, as
estadas em pensões, apartamentos alugados, contribuíram para torná­la uma
pessoa vacilante e dependente. No entanto, ela fazia o possível para esconder
da mãe a insegurança. Só para não deixá­la preocupada.
Então, certo dia aconteceu algo inesperado. Apesar de ter se firmado
como   cantora,   inclusive   com   uma   boa   popularidade,   Leila   Lawson
abandonou a carreira. Após tentar uma série de empregos em várias cidades,
decidiu passar um fim de semana na praia do Pôr­do­sol, onde um antigo fã a
reconheceu  e ofereceu­lhe um  contrato  de dois anos,  para trabalhar numa
imobiliária.
Graças a algumas economias, compraram um apartamento de frente
para o mar, e Amanda parecia mais feliz do que nunca. Terminara o último

11
ano no colégio, e pela primeira vez estava se acostumando a uma vida mais
estável.
Com   o   certificado   de   conclusão   do   segundo   grau   e   nenhuma
experiência anterior, começou a procurar emprego. Trabalhou durante seis
meses numa pequena companhia, e acabou tendo uma oportunidade como
datilografa na Ballantyne, uma empresa de sólida reputação, com escritórios
em todo o país.
Amanda   contava   então   dezenove   anos   e,   ao   completar   um   mês   na
Ballantyne,   aconteceu   a   tragédia:   a   mãe   veio   a   falecer   num   acidente   de
carro…
A polícia comunicou a notícia quando ela havia saído para almoçar,
cabendo a Roderick Ballantyne, seu patrão, contar­lhe a desgraça.
Ao   saber   da   morte   da   mãe,   Amanda   ficou   transtornada.   Naquele
momento, achou que a vida tinha perdido a razão de ser. Sentindo­se fraca e
abandonada, ela foi para casa.
No mesmo instante, Roderick apanhou o telefone e pediu a Flora que
ficasse à disposição dela.
Foi   com   a   colega   de   trabalho   que   Amanda   conseguiu   desabafar,
contando­lhe a história de sua vida e os momentos saudosos ao lado da mãe.
— Acho que mamãe estava feliz, finalmente. E com o futuro garantido.
Tinha realizado um grande sonho, adquirindo um apartamento confortável
Flora Hardcastle narrou o que ouviu ao chefe, Roderick Ballantyne,
que demonstrou grande interesse em ajudar Amanda.
Amanda   era   uma   funcionária   competente   e   exemplar:   dedicada   ao
trabalho, mas quieta e reservada.
Decorridos   alguns   dias,   Roderick   estava   passando   por   uma   rua,
quando a viu dentro de um restaurante
Ele ficou hesitante entre se devia ou não entrar; àquela altura, já sabia
que   seus   sentimentos   para   com   aquela   moça   ultrapassavam   a   simples
preocupação. Procurava observá­la sempre que podia, de forma discreta, e
aos   poucos   se  percebera  apaixonado.   Ao mesmo  tempo,  começou  a  sentir
uma   forte   necessidade   de   protegê­la.   Roderick   sabia   que   Amanda   havia
passado por dificuldades e enfrentara todos os problemas. Desde a morte de
Leila   Lawson,   ele   pensava   numa   maneira   de   ajudá­la,   sem   ser   mal
interpretado.
E   naquela   manhã   ensolarada,   enquanto   tomava   o   café   da   manhã,
Amanda   encontrou­o,   fazendo   com   que   se   sentisse   mais   jovem   e   se
esquecesse de que era trinta anos mais velho. Daí ele entrou no restaurante e,
três meses depois, estavam casados.
Amanda   demorou   algum   tempo   para   perceber   as   intenções   de

12
Roderick. No início, desconfiou das razões que levavam o diretor­presidente,
a pessoa que construíra a poderosa Ballantyne, a vê­la com tanta freqüência
depois  do expediente,  sempre  inventando   uma desculpa.  Chegara   a ouvir
duas funcionárias falando sobre um suposto envolvimento afetivo entre eles,
desaprovando o fato em função da diferença de idade.
Amanda,   na   realidade,   nem   sabia   quantos   anos   ele   tinha,   e   ficara
surpresa ao descobrir que possuía quarenta e nove.
Quanto ao romance, Roderick sempre a convidava para sair e, como
temia ofendê­lo se recusasse o convite, acabava aceitando. Pouco a pouco, foi
descobrindo   que   gostava   de   partilhar   da   companhia   dele.   Tímida,   foi   se
deixando   conquistar,   sem   imaginar   que   a   relação   de   amizade   acabaria   se
aprofundando.
À medida que os encontros foram se tornando mais freqüentes, ela
descobriu   que   precisava   de   Roderick,   e   não   se   importou   mais   com   os
mexericos.   Ele   a   tratava   como   uma   mulher   adulta,   e   os   momentos   que
passavam juntos, na praia ou na casa de campo, pareciam os mais felizes de
sua   vida.   Mas   foi   só   depois   do   primeiro   beijo   que   conseguiu   definir   os
próprios   sentimentos.   Encantada   com   aquela   demonstração   de   paixão,
deixou­se envolver nos braços dele e não recusou quando Roderick a pediu
em casamento.
—  Sou   bem   mais   velho   do   que   você,   e   nossa   sociedade   é   muito
preconceituosa   —   ele   declarara   na   ocasião,   prevenindo­a   das   dificuldades
que teriam de enfrentar juntos. — Veja, Amanda, quando você tiver trinta
anos, terei sessenta. Eu não me importo, acredito no amor que sinto por você.
Não  estou  à procura  de valores efêmeros, como a beleza física, apesar  de
achá­la linda. Amanda… acredito que posso fazê­la feliz, dar­lhe segurança e
amor. Eu a amo, como nunca amei antes… — E falou­lhe sobre o primeiro
casamento, uma união infeliz e cheia de problemas.
“A única coisa acerca da qual Roderick não me preveniu foi para o
sócio. Stephen passou a me odiar desde o momento que me conheceu, na
recepção após o casamento…”, Amanda pensou, voltando à realidade. Podia
se lembrar perfeitamente da festa e de como Stephen a recebera.
A   cerimônia   fora   realizada   na   suíte   de   Roderick,   seguida   de   uma
pequena   reunião   para   poucos   convidados.   Stephen   Chandler   acabara   de
voltar dos Estados Unidos, onde estivera fazendo um curso de especialização
e chegara em tempo de cumprimentar os recém­casados. Jamais se esqueceria
do brilho de ódio nos olhos de Stephen, um ódio para ela inexplicável, até o
momento em que ele lhe dissera, ao encontrá­la:
—  Bem,   vejo   que   descobriu   alguém   para   pagar   as   contas,   não   é,
querida?   A   propósito,   meus   parabéns.   Sou   Stephen   Chandler.   Seria   o

13
sucessor de Roderick Ballantyne, se você não tivesse aparecido na vida dele.
Chocada   com   tamanha   hostilidade,   Amanda   olhou   ao   redor,
procurando instintivamente pelo socorro do marido, que infelizmente não se
achava por perto no momento.
Desde   essa   época,   iniciara­se   um   jogo   surdo   e   cruel   entre   os   três.
Roderick   conhecia   a   posição   do   sócio   em   relação   a   sua   mulher;   todavia,
graças   a   Amanda,   jamais   chegou   a   tomar   conhecimento   dos   insultos   que
Stephen dirigia a ela de vez em quando.
Como se não bastasse, estava claro para Amanda que Stephen não era
o único a discordar daquele casamento. Muitos dos convidados presentes na
recepção não o aprovaram, julgando que ela havia se casado por dinheiro.
Apesar de tudo e de todos, Amanda e Roderick passaram quatro anos
juntos. Quatro anos de felicidade, que ninguém conseguira estragar. Com o
passar   do   tempo,   Amanda   conseguiu   superar   a   própria   insegurança   e
aprender muito com o marido.
Costumavam   ler   juntos,   viajar   pelo   país,   e   Roderick   incentivou­a   a
desenvolver talentos que ela jamais imaginara possuir.
Certa vez, quando Amanda falou ao marido que gostava de pintar,
apesar   de   não   se   considerar   uma   boa   pintora,   que   era   fascinada   por
arquitetura e decoração de interiores, ele começou a lhe comprar livros sobre
o assunto.
Roderick também transformou um dos quartos da casa num estúdio
de pintura, e ficou surpreso com o alto nível e a beleza das telas de Amanda.
Consciente   do   talento   da   esposa,   sugeriu   que   ela   trabalhasse   como
projetista na Ballantyne.
— Como projetista? — perguntou ela, assustada. — Por quê?
—  Não   fique   tão   espantada!   Venha   para   perto   de   mim   e   deixe­me
explicar com calma.
Nessa época, Amanda acabara de redecorar a suíte, e o resultado havia
sido   tão   bom,   que   ele   decidiu   aproveitar   algumas   de   suas   sugestões   nos
escritórios.
—  Mas   eu   não   me   sinto   qualificada   para   assumir   o   emprego!   —
exclamou Amanda, protestando.
— Veja as coisas dessa maneira: o que eu estou querendo, sei que pode
realizar,   não   há   nada   de   especial.   Estou   interessado   em   suas   idéias,   seus
pontos de vista, só isso. Afinal, as boas sugestões são tão importantes quanto
o conhecimento técnico.
Todos, menos Stephen, concordaram em que Amanda fosse indicada
para a diretoria da Ballantyne. Quando ela foi eleita, Stephen votou contra,
mas foi voto vencido, pois Roderick controlava a maioria das ações e, em

14
decorrência, os outros diretores. Na ocasião, o choque entre os dois foi tão
sério, que Stephen chegou a viajar para o exterior.
Roderick  falara do sócio  a Amanda uma  única vez, depois daquele
desentendimento. Havia dito que Stephen  era muito competente, e só por
essa razão não desfazia a sociedade.
No   entanto,   Amanda   sabia   que,   apesar   das   agora   freqüentes
discussões  de negócios,  Roderick  Ballantyne gostava  de Stephen  Chandler
como de um filho. Por isso, ela fazia de tudo para esconder do marido quanto
Stephen a desprezava.
Em meio àquele período de felicidade e amor, Roderick contraiu uma
grave doença e acabou falecendo. Pela segunda vez, Amanda sentiu­se só no
mundo, completamente desorientada.
Num   momento   difícil   e   doloroso,   em   que   a   solidão   era   grande,
Stephen a convocara para uma reunião, e, num tom frio e áspero, dissera­lhe
que ela não tinha direito sobre os bens que o marido havia lhe deixado.
De acordo com o testamento, Amanda herdaria o apartamento, uma
parte das ações da Ballantyne e receberia uma renda fixa durante um certo
tempo.
Amanda tinha ficado furiosa. As palavras horríveis que Stephen havia
lhe dito quatro anos antes voltaram a memória, e, num acesso de raiva, ela
acabou afirmando que ele era mesquinho, desprovido de sentimentos, e que
ele, sim, só pensava em dinheiro.
Ao  perceber   que   tinha  ido  longe  demais,   Amanda  empalidecera.   O
ódio que dominou Stephen naquele momento impediu­o até de falar durante
alguns instantes
— Fique sabendo, Stephen, que, se se opuser ao testamento, vou entrar
na justiça para garanti­lo — Amanda ainda afirmou, movida pela indignação.
O que aconteceu em seguida só serviu para aumentar o desprezo que
ela   sentia   por   Stephen;   até   então,   nenhum   dos   insultos   chegara   a   uma
ameaça.
— Você vai acabar sem nada, Amanda. Se entrar na justiça, seu nome
estará   em   todas   as   colunas   sociais,   e   o   amor   que   nutria   por   Roderick   se
transformará em motivo de fofocas. O bom nome da empresa será envolvido
num escândalo, mas acho que você não se importa muito, não é? Ou estou
enganado? Pense nisso, querida
— Você… você está sugerindo um acordo? Quer… quer que eu desista
de tudo? Em troca do quê?
—  Você   desistiria?   —   Stephen   indagou,   irônico.   Ela   não   conseguia
responder.
— Não, eu sabia que não. Mas tenho outra coisa em mente. Roderick

15
não imaginava que, na sua falta, a diretoria ficaria dividida. De um lado, Jeff
Whitby  e eu; do outro,  Lance Kidder e George Ramsey. Agora que sou o
diretor presidente, sei que Kidder adoraria tomar meu lugar, e também que
Ramsey   o   apóia.   Pensam   que   sou   muito   jovem   e   inexperiente,   porem
pretendo permanecer no cargo, custe o que custar. Para isso, preciso de seu
apoio. Quero que vote a meu favor em todas as decisões. 
Amanda franziu a testa, confusa.
—  Você   ainda   não   percebeu   onde   estou   querendo   chegar?   —
perguntou ele, impaciente.
— Você não vai se opor ao testamento, se eu..
—  Exatamente.   Como   Roderick   deixou   metade   das   ações   para   os
funcionários e a outra metade para você, necessito contar com seu voto em
todas   as   questões   da   diretoria,   para   manter   minha   posição.   Está   vendo,
Amanda? Não sei se Roderick pretendia deixá­la com essa responsabilidade,
mas agora é você que decide.
Ela fechou os olhos, como se assim fosse mais fácil suportar o choque
daquela novidade.
—  Como   o   destino   é   irônico!   Você,   que   me   agrediu   tanto,   agora
precisa de meu apoio. É inacreditável
— As coisas mudaram bastante nos últimos quatro anos, Amanda.
—  Nisso   você   esta   certo,   Stephen.   Rod   não   sabia   que   a   situação
chegaria a esse ponto. Não esperava morrer tão cedo, e de uma coisa eu tenho
certeza…   ele   gostava   de   você.   Nunca   me   perdoaria   se   eu   o   prejudicasse,
apesar dos desentendimentos que tiveram. Por isso, não se preocupe — ela
concordou. — Eu lhe darei meu voto.
Stephen não pareceu surpreso e murmurou, como se fosse dono da
situação:
—  Só mais uma coisa: para preservar a imagem da empresa, vamos
manter a farsa de que você se casou com Roderick porque o amava. Isto é,
não deve se envolver com outro homem por um bom tempo. É para…
— Mas meu casamento não foi uma farsa! — exclamou ela.
— Então prove.

Perdida em pensamentos, Amanda deu um longo suspiro e recolheu a
cadeira de praia. Passara uma boa parte da tarde com lembranças dolorosas,
e agora era bom voltar para casa.
Ao chegar ao apartamento, tirou o maiô e entregou­se a um banho de
espuma.   O   contato   com   a   água   foi   reconfortante,   e   uma   hora   depois   ela
estava se sentindo bem melhor. Pôs um vestido de seda verde­claro, escovou
os cabelos e aplicou uma loção à base de algas marinhas na pele levemente

16
bronzeada. Daí, colocou um de seus discos favoritos no aparelho de som e foi
ao   terraço,   para   ver   o   pôr­do­sol.   Desde   que   Roderick   morrera,   Amanda
conservava   o   apartamento   da   mesma   forma.   Podia   sentir   a   presença   do
marido em cada móvel, em cada objeto da sala, como se ele ainda estivesse
por ali.
Quando   havia   feito   a   decoração,   ela   tivera   em   mente   um   lugar
aconchegante para duas pessoas, uma vez que raramente recebiam visitas.
Assim, a sala possuía apenas um sofá de veludo azul­marinho e, ao
lado, uma cadeira antiga em madeira, com o encosto em tecido com estampas
clássicas. Era o lugar predileto de Roderick, ela recordou com saudade.
Entre a cadeira e o sofá, a mesinha com o tampo de cristal sustentava
um abajur e um vaso sempre cheio de rosas vermelhas.
Por que não tinha mudado para outro lugar? Não seria melhor deixar
para trás as lembranças e começar uma vida nova?
Agora que Amanda começava a se firmar como pintora e seus quadros
estavam vendendo bem, poderia levar uma vida estável por um bom tempo,
em qualquer lugar que escolhesse. Não seria melhor do que o sofrimento pelo
qual estava passando? E se abrisse mão do cargo de diretora da empresa?
Seria   correr   um   grande   risco.   Se   ela   se   afastasse   da   Ballantyne,   a
pessoa que entraria em seu lugar poderia apoiar Kidder e Ramsey. No fundo,
sentia­se culpada por Stephen estar naquela situação.
Amanda   deu   um   suspiro   e   apreciou   os   últimos   raios   de   sol   no
horizonte.
Ouviu a campainha tocar uma vez, e ignorou­a. Quando tocou pela
segunda vez, enxugou as lágrimas e foi atender à porta.
Era Stephen Chandler.

CAPÍTULO III

Amanda e Stephen permaneceram em silêncio por alguns instantes.
Ele   usava   o   mesmo   terno   da   reunião,   e   seu   rosto   mostrava   sinais
evidentes   de   cansaço.   Seus   olhos   escuros   estudaram   o   rosto   lacrimoso   de
Amanda.
— Amanda…
— Não! — interrompeu ela, tentando fechar a porta. — Este é o único
lugar onde não sou obrigada a ouvi­lo!
— Preciso falar com você…
— Vá embora!
—  Não   seja  tola!  —  exclamou,  com  aspereza,  conseguindo  entrar  e
17
fechar a porta, enquanto a segurava pelo braço.
— Solte­me!
— Vim para desfazer um mal­entendido. Por favor, escute­me!…
— Não acredito em você — replicou ela, libertando­se. — De qualquer
forma, é tarde para isso. E tampouco estou interessada.
— Mesmo assim você vai me ouvir. Quer queira, quer não.
— Eu o odeio! — Nesse tom ríspido e ameaçador, Amanda mostrou­se
irredutível.
—  Não   aja   como   criança,   Amanda;   vamos   nos   comportar   como
adultos.
— Você… você é insuportável! — desabafou ela, fazendo­o sorrir.
— Por que não me convida para sentar e não me oferece uma bebida?
Tive um dia horrível… E acredito que você também não teve um dia muito
fácil… — bradou ele.
— Tudo bem. — Encarou­o com firmeza. — Uma bebida e você me diz
porque veio até aqui, mas não espere muita coisa de mim.
— Combinado.
— O que quer beber? — Ela dirigiu­se para o bar.
— Uísque com água, por favor.
Stephen ficou no meio da sala, examinando a decoração, enquanto ela
preparava o uísque e um licor para si.
Ao servir a bebida, Amanda sentou­se na cadeira e fitou­o em silencio.
— Você andou fazendo algumas alterações aqui, não, Amanda?
— Sim.
— Esperou Roderick morrer?
— Não. A decoração foi feita há dois anos.
— Não sabia que fazia tanto tempo que não vinha para cá.
— É verdade. Mas vamos direto ao assunto. O que você tem para me
dizer?
— Amanda, quero que vá para a ilha Hamilton comigo.
— Deve estar brincando…
— Espere, deixe­me explicar…
— Não precisa se dar ao trabalho! Como espera que eu vá a qualquer
lugar com você! Seria a última coisa que faria na vida. E por quê? — indagou
ela, irritada. — Por acaso, vai afetar sua posição na diretoria, se eu não for?
— Não tem nada que ver com a diretoria.
—  Então,   por   quê?   Não   me   diga   que   deseja   desfrutar   o   prazer   de
minha companhia...
—  Encare o problema dessa maneira: é hora de… tentarmos nos dar
bem e esta seria uma ótima oportunidade. Além disso, creio que Jeff está com

18
a razão, você tem um certo talento. Basta dar uma olhada neste apartamento,
para se ter certeza. A decoração é perfeita. Estou convencido de que podemos
aproveitar suas idéias no que se refere aos estilos de arquitetura e decoração,
e gostaria que conhecesse a ilha, onde pretendemos instalar uma colônia de
férias.
— Stephen, não disponho de conhecimento técnico necessário. O que
está propondo exige muita responsabilidade e domínio do assunto, e tudo o
que eu tenho é… intuição.
—  Não   estou   pedindo   que   assuma   nenhuma   responsabilidade.   Só
preciso de boas idéias, nada mais. Não lhe parece razoável?
— Sim, mas…
— Você aceitaria se Roderick tivesse feito o convite em meu lugar?
— Talvez… Acredito que sim.
— Então? A Ballantyne era muito importante na vida de Roderick. Se
você aceitasse, Amanda, estaria prestando uma grande ajuda à empresa, além
de uma homenagem póstuma a Roderick.
— E você pensa que eu não sei? — retrucou ela, com a cabeça baixa.
— Você aceita?
— Não.
—  Por   quê?   —   Stephen   deu   um   longo   suspiro,   e   mostrou­se
impaciente.
— Pensei que fosse óbvio. Nos últimos quatro anos você me humilhou
diversas vezes, deixou claro o que pensava sobre mim, e tem transformado
minha vida num inferno.
— Não seja tão rigorosa comigo! Nós nos encontramos apenas quatro
vezes nos últimos anos, Amanda.
—  Foi   o   bastante   —   ela   revidou,   com   frieza.   —   O   que   mais   me
impressiona é o fato de você pensar que pode controlar a situação sempre.
Você me trata com desprezo durante um bom tempo, e de uma hora para
outra decide passar por cima de tudo, como se nada tivesse acontecido! Se
julga que vou aceitar tudo isso com naturalidade, está enganado! Esta manhã
você insultou a memória de Roderick, ofendendo­me. Só me surpreende que
não tenha contado aos outros o que vem me dizendo, nos últimos anos… —
Amanda   foi   se   exaltando,   e,   quando   terminou   de   falar,   os   olhos   estavam
rasos de água.
Depois de ouvir as acusações, ele colocou o copo na mesa e tomou­a
pelos braços, forçando­a a se levantar.
— Não! Solte­me…
— Está certa — aquiesceu, puxando­a para o sofá. — Sempre a tratei
de forma horrível. Mas eu tinha meus motivos.

19
— Quais? Posso sabre?
— Claro, é para isso que estou aqui.
—  Devem ser muitos e fortes, para justificarem seu comportamento.
Afinal, não poupou esforços para demonstrar sua antipatia em relação a mim.
—  Tudo o que fiz foi pensando em salvar os interesses da empresa,
Amanda.
— Não seja cínico, Stephen!
— Pode acreditar. É a pura verdade.
—  Ora, não me venha com essa! Pelo pouco que conheço de você, já
deu para perceber que é o tipo de pessoa que só se preocupa em proteger os
próprios interesses.
— Se pensa dessa forma a meu respeito, e não me der uma chance de
provar o contrário, jamais vamos nos entender.
— E quem foi que disse que quero me entender com você?
— Pelo menos, pode fazer o favor de me escutar, sem interromper —
Stephen   replicou.   —   Sempre   achei   que   você   fosse   uma   ameaça   a   minha
posição dentro da empresa e, quando Roderick resolveu colocá­la na diretoria
da Ballantyne, senti­me enormemente prejudicado, pois eu era o braço direito
dele e você não tinha qualificação alguma para assumir um cargo de tamanha
responsabilidade. Quanto a mim, tive de conquistar um lugar na firma com
meu  esforço   pessoal  e  minha   dedicação.  É  compreensível  que  me  sentisse
injustiçado e ameaçado.
— Eu não queria entrar para a diretoria! — ela exclamou, nervosa. —
Nunca esperei nada de Roderick, a não ser ficar com ele… No entanto, de
certa   forma,   os   prognósticos   que   ele   fazia   em   relação   a   mim   eram
diferentes…
—  Está   tentando   dizer   que   a   maneira   de   Roderick   demonstrar   seu
amor foi nomeá­la para a diretoria?
—  Não   sei   o   que   ele   tinha   na   cabeça,   quando   me   nomeou   para   a
diretoria. O que posso dizer é que nunca deixou de admirar você. Mesmo
depois que se opôs a esta decisão dele. Poderíamos os três, eu, Roderick e
você, ter sido bons amigos. Infelizmente, você preferiu imaginar o pior a meu
respeito…
—  Não acredito em boas intenções. Elas não existem no mundo dos
negócios.
— Duvida de mim? Então, por que acha que nunca contei a ele como
me tratava?
— Gostaria de saber, isto é, se é mesmo verdade que não contou.
—  Porque Roderick o tinha em alta conta, e eu sabia que tal coisa o
deixaria aborrecido. Por que acredita que dei a você meu apoio esta manhã?

