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Assim, o rad ical ismo sobrevivia As culturas negras gr22 no Brasil.

A respeito do fol-
pela ação de forças muito he- clore há um tomo específico: O
terogêneas acionando interesses Por Art hu r Ramos. Rio de Ja- folclore negro; sobre os fenôme-
mui tas vezes opostos, responsá- neiro; Li vraria Edi tora da Casa nos ac ulturat ivos, As culturas ne-
veis pela sua dúbia e cont radi - do Estu dante do Brasil, v. 3 (Co- gras no Novo Mundo e A acultu-
tóri a atu ação. leção Arthu r Ramos). ração negra no Brasil.
Apresentamos aq ui apenas al- Todas estas obras foram reco-
guns aspectos do ra di ca lismo ar- mendadas pe lo próprio autor, à
gentino que é um fenôm eno mui- med ida que o texto sugeria
to complexo. Para quem deseja maior profundidade, além de um
conhecer a realidade argentina,
extenso rol ind icado na biblio-
vai encontrar nesta série de ar-
grafia fin al. Em As culturas ne-
tigos uma rica informação his-
gras não há preocupação inter-
tórica acerca de um longo pe-
pretativa; trata-se de um estudo
ríodo que se estende de 1890 a
1966. etnológico interessado em cata-
logar as cu lt uras africanas que
Alé m de se esclarecer sobre
os fatos e a con junt ura econô- para cá foram transportadas. Os
mica que acompan hou a ação de sincretismos que resultaram do
forças socia is e po líticas, o lei- processo aculturativo (transfor-
tor tem a oportunidade de entra r mação da magia em feitiçaria ,
em contato com uma doc umen- do totemismo em festas popu-
tação complementar importante, lares e folclóricas, etc.) não ca-
reuni da no final do livro. Aí se bem nos limites deste texto. A
encontra m, por exemplo, desde esse respeito citamos as pala-
man ifestos da União Cívi ca Ra- INTRODUÇÃO Ã ANTROPOLOGIA BfiASILEIRA
vras do autor: "Como já deixei
dica l e seu program a de ação, assina lado, não abordarei neste
até os manifestos da Junta Revo- vol ume o problema da mudança
lucionária de 1890, da Revolu- Esta obra faz parte de um con-
cultural e da acu lturação, que
ção de 1905, mensagem governa- junto mais amplo de estud os
será est udado noutro volume
mental de Yrigoyen em 1919, do- real izados pelo autor (ao todo
desta obra, visto que meu inten-
cu mentos sobre a Reforma Uni- 485 trabalhos publica dos) em
qu e determi nados assuntos são to agora é identificar, pelo méto-
versitária etc. O
t ratados com mais vagar aqui do comparativo, as origens tri-
Voi ia Regina Costa Kato ou a I i, recebend o ate nção espe- bais do Negro no Brasil, e assim
cífi ca. A aná lise dos fenômenos reconstituir a sua personalidade
aculturativos e contra-ac ultura- cultural, perdida em séculos de
t ivos, por exemp lo, é mais inten - escravidão e modificada pelas
siva em outros textos do que mudanças de sociedade e de
neste de que nos ocupamos. O cultura". (p. 50.)
fenô meno da possessão pelos Portanto, para· se fazer justiça 135
orixás, a m itologia, a literatura e a um estudioso do porte de
as danças afro-brasi lei ras estão
Arthur Ramos, é imprescindível
in te rpretados psicanal iticamente
a lembrança de que sua obra flui
por Arthur Ramos no livro O ne-
entre um estudo e outro. Ousa-
gro brasileiro (a inda que a ap li-
mos sugerir que esta, ora em re-
cação da psi canálise "eu ropéia"
à situação dos negros no Brasil senha, seja tomada como intro-
não seja de todo adequada, con- dutória, porque trata apenas da
f orm e real ça Roger Bastide). So- procedência (geográfica e cul-
bre as associações negras, dedi- tural) dos negros brasileiros e
cou um capítulo intitulado O es- da constatação de sua presença
pírito associativo do negro brasi- em determinadas regiões do
leiro, no livro A aculturação ne- País.
