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tura Tradicional.

O evento, produzido com recursos do Fundo Estadual de Cultura,


reuniu na cidade quase 60 grupos tradicionais do Norte de Minas, mobilizando a
população da região e abrindo espaço para a discussão de políticas públicas para
a cultura. Os responsáveis pela iniciativa possuem um histórico positivo de reali-
zações culturais viabilizadas com recursos captados junto a empresas como Tim e
Natura, por intermédio da Lei Estadual de Incentivo, e do Programa BNB de Cultura.
Seu êxito na utilização de mecanismos de financiamento acabou por despertar, en-
tre os empreendedores culturais da região, o desejo de trilhar caminho semelhante
e buscar capacitação para a elaboração de projetos.
De Uberlândia vem outra iniciativa de destaque amparada pelo Fundo
Estadual de Cultura: a construção do Centro Cultural Estrela Guia. Iniciativa do
Terno Moçambique Estrela Guia, o espaço foi inaugurado em novembro de 2010
e vem abrigando cursos diversos e atividades de preservação e disseminação da
cultura congadeira afro-descendente, com ampla participação do público jovem. A
entidade foi criada em 2002 e vem se articulando de maneira profissional para a
busca de recursos, tendo sido contemplada em duas edições do Fundo Estadual e
também no Fundo Nacional de Cultura. Além disso, já foi beneficiada por recursos
da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social e da Prefeitura de Uberlândia,
contando ainda com doações expressivas de empresários da região. Em 2009, foi
aprovada no edital do Programa Cultura Viva, consolidando-se como Ponto de
Cultura. Para os dirigentes do Terno Moçambique Estrela Guia, a construção do
Centro Cultural representa mais um estímulo para a expansão de suas atividades e,
sobretudo, um salto em direção à sua independência política.
Outro exemplo de ação cultural transformadora em Minas é o ICMS Pa-
trimônio Cultural, desenvolvido com êxito pelo Instituto Estadual de Patrimônio
Histórico e Artístico – IEPHA, desde 1995. O programa atingiu, em 2011, a marca de
703 municípios envolvidos, jogando luzes sobre a questão da preservação do patri-
mônio material e imaterial do estado, estimulando as administrações municipais a
tratarem a questão com a devida relevância e colocando Minas Gerais em uma po-
sição de liderança absoluta no que se refere ao inventariamento de bens culturais.

Uma dura realidade


Todos os fatos apontados até aqui caracterizam um cenário bastante promissor. No
entanto, é necessário reconhecer que ainda temos muito a avançar, até que tenha-
mos a cultura brasileira tratada com o devido respeito e cuidado. Somos obrigados