20
— Você se refere à reunião da diretoria? 
Amanda fechou os olhos e concordou com um gesto de cabeça.
—  Bom, na realidade, eu só comecei a ver as coisas com clareza há
pouco tempo. Foi difícil crer que você realmente o amava, e não havia casado
por interesse.
— E o que o fez mudar de idéia?
—  Eu… — Stephen hesitou, tentando esboçar um sorriso. — Sei que
posso parecer teimoso e infantil às vezes, mas… há algumas semanas vi um
de seus quadros, por acaso... Fiquei tão impressionado, que resolvi comprá­
lo, sem prestar muita atenção na assinatura. Nessa época, houve um jantar
em minha casa, e um dos convidados disse que também possuía uma tela de
Amanda Lawson.
—  Como descobriu  que se tratava de um de meus quadros? — ela
contrapôs, desconfiada.
— Não me lembrava de seu nome de solteira, porém tinha certeza de
que não havia muitas Amanda na Costa Dourada. Daí retornei à galeria e,
com um pouco de insistência, eles acabaram admitindo que Amanda Lawson
e Amanda Ballantyne eram a mesma pessoa.
— E o que isso tem que ver com sua visita?
— Muito simples. Eu pensei: se os quadros podiam lhe garantir uma
carreira   estável   como   artista,   você   não   era   completamente   dependente   de
meu sócio;  portanto,  cheguei  à  conclusão  de que  meu comportamento  em
relação   a   você   foi   equivocado.   E   aqui   estou   fazendo   uma   tentativa   de
reconciliação.
—  Seu   raciocínio   não   está   correto   —   ela   contra­argumentou,   com
franqueza. — Comecei a vender minhas telas muito recentemente. Sei que se
Rod me deixou bens no testamento, é porque se preocupava com meu futuro.
Penso que você não tem o direito de contestar o testamento. Por outro lado, a
última coisa que eu gostaria de fazer é entrar com uma ação na justiça contra
você.
Ambos permaneceram calados por algum tempo. Em seguida, Stephen
se levantou e foi até a janela.
—  O quadro que comprei é um auto­retrato. Agora eu percebi… —
sussurrou, olhando para a cadeira onde Roderick costumava sentar­se. — Na
pintura, não é possível reconhecer a garota sentada no chão. Mas a expressão
dos   olhos…   ela   está   atenta   à   cadeira   vazia,   como   se   sentisse   saudade   de
alguém… Aquela é a mesma cadeira da pintura…

Uma semana depois. Amanda estava ao lado de Stephen, dirigindo­se
para Brisbane num Mercedez cinza­metálico.

21
Era   uma   manhã   ensolarada   de   domingo   e   havia   pouco   trânsito   na
estrada.   Enquanto   observava   a   paisagem   pelo   vidro   do   carro,   Amanda
perguntava a si mesma como se deixara convencer.
Estaria fazendo aquilo por Roderick? Talvez ainda se sentisse culpada
pelo   relacionamento   difícil   entre   os   sócios,   e   pela   memória   de   Rod
concordava com a viagem.
Stephen parecia ter sido sincero, e, depois de tantas explicações, como
ela poderia ter recusado?
Ainda na tarde anterior, pensara em ligar para Stephen e inventar uma
desculpa. Diria que, apesar de terem feito as pazes, precisava de tempo para
se acostumar com a idéia. Contudo, o que mais a incomodava era a idéia de
passarem uma semana numa ilha.
Amanda não chegou  a telefonar.  Tivera a certeza de que, por mais
resistência que oferecesse, acabaria cedendo.
—  Alguma coisa errada? — indagou Stephen, interrompendo­lhe os
pensamentos.
—  Não, nada — Amanda respondeu, um pouco sem jeito. Era difícil
conviver amigavelmente com o homem que odiara por tanto tempo.
— Parece que vai fazer calor por aqui. Você trouxe roupas leves?
— Sim, trago comigo algumas camisetas e bermudas.
— Vai precisar de alguns trajes mais formais. Há quatro restaurantes
em   Hamilton   e   duas   casas   noturnas   recém­inauguradas.   Não   pense   que
vamos   passar   a   semana   inteira   trabalhando,   sem   nenhum   descanso.   Esta
parece   a   ocasião   ideal   para   juntarmos   o   útil   ao   agradável   —   Stephen
declarou, sorrindo.
Amanda   estivera   analisando­o   durante   parte   da   viagem,   e   naquele
momento teve um pressentimento.
Nos   encontros   anteriores,   conhecera   o   lado   frio   daquele   homem,   e
agora estava descobrindo o outro… mais amável. O traje esporte emprestava­
lhe um ar descontraído, menos austero.
Vestia uma bermuda creme, camisa pólo com listras brancas e bege, e
sandálias de couro.
Após  observá­lo  por  algum   tempo,  ela deu  uma olhada  na  própria
roupa. Decidira­se por um jeans com corte moderno e pela camisa de algodão
amarela, uma de suas cores prediletas para o verão. Estava usando também
um par de óculos de sol e, como de hábito, uma corrente de ouro e dois anéis:
na mão direita, a aliança de casamento; na esquerda, um delicado anel de
rubi.
Escolhera um esmalte vermelho­escuro, para combinar com o batom.
Por causa do banho de sol naquele dia, sua pele estava mais bronzeada do

22
que de costume, e recebera uma camada de loção à base de algas. Os cabelos
sedosos foram lavados pela manhã, e agora brilhavam à luz do sol.
À medida que se aproximavam de Brisbane, Amanda se perguntava
como uma pessoa podia mudar de atitude tão rápido.
A   aparência   informal   de   Stephen   colaborava   para   deixá­la   mais   à
vontade, e, por um momento, Amanda se esqueceu dos desentendimentos
passados, procurando conhecer melhor o homem a seu lado.
O sol do meio­dia estava forte, e ela achou bom estar protegida por
óculos   escuros.   Temia   aborrecer   Stephen,   deixando­o   perceber   seu
nervosismo.
Durante   o   trajeto,   a   conversa   restringiu­se   a   assuntos   banais,   como
trânsito,   clima   etc.   E   quase   não   falaram,   mergulhados   nos   próprios
pensamentos.
Ao passarem por Kingsford, porém, Stephen perguntou:
— Você trouxe seu material de pintura?
—  Não, apenas um bloco de rascunho e alguns vidros de tinta. Mas
estou levando uma câmara, para tirar fotos da ilha.
— Ótimo! Talvez eu tenha o privilégio de adquirir uma de suas telas
em primeira mão.
—  Será   difícil…   Normalmente,   demoro   muito   para   terminar   um
quadro.
— Faz tempo que você desenha?
—  Há   quatro   anos.   Quando   trabalhava   como   datilografa,   na
Ballantyne,   fazia   alguns   esboços   nas   horas   vagas   Só   depois   de   meu
casamento é que comecei a pintar com maior regularidade.
— Você desenha muito bem.
— Obrigada.
— Bem, cá estamos! — Stephen parou do carro em frente ao aeroporto
de Eagle Farm. — Você se importa de esperar aqui com a bagagem, enquanto
guardo o carro no estacionamento?
—  Não, é claro que não. Sempre fazia isso quando viajava com… —
Amanda parou, mordiscando o lábio “Quando viajava com Rod”, ia dizer. —
Veja, há um carrinho vazio ali! Vou apanhá­lo para pôr a bagagem.
Enquanto   esperava   por   Stephen,   a   ansiedade   em   relação   à   viagem
aumentou.   Apesar   do   medo   de   viajar   de   avião,   gostava   do   clima   dos
aeroportos.   Após   tantas   viagens   a   várias   partes   da   Austrália,   ainda
impressionava­se com o constante  movimento de passageiros,  o ruído dos
jatos e a sensação mágica de ir a um lugar novo.
Alguns instantes depois, Stephen juntou­se a ela e apanhou o carrinho.
— Que tal tomarmos algo? Está quase na hora do almoço.

23
— É uma boa idéia — assentiu ela.
— Primeiro, vamos checar as passagens e despachar a bagagem.
O funcionário do aeroporto mostrou­se solícito.
—  Sr.   e   sra.   Ballantyne   —   ele   declarou,   conferindo   as   passagens
erroneamente. — Vejo que são um casal de sorte… A ilha Hamilton é o lugar
ideal para um fim de semana. Gostariam de viajar na área para fumantes ou
na para não fumantes?
— Não fumantes — responderam ao mesmo tempo.
— Mas nós não somos casados… — Amanda corrigiu, embaraçada por
ter sido confundida como mulher de Stephen. 
“O que o funcionário do aeroporto estaria pensando? Bem, se eles não
eram casados, poderiam passar por… amantes? Por outro lado… o que as
pessoas pensassem realmente importava?” refletiu Amanda.
Depois de embarcar as malas, Stephen aproximou­se:
— Eu expliquei ao funcionário e ele mandou pedir desculpas.
—  Não   tinha   me   ocorrido   que   as   pessoas   poderiam   chegar   a   essa
conclusão, só por verem um homem e uma mulher juntos. — Amanda sorriu,
sem graça. — Espero que não aconteça de novo.
—  Se   está   tão   preocupada   com   o   que   as   pessoas   podem   pensar,   é
melhor relaxar e ir se acostumando. Basta verem um homem e uma mulher
juntos, e já acham que formam um casal. — Os olhos de Stephen traíam um
certo desgosto, e por um momento Amanda lembrou­se do homem agressivo
e hostil que havia conhecido. — Vamos tomar alguma coisa antes de partir?
— sugeriu ele, desfazendo o clima de tensão.
Mas   aquela   sensação   de   constrangimento,   que   a   princípio   fora
substituída pela expectativa em relação à viagem, voltara.
O jatinho aterrissou no aeroporto minutos antes do horário previsto.
Amanda sentara­se ao lado da janela, um pouco nervosa. Raras vezes
conseguia ficar calma antes da decolagem, e, de alguma forma, olhar pela
janela o avião se afastar do solo cada vez mais e senti­lo ganhando altura só a
deixavam nervosa. Nesses momentos procurava se distrair, olhando para o
banco   da   frente   ou   para   as   mãos   trêmulas,   até   que   o   aparelho   ganhasse
estabilidade.
Em   diversas   ocasiões   Roderick   havia   rido   daquele   seu   mal­estar,   e
sempre   procurava   confortá­la   com   um   beijo.   Amanda   recordava­se   dessas
coisas,   quando   Stephen   lhe   tomou   a   mão   e   cobriu­a   com   a   dele.   Tentou
distraí­la, falando sobre o funcionário que os tomara por marido e mulher.
— Desculpe pelo que aconteceu no aeroporto… Não tive intenção de
constrangê­la.
— Tudo bem. Às vezes, eu me preocupo demais com o que os outros

24
pensam.
— Você está aborrecida?
— Não, não é isso… O problema é que sempre fico nervosa antes de
partir…
— Está falando sério?
— Sei que parece bobagem, porem não suporto viagens de avião.
— Entendo. Procure não pensar muito no vôo em si. Não sei se você
sabe,   mas   o   avião   é   um   meio   de   transporte   muito   seguro.   O   índice   de
acidentes é baixíssimo, e quando acontecem…
— Eu sei — ela o interrompeu. — Os momentos mais arriscados são a
decolagem e o pouso. E você não tem medo, Stephen?
— Um pouco.
— Quer dizer que também tem medo? — repetiu Amanda, sentindo­se
mais confortada com o fato.
— Infelizmente — ele admitiu, com um sorriso.
— Pensei que eu fosse a única pessoa no mundo que tivesse esse tipo
de problema.
— Não, é claro que não.
— Os outros passageiros parecem tão seguros… Você disfarça bem o
nervosismo.
— Disfarço nada. Você é que não estava olhando para mim. Até pensei
que estivesse brava comigo.
— Não, claro que não — Amanda assegurou, hesitante.
— Não, mesmo?
— Stephen, para mim é difícil aceitar essa sua mudança, você entende?
Tudo aconteceu tão rápido. Preciso de tempo para me acostumar com a nova
situação.
—  Claro,   claro   —   aquiesceu   ele,   baixando   os   olhos.   —   Há   uma
semana, em meu escritório, estava tão irritada, que quase atirou um cinzeiro
em minha cabeça. Lembra­se?
— Como assim?
— Bem, você ficou olhando para ele por tanto tempo… 
Surpresa e, ao mesmo tempo, embaraçada, Amanda não pôde evitar
um sorriso.
— Não percebi que tinha me exposto tanto…
—  Na   realidade,   creio   que   você   conseguiu   se   controlar   de   forma
admirável, mas não vamos relembrar o passado. — E apertou a mão dela, de
um modo que enfatizasse as palavras. — Certo?
Amanda   concordou   com   um   gesto   de   cabeça,   sentindo­se   mais
aliviada. No entanto, algo em seu íntimo a precavia contra aquele homem.

25
Contudo, por que, se agora ele se mostrava tão gentil e atencioso?
Distraída com esses pensamentos, não percebeu quando a aeromoça se
aproximou, sugerindo:
— Gostariam de tomar um aperitivo, sr. e sra. Ballantyne? 
De   mãos   dadas,   Amanda   e   Stephen   trocaram   um   olhar   cúmplice   e
sorriram.
O vôo para a ilha Hamilton levou quase uma hora e meia. Depois do
almoço, Stephen  leu as principais notícias do jornal  e Amanda instalou­se
confortavelmente   na   poltrona   para   apreciar   a   vista,   um   pouco   sonolenta
depois da taça de vinho. Há tempo não tirava alguns dias para descansar,
longe dos escritórios da empresa, e aquela ilha parecia o lugar ideal.
O avião começou a descer ao sobrevoar o litoral de Mackay e o porto
de Hay Point, para onde eram levados os vagões dos campos de mineração
em Queensland.
Em meio ao oceano, blocos maciços de coral submerso formavam uma
mancha   escura   e   extensa.   Amanda   ficou   encantada   ao   ver   as   praias   com
vegetação litorânea, baías isoladas, iates como minúsculos pontos brancos no
azul do mar, e as formações rochosas que, à luz do sol, refletiam variadas
cores e imagens.
— Aquela é a ilha Pentecost — Stephen declarou. — O capitão Cook,
como você já deve ter ouvido falar, descobriu a passagem entre estas ilhas há
muito, e deu nomes diferentes a cada uma delas. Devemos estar perto agora.
A   voz   do   comissário   de   bordo   confirmou   a   informação   pelo   alto­
falante. Estariam aterrissando na ilha Hamilton em poucos minutos.
Já se podia avistar a pista do aeroporto, e o avião iniciava um pouso
suave.
—  Parece   que   não   vai   levar   muito   tempo   —   ela   murmurou,
apreensiva.
—  Apenas o tempo necessário. — Stephen tentava fazê­la relaxar. —
Essa pista reduz o tempo da viagem. Antes, para chegar até a ilha, os turistas
tinham de pegar um avião para Proserpine e então tomar um barco em Shute
Harbour, ou alugar um helicóptero. Agora o acesso está muito mais fácil —
acrescentou,   ouvindo   as   turbinas   sendo   desligadas.   —   Foi   uma   descida
suave, não?
— Foi. Mas preciso me acostumar às viagens de avião.
— Lembre­se de que não é a única que tem medo de voar.
— Já estou melhor. Quando sinto o avião em contato com a pista, fico
mais calma.
— Ótimo! Bem, seja bem­vinda a Hamilton! Vamos desembarcar?
Do lado de tora do avião, o ar estava quente e úmido. O terminal de

26
desembarque ainda não tinha sido acabado, e um jovem com megafone dava
as boas­vindas e orientava os passageiros.
— Vamos com os demais turistas, Stephen! Dispense nosso carro.
— Como quiser. Amanda.
O motorista do ônibus turístico era um homem simpatia e jovial. Antes
de dar a partida, informou o itinerário:
— Senhoras e senhores, sejam bem­vindos à ilha Hamilton. Vou levá­
los até o hotel primeiro, onde poderão confirmar suas reservas. Depois, se
quiserem,   fico   à   disposição   para   apresentar­lhes   a   ilha   —   bradou
animadamente, antes de começar a descrever os pontos turísticos que havia
durante o trajeto. — À esquerda, vocês podem ver o porto de Hamilton, e
aquele é o Mariners' Inn, ótimo barzinho para se divertirem e cearem à noite.
Há várias lojas para os hóspedes do condomínio, onde poderão encontrar de
tudo!   E   agora,   vamos   passar   para   outro   lado   da   ilha.   À   direita,   estão   os
chalés, bem no alto daquela colina, e estes são os do condomínio. À esquerda,
o Hotel Outrigger. E, finalmente, a recepção — anunciou, atravessando um
pórtico imponente.
— É enorme! — Amanda exclamou, impressionada.
—  E ficará maior ainda — afirmou Stephen. — Estamos terminando
uma área de lazer, e há outra construção que nem começamos. Você quer
esperar aqui, enquanto vejo nossas acomodações?
—  Não.   Gostaria   antes   de   conhecer   o   prédio   por   dentro.   Parece
incrível!
Amanda estava certa. Enquanto caminhava pelo interior da recepção,
estudava cada detalhe da decoração impecável.
O teto se elevava, como o topo de uma pirâmide, e era revestido de
madeira.   O   papel   de   parede   clássico   dava   um   tom   discreto   e   elegante   ao
ambiente,   juntamente   com   alguns   quadros   de   pintores   famosos.   A   área
central,   situada   num   nível   mais   baixo   em   relação   à   entrada   principal,
chamava a atenção pelo jardim com plantas ornamentais, delimitado por uma
mureta   em   mármore   branco.   Por   toda   parte   havia   mesinhas   com   três   ou
quatro   poltronas.  Por  uma  porta  de  vidro   podia­se   chegar  a  uma  enorme
piscina,   cuja   principal   atração   era   uma   ilha   artificial   com   palmeiras.   Mais
adiante divisava­se a praia.
— Fantástico!… — Amanda exclamou, entusiasmada.
— Gostou do lugar? — indagou Stephen, aproximando­se dela.
—  É   bonito.   A   pessoa   responsável   pela   decoração   teve   muita
criatividade   e   bom   gosto.   Possui   uma   influência   polinésia   bem   marcante.
Parece ter sido projetado para combinar com as construções locais, as noites
quentes   e   úmidas,   e…   —   Ela   parou,   percebendo   que   Stephen   estava

27
examinando­a. — O que foi?
—  Nada.   Está   absolutamente   certa.   Você   conseguiu   fazer   uma
descrição perfeita do lugar. Foi por isso que a trouxe para cá, sra. Ballantyne.
— Você pretende copiar a decoração daqui?
— Não, de modo algum. Só quis reafirmar os motivos que me levaram
a trazê­la comigo. Quero dizer que foi por causa de suas idéias sobre estilos e
tendências que a trouxe para cá.
— Ah, bom! — Amanda sussurrou, com um sorriso. — Nesse caso, o
que  acha de me oferecer  uma xícara  de chá? Preciso de uma para aguçar
minha sensibilidade.
— Negócio fechado! Um carro está a nossa espera, para nos levar até a
colônia   Outrigger.   Podemos   tomar   uma   bebida   mais   estimulante,   em
chegando lá.
O apartamento de Amanda ficava ao lado do de Stephen, numa das
alas   mais   luxuosas   da   colônia.   Da   varanda,   ela   podia   apreciar   melhor   a
paisagem de beleza indescritível que se abria a seus olhos.
A   colônia   Outrigger   estava   situada   de   frente   para   o   mar,   e   havia
muitas velas coloridas e alguns iates ancorados nas águas límpidas do oceano
Pacífico.   Num   extremo   da   praia   via­se   uma   enorme   lagoa   cercada   por
rochedos, e adiante uma colina íngreme coberta pela vegetação litorânea. O
lugar   era   conhecido   como   Passage   Peak   e   a   praia   chamada   de   Areia   das
Pérolas, devido à grande quantidade de ostras na região.
O recife de corais que partia de Passage Peak contornava toda aquela
parte da ilha, terminando no cais. Outro recife dividia a lagoa em duas, e
acabava numa elevação rochosa, logo atrás do Hotel Outrigger.
As acomodações mais aconchegantes da ilha Hamilton eram os chalés,
construídos  em  estilo colonial, com  amplas varandas que davam para um
imenso gramado. Todos eles possuíam as comodidades necessárias para um
fim de semana confortável.
Mas o que mais chamou a atenção de Amanda, enquanto observava a
paisagem,  foi   o  prédio da recepção,  com  suas   altas  palmeiras  e  a enorme
piscina com serviço de bar e sauna.
— Isso é que é luxo! — exclamou, ouvindo passos do lado de fora do
quarto.
Era Stephen, com duas xícaras na mão.
— Você já tomou seu chá?
—  Não,   ainda   não.   Nem   comecei   a   desfazer   as   malas…   Estava
apreciando a vista.
— É muito bonita — ele bradou, entrando. — Gostou do quarto?
— Sim, é bastante aconchegante e confortável — afirmou, aceitando a

28
xícara que ele lhe oferecia.
O apartamento era constituído de uma suíte ampla e espaçosa. Possuía
uma cama de casal coberta com uma colcha de cetim, uma poltrona, duas
cadeiras, uma mesinha e três abajures. Ao lado da janela, havia uma pequena
geladeira   com   refrigerantes,   sucos   naturais   e   uma   variedade   de   bebidas
alcoólicas.
—  Gostaria de dar um passeio? — Stephen perguntou, terminado o
chá.
—  Sim,   mas…   o   arquiteto   e   o   engenheiro   da   Ballantyne   não   estão
esperando por nós?
—  Não, eles só chegam daqui a três ou quatro dias. Enquanto isso,
temos   tempo   suficiente   para   conhecer   os   principais   pontos   turísticos   de
Hamilton.
— Você tem alguma sugestão?
— Bem, estava pensando em dar um mergulho. O que acha?
— Ótima idéia! A água deve estar uma delícia!

CAPÍTULO IV

No dia seguinte, Amanda acordou bem cedo, disposta a andar pela
ilha. Como a maré estivesse baixa, caminhou horas com água pela cintura, até
chegar aos recifes.
Voltou do passeio por volta do meio­dia, e Stephen já a esperava para
almoçar, no restaurante do hotel
— Como está se sentindo? — ele quis saber, enquanto comiam.
— Ótima!
— Não esta gostando da comida?
—  Como   não?   Dê   uma   olhada   em   meu   prato!   —   ela   brincou,
apontando   para   o   enorme   filé   de   peixe   que   estava   saboreando   e   para   a
variedade de saladas que ele lhe servira. — A propósito, sinto muito pela
noite passada. Creio que estava realmente cansada.
Após voltarem da praia no dia anterior, Amanda desfizera as malas
antes de se deitar, e tinha caído num sono profundo, vencida pelo cansaço da
longa viagem.
Eles haviam combinado jantar no restaurante Outrigger, mas Stephen
batera à porta do quarto dela diversas vezes, sem que ela despertasse.
— Não sei como consegui dormir tanto! — exclamou, experimentando
um pouco de salada. — Não dormia tão bem desde… bem, faz muito tempo.
—  Pensei que tivesse acontecido algo, e quase fui até a portaria para
29
conseguir uma cópia da chave, porém me lembrei que você parecia cansada.
Assim mesmo, fiquei aliviado quando atendeu ao telefone esta manhã. Mais
um pouco de vinho? — ofereceu, com a garrafa na mão.
— Sim, obrigada. Depois de uma refeição como esta com vinho branco
bem gelado, preciso arrumar alguma coisa para fazer e gastar as calorias.
Stephen admirou o corpo esbelto e levemente bronzeado de Amanda,
que usava apenas uma leve saída­de­banho sobre o maiô. Ela pensou que ele
fosse lhe fazer algum elogio, mas Stephen mudou de assunto, dizendo:
—  Que tal uma partida de tênis no final da tarde? Depois, quando a
maré baixar, poderemos dar um mergulho.
— Eu adoraria!
Amanda fechou os olhos e suspirou. Seria possível que tudo aquilo
estivesse   realmente   acontecendo?   Stephen   Chandler   e   Amanda   Ballantyne
almoçando juntos, como velhos amigos? Aquele homem a seu lado, de short
e camiseta azul­marinho, seria o mesmo que conhecera cinco anos antes?
— O que foi?
—  Nada — ela despistou. — Quero preveni­lo de que não sou uma
boa tenista, e nunca aceito um desafio quando suspeito que meu adversário
leva muita vantagem sobre mim.
— Fique sossegada. Eu não jogo muito bem…
—  É o que todos dizem. Aí, você entra na quadra e descobre que o
outro jogador é um verdadeiro campeão! Bom, de qualquer forma, um pouco
de exercício fará bem.