Resenha bibliográfica
O autor parte de pesquisas que O autor esmera-se ao tentar em itens culturais isolados ou
efetuou diretamente e também compor um quadro cientifico de em complexos mais amplos.
da sistematização da contribui- cada área cultural, seja em solo Desse ponto de vista, recep-
ção de outros autores, principal- africano, seja no Brasil, a co- ção-doação no processo acultu- ·
mente daqueles que estudaram meçar pelo rigor na terminologia, rativo faz-se deixando ·sobrevi-
o continente negro. Abre pers- passando pela localização fisio- vências, restos culturais. No caso
pectivas para estudos posteriores, gráfica dos grupos, pela caracte- brasileiro, as culturas negras te-
já que se trata dos primeiros pas- rização bio-social típica de cada riam "sofrido" a aculturação
sos para a sistematização dos es- grupo, pela literatura e mitolo- diante do contato com a cultura
tudos antropológicos sobre o ne- gia por eles desenvolvida, etc. ocidental aqui dominante. Não
gro no Brasil. Recorre freqüente- Parece-nos ter ele sido sensibi- havia condições favoráveis para
mente ao apoio das pesquisas de lizado pela necessidade de cata- a resistência, pois sofreram pres-
Nina Rodrigues, feitas em fins do logar, tão extensamente quanto sões tanto de ordem fisiográfica
século passado, com material possfvel, as culturas negras daqui quanto social e cultural, e a si-
humano remanescente da escra- e de além-mar, ameaçadas de tuação de dependência do mun-
vidão, e dos estudos de Hersko- extinção em maior ou menor do dos brancos a que foram cons-
wits sobre as culturas, especial- grau, num processo mais ou me- trangidos levou a uma descarac-
mente as africanas. nos rápido. Nessa tarefa mos- terização quase completa do uni·
O apelo ao método compara- trou-se batalhador incansável, verso do negro. Não havia "ela· ·
tivo, anteriormente utilizado com dando impulso aos trabalhos ros" para a cultura negra, e,
sucesso por Nina Rodrigues, etnográficos sobre o negro no além disso, dada a heterogenei·
vem sanar algumas dificuldades Brasil, pois anteriormente, exce- dade das culturas trazidas com
ou obstáculos no estudo das ção feita a Nina Rodrigues, eram os africanos, qual ou quais delas
culturas negras no Brasil: como os estudos indigenistas os que preservar? Aos poucos, então,
monopolizavam as atenções. foi ocorrendo a assimilação, per·
não há documentação exata so-
Aliás, é o próprio Arthur Ramos sistindo apenas resíduos cultu-
bre a procedência dos escravos,
quem levanta a voz para denun- rais. A esfera mais resistente ao
ele permite apreender as várias
ciar a "conspiração do silêncio" processo de assimilação foi a re-
éulturas heterogêneas que for- por parte dos intelectuais brasi- ligiosa, daí os estudos culturalis-
neceram os participantes do leiros da época, o desinteresse tas enfatizarem as sobrevivên·
"maior movimento migratório pelo tema do negro, que revelava cias nesse campo.
passivo da história", suas ori- um preconceito intrlnseco. A an-
gens tribais e a constatação de 2. Há uma excessiva ênfase
tropologia cultural começava a
atribuída ao negro enquanto ex-
transformações que sucederam ganhar vulto no Brasil da época
pressão de cultura, sendo abs-
no novo meio. Arthur Ramos re- (década de 20), fornecendo o
traídos seus problemas reais que
conhece que há dificuldades na arcabouço teórico para as pes-
surgiram na adaptação à socie-
aplicação desse método, princi- quisas de campo. A essa altura
dade inclusiva. No dizer do so-
palmente porque alguns fatores a sociologia permanecia eminen-
ciólogo L. A. Costa Pinto, enquan-
barram a reconstrução dos pa- temente ensaistica.
to os negros morriam pelos mor-
drões culturais. São eles: a) Entretanto, algumas considera-
ros, os antropólogos permane-
ções precisam ser feitas:
136 quantidades desiguais d.e trans- ciam preocupados com ·os "pro-
portadores das culturas; b) mi- 1. Nesta obra a cultura é per- dutos culturais" do elemento
grações secundárias que redis- cebida mecanicamente, como negro: suas tradições, festivida·
tribufram internamente os ne- agregação de traços culturais e des, cultos, etc. A supervaloriza·
gros; c) a ocorrência de fenôme- não como um sistema que tem ção do folclore negro correspon·
nos aculturativos entre os dife- organicidade, composto de ele- dia à exaltação da brasilidade,
rentes grupos de negros, entre mentos interdependentes. Assim, da cultura popular, típica dos
estes e os "brancos" ou entre ela pode ser decomposta em seg- anos 20. Era uma reação à
os negros e os amerfndios; d) a mentos, até atingir áreas não ameaça de descaracterização da
deformação de muito traços cul- complexas. Isto significa uma nacionalidade brasileira pela
turais mediante o cativeiro; e) a visão atomizada da cultura, que, onda imigrantista, daí o interes-
falta de documentos relativos ao ao difundir-se pelo mundo, pode se estratégico pelo negro en·
perlodo da escravidão. ser transmitida parceladamente, quanto 11 homem do povo". Se
Revista de Administração de Empresas
antes o negro e o mestiço eram socia l, etc. Essa fi losofia repou- Política educacional no
vistos negativamente como en- sa no princípio da " força vital", Brasil: a profissionalização no
trave ao desenvolvim ento nacio- que anima todos os seres vivos ensino médio ·
nal, pois portavam caracteres ra- e espec ialm ente os homens, con-
ciais " inferiores", na fase de ferindo- lhes existência, vivência Por Luiz An tonio Rodrigues da
grande preocupação intelectual e poder; inclusive os antepassa- Cu nha . Eldorado, 1973. (Coleção
cu lturalista, da qual Art hur Ra- dos possuem parte dessa força Reta.)
