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Quando contamos oralmente ou por escrito um episódio que fez parte de nossa vida, es-
tamos produzindo um relato. Neste capítulo, você começou a estudar o Romantismo, movi-
mento artístico que teve início na primeira metade do século XIX, período no qual houve nu-
merosas viagens de expedição no Brasil, feitas tanto por estrangeiros que aqui vieram como
por brasileiros. Os autores românticos Gonçalves Dias e Visconde de Taunay, no decorrer de
expedições de que participaram, produziram diários e relatos que se tornaram documentos
históricos, umavez que, neles, são descritoshábitos, costumes, paisagens, vegetações, arqui-
tetura e outras características do Brasil da época. Além de relatos, também são exemplos de
documentos históricos pinturas como as que você viu na seção Literatura deste capítulo.
O caráter histórico e documental é apenas uma das nuances que os relatos podem ter.
No mundo contemporâneo, as formas de relatar são múltiplas e estão presentes em diver-
sas situações do nosso dia a dia: ao contarmos fatos cotidianos que vivenciamos; ao narrar-
mos acontecimentos específicos de uma viagem; ao rememorarmos episódios da infância;
ao registrarmos nossas experiências em um diário ou em um blog; ao detalharmos nossa
experiência profissional em um currículo. Neste capítulo, trataremos algumas delas.
Relato de memória
O relato de memória nos possibilita compartilhar com outras pessoas experiências que
vivenciamos e que, de alguma maneira, tiveram um significado especial em nossa vida.
FOCO NO TEXTO
Leia o texto a seguir.
Macambœzio
Eu tinha seis anos e uma timidez paralisante. Morava no Tatuapé e era alfa-
betizado na Penha, na zona leste de São Paulo. Ia e voltava num ônibus escolar,
daqueles que tinham uma porta só, na frente, ao lado do motor barulhento. Não
os vejo mais nas ruas. Foram fracionados em vans coreanas.
Num trajeto de ida, eu já estava num banco, quieto como uma ostra, quando
entrou no ônibus um garoto branquinho e sardento, do meu tamanho. Sentou-se
ao meu lado e começou a tagarelar. Contou uma piada e eu sorri. Contou outra,
sorri de novo. Contou uma terceira piada que eu nem ouvi, enquanto revirava a
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memória, à procura de algo engraçado para retribuir. Ele terminou a terceira his-
tória e eu emendei, orgulhoso, o que me ocorreu de mais hilariante. Tinha ouvido
PRODUÇÃO
DE TEXTO
de minha irmã mais velha:
— Meu amor, minha vida, minha privada entupida!
O garoto ergueu as sobrancelhas, arregalou os olhos e levou uma das mãos à boca.
Ele, escandalizado. Eu, petrificado. O ronco do ônibus, amplificado, ensurdecedor.
— Eu vou contar para a Diretora que você disse isso!
Entrei em pânico. Ele notou.
— Se você não me der uma bala eu vou contar para a Diretora! — ameaçou.
Nelson Provazi
A chantagem foi enfática e imediata. Eu não tinha a bala. Nem o di-
nheiro. Prometi entregar o produto extorquido no dia seguinte. E cum-
pri. Fiz isso mais vezes, nos dois ou três dias que vieram depois.
Mas, em casa, à noite, aos olhos de meu pai, minha introspecção tor-
nou-se um mistério que nem a timidez explicava. Eu não contei nada,
constrangido com a barbaridade que tinha proferido a um colega.
E das consequências desastrosas que aquilo teria se chegasse aos
ouvidos da Diretora. Meu pai:
— Cuco (é como me chama), você anda meio macambúzio
(é como se refere ao sentimento de tristeza). O que aconteceu?
Por vergonha, tentei disfarçar. Mas ele insistiu e eu contei. Foi
a primeira vez na vida em que experimentei a sensação física de
“botar os demônios pra fora”. No dia seguinte, quando o ônibus
da escola se aproximou da casa do menino chantageador, não
me vieram a taquicardia, a angústia. Ao me estender a mão, em
cobrança da bala extorquida, ele ouviu meu primeiro discurso
de improviso. Duas frases, apenas:
— Meu pai me disse que hoje não tem bala. E que eu e você
vamos contar tudo isso para a Diretora.
A extorsão acabou. E começou um novo ciclo de minha infân-
cia. Todos os que ouviram essa história, nos últimos 40 anos, di-
videm a perplexidade entre minha ingenuidade e a precocidade
do menino chantagista.
Para mim, hoje, pai de três crianças, o mais relevante ainda é o
olhar de meu pai.
(William Bonner. In: Luís Colombini. Aprendi com meu pai. São Paulo: Saraiva. p. 235.)
Indique, em seu caderno, o trecho em que a(s) forma(s) verbal(is) destacada(s) se refere(m):
a. a uma ação passada, ocorrida antes de outra, também passada;
b. a ações começadas e terminadas pontualmente no passado;
c. a uma ação futura;
3. Na fala do pai do narrador que é reproduzida no relato, há dois trechos que estão en-
tre parênteses. Veja: O seu texto aqui 3
a. Quais formas verbais indicam que esses trechos estão no presente, em relação ao
narrador?
b. Qual a função desses comentários do narrador, no relato? .
c. Levante hipóteses: Por que essas afirmações se referem ao presente e não ao passado?
.
Levante hipóteses: Por que a expressão botar os demônios pra fora está entre aspas?
7. O texto lido foi extraído de um livro intitulado Aprendi com meu pai. Discuta com os
colegas e o professor: O que o narrador desse relato aprendeu com o pai?
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