—  Viu só? Eu estava certa! — Amanda bradou, exausta, ao sentar­se
num banco do lado da quadra. — Você ganhou todos os sets!
— Mas você jogou muito bem — Stephen elogiou, juntando­se a ela.
—  Preciso   praticar   mais.   Quando   Rod   era   vivo,   nós   sempre…   —
parou, arrependida de ter tocado no assunto.
—  Amanda, nós não conseguimos esquecer Roderick um só minuto,
não é mesmo?
—  Desculpe… Sei que não gosta de me ouvir falando dele. Também
não sei se gosto de conversar com você sobre ele.
Havia   uma   certa   frieza   nos   olhos   de   Stephen,   e   tal   fato   a   deixou
apreensiva. Será que os mal­entendidos não tinham sido esquecidos ainda?
— O que fazer? — Stephen interrogou, afinal. — O fato é que Roderick
foi   importante   para   nós.   Se   ficarmos   embaraçados   toda   vez   que   falarmos
dele, será como se houvesse uma barreira entre nós.
— Na realidade, ela sempre existiu.
— Eu sei. No entanto, imaginei que tivéssemos chegado a um acordo,

30
Amanda!
— Stephen, não posso esquecer tudo, como se nada tivesse acontecido.
— Ela se levantou.
— Nem eu estou lhe pedindo isso — revidou ele, forçando­a a encará­
lo.
— Está, sim. Quer que eu esqueça Rod…
—  Não, não é verdade. Quero apenas que não se sinta culpada, toda
vez que se lembrar dele.
— Não é culpa, apenas mágoa por você tentar estragar os momentos
mais felizes de minha vida.
— Amanda, nós já…
— Roderick e eu nos amávamos, e você distorceu nossos sentimentos.
Não conseguia acreditar que era possível  um homem de cinqüenta anos e
uma mulher de vinte se apaixonarem. Infelizmente, tudo o que conseguia ver
era os interesses em jogo: o testamento de Roderick, suas ações na bolsa de
valores…
— Acredito em você, agora!
— Eu sei, Stephen.
— Então, é você que não confia em mim.
— Eu quero confiar em você. Por Rod…
— E por você mesma?
—  Preciso de tempo. Não é tão fácil… — argumentou, encontrando
dificuldade para revelar sentimentos tão íntimos. — Nos últimos dias você
tem sido amável e gentil, e estou confusa…
— Quer voltar para casa?
Amanda   ficou   indecisa.   Estava   passando   momentos   agradáveis   ao
lado de Stephen, e a idéia de voltar para a companhia e reencontrar nele o
executivo frio e agressivo a assustava. Além disso, Roderick ficaria feliz em
ver   que   estavam   se   dando   bem…   Após   refletir   por   alguns   instantes,
respondeu:
— Eu… desejo ficar aqui com você.
— Mesmo?
— Sim.
— Não quero forçá­la a nada, Amanda.
— Não se preocupe, você não está forçando. Penso que precisamos nos
conhecer melhor.
—  Em sendo assim, que tal esquecermos o assunto e tentarmos nos
divertir mais um pouco?
—  Não   devíamos   conhecer   a   ilha,   para   iniciarmos   o   projeto?   Você
disse que um arquiteto e um engenheiro estariam vindo para cá.

31
—  Está   sugerindo   que   comecemos   a   trabalhar?   —   interrogou   ele,
sorrindo.
— Bem, para isso é que viemos, não é?
—  Eles só  chegarão  na quarta­feira. Portanto, temos hoje e amanhã
para relaxar.
— Stephen… eu sinto muito o que aconteceu. O problema é que ainda
tenho saudades de Rod. Não é culpa sua, nem minha. Depois que ele morreu,
tenho estado tão deprimida…
— Você tem amigos?
— Para ser sincera, não. Sempre tive dificuldade em conhecer pessoas
e em travar amizades. Rod era meu único amigo, além de marido. Claro que
há pessoas com quem converso freqüentemente, como a vizinha, a balconista
da livraria… O que foi? — indagou ela, diante da frieza nos olhos dele.
—  Nada.   Creio   que   já   entendi…   Bem,   se   acha   que   devemos   ficar,
vamos   dar   um   mergulho?   —   convidou   Stephen,   desfazendo   o   clima   de
tensão.
— Tudo bem — ela concordou, estendendo­lhe a mão.
Algumas   horas   depois,   Amanda   contemplava­se   no   espelho   do
banheiro, sentindo­se relaxada.
Para o jantar, escolhera um vestido de seda verde e sandálias de salto
médio. Era um modelo leve, informal, completamente diferente das roupas
sóbrias e clássicas que costumava usar para as reuniões da diretoria, e que
combinava perfeitamente com seu estado de espírito naquela noite.
Ao apanhar a bolsa, ouviu alguém bater à porta e foi atender.
— Já estou pronta! — declarou, sorrindo para Stephen.
—  Está   linda!   —   ele   exclamou,   olhando­a   com   admiração,   antes
mesmo de cumprimentá­la.
— Stephen! Stephen Chandler, é você mesmo?
Stephen   e   Amanda   tinham   acabado   de   chegar   ao   restaurante
Outrigger, quando uma voz masculina chamou­lhes a atenção.
Stephen virou­se e foi abraçado por um homem alto e forte, com olhos
castanhos e cabelos negros.
— Brad! — declarou ele, com admiração. — O que está fazendo aqui?
— Isso lá é jeito de receber um velho amigo?
Os   momentos   que   se   seguiram   foram   animados.   Brad   estava
acompanhado   por   uma   garota   de   rosto   delicado   e   olhos   claros,   que   se
manteve   em   silêncio.   Enquanto   Brad   e   Stephen   conversavam,   Amanda
descobriu que eles tinham sido colegas de faculdade, e não se viam há muito.
O garçom  percebeu  que  se tratava de uma ocasião  especial  e sugeriu que
ocupassem uma mesa maior.

32
— É uma idéia excelente! — acatou Brad, com seu jeito alegre e jovial.
Após   uma   certa   movimentação,   todos   estavam   acomodados   numa
mesa para quatro, e Brad apresentou a companheira:
—  Esta   é   Louise.   Louise,   quero   que   conheça   Stephen   Chandler,   o
melhor jogador de tênis de toda a faculdade… Louise é minha namorada.
Louise cumprimentou­os com um sorriso.
—  Sua vez, Stephen! — Brad brincou, e, antes que Stephen pudesse
dizer  alguma  coisa,  ele  virou­se  para   Amanda  e  acrescentou:  —  Você  é  a
mulher mais bonita que já vi em toda a minha vida. Tenho de admitir que
Stephen sempre teve bom gosto.
Amanda   sorriu,   embora   estivesse   um   pouco   embaraçada.   Nesse
momento, Brad reparou na aliança da mão dela.
— Ora, vejam só! Quando se casaram? Isso merece uma comemoração!
Garçom!
— Brad, Amanda e eu não somos casados.
— Não? Oh, desculpe­me! Tenho o péssimo defeito de tirar conclusões
apressadas… A propósito, meu nome é Brad Mortimer…
Stephen percebeu que Amanda estava sem jeito, e explicou:
— Amanda Ballantyne era casada com meu sócio. Na realidade, ela é
viúva, e estamos aqui a negócios.
—  Eu   realmente   sinto   muito   —   desculpou­se   Brad,   ao   ouvir   a
explicação   de   Stephen.   —   Mas   vocês   precisam   reconhecer   que   me
confundiram direitinho! Minhas desculpas mais sinceras, Amanda.
Para   ela   era   como   se   todas   as   más   lembranças   do   passado   lhe
voltassem à mente. O que mais a preocupava não era o fato de passar por
mulher de Stephen, e sim o de ter sido casada com um homem mais velho,
que fora sócio dele, o que levava as pessoas a duvidar de seu casamento.
Amanda ficava irritada por ter sido ingênua, a ponto de não esperar
aquele tipo de reação. Durante os anos em que estivera casada com Roderick,
muitas vezes fora confundida como filha dele, e acontecia tão freqüentemente
que ela tinha acabado se acostumando.
No entanto, o amigo de Stephen parecia ser uma pessoa  simples, e
Amanda perguntou­se se não teria dado muita importância a uma confusão
corriqueira. Afinal, era um engano perfeitamente compreensível.
— Está tudo bem — garantiu ela. — Mas estou pensando seriamente
em usar um crachá de identificação, o mais detalhado possível.
O   comentário   bem­humorado   serviu   para   desfazer   o   clima   de
nervosismo. Stephen ficou mais calmo, e todos riram ao mesmo tempo. Brad
e Louise haviam chegado naquele dia, e já começavam a combinar passeios,
satisfeitos com a companhia de Amanda e Stephen.

33
— Temos de planejar alguns projetos para a ilha — Stephen preveniu­
os. 
— Ora, esqueça o trabalho! — Brad objetou. — Há uma discoteca no
Mariners'Inn. Que acham de irmos até lá, depois do jantar?
Stephen olhou para Amanda, esperando por uma resposta.
— Por mim, tudo bem — murmurou ela.
— Perfeito! — aprovou Brad, entusiasmado.
O Mariners', como era conhecido na região, estava repleto quando eles
chegaram. Apesar de estar funcionando há pouco tempo, era o lugar mais
freqüentado pelos hóspedes e funcionários da colônia de férias.
Escolheram  uma  mesa  na   varanda,  de  onde  podiam   ver  a  pista  de
dança e o bar, e respirar o ar fresco da noite.
Brad levantou­se e estendeu a mão para Amanda.
— Vamos dançar! Esta música é uma de minhas favoritas! 
Amanda hesitou e olhou para Louise, que a incentivou:
— Vá em frente! Ele é incansável! Se deixarmos, pode ficar dançando a
noite inteira…
Por   um   momento,   Amanda   procurou   saber   por   que   estava   tão
embaraçada.   Gostava   muito   de   dançar,   mas   Roderick   sempre   detestara   o
barulho das discotecas…
Brad Mortimer não lhe deu tempo para pensar. Enlaçou­a pela cintura
e, levantando­a da cadeira, revelou:
— Você tem ritmo, Amanda.
—  Não   estou   muito   convicta…   —   contestou   ela,   porém   acabou
cedendo. De certa forma, era impossível deixar­se ofender por um homem
tão simpático e cativante.
Logo  em   seguida,  estavam  na   pista.  Brad  não   desistia,  e  depois   de
alguns passos, Amanda conseguiu se soltar, desenvolvendo uma coreografia
própria,   que   parecia   coincidir   com   a   de   Brad,   de   acordo   com   o   ritmo   da
música.
Viu Stephen e Louise dançando a alguns metros, e acenou. Stephen
observava­lhe os movimentos.
Ao sentir que suas forças estavam acabando, ela pediu a Brad que a
levasse de volta para a mesa.
— Louise tinha toda razão sobre você. É um ótimo dançarino!
— Obrigado. Que tal mais um número?
—  Bom,   julgo   que   não   estamos   sendo   muito   gentis   em   deixá­los
sozinhos, não é?
—  É verdade. Mas eu estava certo a seu respeito. Amanda, você tem
ritmo! — Sorriu, levando­a de volta para a mesa, antes de apanhar bebida

34
para todos.
Stephen   e   Louise   já   estavam   sentados,   e   Amanda   reparou   que   ele
ainda a fitava atentamente.
—  Vocês   estavam   ótimos!   —   elogiou   Louise.   —   Vou   ter   de   treinar
bastante, ou então perderei meu parceiro.
—  Não sei o que aconteceu comigo… — Amanda se desculpou.  —
Nunca dancei tanto em minha vida!
— Nunca? — Stephen perguntou, surpreso.
— Não. É muito estranho…
— Foi por causa de Brad — explicou Louise. — Ele consegue fazer as
pessoas se descontraírem. E, por falar nele, creio que chegou minha vez!
Brad colocou a bebida na mesa e chamou Louise para dançar.
— Deve ser isso. — Amanda procurou convencer­se, um pouco mais
aliviada, enquanto o casal brilhava na pista de dança. — Deve ser por causa
de Brad. O mais engraçado é que nunca tinha percebido que precisava me…
— ela parou, mordiscando os lábios.
— Soltar?
— Sim.
— Pelo que me lembro, Roderick não gostava muito de discotecas.
— Rod as odiava.
— Você não precisava gostar das mesmas coisas que ele, Amanda.
— É, eu acho que não…
— Nesse caso, por que parece se sentir tão constrangida?
—  Eu   me   sinto   como…   como   se   o   estivesse   traindo   —   confessou,
abaixando a cabeça.
—  Tal   coisa   é   ridícula.   Quer   passar   o   resto   da   vida   prisioneira   de
recordações?
— Não, porém ele não gostaria de me ver dançando com outra pessoa.
Na realidade, Rod nunca falou nada, mas eu podia sentir… — Seus olhos
brilhavam intensamente, diante da constatação tardia.
— Alguns maridos não se importam de ver suas mulheres dançando
com outros homens.
— Você se importaria?
— Bom, prefiro me casar primeiro, antes de dar minha opinião. O mais
importante é que… bem…
— O quê?
— Não sei se devo.
— Por favor, Stephen.
—  Eu ia dizer que seu marido não está mais aqui, porém pensei que
você não ia querer ouvir.

35
— Sim, você estava certo. Fui tola em insistir.
— É o que eu pensava.
—  Vamos   esquecer.   No   fundo,   tem   razão,   Stephen.   Não   posso   me
sentir   culpada,   só   porque   estou   me   divertindo.   É   o   que   está   acontecendo
comigo, não é?
—  Você não está fazendo nada de imoral, Amanda. Não precisa se
preocupar. Você é jovem, bonita e tem uma vida pela frente. Não há nada de
errado em sair um pouco em companhia de amigos.
—  Você sabe como me encorajar! Sei que pareço infantil às vezes…
Minha nossa, acho que já estou um pouco tonta! Deve ser a bebida…
— Você só bebeu meio copo de cuba­libre.
— Nesse caso, deve ser a noite. — Ela voltou­se para observar o porto
e as luzes dos iates refletidas na  água, em meio à escuridão. — Bem, não
pretendo   passar   o   resto   do   fim   de   semana   deprimida!   Quer   dançar   um
pouco?
— Se prometer que não vai se arrepender amanhã de manhã, gostaria
muito de dançar com você.
— Prometo… — condescendeu, estendendo­lhe a mão.
— Seria capaz de dançar a noite inteira! — Louise exclamou, enquanto
deixava o Mariner's. — A propósito, de quem foi a idéia de caminhar um
pouco? Meus pés estão me matando!
— A idéia foi sua! — os três exclamaram, em coro.
— Sei que tinha uma boa razão para a caminhada, mas não consigo me
lembrar. Penso que estou meio tonta…
—  Foi exatamente por isso que queria andar um pouco, querida —
Brad esclareceu.
— Não devia ter bebido tanto.
— Quer descansar antes de continuarmos?
— Quero.
Eles   pararam   para   respirar   o   frescor   da   noite,   e   Amanda   afirmou,
admirada.
— Vejam que palmeira enorme! É uma das maiores que já vi na ilha.
—   Apontou   para   a   árvore   situada   entre   o   cais   e   a   praia.   Ficava   numa
encruzilhada, onde uma das estradas levava até a recepção, e a outra para os
chalés e o aeroporto.
— Está se sentindo bem? — Stephen interrogou tomando­lhe a mão.
— Um pouco cansada, porém estou bem. Tive uma noite fantástica!
— Eu também! — ele afirmou, antes de continuarem a andar.
— Você é um exímio dançarino — Amanda elogiou.
—  Ah, mas eu passei anos e anos me aperfeiçoando numa escola de

36
danças!
—  Chegamos, pessoal! — interrompeu Brad. — Louise e eu estamos
no chalé número dez. E vocês?
— Lá em cima, no hotel.
— Brad, não consigo dar mais um passo — Louise reclamou. — Você
me deixou exausta!
— Seu problema está resolvido, querida — Brad declarou, pegando­a
no colo.
— Eu amo você, sabia? — sussurrou ela, ao repousar a cabeça em seu
ombro.
Brad lançou um olhar furtivo para Amanda e Stephen, despedindo­se:
— Vejo vocês amanhã de manhã!
Stephen e Amanda dirigiram­se para o hotel, ainda de mãos dadas.
— Eles são muito agradáveis, não acha?
— Bastante… — assentiu Stephen. — Estamos chegando. 
Subiram os degraus da portaria do hotel, e mais um lance de escada
até o segundo andar. O silêncio só era rompido pelo toque dos sapatos nos
ladrilhos.
— Está com a chave? — indagou Stephen.
— Sim.
—  Antes   que   eu   me   esqueça,   amanhã   vamos   de   helicóptero   até   o
recife. — Ela encarou­o, apreensiva. — E, antes que sinta medo, garanto­lhe
que a viagem é perfeitamente segura. E a melhor maneira de visitarmos o
recife e as outras ilhas é de helicóptero. Prometo que não vai se arrepender.
— Mas…
—  Não   há   perigo   algum,   repito.   Além   disso,   você   é   uma   mulher
corajosa agora, não é?
— Isso não vale — reclamou, um pouco sem jeito. — Por que não me
contou antes?
— Pensei que, quanto menos tempo tivesse para pensar na viagem…
— Bem, eu ainda tenho uma noite inteira — atalhou ela.
—  Infelizmente, temos de partir  às seis e meia, para aproveitarmos
bem o dia. E desconfio que você vai dormir como uma pedra esta noite.
Quando chegaram ao quarto dela, Stephen abriu a porta e acendeu a
luz.
—  Tem razão.   É bobagem  eu me preocupar  demais com  a viagem.
Vamos   ver   o   que   acontece   amanhã   —   murmurou   ela,   repousando   a   mão
sobre a dele. — Obrigada… a noite foi maravilhosa.
Os olhos de Stephen faiscaram, e ele lhe beijou a mão delicadamente.
Amanda teve vontade de prolongar aquele momento, mas, consciente

37
do perigo a que se expunha, lutou para não demonstrar emoção.
—  Boa noite, Stephen — apressou a despedida e, rápido, entrou no
quarto.

CAPÍTULO V

Encostada na porta do quarto, Amanda ouviu os passos de Stephen se
afastando. Fechou os olhos, e a angústia foi tomando­a de assalto. Embora já
estivesse   convivendo   com   ele   fazia   alguns   dias   e   percebesse   que   a   antiga
hostilidade havia sido substituída por uma inesperada admiração, só nesse
momento   se   conscientizava   de   seus   sentimentos.   E   estes   ultrapassavam   o
simples bem­querer… Estava apaixonada!
Foi   até   a   cama   e   cobriu   o   rosto   com   as   mãos.   Precisava   chorar,
desabafar   o   choque   que   esta   constatação   lhe   havia   provocado.   Stephen
Chandler   era   a   última   pessoa   por   quem   deveria   se   apaixonar.   Como   ele
mesmo havia dito, o passado não poderia ser apagado. E, no passado, haviam
sido inimigos; Stephen a humilhara como se fosse a pior das mulheres…
Difícil   esquecer   tal   coisa,   e   impossível   reprimir   a   sensação   de   que,
mesmo   que   sempre   tivessem   sido   amigos,   seria   errado   envolverem­se
afetivamente.   Stephen   era   mais   do   que   um   mero   sócio   do   marido,   pois
Roderick considerava­o como um filho. Por isso, Amanda sentia agora uma
culpa   imensa.   Rod   estava   morto,   porém   não   conseguia   evitar   a   terrível
sensação de que lhe fazia a pior das traições.
Não foi difícil levantar cedo no dia seguinte. Tensa, Amanda acordou
várias   vezes   durante   a   noite   e,   quando   eram   cinco   e   meia,   ela   resolveu
começar a se preparar para a viagem. Tomou um banho rápido, colocou um
short   e   uma   camiseta   e,   na   sacola,   juntou   uma   toalha,   óculos   escuros,
bronzeador e a máquina fotográfica.
Às seis e quinze o telefone tocou.
— Amanda? Sou eu, Stephen. São seis e quinze…
— Eu sei. Já estou pronta.
Houve um breve silêncio. Aí, ele declarou:
— Ótimo! Pensei que ainda estivesse dormindo.
— Não; já acordei faz tempo.
—  Então, posso apanhá­la daqui a cinco minutos? Dessa vez, fui eu
que me atrasei.
— Tudo bem. — Amanda colocou o telefone no gancho e sentou­se. Se
Stephen soubesse que estava confusa demais, a ponto de ficar nervosa com a
viagem de helicóptero…
38
Após refletir por alguns instantes, decidiu afastar com determinação
qualquer pensamento sobre a noite anterior. Provavelmente, estivera sob o
efeito da bebida e da música, nada mais.
Já no aeroporto, os dois se dirigiram para o escritório da companhia
aérea. Não havia uma única nuvem no céu, e o ar quente da manhã indicava
que o dia seria maravilhoso.
Ela o observava discretamente, procurando esconder a tensão. Stephen
também   havia   escolhido   um   traje   bem   esportivo:   calção   amarelo   e   bata
branca.   O   conjunto   simples   o   deixava   terrivelmente   bonito,   realçando   o
bronzeado da pele.
—  E   daí,   Stephen,   sua   coragem   está   em   alta?   —   ela   perguntou
brincando, para disfarçar o nervosismo.
— Hoje, eu posso até saltar de pára­quedas… Mas… você está bem? —
E olhou­a, preocupado.
— Estou ótima! — ela mentiu. — Por que não haveria de estar?
— Você levantou cedo.
—  Foram as gaivotas… Um bando delas! — exclamou, forçando um
sorriso que não o convenceu.
— Sei… Quer dizer que não está nervosa?
—  Só   um   pouco.   Li   alguma   coisa   sobre   a   viagem.   Parece   que   o
helicóptero vai pousar numa barca ao lado do recife, e que vamos conhecer os
bancos de coral numa nave com fundo transparente.
— É uma aventura e tanto!
— Para mim, parece assustadora!
— Você já mergulhou?
— Por incrível que pareça, já. Essa parte da viagem, pelo menos, tenho
certeza de que vou adorar.
—  Ótimo! — bradou ele, tomando­lhe a mão. Amanda resolveu agir
com naturalidade e não ofereceu resistência ao contato.
Um guia turístico estava esperando por eles no escritório.
—  Chegaram   bem   na   hora!   —   Ele   os   recebeu   com   entusiasmo,
apontando para outros três passageiros. — Vamos apanhar o equipamento de
mergulho, e depois eu os levo até a pista.
O helicóptero era pequeno, e trazia o mapa e o nome da ilha Hamilton
nos   lados,   em   letras   bem   grandes.   Quando   chegaram,   o   piloto   parecia
preocupado, mas, assim que o outro funcionário surgiu com o café da manhã,
ele suspirou, aliviado.
—  Pensei   que   vocês   fossem   ficar   sem   o   desjejum   esta   manhã!   —
brincou ele, e começou a explicar como deveriam usar o salva­vidas!
Pouco tempo depois, as portas do helicóptero já estavam fechadas, e o

39
piloto   pediu   que   todos   colocassem   os   fones   de   ouvido,   por   causa   da
decolagem barulhenta.
O compartimento de passageiros era pequeno e apertado, apesar de
haver apenas quatro pessoas, com um quinto passageiro ao lado do piloto. E
o furor sibilante da partida, como fora avisado, era insuportável, mesmo com
os fones de ouvido.
Amanda fechou os olhos, arrependendo­se de ter concordado com a
excursão.   Sabia   que   a   viagem   em   si   não   ia   levar   muito   tempo,   mas   a
estridência a deixava apavorada…
Stephen segurou­lhe a mão, numa tentativa de lhe transmitir ânimo.
Amanda sorriu, agradecida, e repousou a cabeça no ombro dele.
Em poucos instantes estavam ganhando altura, e o medo de Amanda
foi desaparecendo ante a visão fantástica que se abria ante seus olhos.