mos é indubitave lmente o expo- vita l. A soci edad e é com posta de
ente máximo, o "ma l" , sendo lo- ind ivíduos vivos e mortos, entre
calizado nos aspectos cu lt urais os quai s há um intercâmbio de coleção META
e não rac iais, poderia ser con- servi ços e de forças. Em conse-
tornado e, então, a nação se re- qüência, encontram os um unita-
dimiria do seu subdesenvolvi- rismo tanto f ilosófico quanto A PROFISSIONALIZAÇÃO
mento e da degenerescência ideológico e soci al, em que o NO ENSINO MEDIO
precoce de que falava Ni na Ro- sagra do e o profano identifi-
drigues. Não houve preocupaçã o cam-se. Assim, tod a obra de
em interpretar o processo de mu- arte é operação mágica, t oda
dança que se esboçava na épo- operaçã o técnica liga-se a ritos,
ca, envolvendo especia lmente os etc. A religião é a ap licação prá-
pólos dinâmicos da vida nacio- ti ca da filosofia na vid a diária;
nal, e por isso muitos dos inte- a f orça vital pode ser usada para
lectuais da época revelaram-se au mentar ou debilitar outros se-
nitidam ente conservadores. A luz res ou coisas, daí a existência
dos t rabalhos sociológicos sobre das práticas mágicas. Mas a f ei -
o elemento negro que floresce- ti çaria só aparece depois do con-
ram no Bras il a partir da déca- tato colonia l, quando assum e ca-
da de 50, podemos perceber que ráter reativo, à espera de condi -
a focalização do negro como ções para a reorgan ização da A ma ior parte dos técnicos em
"prob lema social" e como expres- açã o política, tan to que os movi- plan ejamento educaciona l no
são de estrutu ra nos leva a qu es- mentos con tem porân eos pró-in- Brasi l cerrou fileiras, a partir de
tões de extrema sign ificação, dependentizaçã o ou reconstitu i- uns 10 ou 15 anos atrás, em torno
impossíveis de serem apreendi- ção das nações recém -i nd epen- de uma proposição: o ensino mé-
das através da aborda gem cultu- dentes lançam com bate incisivo dio tradicional é muito pouco
ralista, porque se referem à mo- sobre ela. Por isso observamos eficaz, posto que não profissio-
bilidade, competição, integração com certas reservas a classifi- na liza, e deve ser substituído por
social, formação de ideolo- ca ção gené rica dos africanos uma form ação prática, de caráter
gias etc. como fetichistas idó latras, que técn ico, encerrando em si a ter-
Temos hoje também, à mão, Arthur Ramos lhes confere, e a minalidade escolar, com duas
abundante material sobre· as cul - superficialidade no tra tame nto va ntagens para o sistema un iver-
turas africanas, estudadas inter- da s cerimônias e rit os f unerá- sitário e para o mercado de tra-
rios ou do culto dos an tep assa-
pretativamente, do · qual desta ca- balho: evitar a pressão crescente 137
mos apenas a obra de Jan heinz dos, como con sta na obra que
de candidatos à universidade e
Jahn, Muntu - las culturas neo- comentamos nesta resenha. O
as frustrações que a acompa-
africanas, a títu lo de exemplo.
Marineide do Lago Sa lvador dos Santos nha m e sobretudo abastecer de
Ne la ganha rea lce a fil osofia
técnicos o parque produtivo.
- bantu, que pred om ina em quase
todos os povos negros ao sul do O autor mostra que, em ver-
Eq uador, porque ela constitu i a dade, esta posição se estribava
argamassa para todas as facetas em um pressuposto perigoso, ou
da vida dos negros dessa exten- seja, a suposição de uma enor-
sa área do con t inente africano; me escassez de mão-de-obra
traz à luz a concernente visão do técnica não confirmada por le-
mundo, o si gnificado das artes, vantamentos fidedignos e abran-
da rel igião, o conteúdo da ética gentes - o que lhe permite !e-
Resenha bibliográfica

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