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a conviver com uma realidade lamentável, no que diz respeito à estrutura do setor.
Nosso grau de indigência cultural se revela nos números preocupantes apontados
pelo Perfil dos Municípios Brasileiros, estudo realizado anualmente pelo IBGE. Em
2009, na maior parte (70,9%) dos municípios havia secretarias municipais de cul-
tura conjuntas com outras políticas (principalmente educação, turismo e esportes).
Apenas 9,4% dos municípios tinham secretaria exclusiva de cultura, e 1,9% tinha
órgão da administração indireta com esse fim. Segundo a mesma pesquisa, em
2009, 76,7% das cidades brasileiras não possuíam museus, 91,9% não tinham salas
de cinema, 78,9% não possuíam teatros, 70,4% não tinham centros culturais e 72%
não contavam com uma única livraria.
Esses números representam, sem dúvida, um enorme desafio para todos
aqueles que atuam na área da cultura. Alguns instrumentos para a mudança dessa
realidade começam a surgir, mas grande parte dos municípios não se dá conta
disso. A desinformação e a desarticulação imperam por esse Brasil afora, refor-
çando o vício da centralização dos recursos nas capitais. Em plena era da informa-
ção, muitas cidades teimam em ignorar oportunidades e permanecem alheias aos
avanços do setor.
Outro aspecto que demanda reflexões é o despreparo dos responsáveis
pela gestão de entidades e projetos culturais no País, sejam de natureza pública ou
privada. Na verdade, os profissionais da cultura ainda não se apropriaram de uma
série de ferramentas essenciais do campo da administração, como o planejamento
estratégico, a gestão financeira, a logística e a gestão da qualidade, entre outras. É
certo que o manejo adequado dessas ferramentas – há muito empregadas no meio
empresarial – poderia significar um grande salto de qualidade para o universo cul-
tural, mas permanece como algo impensável para muitos daqueles que nele atuam.
O amadorismo e o desconhecimento se revelam na gestão dos grupos artísticos,
aparecem de forma marcante no dia a dia das empresas produtoras e instituições
de pequeno porte e invadem, sem pedir licença, a rotina das secretarias, fundações
e grandes instituições culturais brasileiras.
Naturalmente, esse despreparo torna-se um elemento desarticulador
para a carreira de artistas, grupos, pequenas empresas e organizações não-go-
vernamentais da área. Muitos deles, a despeito de seu valor artístico-cultural, aca-
bam paralisados pela incapacidade de lidar com a complexa teia burocrática que
se impõe ao redor de seu trabalho. Entretanto, se o problema afeta de maneira
cruel essas pequenas iniciativas, é nas esferas públicas que mostra sua face mais

diagnóstico, reflexão e proposições 201


preocupante: os postos de trabalho das secretarias e fundações de cultura são
ocupados, em sua maioria, por pessoas com pouca capacidade de gestão e parcos
conhecimentos técnicos sobre a área cultural.
Mas vamos supor que um governante resolva buscar, para os quadros
do município, profissionais realmente preparados para os desafios do mundo da
cultura. Certamente encontrará dificuldades para a composição da equipe, diante
da enorme carência de oportunidades de capacitação que afeta o País como um
todo e, particularmente, as cidades do interior. Na verdade, os cursos de produção
e gestão cultural ainda são poucos e se concentram, geralmente, nas grandes ca-
pitais. Eis aqui, portanto, um dos grandes gargalos do setor: a formação de gesto-
res. E para que a falta de capacitação deixe de ser entrave, o poder público precisa
tomar para si a responsabilidade pela criação de cursos na área. As secretarias
e fundações estaduais e municipais, assim como o próprio ministério precisam
acordar para a necessidade premente de se estabelecerem políticas de formação
consistentes, a fim de que a cultura se livre, de uma vez por todas, da marca do
improviso que sempre a caracterizou.
Mas qual seria o perfil desse profissional a ser capacitado? Em primeiro
lugar, é importante que tenhamos no plano dos municípios profissionais tecnica-
mente preparados para buscar os recursos, geri-los de maneira eficaz e ordenar
o ambiente das organizações culturais. No entanto, é necessário perceber que a
formação dessas pessoas não pode se limitar ao simples embasamento técnico. É
preciso ir além, com a sensibilização do olhar desses profissionais para o reconhe-
cimento e a valorização da riqueza presente à sua volta. A cultura brasileira carece
de pessoas aptas a desencadear pequenas revoluções em seu universo imediato, a
absorver, processar e difundir informações para o benefício de suas comunidades.
No processo de formação de gestores, outra premissa importante deve
ser considerada: é necessário pensar a cultura numa perspectiva sustentável, como
forma de combater o vício da eventualidade que vigora entre nós. A vida dos ar-
tistas, grupos e instituições culturais ainda é regida por ações de caráter efêmero
e, quando muito, por ciclos de trabalho anuais. A cultura no Brasil permanece limi-
tada à dimensão do evento, do transitório. Muito pouco se fala de planejamentos
plurianuais, de projetos de manutenção e de continuidade.
É exatamente por conta dessa imensa dificuldade de projetar o futuro
tão arraigada no cotidiano brasileiro que é preciso jogar luzes sobre aquela que
talvez seja a principal das ferramentas de gestão: o planejamento.

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