—  Foi uma viagem maravilhosa! — Amanda exclamou emocionada,
um pouco mais tarde. Eles tinham voltado para Hamilton antes do meio­dia,
e agora almoçavam com Brad e Louise no restaurante do hotel. — Vocês não
imaginam   como   é   incrível   ver   os   corais   de   cima.   Não   sei   nem   por   onde
começar… Já calcularam o que é estar a trinta metros da costa, várias ilhas
pequenas bem abaixo, em meio ao azul do oceano? Nessa altura, aparecem
trilhas e mais trilhas de corais em cores  diferentes, rosa, vermelho, lilás…
lagoas rasas com água cristalina… Só espero que minhas fotos saiam boas!
— Então, você recomenda a excursão? — Brad perguntou.
—  Sem   dúvida!   E   viajar   de   helicóptero   é   a   melhor   maneira,   tenho
certeza. E não zombe de mim, Stephen Chandler!
—  Nem  sonharia  em  zombar  de você… — assegurou  ele, tentando
conter o riso. — Só acho estranho alguém mudar de idéia tão rápido…
— E o que vocês fizeram quando chegaram lá? — Louise mostrou­se
interessada.
—  Nós descemos numa plataforma flutuante e apanhamos um barco
com o fundo de vidro, o que nos proporcionou uma visão fantástica do banco
de corais. Aí, tomamos o café da manhã…
— Café da manhã? Num barco com fundo de vidro? — Brad parecia
incrédulo. — De que tamanho?
— Não era muito grande.
— E o que comeram no café da manhã?
— Sanduíches e frutas. Estava delicioso!
—  Tal   é   o   que   eu   chamo   de   um   verdadeiro   desjejum!   —   Brad
exclamou, irônico.
— Nem todos têm um apetite tão grande quanto o seu, Brad — Louise

40
zombou. — Continue, Amanda.
Amanda tomou um pouco de suco de laranja, antes de prosseguir:
— Nós saímos do barco e começamos a andar em cima dos corais. Foi
incrível!   Aquela   parede   maciça   emergindo   das   profundezas,   e   tantas
variedades   e   cores!   Podia­se   andar   sobre   metros   e   metros   de   corais,
deparando com as cores mais diversas, desde o rosa­choque até o laranja. E
os mariscos! Vocês já viram um marisco vivo, com aquela concha curvada e
serras?
— Não são perigosos?
—  Só   se   você   colocar   o   dedo   ou   o   pé   neles   —   Stephen   brincou,
provocando risos. —Eles fecham como uma ostra!
—  E   a   textura   dos   corais   é   tão   variada!...   —   Amanda   retomou   a
palavra. — Uma parte é macia e escorregadia, outra é dura como uma rocha.
Depois disso tudo, fomos mergulhar. — Ela parou e deu um longo suspiro. —
Vou deixar Stephen contar­lhes como foi o mergulho. Mas os peixes... tantas
espécies, que é difícil lembrar todas! Eu poderia voltar para lá agora mesmo.
Stephen começou a rir.
— O que foi?
— Nada… — respondeu ele. — É que nunca a vi tão animada e cheia
de vida.
Amanda ficou pensativa por um instante e finalmente admitiu:
—  É,   a   excursão   foi   realmente   fantástica…   Na   volta,   sobrevoamos
outras ilhas menores e observamos de perto o vôo das gaivotas. Sem falar na
ilha Hamilton vista de cima! Aposto que podíamos ter pousado em Passage
Peak, porém é uma pena que o piloto não tenha arriscado… Penso que esse
passeio aguçou meu espírito de aventura…
— Podemos tentar o desafio amanhã de manhã — Brad sugeriu.
— Fala sério? — Louise mostrou­se surpresa.
—  É   claro   que   sim!   O   que   acha,   querida?   —   Brad   dirigiu­se   à
companheira.
—  Aceito o desafio! — respondeu Louise. Terminaram de almoçar, e
Amanda bebeu o resto do vinho branco, recostando­se na cadeira.
—  Que acham  de conhecer o outro lado da ilha agora? — indagou
Brad. — Uma caminhada nos fará bem.
—  Sinto muito, Brad — Amanda desculpou­se, um pouco sonolenta.
— Vou descansar…
Enquanto os dois caminhavam até o quarto dela, Amanda confessou:
— Estou realmente cansada, Stephen!
— É que levantou muito cedo.
— Tem razão, mas foi um dia e tanto! O que vai fazer agora, Stephen?

41
— Vou descansar um pouco, também — ele respondeu, tomando­lhe a
chave da mão, para abrir a porta. — Não dormi muito bem a noite passada.
Amanda fez um gesto para reaver a chave, porém mudou de idéia
ante o ar de reprovação de Stephen.
Ao   tentar   adivinhar   o   que   estava   por   trás   daquela   atitude,   ela
estremeceu. No entanto, a imaginação a havia levado longe demais, constatou
um tanto desapontada.
—  Amanda? — Stephen interrompeu­lhe os pensamentos, num tom
suave e brando.
— Eu… eu o vejo mais tarde — ela se despediu, apanhando a chave do
quarto.
— Está certo.
Ao   ver­se   sozinha,   Amanda   trancou   a   porta   e   se   atirou   na   cama,
desesperada.   O   que   Stephen   estaria   pensando   a   seu   respeito   naquele
momento? A atração que sentia por ele seria tão forte, a ponto de ela não
conseguir esconder seus sentimentos?
Eram três horas da tarde quando Amanda acordou. Ainda estava com
o maiô por baixo da camiseta, e sentiu uma ligeira indisposição.
Assim,   continuou   deitada   por   algum   tempo,   olhando   para   o   teto.
Procurava reunir forças para se levantar e para decidir que atitude tomar dali
para a frente. Deveria voltar para casa? Fingir que nada acontecera entre ela e
Stephen?
“Talvez   eu   tenha   imaginado   coisas…”,   pensou   consigo,   tentando
convencer­se de que não vira desejo nos olhos de Stephen aquela tarde.
Tentou   lembrar­se   dos   olhares   maliciosos   que   Lance   Kidder
costumava lançar­lhe na Ballantyne, e que a deixavam irritada. Os olhos de
Stephen, contudo, transmitiam algo mais profundo. Ou era apenas impressão
sua?
“E   por   que   não   Stephen?”,   perguntou­se,   brincando   com   o   anel   de
casamento no dedo. “Aconteceu, e não tive culpa!”
Mas era­lhe impossível evitar o remorso. Ela concordara em vir para
Hamilton, para que se tornassem amigos, não amantes. Não podia existir um
romance entre os dois, por causa de Roderick, pela situação deles na empresa.
A idéia de se ligar ao sócio do marido era inadmissível! Nesse caso, deveria
deixar a ilha o quanto antes. Como fazer isso, porém, sem que ele soubesse? E
como explicar o motivo de uma partida tão repentina? Não podia contar que
se sentia fortemente atraída por ele…
Cansada   e  confusa,   decidiu   afastar  esses   pensamentos.   Por   ora,   era
melhor não tomar nenhuma decisão precipitada, e proceder como se nada de
extraordinário tivesse acontecido.

42
—  Preciso é de um bom mergulho — resolveu, apanhando a bolsa e
deixando o quarto.
Louise juntou­se a Amanda à beira da piscina.
—  Isto   é   o   que   chamo   de   uma   boa   vida!   —   exclamou,   animada,
estirando­se na espreguiçadeira. — Já entrou na piscina?
— Sim, a água está ótima!
— Tenho de admitir que não sou uma boa nadadora. Gosto de entrar
na água só para me refrescar um pouco, mas Brad nunca entendeu isso!
— Onde está ele?
— Jogando tênis com Stephen.
— Ainda bem que Stephen arrumou um adversário melhor do que eu!
—  Olhe, Amanda, estou feliz por termos encontrado vocês aqui. Os
dois podem fazer o que bem entenderem juntos, e nos deixar em paz por
algum tempo! A propósito, eles avisaram que após o jogo nos levariam para
um banho de mar.
Mais   tarde,   enquanto   Amanda   se   preparava   para   o   jantar,   os
acontecimentos do dia voltaram­lhe à mente. Stephen continuava tratando­a
com a mesma gentileza, e ela também procurou agir com naturalidade.
Brad e Louise tiveram um pequeno desentendimento na praia: Louise
não queria entrar na água e Brad insistia com ela para que entrasse. No final,
a discussão entre os dois chegou a ser cômica.
Emburrado, Brad entrou na água e nadou até uma pequena ilha. Ao
voltar, não dirigiu a palavra a Louise.
Amanda   e   Stephen,   ao   invés,   se   entendiam   perfeitamente,
aproveitando ao máximo o passeio à praia.
Agora,   enquanto   ajeitava   o   vestido   vermelho   diante   do   espelho,
Amanda voltou a pensar em Stephen. Haviam passado o dia juntos, dentro
de poucos instantes iriam jantar… Não seria mais sensato acabar com essa
convivência?
Ao ouvi­lo bater à porta, procurou ficar calma e parecer natural.
Por   um   momento   permaneceram   em   silêncio,   avaliando­se
mutuamente. Faziam um belo par, ela com o elegante vestido vermelho, ele
de calça de linho bege de pregas e uma fina camisa branca.
— Você já está pronta?
—  Sim… estou — respondeu, quase inventando uma desculpa para
não sair do quarto. — Vou apanhar a bolsa…
Conservaram­se   calados   durante   todo   o   percurso   até   o   restaurante
Dolphin, assim chamado por causa dos golfinhos que se encontravam numa
enorme piscina, ao lado da construção elegante.
Após   a   refeição   deliciosa,   que   incluíra   uma   enorme   variedade   de

43
frutos do mar, começaram a trocar opiniões sobre a ilha, enquanto tomavam
café.
Amanda conversou bastante, esforçando­se por se mostrar animada.
No entanto, as preocupações não a abandonavam, e já começava a sentir uma
leve   dor   de   cabeça.   Ficou   aliviada   quando   Brad   e   Louise   disseram   que
pretendiam dormir cedo.
— Depois de uma noite agitada e três sets de tênis com meu parceiro
Stephen, não vejo a hora de ir para a cama!
—  Não   acredito,   Brad!   —   Louise   brincou,   fazendo   uma   cara   de
espanto.
—  Bom,   não   disse   que   eu   ia   dormir…   —   o   marido   a   preveniu,
piscando, malicioso.
— Ei, os cavalheiros devem esperar até serem convidados!
— Posso fazê­la se arrepender do que disse. Eu sei exatamente como…
— Brad! — Louise enrubesceu, dando um sorriso afetuoso.
Amanda   se   encantava   com   o   casal.   Eram   sempre   espontâneos   e
pareciam se dar muito bem, apesar das pequenas rusgas.
—  Também   vai   dormir,   Amanda?   —   Stephen   indagou,   com   certa
ansiedade.
—  Não, eu… eu creio que não. Vou andar um pouco pela praia. Boa
noite para todos! — Ela se despediu e levantou.
A   praia   estava   deserta   e   as   águas   refletiam   o   luar   de   uma   noite
estrelada.   Amanda   tirou   as   sandálias   e   dirigiu­se   para   a   beira   do   mar,
molhando os pés e tentando deixar de lado todas as preocupações.
Começou a caminhar em direção aos rochedos, recebendo na face a
brisa leve e refrescante.
Os edifícios daquela parte da praia ainda não tinham sido terminados,
e apenas o marulho das ondas quebrava o silêncio. Num certo momento, ao
chegar perto de umas  árvores, ela resolveu  sentar. Encostada num tronco,
pôs­se   a   observar   as   estrelas.   Sentia­se   triste,   solitária,   com   uma   imensa
vontade de chorar.
Estava   tão   absorvida   em   seus   pensamentos,   que   não   percebeu   a
aproximação de Stephen. Quando o viu, não era mais possível esconder as
lágrimas.
— Eu estava… — começou a falar, enxugando o rosto com as mãos.
— Amanda…. Por que está fugindo de mim?
Ele se aproximou, fazendo com que ela recuasse um pouco.
— Por que você me seguiu até aqui?
— Não mude de assunto. Responda a minha pergunta.
— Eu não sei do que está falando…

44
— Estou falando disso… — Enterrou os dedos nos cabelos castanhos e
puxou­lhe a cabeça gentilmente, até que seus rostos ficassem muito próximos.
Amanda deixou cair os sapatos que trazia nas mãos, hipnotizada pelo
olhar intenso de Stephen.
—  Também   estou   falando   disso…   —   E   ele   continuou   a   acariciá­la,
enlaçando­a pela cintura.
— Pare! — ela reagiu, porém Stephen não lhe deu ouvidos; curvou­se
para beijar­lhe a face. — Eu não posso, Stephen!
— Dê­me um bom motivo.
— Não está certo!
— Por quê? Nada pode nos impedir de continuarmos.
— Não podemos…
—  Se nós dois sentimos o mesmo um pelo outro, não há por que se
sentir culpada.
— Eu…
— Não fale…
Amanda deu um longo suspiro, num dilema entre o desejo e a culpa.
— Beije­me, Amanda!
— Não posso beijar você…
— Pode, sim.
— Stephen!
Apesar dos protestos, os lábios de Stephen cobriram os seus num beijo
longo, que aos poucos foi lhe minando as defesas, abrindo brechas para a
paixão.
A   razão   dizia­lhe   para   resistir   e   afastá­lo,   mas   a   emoção   a   traía,
levando­a a corresponder àquele contato ardente.
— Venha… — ele a encorajou, os lábios roçando provocantemente as
faces coradas.
Amanda   continuava   de   olhos   fechados,   sem   conseguir   resolver   seu
dilema íntimo.
—  Amanda! Não podemos permanecer aqui a noite toda — brincou
Stephen,   ao   perceber   que   ela   estava   atordoada.   —   Seus   sapatos…   —
sussurrou e abaixou­se para apanhá­los.
— Minha bolsa…
— Deixe que eu levo. Vamos… — Ajudou­a a levantar­se e, abraçados,
seguiram calados até o hotel.
Ao chegarem em frente do quarto dela, Stephen novamente pegou a
chave para lhe abrir a porta.
—  Você sempre faz isso… — Amanda sorriu, um pouco confusa. —
Stephen…

45
Ele encarou­a por um momento, e daí abriu a porta.
— Boa noite, Amanda.
— Não… Entre…
— Se eu entrar, você sabe o que vai acontecer…
— Sei — ela afirmou, embora estivesse completamente insegura.
Stephen acendeu a luz, porém não tomou nenhuma iniciativa de se
aproximar dela. Tímida, sem saber como agir, ela ofereceu:
— Você… você quer beber alguma coisa?
— Só se me acompanhar.
— Não…
—  Então,   que   tal   começarmos   de   onde   havíamos   parado?   —   ele
sugeriu, tomando­a nos braços com delicadeza. — Ou, quem sabe, podemos
começar tudo de novo… — acrescentou, beijando­lhe o rosto e afagando­lhe
o cabelo.
— Stephen, beije­me.
Em vez de atender ao pedido, ele continuou a observá­la.
Pouco depois, disse:
— Vou embora.
— Não… — ela pediu, acariciando­lhe o peito por baixo da camisa. —
Eu já estou bem; acredito que estava sendo tola.
— Você precisa pensar bem, Amanda, para não se arrepender depois.
—  Stephen, se você for embora agora, eu vou me sentir muito mal.
Não sei o que está acontecendo comigo, mas quero ficar com você.
—  Oh,   Amanda!…   —   ele   murmurou,   apertando­a   nos   braços.   Daí,
levou­a para a cama e beijou­a com volúpia, sentindo a doçura dos lábios, o
calor da língua que procurava pela sua com a mesma avidez.
Apenas a luz do abajur permaneceu acesa, enquanto eles se desfaziam
das roupas e voltavam para os braços um do outro, entregando­se ao jogo da
paixão. Derrubadas as barreiras que ela havia erigido para negar­se aquele
prazer, Amanda o beijava e acariciava, gemia e murmurava palavras doces,
sem censurar seus sentimentos.
— Você é linda, sabia? — ele disse, ofegante, beijando­lhe o pescoço e
fazendo­a deitar sobre si.
— E você não fez a barba hoje… — ela brincou, a pele áspera roçando
a sua e provocando­lhe arrepios de prazer.
Ante   o   comentário,   Stephen   passou   a   provocá­la,   fazendo­a   rir,
excitando­a mais e mais.
A noite avançava… Num ritmo alucinante, eles mergulharam no mar
de desejos e prazeres. Quando atingiram a satisfação plena, continuaram nos
braços   um   do   outro,   os   corpos   relaxados,   a   mente   tranqüila,   até

46
adormecerem.

CAPÍTULO VI

Ao   ouvir   alguém   pronunciando­lhe  o   nome,   Amanda  despertou   de


um sono profundo.
—  Sim,   Rod…   —   murmurou,   abrindo   os   olhos   e   reconhecendo   a
fisionomia de Stephen.
Olharam­se em silêncio, constrangidos.
— Sinto muito… — ela se desculpou.
— Esqueça. Você está bem?
— Sim. Que horas são? — indagou, olhando ao redor. — Você já está
vestido.
— São quinze para as nove, e a única razão pela qual já me arrumei é
porque o arquiteto e o engenheiro chegarão daqui a meia hora. Aluguei um
barco para inspecionarmos a ilha.
— Nossa, eu tinha esquecido! Vou me aprontar.
— Não precisa vir comigo. — Ele acalmou­a, segurando­lhe a mão. —
Ainda   temos   três   dias   para   estudarmos   o   lugar.   Hoje   pode   ficar   aqui   e
descansar.
— Você não se importa?
— Claro que não. Só quero que descanse.
— Estou bem… Só um pouco cansada… — Sorriu, embaraçada.
—  Não pense que me agrada ter de partir. Na realidade, gostaria de
ficar aqui e passar o dia inteiro com você… — Stephen inclinou­se para tocar­
lhe o bico dos seios com os lábios, provocando­lhe um arrepio. — Não sei por
que se preocupa tanto com eles… São tão bonitos.
—  As   mulheres,   às   vezes,   têm   preocupações   estranhas   —   Amanda
brincou, afagando­lhe o cabelo.
— Bem, eu preciso ir agora. — Ele se levantou, despedindo­se com um
beijo. — Não posso deixar os rapazes esperando, certo? Não sei a que horas
volto, mas você não vai embora, vai?
— É claro que não. Por que pergunta?
Stephen ficou sério, como se um pensamento sombrio o preocupasse.
Então, deu de ombros e falou:
—  Por nada… A propósito, eles servem o café da manhã até as dez.
Vejo você mais tarde.
Amanda   ouviu   a   porta   fechar   suavemente   e   continuou   na   cama,
observando os raios de sol iluminando o quarto. Espreguiçando­se, levantou­
47
se depois de uns quinze minutos. Uma ducha quente acabou de vez com a
sonolência, e, disposta, ela desceu e dirigiu­se ao salão. Procurou por Brad e
Louise, lembrando­se em seguida de que tinham planejado visitar os recifes.
Então,   pediu   suco   de   laranja,   chá   e   torradas,   e   acomodou­se   numa   mesa
pequena.
Àquela   hora   da   manhã,   a   maré   ainda   estava   alta,   e   a   maioria   dos
hóspedes se encontrava na piscina. Por isso, ela foi até a praia e instalou­se
confortavelmente   debaixo   do   guarda­sol,   juntamente   com   o   material   de
pintura.
O   céu   estava   claro   e   a   luz   do   sol   faiscava   nas   águas   límpidas   do
oceano. Ao longe, as pequenas ilhas se destacavam como diminutos pontos
escuros num manto azul.
Amanda apanhou o lápis e fez os primeiros traços. Em pouco tempo,
podia­se   distinguir   no   cavalete   de   pintura   a   praia   das   Pérolas   com   suas
palmeiras imponentes.
Quando ela consultou o relógio, já era quase meio­dia. Não reparara
como   o   tempo   tinha   passado   depressa.   Olhou   para   a   tela   e   continuou
desenhando. Logo a silhueta de um homem surgiu na paisagem: Stephen.
Amanda   só   parou   de   desenhar   quando   o   esboço   estava   pronto.
Satisfeita, ela apreciou o resultado do trabalho, e então guardou o material
para dar um mergulho.
Revigorada, foi até o bar da praia para comer um sanduíche e tomar
um   suco   de   abacaxi.   Ali,   à   sombra,   saboreou   seu   lanche   e   divertiu­se
conversando com vários turistas que lotavam o lugar.
Ao   vê­la   fascinada   a   observar   uma   asa   delta   descrevendo   um   vôo
sobre o oceano, Marilyn, uma jovem veterinária que estava na ilha em lua­de­
mel, indagou:
— Você sabe voar?
— Eu?! — Amanda riu. — tenho medo até de viajar de avião. Ah, bem
que gostaria!
—  Se esse esporte a empolga tanto, creio que deveria tentar. Nunca
vou me esquecer do curso de anatomia, na faculdade, quando o professor, na
primeira aula de dissecação de cadáveres, falou: “Tudo  é uma questão  de
hábito, meninada”. Ele era terrível. Morreu de rir quando alguns de meus
colegas   tiveram   de   ir   correndo   para   o   banheiro.   O   danado,   porém,   tinha
razão. No final, essas aulas acabaram virando rotina.
Era uma conversa despretensiosa, mas Amanda se pôs a refletir sobre
as mudanças em sua vida. Sentia­se muito feliz… e também assustada. Não
havia planejado envolver­se com ninguém, depois da morte de Roderick. Não
que   pretendesse   levar   uma   vida   solitária,   porém,   pensava   em   dar­se   um

48
tempo maior para se recompor do choque da separação inesperada. Ainda se
julgava   imatura   para   um   novo   relacionamento,   ainda   mais   quando   se
apaixonava por Stephen Chandler, o homem que havia poucas semanas era
seu grande inimigo.
—  O que houve? — Marilyn perguntou, vendo­a pensativa, o olhar
distante.
—  Desculpe­me.   É   que   lembrei   que   preciso   voltar   ao   hotel   —
justificou­se, aproveitando o momento para juntar suas coisas.
Estava ansiosa com a demora de Stephen, e por isso nem parou para
conversar com Brad e Louise, que, à beira da piscina, dialogavam com um
grupo de amigos.
Chegou   ao   corredor   tão   distraída,   que   não   percebeu   que   Stephen
vinha a seu encontro.
— Vai a algum lugar? — ele perguntou, pondo­se à frente de Amanda,
num movimento rápido.
— Stephen! Você me assustou!
— Eu só quis brincar, você parecia tão preocupada… — declarou ele,
abraçando­a.
— Aí, como o susto não me matou do coração, você notou que estava
enganado, certo? — ela falou, sorrindo, para disfarçar a forte emoção que a
tomava   de   assalto.   Amanda   gostaria   de   beijá­lo,   de   dizer­lhe   que   havia
sentido saudade, porém só conseguiu perguntar: — Como foi seu dia?
—  Ótimo!   Mas,   antes   de   lhe   contar   tudo,   que   tal   me   oferecer   uma
cerveja? Estou morrendo de sede…
— É claro.
Já   em   seu   quarto,   ela   serviu­lhe   uma   lata   de   cerveja   e   abriu   uma
garrafa de água mineral.
— Quer um copo?
— Não. A cerveja está deliciosa. E você, como passou o dia?
—  Muito bem… Não fiz outra coisa o dia inteiro senão nadar. Aliás,
vou tirar o maiô e pôr algo mais confortável.
Amanda entrou no banheiro e encostou a porta. Mal acabara de tirar a
camiseta, viu Stephen entrar.
—  Por   que   se   esconder   de   mim,   querida?   —   ele   perguntou,
examinando­a de alto a baixo.
— Bem, eu… eu não estava tentando me esconder… — ela desviou o
olhar, embaraçada.
— Ainda bem. Posso ajudá­la?
Imediatamente após a pergunta, Stephen começou a tirar­lhe o maiô
devagar, fitando­se com intensidade. Quando a peça de roupa foi ao chão, ele

49
deixou as mãos deslizarem de forma suave pelo corpo de Amanda, que não
esperou mais para beijá­lo.
— Venha… — ele murmurou pouco depois, guiando­a até a cama.
E   logo   entregavam­se   à   paixão,   conscientes   apenas   das   deliciosas
reações de seus corpos, das carícias ardentes que os conduziram ao êxtase.
O sol  desapareceu  no  horizonte  e a noite caiu mansamente  sobre  a
ilha. Amanda e Stephen ficaram um longo tempo nos braços um do outro,
desfrutando a quietude e a paz que os invadiu depois que saciaram o desejo.
—  Estive  pensando   em  nós   dois   o  dia  inteiro   —  Stephen  declarou,
afagando­lhe os cabelos.
— Eu também…
— O que quer fazer hoje à noite?
— Nada… Bem, quero dizer…
— Eu entendi. Prefere um programa bem calmo, apenas para nós dois.
— Sim.
—  Então, tenho uma sugestão. Há um clube noturno em Hamilton,
que está chamando a atenção da maioria dos turistas. Assim, o Mariners' é
uma boa opção para um jantar tranqüilo à luz de velas. O que acha?
— Perfeito… e quanto ao arquiteto e ao engenheiro?
—  Eles   já   se   foram.   Agora   estamos   sozinhos,   para   fazer   o   que
desejarmos.   —   Stephen   beijou­a   antes   de   se   levantar   para   apanhar   outra
cerveja. — Você quer mais alguma coisa?
— Não, obrigada.
Depois de enrolar uma toalha na cintura, Stephen foi até a varanda.
Quando voltou para junto de Amanda, entregou­lhe o roupão que estava ao
pé da cama.
— Venha dar uma olhada nisso.
Chegando   à   porta  envidraçada,  Stephen   apontou  para   uma  extensa
mancha   escura   no   céu.   Amanda   observou   aquela   paisagem   estranha,
intrigada.
— O que é aquilo?
—  Um   bando   de   cacatuas,   milhares   delas…   Nunca   vi   tantas   assim
reunidas.
Acompanharam   os   grandes   papagaios   que   cruzavam   o   céu,
lentamente. Aí, a noite se tornou mais escura e foi impossível  continuar a
observá­los.
— É lindo… — afirmou ela, admirada.
—  Mesmo que estivessem voando longe, dava para notar que eram
enormes, não? Vamos voltar para a cama?
— Vamos.

50
— Sobre o que estávamos falando, Amanda? — indagou, recostando­
se no travesseiro. Ela ainda vestia o roupão e sentara­se a seu lado.
— Sobre a ilha… o arquiteto e o engenheiro…
— Ah, sim! Bem, o arquiteto voltou a Brisbane para desenhar alguns
esboços, e o engenheiro está organizando uma excursão técnica que vai durar
alguns meses. Até eles voltarem para cá, não podemos começar a trabalhar
em Whitsundays.
— Você já teve alguma idéia? — Amanda quis saber.
— Ainda não. — Ele permaneceu em silêncio, pensativo, e então fitou­
a   com   um   sorriso   nos   lábios.   —   Para   falar   a   verdade,   passei   o   dia   todo
distraído…   —   confessou,   fazendo­a   enrubescer.   —   Por   que   você   ficou
vermelha?
— Não sei.
— Lógico que sabe. Por que vive reprimindo suas emoções?
—  Acredito que por costume. Além disso, tenho medo de me expor
demais…
—  Mesmo   comigo?   Acho   perfeitamente   natural   pensarmos   um   no
outro o dia inteiro.
Claro,   não   havia   nada   de   errado   nisso,   porém   ela   sempre   tivera
dificuldade em falar de si mesma, em mostrar suas emoções. Vendo­lhe o
constrangimento, Stephen tratou de mudar de assunto.
—  Está tudo bem — procurou  acalmá­la, afagando­lhe o cabelo. —
Deixe­me   falar   sobre   Whitsundays…   É   um   pouco   menor   do   que
imaginávamos, mas não tão pequena quanto Daydream…
Amanda ouvia atentamente a descrição da ilha, tentando visualizar as
praias isoladas e baías, as florestas e colinas íngremes, de onde se podia ter
um panorama da beleza e do encantamento de Whitsundays.
— Deve ser incrível! — Amanda exclamou, encantada com o relato de
Stephen. — Parece um lugar especial demais para ser partilhado com outras
pessoas. Seria ótimo se…
— Se pudéssemos ficar lá só nós dois? Sabe que pensei exatamente a
mesma coisa?
— Seria muito egoísmo de nossa parte, não? — ela replicou, sorrindo.
—  Não seria justo privar os outros desse paraíso, é evidente, porém
vontade não falta.
—  Estava pensando  naquele  passeio  de helicóptero…  O que  faz de
Whitsundays um lugar especial é ainda existirem algumas ilhas virgens ou
desabitadas. Seria uma pena se todas as ilhas fossem ocupadas.
— Você parece ter as mesmas preocupações que tive um dia, Amanda.
— O que quer dizer com isso, Stephen?

51
— Quando estava na faculdade, eu era um ecologista.
— Você? Não acredito!
— O que há de estranho em alguém ser ecologista? — ele perguntou,
intrigado.
— Nada. Contudo, quando esse alguém é você…
— Não acredita em mim?
—  Bem,   para   ser   sincera,   jamais   o   imaginei   preocupado   com   a
preservação da natureza. Penso que só conheci o homem de negócios que há
em você… — Ela fez uma pausa ante a expressão maliciosa no rosto moreno.
— Quero dizer que… bem, ainda falta muito para nos conhecermos melhor.
— Por acaso julga que fomos precipitados?
— Não sei… De qualquer forma, não é possível voltar atrás. 
Ele a olhou preocupado.
—  Você   fala   como   se   tivesse   cometido   um   erro.   Seria   bom   que
conversássemos a respeito, não?
— Por favor, Stephen… não agora.
Ele   mergulhou   os   dedos   no   cabelo   de   Amanda   e   observou­a
detidamente.   Se   forçasse   uma   situação,   acabaria   estragando   o   clima   de
entendimento. Por essa razão, sugeriu: 
—  Que   tal   nos   vestirmos   para   passar   a  noite   no   Mariners'?   Vamos
jantar, dançar, e se quiser conversar para que nos conheçamos melhor, ótimo!
A sensibilidade de Stephen a tocou. Só o fato de ele não a pressionar já
lhe transmitia mais segurança.
Amanda   levantou­se   e   foi   tomar   uma   ducha   fria   para   se   refrescar.
Depois de passar uma suave loção após o banho, escolheu um conjunto de
saia­calça e miniblusa, uma roupa bem  esportiva e adequada ao ambiente
descontraído do Mariners'.
Quando   ela   e   Stephen   chegaram   ao   restaurante,   não   havia   muita
gente, e puderam escolher uma mesa afastada da pista de dança. Mas, ao
terminarem de comer, não resistiram à vontade de se juntarem aos muitos
casais   que,   àquela   hora,   já   lotavam   o   salão   e   se   deliciavam,   movendo­se
lentamente ao ritmo suave de músicas românticas.
Amanda enlaçou Stephen e deixou­se conduzir para o meio do salão.
Surpreendeu­se com a própria desenvoltura, acompanhando com facilidade
os   passos   precisos   de   Stephen,   que   se   revelava   um   hábil   e   estimulante
parceiro.
—  Com você, acho que poderia dançar a noite inteira — ela elogiou,
fitando­o nos olhos.
—  Não olhe para mim desse jeito, mocinha, a não ser que queira ser
beijada em público — Stephen brincou, atraindo­a para mais perto de si.

52
— Então eu vou olhar para o loiro charmoso, que está dançando com
aquela   moça   de   vermelho   —   ela   o   provocou,   e   a   reação   de   Stephen   foi
imediata.
— Isso vai ensiná­la a comportar­se…
Ele se inclinou e não lhe deu chance de escapar de um beijo. O prazer
da carícia superou qualquer vestígio de pudor, fazendo­a corresponder ao
toque suave.
—  Quer tomar alguma coisa? Um drinque? — Stephen ofereceu, ao
final da última música.
—  Vou   querer   uma   xícara   de   café.   Você   me   dá   licença   por   um
instante?
— Esteja à vontade. Há uma máquina de café expresso logo ali.
Enquanto   esperava   pelo   café   no   saguão   do   Mariners',   Amanda   foi
abordada por uma senhora simpática, que a cumprimentou:
— Sra. Ballantyne! Enfim encontrei­a. Pensei que já tivesse ido embora.
Creio que não se recorda de mim, mas eu a conheci  há alguns anos. Meu
marido, Bill, trabalhava com seu marido.
Amanda olhou­a com atenção, forçando a memória. Pouco a pouco o
rosto foi se tornando familiar.
— É claro, sra…
— Bingle. Bill e Dolly Bingle. Eu a reconheci logo que cheguei, e disse
a Bill: “Veja, lá está a sra. Ballantyne!”
Amanda tentou esboçar um sorriso.
— Desculpe, porém não os vi entrando…
—  Você   estava   dançando,   querida   —   Doll   Bingle   afirmou.   —
Acabamos de chegar à ilha e estamos numa das mesas afastadas.
—  Ah, então ainda não tiveram tempo de conhecer este paraíso! —
Amanda exclamou, gentilmente.
— De fato… É que o vôo de Brisbane para cá atrasou. Por isso, ainda
não tivemos ocasião de andar por aí. Como já estava escuro, resolvemos vir
jantar.
—  Tenho   certeza   de   que   vão   gostar   daqui.   Eu,   pelo   menos,   estou
adorando.
—  Que bom! Sabe, querida, fiquei muito chocada quando soube da
morte de Rod. Vocês dois eram tão felizes! Mas acho que você tem todo o
direito   de   começar   uma   vida   nova.   Afinal,   ninguém   vive   eternamente   de
recordações,   não   é?   E,   se   alguém   lhe   disser   o   contrário,   não   dê   muita
importância.  Sei  que  você  e Rod  se  amavam  muito,  e por  isso falei  a Bill
que…
Dolly parou de falar e mordeu o lábio, percebendo que fora indiscreta.

53
Tentou remediar a situação, abraçando­a carinhosamente e recomendando:
—  Bem, não deixe seu companheiro esperando por mais tempo. Vou
tomar um pouco de ar fresco. Vejo­a na praia amanhã. Até logo!
Amanda deixou o saguão, atordoada. O encontro com aquela mulher,
que mal conhecera, tivera o poder de trazer o passado de volta à sua mente,
com toda intensidade. Roderick… como pudera esquecer­se dele?
Tomada por um forte sentimento de culpa, Amanda olhou a sua volta,
procurando  por Stephen. A primeira pessoa  que viu foi Bill Bingle, que a
observava com curiosidade.
Lembrou­se   da   primeira   vez   que   vira   esse   homem   magro,   baixo   e,
segundo Roderick, bastante orgulhoso.
Amanda   sorriu   e   acenou   em   sua   direção,   e,   pelo   modo   que   Bill
retribuiu o cumprimento, descobriu o que Dolly não tivera coragem de dizer.
Bill Bingle apenas lançou­lhe um sorriso discreto e virou­se.
Provavelmente, falariam sobre ela. Viram­na dançando com Stephen, e
naquele momento Bill estaria cochichando para a mulher: Eu não lhe disse?
Ela se casou com Roderick Ballantyne só por dinheiro. Afinal, não faz um ano
que ele morreu, e olhe para ela!
—  Amanda! — Era Stephen, que viera a seu encontro. — Aconteceu
alguma coisa?
—  Não…   —   ela   mentiu,   fazendo   o   possível   para   parecer   natural   e
sorrir. — Esperava pelo café…
Por   um   momento,   Stephen   fitou­a   em   silêncio,   enquanto   tomava   a
bebida. Depois, segurando­a pela mão, conduziu­a de volta à mesa.
Um   pouco   de   orgulho   ou   auto­estima  ajudou   Amanda  a   manter­se
calma. Podia estar imaginando coisas, tentou convencer­se. Talvez Bill Bingle
não suspeitasse de seu romance com Stephen.
— Vamos embora? — ele sugeriu.
— Vamos.
— Quer tomar um táxi?
— Não, prefiro caminhar um pouco. O ar puro me fará bem.
Se Amanda soubesse o que estaria esperando por eles do lado de fora
do Mariners', teria preferido pegar um táxi.
Assim que atravessaram a rua, uma figura alta e familiar destacou­se
das sombras. Era Lance Kidder.
— Já tinha perdido a esperança de encontrá­los hoje à noite… Stephen,
Amanda, como vão?
— O que está fazendo aqui, Lance? — Stephen indagou, visivelmente
surpreso, e Amanda percebeu o quanto a presença de Lance o irritava. Ela
mesma estava apreensiva. Lance Kidder sorriu, irônico.

54
— O que há de estranho em minha presença aqui? — perguntou com
um certo ar de triunfo, como se os tivesse surpreendido numa falta.
—  Nada.   Só   perguntei   o   que   o   trouxe   a   Hamilton,   sem   ao   menos
avisar? — Stephen revidou, impaciente.
—  Nada de muito importante… Apenas resolvi examinar a ilha com
meus   próprios   olhos,   já   que   este   é   um   empreendimento   de   vulto   para   a
Ballantyne.   Tenho   certeza   de   que   é   uma   ótima   forma   de   unir   o   útil   ao
agradável…   —   Sem   esconder   a   malícia,   estudava   cada   gesto   de   Amanda,
provocando­lhe um forte constrangimento.
Antes que Stephen pudesse retomar a palavra, ele continuou:
— Tenho más notícias para você, meu caro Stephen!
— O que foi? — Stephen franziu a testa.
—  É   sobre   Whitsundays.   Parece   que   tinha   razão   para   ficar
preocupado.   Houve   algumas   alterações   significativas   no   mercado   nos
últimos dias, e achei que gostaria de saber. Planejei vir mais cedo, porém o
vôo   sofreu   um   pequeno   atraso,   e   quando   cheguei   ao   hotel   não   consegui
encontrá­los. Mas estava certo de que eu os localizaria esta noite.
“Por quê?”, Amanda perguntava s si mesma, perturbada. Lance queria
apanhá­los de surpresa, numa situação comprometedora. Pelo tom irônico da
voz, parecia estar certo de que conseguira. Por quê? Era difícil entender o que
se   passava.   Para   a  diretoria  estava   claro  que  ela  e  Stephen   se  odiavam,  e
Lance não poderia imaginar que as coisas haviam mudado tão depressa, por
mais esperto que fosse.
A   voz   seca   e   áspera   de   Stephen   soou,   interrompendo­lhe   os
pensamentos.
— Onde está hospedado, Lance?
— No mesmo prédio em que você e Amanda estão.
— Se não se importa, gostaria de continuar a discussão a respeito dos
negócios lá.
Caminharam em silêncio até o hotel. O único que parecia à vontade
era   Kidder.   Ele   assumia   uma   posição   de   poder,   enquanto   Stephen   se
mostrava muito preocupado. Amanda, por sua vez, estava completamente
confusa.
Ao chegarem à porta do quarto dela, Stephen declarou:
—  Você   faz   parte   da   diretoria,   Amanda.   Gostaria   de   participar   da
reunião?
— Eu… eu preciso descansar um pouco, Stephen. Além do mais, não
entendo   muito   de   negócios.   Prefiro   que   me   coloque   a   par   da   situação
amanhã.
— Está bem — concordou ele, inclinando­se para beijá­la no rosto. —

55
Durma em paz.
Amanda deu um longo suspiro ao captar o olhar triunfante de Lance
Kidder, antes de se juntar novamente a Stephen.
Após trancar a porta do quarto, ela se atirou na cama e mergulhou em
reflexões; o encontro inesperado com Lance, o mal­entendido com Bill e Dolly
Bingle… Não, não conseguiria mais suportar os olhares de desconfiança, o
sentimento de culpa e a lembrança  de Roderick ao mesmo tempo… Cada
momento ao lado de Stephen parecia aumentar­lhe o sofrimento, e não existia
outra saída…
Escondeu o rosto nas mãos e, ao levantar, os olhos estavam marejados
de lágrimas. Após um instante de hesitação, apanhou o telefone e ligou para
a   recepção.   Recebendo   resposta   afirmativa   do   funcionário,   apanhou   uma
folha  de papel   e deixou  um   recado  para  Stephen.   Aí, começou  a  fazer  as
malas.

CAPÍTULO VII

Na tarde do dia seguinte, Amanda abria a porta de sua suíte, na praia
do Pôr­do­sol. Estava um pouco cansada, embora se sentisse aliviada por ter
fugido dos problemas.
Voltou   para   o   interior   do   quarto   e   olhou   em   redor.   Apesar   dos
problemas,   estar   em   casa   cercada   de   objetos   familiares   lhe   transmitia
segurança.
Deixou   a   mala   no   hall   e   atravessou   a   sala,   sentando­se   na   cadeira
preferida de Roderick. Encostou a cabeça no espaldar e, de olhos fechados,
começou a relembrar os últimos acontecimentos.
A   ilha   Hamilton   nunca   estivera   tão   bonita   como   naquela   manhã,
quando partira. Ao ligar para a recepção na noite anterior, a funcionária fora
bastante prestativa e gentil.
Amanda   explicara­lhe   que,   por   motivos   pessoais,   teria   de   voltar   a
Brisbane o mais rápido possível. Não havia um vôo direto para Brisbane no
dia   seguinte,   porém   um   barco   a   levaria   até   Proserpine,   de   onde   poderia
tomar o avião.
Acordara às cinco e meia da manhã, e já estava pronta, quando um
carro veio apanhá­la. Antes de partir, pediu ao motorista que entregasse um
bilhete para Stephen Chandler.
Viu a ilha se afastando com um aperto no coração. Deixava um lugar
paradisíaco   e,   de   maneira   covarde,   nem   sequer   comunicara   a   decisão   a
56
Stephen pessoalmente.
O   resto   do   percurso   fora   completado   de   ônibus,   avião   e   táxi.   Pelo
menos, tivera tempo suficiente para refletir sobre o que acontecera. E agora
tinha de se preparar para um confronto com Stephen.
E, três dias depois, ele apareceu.
Durante   esse   pouco   tempo,   Amanda   havia   se   convencido   de   que
Stephen não viria a seu encontro, pois nunca lhe perdoaria a partida daquela
forma  intempestiva.  Na  certa, também  ficara  furioso  com  seu  bilhete,  que
começava com as seguintes palavras: “Perdoe­me, mas creio que nunca vou
conseguir esquecer Roderick”.
Embora estivesse certa de ter tomado a melhor decisão, ficou nervosa
ao ouvir a campainha tocar naquela tarde ensolarada. Como recebia poucas
visitas,   concluiu   que   só   poderia   ser   Stephen,   e   a   idéia   de   enfrentá­lo   a
assustava.
—  Olá,   Stephen!   —   cumprimentou­o,   procurando   parecer   o   mais
natural possível.
Ele a mediu da cabeça aos pés, e deteve­se no rosto como se quisesse
adivinhar­lhe   os   sentimentos.   Os   dele   eram   evidentes:   mágoa,   raiva,
desapontamento…
Ela abaixou a cabeça, envergonhada. Sentia­se culpada por rejeitá­lo,
culpada   por   desejá­lo…   Naquele   estado   de   espírito,   como   conseguiria
explicar a ele os motivos de sua atitude?
— Entre! Quer beber alguma coisa?
Ele a seguiu pelo hall e quebrou o silêncio com frieza:
— Sim, obrigado.
Amanda   preparou   um   uísque   com   gelo   para   ambos.   Após   um
momento de hesitação, entregou­lhe a bebida. Ele, porém, não fez nenhum
movimento   para   apanhá­la,   apenas   ficou   observando­a   com   as   mãos   nos
bolsos e um sorriso enigmático.
Amanda fez um gesto para colocar o copo na mesinha; contudo, ao
inclinar­se, ele a segurou pelo pulso.
—  Querida   Amanda,   existem   certas   coisas   irreversíveis.   Você   pode
fugir, inventar desculpas, mas há algo que não pode negar. Isto…
Stephen puxou­a para si e beijou­a longa e apaixonadamente. 
Amanda   usou   de   todas   as   forças   para   resistir,   porém   em   vão.   Ele
dominou­a com facilidade, enquanto lágrimas lhe escorriam pelo rosto. No
fundo,   ela   sabia   que   não   estava   lutando   contra   Stephen,   e   sim   contra   si
mesma.
Stephen interrompeu o beijo para lhe acariciar as faces e enxugar as
lágrimas. Voltou a beijá­la, e dessa vez ela correspondeu à intensidade.

57
—  Viu   o   que   quero   dizer?   —   indagou   Stephen,   apertando­a   nos
braços.
Ela o encarou, a emoção impedindo­a de falar.
— Amanda?
— Isso não muda nada entre nós, Stephen — ela conseguiu dizer.
— Como não? — o brilho dos olhos dele era tão intenso quanto a força
daquelas palavras. — Nós nos tornamos amantes porque desejávamos, por
que nos amamos. Não é verdade, Amanda?
— Sim, mas…
— Você, tanto quanto eu, queria que nossa relação chegasse ao ponto
em que chegou, não queria?
—  Tudo bem! — Ela conseguiu se libertar e virou de costas. — Sim,
queria. No entanto, tal não significa que eu entenda o que esteja acontecendo.
Sinto   que   as   pessoas   censuram   meu   comportamento,   como   se   estivesse
agindo   de   forma   leviana.   Talvez   eles   esteja   certos…   Lance   Kidder,   os
Bingle…
— Quem são os Bingle?
— Não importa agora.
— Importa, sim. Conte­me.
Ela narrou seu encontro com os Bingle naquela noite no Mariner's, as
palavras de Dolly e os olhares insinuantes de Bill.
—  Eu   sabia   que   havia   acontecido   algo   —   afirmou   ele,   franzindo   a
testa. — Por que não me contou?
— Por quê? Não sei. Talvez não fosse tão importante.
— Bem, se não foi importante, o que a deixou abalada?
— Não foi o que Bill e Dolly Bingle falaram, porém a presença deles,
naquele momento, me perturbou. Eles me fizeram parar e pensar…
—  Parece que todo mundo consegue fazê­la pensar, Amanda, menos
eu.
— Stephen, olhe, deixe­me terminar o que estava dizendo.
— Sobre o que as pessoas pensam de você?
Apesar de Stephen se mostrar cada vez mais tenso, ela prosseguiu:
— Sim. Às vezes me pergunto se tudo não passa de uma vingança de
sua parte.
— Em conclusão, é isso que a está preocupando?
—  Não é  só  isso. Este não foi o único pensamento desagradável com
que  fui obrigada a conviver…  Na realidade, em minha vida já  passei  por
momentos piores.
— O que mais a incomoda, então?
Ela deu um longo suspiro, antes de continuar:

58
— O modo por que Lance Kidder olha para mim, e ele não é o único.
Durante   todos   esses   anos,   tantos   comentários   maliciosos   e   olhares
insinuantes… Cheguei até a pôr em questão meu casamento, o que é ridículo,
pois eu amava Rod… Daria tudo para tê­lo de volta, aqui… — confessou,
cobrindo o rosto com as mãos.
—  Venha… — Stephen segurou­a pela mão e levou­a até o sofá. —
Sente­se aqui e beba isso. — Observou­a tomar o uísque, e, só quando ela
depôs o copo vazio na mesinha, tentou retomar a conversa: — Vamos falar do
nosso relacionamento sexual.
— Como assim? — Amanda indagou, assustada.
— Suas dúvidas começam a se tornar mais intensas quando pensa em
sexo, não é verdade?
— Como… como sabe? — Amanda abaixou a cabeça, encabulada. —
Não quero falar sobre isso. Menos ainda acerca de minha vida com Rod.
— Por quê Amanda?
— Eu estaria traindo a memória de Rod…
—  Querida… se acha que estou interessado na vida íntima de vocês,
está enganada. Só quero saber quanto isso influencia  nosso  relacionamento.
Penso que é uma das razões de sua confusão e de seu conflito entre viver
solitária e voltar a amar de novo.
— Esqueça, Stephen. Não se trata disso.
—  Não   queira   se   enganar,   Amanda.   O   romance   que   iniciamos   há
alguns dias não tem nada que ver com seu casamento. Estamos apaixonados
um pelo outro. Se não acredita em mim, tente encontrar outro homem, e veja
se é a mesma coisa.
— O que está dizendo é horrível, Stephen.
— Horrível por quê?
— É um absurdo!
—  Não   está   convencida   ainda?   —   retrucou,   com   frieza.   Ela
empalideceu, os olhos brilhando de ódio.
— Não!
— Nesse caso, vamos conversar. Aqui, não. Vou levá­la para jantar.
— Não estou com fome.
— Já que não está com fome, vamos dar uma volta.
— Eu…
— Não precisa trocar de roupa. Você está linda, como sempre…
Amanda   estava   indecisa.   Por   um   momento,   perguntou­se   se   não
deveria pensar um pouco mais em Stephen. Até agora havia pensado apenas
nos próprios problemas, na culpa que a atormentava. Mas havia se envolvido
com Stephen por vontade própria, e talvez não fosse a única a sofrer com

59
aquele relacionamento.
— Está bem… — concordou, afinal.
Stephen   dirigia   calado   e   apreensivo.   Passaram   por   Brisbane   e   pela
praia   dos   Pescadores,   contornando   a   baía   de   Runaway   rumo   à   ilha   das
Gaivotas. Quando chegaram à praia do Paraíso, Stephen deu a volta e parou
o carro no estacionamento de um camping. Dali podia­se ver a praia do Pôr­
do­sol,   os   edifícios   como   minúsculos   pontos   luminosos,   àquela   hora
cintilando sob a luz do crepúsculo.
O lugar tranqüilo e quase deserto ajudou Amanda a relaxar. Stephen
apoiou   os   braços   no   volante   e  ficou   por   alguns   instantes   contemplando   a
paisagem. Aí, voltou­se para ela e tocou­lhe de leve o cabelo.
—  Mocinha, o que a aflige tanto? Não acha que está dramatizando
demais nosso relacionamento?
Ela   hesitou   um   pouco   antes   de   responder.   Contudo,   não   era   justo
continuar guardando os problemas só para si, quando estavam afetando os
dois.
—  Para   mim   foi   uma   experiência   nova   —   confessou,   visivelmente
tensa. — No entanto, é muito difícil explicar sem… sem…
— Sem colocar em jogo seus sentimentos por Roderick? — completou
ele.
— Isso mesmo!
— Não estou pedindo que o esqueça, Amanda!
Ela olhou pela janela e abriu o vidro do carro, para deixar entrar a
brisa fresca.
—  Talvez   lhe   deva   contar   tudo   desde   o   início,   Stephen.   Quando
conheci Rod, era muito tímida e quase não me relacionava com estranhos.
Minha mãe vivia conversando comigo, dando­me conselhos, porém não era
uma   questão   fácil   de   vencer.   —   Seus   olhares   se   encontraram,   e   Amanda
sentiu que Stephen conseguia compreendê­la.
— Continue — incentivou­a.
— Então, eu fui conhecendo Roderick e a cada dia gostando mais dele.
Ele me dava segurança e felicidade. E, pela primeira vez na vida, consegui
vencer a timidez, embora ainda levasse anos para superar o problema.
— Você se sentia inibida, ao se relacionar sexualmente com ele?
—  Sim   —   Amanda   admitiu,   enxugando   uma   lágrima.   —   Mas,   na
realidade, não havia motivos para me sentir assim. Ele sempre foi amável e
gentil e… bem, pouco a pouco comecei a apreciar cada momento nosso, até
conseguir retribuir e me entregar sem reservas. Nosso casamento tornou­se
muito especial. No entanto, durou tão pouco…
— Você ainda sente falta dele?

60
— Sinto falta, porém o que estou tentando lhe dizer é que ainda não
me refiz da situação toda. Sempre fui feliz ao lado de Rod. Costumávamos
fazer tudo juntos. Só que ninguém pode viver livre de intrigas em meio a
mexericos   constantes.   Sempre   tinha   alguém   disposto   a   envenenar   nossas
vidas.   Nos   olhares,   nos   comentários,   era   constante   uma   certa   crítica   ou
censura, quer por causa da diferença de idade, quer em razão do desnível
social. Alguns homens, como Lance Kidder, por exemplo, me tratavam como
uma   mulher   vulgar,   que   eles   tinham   o   direito   de   abordar   sem   o   menor
respeito. Não que Lance tenha feito tal coisa abertamente.
—  Sinto   muito…   —   Stephen   desculpou­se,   abaixando   a   cabeça.   —
Eu…
—  Com   você   era   diferente…   —   ela   atalhou.   —   Permanentemente
deixou claro sua hostilidade, e nunca demonstrou interesse algum por mim.
—  Embora   ele  fizesse   menção  de  interromper,  Amanda  prosseguiu:   —  Se
você quer saber, sempre o respeitei por isso. Acho que é mais fácil respeitar
um… um inimigo franco e declarado do que um amigo falso.
— E daí? Qual é o problema que a levou a se afastar de mim?
—  Como   disse,   você   era   um   inimigo,   Stephen.   Alguém   que   não
acreditava que eu era uma esposa feliz e satisfeita.
— Amanda, quero saber por que fugiu de mim em Hamilton.
Ela baixou os olhos e suspirou. Era tão difícil expor sentimentos, que
nem ela mesma conseguia entender direito.
—  Se eu  disser  que   o  prazer  que  senti  ao  fazer  sexo  com   você  me
deixou com remorsos,  seria capaz de entender? Não sei explicar, Stephen,
porém sinto que estou sendo infiel com Rod.
— Mas Roderick está morto, Amanda! — ele tentou chamá­la à razão.
Ela, contudo, estava fora de si.
— E se ele estivesse vivo? — replicou, chorando. — Se descobrisse que
existia   outro   homem   que   poderia   me   proporcionar   mais   prazer,
especialmente um amigo dele? Oh, Deus! Stephen, gostaria que nada tivesse
acontecido entre nós. Roderick e eu éramos muito felizes…
— Isso lá é verdade — Stephen concordou, quase rude. — E não pense
que ele não tenha feito de tudo para preservar seu amor.
— O que quer dizer?
— Não me admira que saiba tão pouco sobre seu casamento. Durante
o tempo em que estiveram casados, ele a afastou de tudo e de todos.
— Tal fato é mentira.
— Não, não é.
—  Rod jamais me forçou  a nada — ela defendeu­se e mordiscou  o
lábio, nervosa.

61
— Estou tentando lhe explicar que… ele a privou de muitas coisas, e
por motivos pessoais.
—  Certamente,   porque   sabia   que   pessoas   cínicas   podiam   me
machucar.
—  Não   só   por   essa   razão,   acredite.   Agora   há   pouco,   você   deu   a
entender que era muito passiva no relacionamento, porém ele desejava que
fosse assim, e no fundo, você sabia disso o tempo todo.
— Não sei onde está querendo chegar…
— O que meu sócio mais gostava em você, Amanda, era a inocência, a
devoção cega a todas as vontades dele. Este seu jeito peculiar o encantava e…
permitia que ele a manipulasse. Mas eu não o culpo, não creio que tivesse
consciência da questão. Por um lado ele queira seu bem, e, por outro, impedia
que você crescesse. — Ao dizer aquelas palavras, calou­se, emocionado.
A análise de Stephen fazia sentido, e desconcertou­a. Ela nunca havia
notado o menor defeito no marido, e agora aquelas verdades a chocavam.
Depois   de   um   longo   silêncio,   Amanda   perguntou,   com   a   voz
embargada:
— O que vamos fazer, Stephen?
— Primeiro, diga­me se concorda com meu ponto de vista — ele quis
saber, e ao mesmo tempo forçando­a a encará­lo.
— Está tentando dizer que meu amor por Roderick era muito mais um
amor paternal?
—  De   certo   modo,   sim.   Contudo,   não   há   nada   de   criminoso   nisso,
Amanda.   Acontece   freqüentemente   entre   casais.   Ele   não   era   seu   pai,   mas
representava   a   segurança   e   a   experiência   que   você   vinha   procurando   há
tempo.   Várias   mulheres   se   casam   por   esse   motivo   e   são   felizes,   até
descobrirem o verdadeiro amor de suas vidas.
— Eu teria sido feliz para sempre. E Roderick também.
—  Não importa agora. É bobagem afligir­se pelo resto da vida com
uma mera hipótese. Acho que ele até tentou ajudá­la a amadurecer e a deixá­
la   um   pouco   mais   livre.   Quando   a   colocou   na   diretoria   da   empresa,   por
exemplo.   Não   há   dúvida   de   que   a   amava   muito,   a   ponto   de   lhe   abrir
caminhos, quando no fundo desejava mantê­la afastada do mundo.
— Como pode ter tanta certeza?
— Um pouco por intuição e o resto pelo fato de conhecê­lo muito bem.
Ele era um homem desiludido e sem perspectivas. Afinal, havia passado por
um casamento infeliz, que acabou se transformando num pesadelo. Nos anos
seguintes, teve outras amantes e experiências, que não ajudaram muito. No
entanto, nunca amou nenhuma delas. Aí você apareceu, e era diferente de
todas   as   mulheres   que   Roderick   havia   conhecido.   Infelizmente,   ele   levou

62
algum tempo para entender por que tinha se apaixonado por você, e o que
sentia de fato. Cheguei à conclusão de que tentava recuperar a juventude, e
você era a pessoa certa para ajudá­lo a resgatar o tempo perdido.
Amanda   notou   que   estava   chovendo.   A  tempestade   que   se   formou
assim   que   chegaram   da   praia   os   apanhou   de   surpresa,   e   o   céu   escureceu
repentinamente.
— Obrigada, Stephen!
— Obrigada por quê?
— Por me ajudar…
— Não sei se conseguiu entender tudo… — Ela encarou­o, com um ar
de   dúvida.   —   —   Ainda   não   falamos   sobre   nós,   Amanda.   Nosso
relacionamento está claro para você? 
— Não totalmente.
— Era o que eu temia — confessou, pesaroso.
— Stephen…
— Não — ele atalhou, trazendo­a para mais perto de si. — Antes que
diga qualquer coisa, responda: quer se casar comigo, Amanda?
—  Oh,   Stephen!   Não   sei,   estou   confusa.   Não   esperava   esse   pedido
agora.
—  Isso mostra quão pouco você me conhece. O que imagina que eu
tinha   planejado   para   nós?   Pensou   que   procurava   uma   amante   ou   alguém
para passar algumas noites? — Notava­se um tom de desafio em sua voz. —
Desculpe, creio que me precipitei, não foi mesmo?
— Não, você não foi precipitado, Stephen, mas…
— Mas o quê? Vai me falar outra vez dessa velha história de nós não
nos conhecermos bem? Não é mais uma boa desculpa, Amanda. Afinal, já
conquistamos muita intimidade e aprendemos bastante sobre nós mesmos.
— Por favor, pare!
— Eu ia apenas dizer que está sempre linda, que me fascina. Que a vi
comparecer às reuniões da diretoria de cabeça erguida, mesmo sabendo que
faria tudo para humilhá­la… Podia ter cortado o último laço entre mim e meu
sócio, a qualquer momento, porém não o fez. É verdade que eu e você nos
afastamos cada vez mais, mas a culpa não foi sua.
— Stephen, de você só quero saber uma coisa.
— Eu já lhe falei muito a meu respeito. O que mais quer saber?
— Se me ama realmente.
—  Ainda não acredita no que tem acontecido entre nós, não é? Por
alguma razão que desconheço, está decidida a não permitir que nosso amor
floresça. Por que não admitir que está lutando contra si mesma? Olhe, vou
lhe provar…

63
— Stephen, não… preciso pensar.
—  Não, não precisa… Esta é a resposta, não percebe? — Começou a
beijar­lhe o rosto, o cabelo e a boca, deixando­a sem forças para reagir.
— Você quer vir para casa comigo?
Ela   acenou   afirmativamente   com   a   cabeça,   e   procurou   abrigo   nos
braços dele.
A   casa   de   Stephen,   para   surpresa   de   Amanda,   era   uma   mansão
localizada na baía de Runaway.
O   portão   da   garagem   abriu­se   silenciosamente,   logo   que   Stephen
acionou o controle remoto no carro. Na garagem havia uma porta, que dava
para o interior da casa. Amanda hesitou antes de entrar.
— Não sabia que você morava tão bem… Pensei que residisse na praia
do Pôr­do­sol.
— Eu possuía um apartamento lá, mas, depois que comprei um iate e
um jato particular, achei melhor mudar­me para cá. — Acompanhou­a pelo
hall, acionando os interruptores das lâmpadas, e levou­a até as janelas amplas
para abrir as cortinas.
Quando acendeu as luzes da parte externa da casa, podia­se ver um
imenso gramado com piscina.
—  Você   está   com   fome?   —   perguntou   ele,   abrindo   as   janelas   para
deixar entrar o ar fresco da noite.
— Um pouco… — Amanda sorriu, embaraçada. — Posso ajudá­lo?
— Não, estou acostumado a cozinhar.
— Deve estar brincando!
—  Posso   garantir   que   preparo   um   dos   melhores   lanches   de   toda   a
região!   —   assegurou   ele,   com   um   sorriso.   —   Dê   uma   olhada   na   casa,   se
quiser.
A sala de estar era confortável, mobiliada com  um jogo de sofá de
veludo marrom e um magnífico tapete persa, as paredes sendo forradas com
um papel creme. A mesinha­de­centro redonda trazia um vaso de cristal, e as
luminárias   de   acabamento   dourado   proporcionavam   ao   ambiente   uma
iluminação agradável.
Amanda   atravessou   o   corredor   acarpetado,   examinando
detalhadamente   cada   um   dos   três   dormitórios   e   o   escritório   com   uma
escrivaninha repleta de papéis, uma televisão e uma confortável poltrona de
couro. Encontrou um lavabo luxuoso revestido com azulejos, e aproveitou
para lavar as mãos e mirar­se no espelho.
Apresentava   olheiras   profundas,   resultado   de   várias   noites   sem
dormir.
O   outro   cômodo   do   corredor   parecia   uma   sala   de   jantar.   Amanda

64
hesitou   por   um   segundo,   receosa   de   estar   invadindo   a   privacidade   de
Stephen, mas, movida pela curiosidade, acendeu a luz. No mesmo instante,
sentiu um arrepio correr­lhe o corpo, pois o primeiro objeto que viu foi um de
seus quadros na parede, justamente o que retratava a cadeira de Rod.
Ficou   a   fitá­lo   por   algum   tempo,   arrependendo­se   de   tê­lo   posto   à
venda.
Estava tão distraída, que  não ouviu  Stephen  se aproximar por trás;
apenas sentiu os braços dele enlaçando­a pela cintura. Recostou­se no corpo
forte e começou a relaxar. Como podia se entregar tão facilmente a ele, ainda
era um mistério…
—  Amanda.   —   Stephen   a   fez   virar­se   para   encará­lo.   —   Está   tudo
acabado agora, não está? Você não precisa mais se sentir sozinha.
— Não.
— Quer se casar comigo?
— Sim…
— Quando?
— Quando você quiser.
—  Pode ser   mais  cedo do  que  imagina…  —  Ele  sorriu,   estreitando
mais o abraço. — Assim que fizermos os preparativos?
—  Está   bem   —   aquiesceu   ela,   e   aceitou   o   beijo   que   selou   aquela
promessa.
Mais tarde, no quarto, Stephen lembrou:
— A estas horas meus sanduíches devem ter queimado.
— Você tem alguns ovos na geladeira?
— Tenho. Por quê?
— Ainda podemos salvar o recheio de frango e fazer uma omelete…
—  Posso   tentar,   mas   fique   sabendo   que   omelete   não   é   minha
especialidade.
Ela riu, espreguiçando­se na cama.
— Pensei que já estivesse acostumado a cozinhar…
— Ah, claro! Faço uns sanduíches ótimos… — brincou, acariciando­lhe
o cabelo. Em seguida, perguntou. — Foi bom para você?
—  Eu…   —   Amanda   hesitou.   Seria   aquela   sensação   horrível   o
pressentimento de que algo estava errado? Não, depois de terem resolvido os
problemas, tudo estava bem. — Eu o quero muito, Stephen, eu o amo! —
murmurou, beijando­lhe o peito nu.
— Amanda! Você tem certeza?
— Como se eu ainda pudesse ter dúvida… Estou completamente a sua
mercê,   morrendo   de   fome   e   esperando   por   um   sanduíche   de   frango   e
tomate…

65
— Reservei também uma garrafa de champanhe… 
Ela riu e mudou subitamente de assunto.
— Stephen, por que decidiu morar nesta casa, sozinho?
— Por que pergunta?
— Você deve sentir solidão, às vezes.
— Bem, para ser franco, foi para satisfazer um sonho antigo.
— Como assim?
—  Jamais   morei   numa   casa   de   verdade,   pelo   menos   não   que   me
lembre.   Só   em   apartamentos   e   hotéis.   Ei,   o   que   foi?   —   ele   indagou,   ao
perceber que o sorriso no rosto dela se dissipara.
— Nada… É que também nunca morei numa casa que fosse só minha,
num   verdadeiro   lar.   Um   lugar   sossegado   onde   pudesse   ter   meu   próprio
jardim e cultivar minhas plantas.
— Agora você pode fazer tudo isso aqui, a meu lado.

CAPÍTULO VIII

Amanda   cantarolava   uma   velha   canção,   enquanto   arrumava   o


armário.   Dois   dias   antes   aceitara   o   pedido   de   casamento   de   Stephen
Chandler,   e   na   véspera   ele   viajara   para   Sydney   a   negócios,   onde   ficaria
durante alguns dias.
Diante das novas perspectivas, ela voltara para seu apartamento, para
arrumar as coisas e mudar­se dentro de uma semana.
Após   esvaziar   a   última   prateleira   do   armário,   sentou­se   para
descansar. O que levar e o que deixar para trás? Talvez fosse melhor levar
apenas roupas e objetos pessoais, embora cada mínima peça de decoração
representasse uma parte de sua vida.
Stephen   pedira­lhe   que   o   acompanhasse   naquela   viagem.   Talvez
devesse ter aceito, para livrar­se daquele problema.
Antes   de   ele   partir,   Amanda   havia   lhe   perguntado   se   a   viagem   se
relacionava com o projeto da Ballantyne, que Lance Kidder mencionara. A
resposta foi afirmativa, mas Stephen a beijou e pediu que não se preocupasse.
— A situação está sob controle — dissera então.
Na ocasião, ela estava feliz com o rumo dos acontecimentos, porém,
quando ele sugeriu que o acompanhasse a Sydney, imaginou a estada em
hotéis, os momentos de longa espera. Por isso, preferia ficar. Stephen não
gostou da decisão, mas acatou­a.
No entanto, quando o levou até o aeroporto, ele a manteve em seus
braços e, antes de partir, repetiu o que já dissera uma outra vez:
66
— Você não vai fugir de mim, vai?
— Como se eu pudesse…
A campainha tocou, interrompendo os pensamentos de Amanda. Com
o coração batendo mais forte, ela imaginou se seria Stephen. Correu até a
porta e, a decepção foi grande demais. Era Lance Kidder.
— Olá, Amanda! Posso entrar?
Ela encarou­o por algum tempo, hesitante.
— É uma visita de negócios — Lance assegurou­lhe.
— Bom, eu… tudo bem…
Lance acompanhou­a pelo hall, examinando a decoração  da sala de
estar.
— Perfeito… é de muito bom gosto, sem dúvida. Rod era um homem
de sorte. Tinha em você uma mulher admirável.
Amanda fez o possível para manter a calma. Em vez de tratá­lo com
aspereza, resolveu agir com naturalidade.
— Quer beber alguma coisa?
— Não, obrigado — agradeceu, lançando­lhe um olhar insinuante. —
Preciso lhe dar os parabéns…
— Posso saber por quê?
— Ora, em breve você e Stephen vão se casar. 
Amanda ficou paralisada.
— Como sabe?
— Tenho minhas fontes.
— Quais? — Parecia inútil tentar esconder a verdade.
—  Bem,  já  vou   lhe dizer.  — Lance  Kidder  estava  sério,  e  qualquer
ponta   de   ironia   em   sua   voz   tinha   desaparecido.   —   Posso   me   sentar?   —
perguntou, e acomodou­se no sofá sem esperar resposta. — Você vai adorar
descobrir o que Stephen tinha em mente, ao levá­la para a ilha Hamilton.
— Não sei onde você quer chegar?
— Calma, que logo entenderá!
— Seja breve, pois não tenho muito tempo.
—  Há  de concordar   comigo  em   que  ele passou   a tratá­la  de  forma
bem… diferente, não foi?
— Lance…
Ele fez um gesto para aparteá­la, e retomou a palavra:
—  Por favor, deixe­me terminar de falar! Para mim, a mudança de
comportamento foi tão grande, que comecei a pensar. Desde que você deixou
a ilha, tirei minhas próprias conclusões, e, ao substituir Stephen enquanto
estavam   viajando,   tomei   conhecimento   de   uma   informação   muito
alarmante… sobre o novo empreendimento.

67
— Não estou entendendo…
—  É,   eu   calculei   que   não   fosse   compreender.   Stephen   lhe   contou
alguma coisa?
— Não, mas…
— A propósito, ele ficou bastante irritado por você ter deixado a ilha
Hamilton daquela forma.
— Foi um mal­entendido.
— Sei… suponho que já tenha sido resolvido…
— Lance, deixe de rodeios e vá direto ao assunto.
— Está bem. Antes de partir para Hamilton, Stephen era o único que
sabia da real importância do empreendimento. Contudo, desempenhei minha
função da melhor maneira possível, acompanhei a transferência dos bens e,
acredite, Amanda, não devo nada a Stephen Chandler. Se eu estiver certo,
você ainda tem o voto decisivo.
Amanda ficou sem entender nada.
—  Você compreende o que quero dizer? Sua cota­parte nas ações da
Ballantyne ainda influi na divisão do poder. Se a vendesse, a Ballantyne se
transformaria numa organização muito maior, o que Stephen odiaria, sem
dúvida, apesar de ser um bom negócio.
As mãos de Amanda começaram a tremer.
— Eu…
Lance Kidder esperou e, percebendo que ela não conseguia concatenar
as idéias, continuou:
—  Com chantagem ou coisa parecida, Stephen manipulou­a por um
bom tempo. Mas não poderia continuar assim a vida inteira, não é? Quando
você esquecesse Rod, seria muito provável que encontrasse outro homem e se
apaixonasse novamente. E, mesmo que não acontecesse, o controle que ele
exercia sobre você teria de acabar um dia, não é verdade? — Lance fitou­a,
desafiando­a a negar os fatos.
— O que está dizendo, Lance?
—  Acredito   que   sabe   muito   bem   o   que   estou   dizendo,   porém   vou
simplificar as coisas. Stephen percebeu que estava sem saída, e que você tinha
o futuro da Ballantyne nas mãos. E decidiu garantir os rumos da firma, do
mesmo  modo  que   nos  acusou   de…  colocar  nossos  interesses  em  primeiro
plano, na última reunião. Só que ele foi mais adiante: pretende se casar com
você, para ter o controle absoluto da empresa.
—  É   sua   palavra   contra   a   dele,   Lance.   A   palavra   de   um   homem
ambicioso   que   sempre   odiou   Stephen,   e   que   daria   tudo   para   conseguir   a
presidência da Ballantyne.
Lance encolheu os ombros e contra­argumentou:
68
— Não vou perder meu tempo negando o fato — comunicou, com um
brilho de ódio nos olhos. — Contudo, se você não acredita em mim, por que
não pergunta a Jeff Whitby? Você confia nele, não confia? Se tiver dúvida,
Amanda,   pense.   Não   é   estranho   que   Stephen   tenha   mudado   de
comportamento,   em   tão   pouco   tempo?   Nos   últimos   anos   ele   humilhou­a
diversas vezes. Deixou bem claro a todos o que sentia por você. E agora, um
pedido de casamento…
— Saia já daqui, Lance! Se soubesse quanto eu o desprezo!
— Reflita bastante, Amanda. E, enquanto isso, por que não se junta a
nós? É a única forma de se livrar, de uma vez por todas, dessa… confusão.

69
CAPÍTULO IX
Amanda mergulhou numa depressão profunda. O nome de Stephen
veio­lhe à mente várias vezes, enquanto enxugavam o suor da testa com um
pano.
— Quanto tempo ainda? — ela perguntou com a voz rouca, segurando
a mão da enfermeira.
— Se seguir as instruções da médica, querida, tudo estará acabado em
poucos minutos. Esteve ótima. Continue respirando e fazendo força.
“Meu   Deus,   ajude­me!…”,   Amanda   suplicava   em   silêncio.   De
repente…
—  Está nascendo.  É um… menino! — A médica parecia satisfeita e
aliviada com o andamento do parto. — Tem cabelo castanho e é lindo! Veja!
— exclamou, enquanto Amanda chorava de felicidade.
Amanda observava o crepúsculo pela janela do quarto. Era uma tarde
de outono,   e seu   filho  dormia num  berço  ao  lado  da cama. A  enfermeira
dissera­lhe que era o bebê mais bonito de todo o andar.
—  Você  vai  ser  alto, meu bem  — declarou  a enfermeira, que  viera
ajudar Amanda a dar banho na criança. — Um homem bonito e charmoso,
como seu… — Ela mordiscou o lábio e calou­se, embaraçada.
“Como   seu   pai…”,   Amanda   completou   em   pensamento   o   que   a
enfermeira não tivera coragem de dizer. Desde que chegara à maternidade,
havia   muitos   comentários   sobre   ela   e   o   bebê.   Por   acaso,   ouvira   uma   das
médicas dizendo a alguém:
— Não é justo ninguém vir para visitá­los! Gostaria de falar umas boas
ao pai dessa criança…
“Não podiam culpá­lo”, Amanda pensou. “Ele nem mesmo sabia que
tinha um filho.”
Aquela, sem dúvida, era outra razão pela qual o bebê despertava tanto
interesse: por não receber visita de nenhum parente próximo, especialmente a
do pai.
Amanda   sentia­se   grata   às   enfermeiras   que   se   desdobravam   em
atenções, cuidando em que não ficasse sozinha por muito tempo. Do lado de
fora do hospital, a vida agitada da cidade de Sydney prosseguia. Em breve
teria de abandonar a paz e o conforto da maternidade, para voltar para casa.
— Como está se sentindo? — a médica perguntou, entrando no quarto.
— Estou bem…
A dra. Thompson sentou­se na cama. Era uma mulher serena e calma,
de não mais de trinta anos.
— Amanda… nós duas já nos conhecemos há alguns meses, não é?
70
— Sim… — Amanda concordou, cautelosa.
— Durante todo esse tempo, nunca lhe perguntei nada sobre sua vida
pessoal, porque você queria que fosse assim, certo?
— Correto.
— Querida… Não quero me intrometer em sua vida, mas gostaria de
ter certeza de que sabe o que está fazendo. Nessa altura, você precisa pensar
na criança. Ela merece ter um pai. Ele é um homem casado?
— Não… — Amanda baixou a cabeça. — Na realidade, ele queria se
casar   comigo,   porém   não   por   amor.   Apenas   por   interesse.   Infelizmente,
quando descobri tudo e o abandonei, não sabia que estava grávida.
— Esses… interesses, quais eram?
Amanda recostou­se no travesseiro, visivelmente nervosa.
—  É   como   um   conto   de   fadas…   Nunca   poderia   imaginar   que
aconteceria comigo.
— Olhe, você é minha última paciente hoje. Se quiser desabafar, temos
bastante tempo. Estou disposta a ajudá­la, se quiser…
—  Bem, eu… — Amanda hesitou  por  alguns instantes, e então seu
relato   começou   a   fluir,   espontâneo:   o   desabafo   que   há   muito   vinha
reprimindo.
—  Está   convencida   de   que   ele   queria   se   casar   com   você   só   para
controlar a empresa?
— Quando descobri o que estava acontecendo, percebi que havia algo
errado.   No   fundo,   sabia   disso   o   tempo   todo,   mas   nunca   tive   coragem   de
enfrentar os fatos. É difícil explicar… — admitiu ela, enxugando as lágrimas.
— Aí você decidiu partir?
— Mais ou menos… Não queria acreditar que Stephen fosse capaz de
proceder de forma mesquinha. Na época, estava apaixonada… Contudo, a
versão   de   Lance   Kidder   explicava   tantos   fatos   nebulosos,   que   eu   não
conseguia   entender…   A   mudança   de   atitude,   o   pedido   de   casamento,   as
últimas palavras que ele me disse, como se estivesse com medo de que eu
descobrisse o que se passava… Stephen nunca me contou que o projeto era
tão importante assim para ele.
— O que você fez?
—  Havia   um   dos   diretores   em   quem   confiava   e   pedi­lhe   que
verificasse a situação. Falei­lhe a respeito de Lance e que eu queria sair da
diretoria. E mais: que devia ter tomado a decisão há muito e que desejava
transferir   minhas   ações   para   Stephen,   porém   seria   impossível   tratar   do
assunto diretamente com ele. Com alguma dificuldade, consegui convencê­lo,
e   encontramos   uma   solução.   Esse   diretor   era   totalmente   leal   a   Stephen,   e
então vendi­lhe minhas ações, na condição de que as repassasse a Stephen. E

71
me afastei da diretoria. Parecia a única maneira de… fugir.
— E você não chegou a conversar com Stephen?
— Não consegui. Ele estava viajando e se atrasou dois dias.
— Soube o que aconteceu depois de partir?
— Não. Preferi me afastar.
—  Entendo…   Parece­me   que   você   cometeu   um   erro.   Disse   que   o
amava, e não lhe deu uma chance de se defender.
— Havia um bom motivo… Quando estava ao lado dele, era incapaz
de dizer tudo o que devia. Concluí que era o momento de dar uma chance a
mim mesma, acreditar em minha intuição. Você entende, não posso culpá­lo
por nada.
— Mas você não estava a par da situação?
—  Assim   mesmo,   sabia   que   não   suportaria   ouvir   a   verdade   de
Stephen…
—  Tudo bem. Há, porém, outro lado importante agora: o filho dele.
Acha que está sendo justa com ambos?
Amanda deu um longo suspiro, fechando os olhos.
—  Se   soubesse   como   é   difícil…   Foi   exatamente   nessa   situação   que
nasci, e só agora que aconteceu o mesmo comigo é que entendi a posição de
minha mãe.
— Ela não contou a seu pai?
—  Não.  Ele nunca  soube  de minha  existência. Logo depois que ela
morreu, comecei a pôr em ordem seus papéis e descobri que ele tinha falecido
alguns   anos   antes.   Mamãe   havia   lhe   escrito   uma   carta   e   recebeu   um
telegrama da mulher dele, dando a notícia. Sempre quis saber se, após todos
aqueles anos, mamãe tinha lhe falado sobre mim…
—  Posso lhe dar um conselho, Amanda? Não deixe que aconteça o
mesmo com você e a criança. Pelo menos, conte ao pai dele. Pode ser que não
resolva   nada   e   até   lhe   cause   algum   sofrimento,   mas   creio   que   o   pai   tem
direito de saber, e o filho também. Como você se sentia em relação a seu pai? 
Amanda refletiu por um bom tempo, antes de responder.
— Agora, creio que daria tudo para tê­lo conhecido… É uma parte de
minha história que continua um mistério. Quando criança, tinha medo de
pensar   demais   nele,   porque   mamãe   me   dizia   que   tal   coisa   podia   lhe
complicar a vida. Eu tinha a impressão de que papai me odiaria.
— E, sendo assim, não acha que tem a obrigação de deixar seu filho e o
pai dele fazerem seus próprios julgamentos?
Em Brisbane, o inverno era mais rigoroso do que em outras partes do
litoral australiano. E o tempo nublado e cinzento combinava perfeitamente
com o estado de espírito de Amanda.

72
Tomara um avião em Sydney, e agora estava instalada num quarto de
hotel. Richard, o bebê, tinha três meses de idade e dormira o tempo todo de
vôo, adaptando­se ao novo ambiente com facilidade.
Eles tinham chegado a Brisbane no dia anterior, e Amanda decidira
esperar para ver como o pequeno reagiria ao clima, antes de tomar alguma
decisão. Desejava acompanhar os primeiros meses de vida do bebê livre de
qualquer   trauma,   e   também   porque   precisava   reunir   coragem   para   rever
Stephen e lhe falar sobre seu filho.
Agora,   porém,   não   havia   mais   motivo   para   adiamentos.   Richard
estava forte e saudável, e Stephen tinha todo o direito de conhecer a verdade.
Quanto mais adiasse esse momento, pior para todos.
Além   do   mais,   Stephen   era   um   homem   sensível.   Certamente
entenderia a opção dela pela separação, e poderiam chegar a um acordo, de
modo que Richard pudesse conviver com o pai e a mãe…
Amanda se sentou na cama do hotel e, após refletir acerca do assunto,
decidiu telefonar para Stephen.
— Sua ligação está completada — avisou a telefonista.
— Empresas Paradise. Em que posso ajudá­la? — atendeu a secretária
de Stephen, do outro lado da linha.
— Eu… eu não entendi…
—  Empresas   Paradise,   antiga   Ballantyne   —   a   garota   repetiu,
impaciente. — Em que posso ajudá­la?
— Poderia falar com o sr. Chandler?
Houve um breve silêncio. Aí a secretária de Stephen explicou:
—  Sinto   informá­la   de   que   o   sr.   Chandler   não   trabalha   mais   nesta
organização.   Se   deseja   falar   de   negócios,   posso   colocá­la   em   contato   com
Lance Kidder, nosso atual diretor­presidente,
—  Sim,   eu…   espere!   Poderia   falar   com   a   sra.   Flora   Hardcastle?
Desculpe o incômodo, mas… eu trabalhava na Ballantyne.
—  A   sra.   Hardcastle   já   se   aposentou.   Creio   porém,   que   tenho   o
endereço, dela. A senhora tem lápis e papel?
Amanda   apanhou   a   bolsa   e,   após   agradecer   à   garota,   colocou   o
telefone no gancho e perguntou a si mesma, chocada:
— Minha nossa! O que aconteceu?

— O que houve, Flora?
—  Oh, sra. Ballantyne!… — lamentou Flora, com um suspiro. — Eu
sinto tanto…
—  Por favor, chame­me de Amanda. Era assim que nos tratávamos,
quando trabalhávamos juntas.

73
— Sente­se, querida — Flora lhe ofereceu uma cadeira.
— Você parece assustada. Teve sorte de me encontrar em casa. Desde
que   me   aposentei,   transformei­me   numa   ótima   jogadora   de   boliche.   Quer
uma xícara de chá? Acredito que vai lhe fazer bem.
— Sim, obrigada… E desculpe ter vindo sem avisar. Estou num hotel
não muito longe daqui. Mas não quero atrasá­la para o jogo….
— Se acha que vou deixá­la sozinha, está completamente enganada —
Flora replicou, com um sorriso amável. — Eu me preocupei com você, como
se fosse minha própria filha.
—  Sinto   muito…   —   murmurou   Amanda,   sem   conseguir   conter   a
emoção.
Meia hora depois estavam sentadas na cozinha, e Amanda, um pouco
mais calma, bebia uma xícara de chá.
—  O   que   aconteceu?   —   Flora   raciocinou   por   alguns   instantes.   —
Sinceramente, não sei. Se alguém me dissesse que Stephen Chandler venderia
a   companhia   para   os   inimigos,   eu   não   teria   acreditado!   Contudo,   foi
exatamente o que ele fez.
—  E por quê? Ele foi obrigado? Quero dizer, perdeu o interesse pela
empresa? Não me diga que Jeff me traiu.
—  Não,  ele não  a traiu.  Eu estava  fazendo  anotação  de reunião  da
diretoria, quando tudo aconteceu. O sr. Whitby entregou a carta de demissão,
deixando claro que as ações estavam em seu poder e que poderia vendê­las
apenas   ao  sr.  Chandler.  Em  caso  contrário,  as  ações   continuariam  em   seu
nome e seriam  usadas para bloquear  qualquer  novo  empreendimento. Foi
uma reunião bastante difícil, Amanda, como nunca havia visto antes.
Flora sorveu um pouco de chá e retomou a palavra:
— O sr. Chandler tinha acabado de chegar de Sydney naquela manhã,
e   parecia   furioso.   Sem   falar   na   reação   do   sr.   Kidder,   quando   Jeff   Whitby
terminou de falar. Estava uma fera. Disse coisas desagradáveis a Stephen e
fez   comentários   terríveis   a   seu   respeito.   Foi   nessa   altura   que   comecei   a
entender o que havia acontecido, Amanda. Nunca gostei de Lance Kidder.
Para mim, foi fácil perceber que ele era o culpado de tudo.
— Continue…
—  Bem, aí o sr. Chandler virou­se para Lance, e por um  momento
pensei  que fosse matá­lo! Ele disse: “Você disse a ela que eu desejava me
casar para ter o controle da empresa?” E Lance respondeu: “Ora, vamos lá,
Stephen! Não era exatamente o que você pretendia fazer? Vamos encarar os
fatos.   O   que   não   entendo   é   porque   você   não   fez   tal   coisa   há   muito   mais
tempo… Afinal, ela é uma mulher encantadora. Só você não sabia disso, não
é, Stephen? Você fazia questão de parecer superior e não desejá­la… Mas o

74
mais engraçado foi quando você a levou  para a ilha Hamilton… Foi uma
ironia do destino, não?”
Flora fez uma pausa e suspirou, antes de prosseguir:
— Eu me lembro de cada palavra, como se tivesse acontecido ontem.
E, quando Kidder disse aquilo, tive certeza de que o sr. Chandler iria matá­lo.
O sr. Whitby também. Pela primeira vez na vida, porém, George Ramsey fez
algo de útil: reclamou de dores no peito, trazendo o sr. Chandler de volta a si.
Ele simplesmente se levantou e saiu.
— O que aconteceu em seguida? — Amanda indagou, apreensiva.
—  Dois dias depois, Stephen convocou nova reunião, mas dessa vez
ele deu a notícia do dia. E levou apenas cinco minutos. Anunciou que tinha
comprado   as   ações   do   sr.   Whitby   e   vendido   para   a   companhia   Paradise,
juntamente  com   as  dele próprio.   Disse  que  fora  convidado  a trabalhar   na
diretoria de uma nova empresa, e que todos os funcionários da Ballantyne
que estivessem interessados poderiam acompanhá­lo. Agradeceu a mim e ao
sr. Whitby o apoio. — Os olhos de Flora estavam cheios de lágrimas. — E foi
só. Eu o vi mais tarde, no mesmo dia. Ele me chamou ao escritório e me falou
sobre a nova companhia, perguntando a mim se gostaria de trabalhar com
ele. Disse que não, que estava pensando em me aposentar. Então, indagou se
eu   fazia   alguma   idéia   de   onde   você   estava…   Pensei   em   todas   as
possibilidades, porém não consegui lhe dar nenhuma informação precisa.
—  Flora, Flora… creio que cometi um engano, mas fiz apenas o que
achei que devia fazer.
—  Bem, de qualquer forma, se tivesse me contado, eu não teria sido
capaz de guardar segredo… No entanto, sei que Stephen fez de tudo para
tentar   encontrá­la.   Naquele   dia,   ouvi­o   conversando   com   Jeff   Whitby.   Ele
soube que você tinha colocado o apartamento à venda, dando plenos poderes
à imobiliária. Stephen e Jeff procuraram seu advogado, que teimou em não
revelar­lhe o paradeiro.
— O que Jeff disse?
—  Ele…   parecia   se   sentir   um   pouco   culpado   e   declarou   que   não
possuía dados concretos ou informações precisas, porém que fazia questão de
respeitar   sua   vontade.   Na   realidade,   nós   dois   fomos   os   únicos   a   deixar   a
empresa,   mas   ainda   continuei   na   Ballantyne   por   alguns   meses,
acompanhando o processo de transferência de bens.
— E por que Stephen fez isso? — Amanda perguntou, confusa.
—  Eu não sei… — Flora examinou o rosto preocupado da amiga. —
Há algo errado com você… O que foi?
Amanda desviou o olhar.
— Conte­me, querida. Você confia em mim, não é?

75
— Eu… eu tive um bebê.
— Você quer dizer…?
— Sim. É o filho de Stephen.
— E ele não sabe?
— Não. Não sabia que estava grávida quando parti. Aí, eu…
— Você está tendo dificuldades financeiras para sustentar a criança?
— Não, não é o caso.
— Então, você voltou para contar a Stephen? 
Amanda pôs­se de pé.
— Sim, mas agora… Tudo mudou. 
Flora refletiu por uns instantes e replicou:
— Onde está seu filho?
— Eu o deixei no hotel com a babá. Preciso voltar…
A   mulher   examinou­a   mais   um   pouquinho   e   levantou­se   decidida,
afirmando:
—  Vamos   buscá­lo.   E   não   diga   uma   palavra!   Vocês   vão   ficar
hospedados aqui em casa. Muitos quartos aqui estão desocupados, tenho um
lindo jardim e, além disso, desde que Tom morreu, sinto­me muito sozinha.
Você parece um pouco fraca e pálida, Amanda. Se está amamentando o bebê,
é necessário se manter saudável.
Naquela noite, Amanda foi dormir com a sensação reconfortante de ter
encontrado uma amiga. Sentia­se grata a Flora, e a afeição por ela aumentou.
Flora se apaixonou por Richard de imediato. Pela primeira vez, havia alguém
diferente da mãe para brincar com ele, conversar, mimar…
—  O   fato   de   morarmos   em   local   elevado   ajuda   —   Flora   explicou,
enquanto Amanda apreciava o jardim na manhã seguinte. — Mas, sem esses
bambus que Tom plantou para diminuir a força do vento, seria terrível —
acrescentou, apontando para a espessa barreira de folhagens e bambus.
Amanda contemplou a paisagem, reflexo do cuidado e do empenho
daquele casal, com um aperto no coração. Teria agido mal em renunciar a
uma vida em comum com Stephen?
Flora afagou a cabeça de Richard, que dormia no carrinho.
— O que pretende fazer agora, Amanda?
—  Eu   não   sei…   estou   completamente   desnorteada.   Se   ao   menos
soubesse por que Stephen tomou aquela decisão…
—  Para ser franca, não sei se faz tanta diferença. Em que mudaria a
situação?
— Não sei, mas estou com medo do que possa acontecer. Stephen é tão
imprevisível… Você não faz idéia de como ele me tratava antes…
—  Posso imaginar… Depois que o sócio morreu, ele fez questão de

76
mostrar   a   todos   que   a   detestava.   Sempre   me   perguntei   se…   Bem,   eu
realmente não sei!  Contudo,  não pode se esquecer  de que Richard   é filho
dele, Amanda.
— O que devo fazer, Flora?
— Bem… — A outra hesitou e pareceu mudar de idéia. — Talvez deva
dar a ele a chance de se explicar, antes de lhe falar sobre o filho.
— O que Stephen estará fazendo agora?
—  Não faço a menor idéia… O sr. Chandler foi muito bom comigo,
Amanda. Fez­me prometer que, se algum dia precisasse de alguma coisa, não
hesitaria em procurá­lo. Ele sabia que Tom tinha morrido e que não tínhamos
filhos,  e disse­me que,  se eu  adoecesse  ou  me sentisse  só,  gostaria de me
ajudar.
—  Acredito   que   preciso   de   alguns   dias   para   colocar   as   idéias   em
ordem — Amanda declarou, recostando­se na cadeira.
A princípio, Flora não pareceu convencida de que essa era a melhor
decisão, mas acabou concordando.
—  É, creio que não vai lhe fazer nenhum mal. E, enquanto isso, vou
tomar conta de você e do pequeno Richard. Sabe, ontem ele sorriu para mim!
— Tenho certeza que sim.
Os   dias   passaram   rapidamente.   Fazia   uma   semana   que   Amanda
estava hospedada na casa de Flora, sentindo­se mais relaxada com a atenção e
o carinho da amiga.
No entanto, ainda tinha um problema a resolver, e a insegurança não a
abandonava. Torturava­se imaginando o desprezo de Stephen, quando lhe
falasse sobre Richard…
Talvez   ele   reagisse   de   outra   forma.   Se   ao   menos   soubesse   o   que   o
levara   a   abandonar   a  empresa!…   Por   outro   lado,   não   poderia   morar   com
Flora para sempre, e a cada dia as dúvidas iam aumentando.
Richard acordou às duas horas da tarde, com fome. Amanda trocou­
lhe   a   fralda   e   levou­o   até   o   jardim,   sentando­se   numa   cadeira   de   vime   à
sombra de uma árvore. Flora estava na cozinha, preparando um lanche.
—  Já   vai,   já   vai…   —   Amanda   sussurrou   para   o   filho,   enquanto
desabotoava   a   blusa.   —   Agora   vá   com   calma,   senão   terá   problemas   com
soluços — e sorriu, beijando a testa do filho.
Ela se instalou confortavelmente na cadeira, acariciando as primeiras
mechas de cabelo do bebê, que se pôs a mamar com voracidade.
De repente, um ruído chamou­lhe a atenção e, surpresa, ela notou a
presença de um homem a poucos metros dali. Instintivamente fechou a blusa,
provocando um protesto do Filho.
— Meu Deus, Amanda!…. — Stephen Chandler aproximou­se, pálido.

77
— Não acha que já é hora de conversarmos?
— Eu… eu não o vi chegar… A luz do sol me ofuscou a vista…
— Parece que sua visão sempre esteve ofuscada — ele aparteou, com
amargura. — Mas não consigo acreditar que você tenha feito o que fez, para
você mesma, para mim e para a criança. Suponho que este seja meu filho…
Não   precisa   responder…   —   Stephen   olhou   para   o   bebê   nos   braços   de
Amanda, e depois fitou­a em silêncio.
— Bem, eu…
— Se espera que me retire enquanto você o amamenta, receio que vá
ficar desapontada.
Amanda hesitou, desviando os olhos. Richard não parava de soluçar, o
rosto vermelho e quente, os braços agitados. Ela examinou­o em silêncio e
apertou­o levemente contra o corpo.
— Não chore… — murmurou, e voltou a amamentá­lo.
— Que nome deu a ele? — Stephen perguntou, emocionado.
— Richard.
— Quanto tempo de vida tem? Três meses?
— Quase quatro. Flora contou­lhe?
— Sim. Apenas lamento que ela não tenha me falado sobre Richard.
— Ela não lhe falou do bebê?
—  Não, só perguntou se podia vir para cá. Parecia tão preocupada,
que vim imediatamente. Quando cheguei, há pouco, ela me adiantou alguma
coisa. Disse que havia uma pessoa no jardim que eu deveria ver, e que me
chamou   aqui   porque   estava   com   medo   de   que   tal   pessoa   fosse   embora
novamente.  Só  poderia  ser  você…   Mas   eu  nunca   esperava   encontrar   meu
filho.
— Acabou sendo inevitável…
— Claro, Amanda. Não sei o que nosso relacionamento significou para
você, porém jamais pensei que fosse capaz de me esconder… Como pensou
que reagiria, se me contasse que estava grávida? Imaginou que eu poderia
encarar a situação como um novo empreendimento comercial?
— Na realidade, eu não sabia o que pensar — Amanda desabafou. —
Posso ter agido como uma tola, porém na época tudo me levou a crer que
estava apenas interessado nos bens da empresa.
A   tensão   dos   derradeiros   meses,   somada   ao   choque   do   reencontro
inesperado com Stephen, roubou­lhe as  últimas forças. Ela parou de falar,
dominada por uma súbita tontura, e então desmaiou.
Quando   voltou   a   si,   Amanda   estava   deitada   na   cama.   Sua   mente,
porém, continuava confusa, e ela mal notou que um médico veio examiná­la e
a fez ingerir uns comprimidos que a acalmaram e a levaram a cair num sono

78
profundo.
Na manhã  seguinte, ela acordou com  uma leve sensação de torpor,
lembrando­se de coisas que dissera, mas que não faziam sentido. Apesar de
ter   dormido   bastante,   ainda   se   sentia   cansada.   Lembrou­se   de   Richard   e
encontrou­o no berço.
—  Ele   dormiu   bem?   —   perguntou   a   Flora,   que   acenou   a   cabeça
afirmativamente. — Então, foi a primeira vez que dormiu a noite toda…
— Que sorte!
— Sinto muito… não sei o que aconteceu comigo ontem.
— Eu sei — Flora respondeu com um bocejo.
— Uma depressão pós­parto?
— Com algumas complicações. Quer uma xícara de chá?
— Sim, porém pode deixar que eu mesma apanho. Já estou bem…
— Fique exatamente onde está! — ordenou Flora, com decisão.
Quando a amiga retornou, Amanda fez um movimento para apanhar
a xícara e percebeu que os seios estavam túrgidos.
— Espero que Richard não demore para acordar…
— Não se preocupe. Além de ser um bebê forte e saudável, reparei que
é   bastante   pontual   nas   refeições.   Olhe!   O   que   foi   que   eu   disse?   Ele   está
acordando. 
Amanda inclinou­se para pegar o filho.
— Ele é tão parecido com Stephen, não acha?
— Sim… Amanda… temos de conversar sobre isso.
— Eu sei.
—  Devo   lhe   pedir   desculpas   pelo   que   houve   ontem…   Pensei   que
estivesse fazendo o melhor para você, e espero que me perdoe…
—  Oh, Flora, você não deve me pedir desculpas! No fundo, eu me
sinto um pouco culpada por não ter procurado Stephen antes. Mas você viu
como… como é difícil?
Flora deu um longo suspiro, e revelou:
— Espero que não seja tão difícil… Ontem Stephen deixou bem claro
que pretende assumir a total responsabilidade sobre você e a criança, quer
você queira, quer não.

CAPÍTULO X

Stephen e Amanda estavam no jardim, sob o sol da tarde, tentando
acertar os ponteiros.
— Stephen, você não pode dirigir minha vida!
79
Ele desviou o olhar para o oceano e suspirou fundo. Amanda pensou
que suas palavras fossem desencadear um acesso de raiva, porém, no rosto
moreno transparecia apenas determinação.
— Por que está me olhando desse jeito, Amanda?
— Nada, eu…
— Se não queria discutir sua vida, por que voltou?
— Stephen… Poderia me dizer uma coisa?
— Sim. O quê?
— Por que vendeu a Ballantyne?
— Porque não queria que imaginassem que pretendia me casar apenas
para tomar posse de algumas ações.
— Mas você empenhou toda a sua vida na Ballantyne!
—  De qualquer forma, acho que minha atitude não a fez mudar de
idéia, Amanda.
— Eu não sabia que você tomaria uma medida radical.
—  Saiu   na   primeira   página   de   todos   os   jornais   daqui.   Onde   você
estava?
— Bem, não li os jornais.
—  Se   tivesse   entrado   em   contato   com   seu   advogado,   ele   teria   lhe
contado. 
Ela não via como se defender.
—  O que a deixa mais aborrecida? Ter eu vendido a Ballantyne para
lhe provar alguma coisa, ou ter recusado suas ações? 
Pela primeira vez, Amanda considerou a hipótese de haver tomado a
atitude errada. De qualquer  forma, não fazia muita diferença. Ele não iria
perdoar­lhe…
— Responda a minha pergunta, Amanda. Aliás, tenho outra indagação
a ser feita… Por que voltou? O que a fez mudar de idéia?
Ela tomou fôlego e, reunindo coragem, explicou:
—  Voltei, Stephen, porque sabia que estava sendo injusta ao separar
você de Richard. Eu estaria cometendo o mesmo erro de minha mãe. Sempre
lamentei muito não ter conhecido meu pai… é uma sensação que não consigo
descrever… Pensei que poderíamos entrar num acordo.
— Você quer dizer… ficarmos juntos?
— Não.
—  Entendo… Está  disposta a me conceder  o direito de visitar meu
filho e, quem sabe, até a dar a oportunidade de passarmos as férias juntos,
quando ele for mais velho.
— Bem… pode funcionar. 
Stephen sorriu, amargo.

80
— Você está falando com um homem que passou uma infância assim,
Amanda. É a última coisa que eu desejaria a qualquer um de meus filhos.
Não,   concordo   com   você,   temos   de   agir   como   adultos   e   encontrar   uma
solução   melhor…   E   nós   somos…   suficientemente   adultos   e   estamos   aptos
para assumir a responsabilidade de criar nosso filho. Depois de tudo o que
passei, creio que não estou lhe pedindo muito. Pense em Richard…
— Não vai dar certo. — Os olhos dela estavam cheios de lágrimas. —
Como poderia dar, se você passou a me odiar e eu não?
—  Quem disse que a odeio, Amanda? — atalhou Stephen. — Já faz
tempo que  meus sentimentos  por  você  mudaram. Na realidade, ainda me
sinto apaixonado, por mais estranho que pareça. Afinal, vendi a Ballantyne
para lhe provar isso.
— Como eu pensava… Você não precisava ter ido tão longe…
— E que mais podia eu ter feito? Você acreditaria em mim, se eu lhe
contasse minha versão dos fatos?
Ela cobriu o rosto com as mãos, soluçando. Stephen deixou­a chorar
por algum tempo, mas, quando ela ameaçou sair dali, ele a deteve.
—  Ouça,   Amanda.   Vou   levar   você   e   Richard   para   minha   casa.   Se
quiser, Flora virá conosco e ficará em Runaway Bay. Ela mesma sugeriu nos
acompanhar, porque o médico que a atendeu ontem falou que você precisava
descansar. E mais. Disse que estava tão fraca e debilitada, que poderia ter
uma   recaída.   Não   precisa   se   preocupar   comigo,   pois   não   vou   perturbá­la
enquanto estiver sob meu teto.
— Mas…
—  Amanda… Vim para cá com a intenção de não aborrecê­la, e até
agora não abri o jogo, dizendo o que tinha em mente. Apesar de todos os
problemas de nosso relacionamento, não acha que temos a obrigação de dar
uma chance ao garoto? Não é por isso que voltou?
— Não é bem assim…
— Provavelmente, não. No entanto, você não quer que Richard passe
pelas mesmas dificuldades que passamos, quer?
— É claro que não!
—  Em   sendo   assim,   por   que   não   damos   uma   oportunidade   a   nós
mesmos… e a nosso filho?

A vela no bolo de aniversário iluminava o interior da sala de jantar da
casa de Stephen. Os olhos de Richard, que eram um pouco mais claros do que
os da mãe, estavam fixos na luz da chama. Com apenas um ano de idade, ele
já começava a pronunciar as primeiras palavras, e, após contemplar o brilho
da chama em silêncio, exclamou:

81
— Quente!
— Sim, querido — Amanda aprovou. — Não toque na vela.
—  O que você tem que fazer é soprar — Flora observou, e passou a
fazer caretas para soprar a vela, ao mesmo tempo que Richard se divertia e
ficava soprando.
— Vejo que Richard aprendeu um novo truque… — Stephen revelou à
noite, depois de dar um beijo de boa­noite no filho. Não pudera estar em casa
à tarde, porém Amanda lhe narrou todos os detalhes da festa de aniversário.
— Quem lhe ensinou a soprar?
Amanda preparou­lhe uma bebida e riu, enquanto apanhava a gravata
e o paletó que ele deixara no sofá.
— Flora, é evidente…
Stephen instalou­se confortavelmente na poltrona e bebeu o uísque.
— Ela tem sido fantástica.
— Sim. Eu lhe pedi para ficar e jantar conosco, mas Flora já tinha outro
compromisso. — Amanda virou­se e caminhou em direção ao quarto.
— Não vá, Amanda.
— Eu só ia guardar o paletó…
—  E   desaparecer   na   cozinha,   não   é?   Sente­se,   vou   preparar   uma
bebida para você.
Amanda   hesitou   por   um   instante,   e   em   seguida   sentou­se   no   sofá.
Depois de nove meses de vida em comum, ainda não se sentia totalmente à
vontade ao lado de Stephen. Era como se o relacionamento entre eles não a
satisfizesse por completo.
— Obrigada — agradeceu, apanhando o copo que ele lhe oferecia.
Stephen ficou de pé a seu lado, olhando­a fixamente.
— Estava pensando em jantar fora esta noite, para comemorarmos.
— O quê?
— O primeiro aniversário de Richard e o sucesso da nova firma.
—  É lógico, eu tinha me esquecido… Fato curioso é que você e Jeff
tenham fundado a empresa no mesmo dia em que Richard nasceu…
Com a habilidade de Stephen e a dedicação de Jeff, a nova companhia
tinha   agora   uma   série   de   filiais   por   toda   Queensland.   Mesmo   estando   há
pouco   tempo   no   mercado,   os   fins   de   semana   por   eles   oferecidos   ficaram
famosos,   por   serem   organizados,   bem   planejados   e,   acima   de   tudo,   por
propiciarem   um   leque   de   opções   de   lazer.   Por   outro   lado,   a   Paradise
atravessava maus momentos, como já previra Stephen. Apesar de ser uma
grande organização, estava sob o controle de pessoas incapacitadas.
— Está bem — Amanda aquiesceu, levantando­se. — Aonde gostaria
de ir?

82
—  Você é uma mulher bastante submissa, Amanda. Poderia ter dito
não — Stephen bradou, com frieza.
— Bom, eu… acho que prefiro sair um pouco, para variar.
— Então, por que não vai trocar de roupa, enquanto chamo a babá?
Amanda examinou­se no espelho do quarto. Escolhera um vestido cor­
de­rosa de linho, um tanto solto para disfarçar a magreza.
Apesar de todos os esforços para engordar, não conseguira recuperar o
peso   anterior   ao   nascimento   de   Richard.   Flora   dissera­lhe   que,   quando
parasse  de amamentar o bebê, retornaria ao normal aos poucos.  Contudo,
parará de amamentar Richard fazia já três meses, e não conseguia voltar à
antiga   forma.   Por   sorte,   Amanda   arranjara   uma   babá   para   ajudá­la;   uma
garota de dezoito anos que morava perto, na mesma rua.
Belinda   tomava   conta   de   Richard   quase   todas   as   tardes,   quando
Amanda ia fazer compras, ou nas raras ocasiões em que ela e Stephen saíam à
noite.
Enquanto retocava a maquilagem para aquela noite, recordações dos
nove meses anteriores vinham­lhe à mente.
Desde   que   se   mudara   para   lá,   seu   relacionamento   com   Stephen   se
limitava à cordialidade formal. Ele nunca havia tentado uma aproximação
física, e ela imaginava que Stephen nunca fosse perdoar­lhe a abdicação de
sua privilegiada posição na Ballantyne, para em vão lhe provar seu amor.
Amanda,   por   sua   vez,   sentia­se   deprimida.   Por   mais   que   tivesse
tentado   sufocar   os   sentimentos,   continuava   apaixonada   por   Stephen,   e   a
possibilidade de ele não mais a amar fazia com que ela se sentisse ferida.
Quando o via desmanchando­se em carinhos com o filho, imaginava
como seria se eles formassem uma verdadeira família, e sonhava com o dia
em que tal se tornasse realidade. No entanto, o distanciamento do marido
fazia­a crer que esse dia nunca iria chegar.
Stephen levou­a até o restaurante Eliza, bem no coração da praia do
Pôr­do­sol. Antes de sair de casa, reservara uma mesa e, assim que chegaram,
o garçom encaminhou­os para a varanda.
Tinham acabado de se sentar, quando uma voz familiar os chamou.
Era Brad Mortimer.
—  Não é estranho que nos encontremos sempre em restaurantes? —
cumprimentou­os com entusiasmo, enquanto o garçom providenciava uma
mesa para quatro. — Deixe­me apresentar minha nova namorada… esta  é
Sylvia…   e   esses   são   Stephen   e   Amanda   Ballantyne.   E   antes   que   tire
conclusões precipitadas, Sylvia, eles são apenas bons amigos. O que foi? Eu
disse alguma coisa errada? — perguntou, assim que Amanda se levantou.
—  Não, eu… acredito que não estou me sentindo muito bem. Com

83
licença… — Amanda se desculpou, afastando­se.
Stephen   alcançou­se   do   outro   lado   da   rua.   Agarrou­lhe   o   braço   e
perguntou, áspero:
— Aonde pensa que vai?
— Não sei, a qualquer lugar. Eu não me importo!
— Pare com isso, Amanda!
— Se quiser voltar para casa, posso tomar um táxi.
— Pensa que vou deixá­la ir embora sozinha?
De mãos dadas, caminharam até a rua das Orquídeas e entraram num
restaurante menor e mais modesto.
Após  pedir um  brandy  para  Amanda e  um  uísque   para  si, Stephen
afirmou, fazendo uma análise:
—  Creio   que   seu   comportamento   esta   noite   seja   um   sinal   de
insatisfação com nosso casamento. Se voltássemos para casa e fôssemos para
a cama juntos, mudaria alguma coisa para você?
—  Se resolveria alguma coisa para mim? Você fala como se achasse
que tudo está bem… Sinto muito por ter agido daquela forma, porém não
queria ser obrigada a explicar a Brad que somos marido e mulher agora.
— Responda a minha pergunta, Amanda!
— O mais engraçado é que eu não posso… Não sei se mudaria, ou se
iria piorar a situação. Como posso saber? Está me perguntando isso com a
intenção de me dar outro filho? Claro, não seria uma má idéia… Certamente,
seria   ótimo   para   Richard   e   consolidaria   nossa   relação.   Se   é   que   podemos
chamar nosso relacionamento de casamento…
— Amanda, nós fizemos um acordo…
— Desculpe… não estou sendo razoável, estou?
Belinda ficou surpresa ao vê­los em casa tão cedo.
— Já? Pensei que fossem chegar mais tarde.
— Amanda não estava se sentindo muito bem — Stephen explicou. —
Vou acompanhá­la até sua casa.
— Não precisa se incomodar, pois são apenas alguns metros, e ainda é
cedo.
—  Assim mesmo, gostaria de acompanhá­la, Belinda. Vamos, deixe­
me ajudá­la com os livros! Nossa, qualquer um que a visse agora pensaria
que está estudando medicina e engenharia ao mesmo tempo!
—  É   mais   ou   menos   assim   que   me   sinto…   —   Belinda   assentiu,
despedindo­se de Amanda com um beijo.
Amanda  entrou   no  quarto   de  Richard  silenciosamente,   e viu  que  o
filho dormia. Puxou o lençol para cobri­lo, resistindo ao desejo de tirá­lo do
berço e abraçá­lo.
84
Com certa relutância, apagou a luz do abajur e foi até a suíte, para
trocar de roupa. Pôs um robe de veludo azul sobre a camisola de seda branca,
e então foi até a sala de estar.
Stephen estava parado perto da janela, e virou­se quando a viu chegar.
— Eu… eu não sabia que você estava aqui — ela murmurou, nervosa. 
— Como Belinda disse, não é tão longe daqui. — Houve um momento
de silêncio, e aí começaram a falar ao mesmo tempo: 
— Stephen… 
— Amanda… 
— Continue — ele a incentivou. 
—  Eu não posso… — Amanda falou baixinho, tentando esconder as
lágrimas.
— Se… se é tão difícil para você...
—  Você   não   entende…   pensei   que   nunca   fosse   me   fazer   aquela
pergunta, e mesmo agora continuo achando que você não se importa…
Stephen venceu a distância que os separava, e ficou frente a ela.
—  Amanda… se você se sentia assim o tempo todo, por que não me
disse antes?
—  Não   podia…   pensei   que   estivesse   me   castigando   por   não   ter
confiado  em  você.   O pior  de tudo  é que,   se  havia  uma pessoa   que  devia
acreditar em paixões repentinas,  da noite para o dia, essa  pessoa  seria eu
mesma, porque aconteceu comigo. O problema é que… fui tola demais para
perceber.
Por um momento, Amanda pensou que Stephen fosse abraçá­la, e que
todos os problemas estivessem resolvidos. Mas era como se ele lutasse contra
si mesmo.
—  Amanda… de certa forma, eu menti para você, quando disse que
tinha me apaixonado da noite para o dia. A verdade é que… desde que a vi
na recepção de seu casamento com Roderick, eu… eu a desejei como nunca,
como nenhuma mulher em minha vida.
— Você… o quê?
— Sim… devo confessar que para mim foi difícil aceitar o fato. Afinal,
eu mal a conhecia. — Amanda ouvia, incapaz de dizer qualquer coisa. —
Daquele  momento em  diante, fiz de tudo para tentar esquecê­la. Quis me
convencer de que havia se casado com Roderick por dinheiro; no entanto,
com o passar do tempo… vocês pareciam realmente muito felizes, e resolvi
me afastar para não lhe atrapalhar a vida… Logo após, ele morreu.
— Stephen… não diga mais nada.
— Preciso terminar… Decidi, depois, que já era tempo de contornar a
situação.   Parecia   impossível   que   alguma   coisa   acontecesse   entre   nós,   e   o

85
único  modo de esquecê­la era continuar  tratando­a como sempre, ou  seja,
desprezando­a   e   escondendo   meus   sentimentos.   Foi   então   que   comprei   o
quadro… Oh, Amanda! Você pôs tanto amor nesse trabalho! Fiquei furioso,
percebi que ainda amava Roderick, mesmo depois da morte dele. E extravasei
essa ira na última reunião de diretoria da qual você participou. Como não
tinha conseguido esquecê­la, levei meu ódio até as últimas conseqüências.
— Meu Deus!… — ela exclamou, ameaçando se levantar do sofá.
— Amanda. — Stephen sentou­se a seu lado e tomou­a nos braços. —
Por favor, ouça­me.
— Eu não quero… não posso suportar.
— Você não sabe o que tenho para dizer.
—  Vai   me   dizer   que   conseguiu   o   que   queria,   e   apareceu   um   novo
empreendimento.
—  Não.   Porque   desde   o   momento   em   que   você   entrou   em   meu
escritório, percebi que nenhuma das armas que tinha usado funcionaria, que
não   podia   continuar   atacando­a   com   palavras,   pois   no   fundo   eu   desejava
fazer exatamente o contrário. Amava­a há muito, e nada que fizesse poderia
mudar a realidade. Então, cheguei à conclusão de que tinha de tentar fazer
você se apaixonar por mim.
Amanda ergueu a cabeça, o rosto banhado de lágrimas e um brilho de
esperança nos olhos.
—  Aquele novo projeto foi apenas uma coincidência irônica, que me
deu a chance de provar a você que a amava.
— Se tivesse me dito tudo isso antes…
— Você teria entendido? Ou teria me comparado a Lance Kidder?
— Não sei, Stephen, mas… eu mudei bastante desde aquela noite em
que   conversamos   sobre   nosso   relacionamento   em   seu   carro.   O   que   você
acabou de me dizer faz sentido para mim, e é o que importa agora. A única
coisa   que   não   gostaria   de  ouvir   é  que   você   não   me   ama.   Seria   um   golpe
terrível…
— Amanda…
—  Espere…   preciso   explicar   algumas   coisas.   Agora   compreendo   a
diferença entre meus sentimentos por Roderick e… meu amor por você. Era
inexperiente e insegura quando me casei com Rod, porém com você sinto­me
uma mulher adulta.
Amanda fez uma pausa para enxugar as lágrimas, e prosseguiu:
— Eu me sentia dividida entre dois homens, e, o que é pior, desleal ao
amor   que   Rod   me   devotava.   Agora,   vejo   que   as   pessoas   podem   amar   de
maneiras diferentes.
— Você sabe o que está dizendo?
86
— Sei — afirmou Amanda com uma convicção fora do comum. — E,
quanto a você vendeu a Ballantyne, fiquei aborrecida não por Rod, e sim por
sua causa. Sei que a empresa significava muito para você. Pensei até em fugir
novamente;   quando   percebi   que   tinha   sido   tão   tola,   covarde…   —
interrompeu­se, a emoção impedindo­a de continuar.
—  Não   fique   assim,   meu   amor…   —   ele   sussurrou   com   ternura,
acariciando­lhe o cabelo. — Importa é que estamos juntos agora.

Dois   dias   depois,   após   cancelar   uma   viagem   para   Queensland,


Stephen comentou com Amanda:
— Você percebeu que nós ainda não tivemos uma lua­de­mel?
— E faz pouco tempo que estamos casados de verdade…
Stephen espreguiçou­se a seu lado e tomou­a nos braços, dizendo:
— E o que acha da sugestão?
— Parece tentadora.
— Eu tive uma idéia… Lembra­se daquela ilha que você não chegou a
conhecer? Pois consegui a posse de Whitsundays, como parte do acordo com
a Paradise, e acabei construindo uma casa.
— Uma casa?
— Para nós dois.
—  Para nós três — ela corrigiu, abraçando­o feliz. Não faltava mais
nada para que a alegria fosse completa.

  

87
Um inesquecível de amor!

Edição 502

DOCE MISTÉRIO
Leigh Michaels

A mulher que Max tinha nos braços naquele momento não parecia a Verônica que
havia conhecido. Ardente, ela se entregava quase com desespero ao ato do amor, como
se estivesse lhe dizendo adeus… Ele a apertou nos braços, emocionada Juntos tinham
conseguido superar uma barreira que ela julgara intransponível. Pena que precisasse
viajar na manhã seguinte e deixá­la por alguns dias. “Voltarei para você”, Max
reafirmou, ao ver a dúvida estampada nos olhos azuis; uma angústia que o fez
duvidar das próprias palavras…

Um romance que você não pode perder!

Edição 503

O BEIJO DO ADEUS
Penny Jordan

Gilda aproximou­se da cama, tirou o robe e, antes que perdesse a coragem, deitou­se
ao lado de Luke. “Gilda, o que…” Ela o calou com um beijo. Sua ousadia era um
pedido de desculpas, o mais sincero voto de amor. Abraçaram­se e se tocaram até
saciar o desejo irrefreável que os alucinava.
Mas a esperança de que as mágoas estivessem dissolvidas se esvaíram logo ao
amanhecer. Gilda não esperava acordar com uma proposta de amor eterno, porém não
contava ser expulsa dali com frieza, com tão absurda grosseria!

88

Você também pode gostar