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(2016), o diretor Patricío Guzman pergunta a Gabriela Paterito se ela se sente chilena.
Sua resposta é não, de jeito nenhuma. Ela, como nos diz, se sente Kawésqar. No filme, a
resposta de Gabriela dialoga com o problema da construção da identidade nacional no
Chile e a forma com que as políticas chilenas atuaram sobre aqueles com os quais não
pôde se identificar ou se apropriar. Para além do filme, partimos da afirmação de que o
binômio identidade-alteridade é central para se entender a construção de identidades
nacionais na América Latina, assim como para a construção de uma identidade
subcontinental.
Purcell (ANO, p.202), é que nele se a estabilidade política-institucional se deu logo após a independência.
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Prado (ANO, p.155) destaca que Rosas, detentor de plenos poderes em Buenos Aires, não admitia contestações a
seu governo. O poder de Rosas se amplia após o assassinato de Facundo Quiroga, em 1835. Como aponta a autora, os
liberais unitários defendiam a “[...] formação de um Estado guiado pelas luzes da razão que moldariam uma
constituição a ser seguida e respeitada, pondo fim às lutas que dividiam a Argentina”. Os exilados foram, sobretudo,
para o Chile e Uruguai.
intelectualidade um papel complementar nestas construções. São para isto convocados
diversos aparatos artísticos, assim como obras literárias e históricas, e festividades,
assim como as efemérides, para representar esta nação. Desta feita, como trabalha
Purcell (ANO), o paradoxo que se coloca se dá entre a afirmação do que é nacional feita
de cima para baixo e as representações da nacionalidade feita pelas camadas populares e
que se tornam um problema para o Estado Nacional que passa a controla-las, ao mesmo
tempo que precisam adesão das camadas populares a seu projeto nacional 4. De maneira
similar se deu as propostas liberais sobre a participação políticas das camadas populares
após a destituição dos caudilhos na Argentina. A afirmação de uma preeminência dos
grupos tidos por iluminados sobre a populações desprivilegiadas na tomada de decisões
políticas reforça o caráter elitista da política liberal na Argentina no século XIX.
4
Purcell (ANO, p.186) afirma que o Estado chileno buscou, a partir de 1818, primeiro uma estabilidade político-
institucional, com a qual a fosse possível a construção da nação. A partir disso, o que se impôs ao Estado chileno foi,
segundo o autor (p.195), o que de “[...] determinar o ponto de equilíbrio entre a necessidade de fortalecer a identidade
nacional entre as massas populares e a de manter a ordem social”.
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Prado, ANO, p.159.
A posição de Sarmiento nesta querela reafirma sua concepção de ruptura com
tradição espanhola e a aproximação dos liberais com as ideias europeias, sobretudo,
francesas. Sua defesa da educação letrada6 coadunava com as políticas chilenas,
uruguaias e mexicanas voltadas a se erigir sistemas educacionais populares, assim como
a de expandir o letramento a população. No Chile, como aponta Purcell (ANO, p.182), o
projeto educacional republicano e nacionalista esteve ligado ao Instituto Nacional e a
Biblioteca Nacional, mas é após a fundação da Universidade do Chile, em 1843, que
este projeto alcança sua expressão máxima, dado que é a partir dela que veio a se
consumar a instauração de um sistema de educação nacional no país. O ensino de
história, neste interim, adquire um papel sobressalente 7 tendo em vista que este se deu,
no século XIX, a partir de pressupostos da afirmação de história dos grandes homens e
dos acontecimentos, que se relacionava com os pressupostos de uma história mestra da
vida. A difusão de uma história pátria, por meio do sistema educacional, esteve atrelada
aos manuais de História Nacional voltados a criação de um sentimento de cidadania, a
construção de lealdades com as instituições e para a construção de uma visão unificada
em torno da nação.
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As campanhas militares contra as populações do sul no Chile são destacadas no documentário de Patricio Guzman;
a violência contra os indígenas, na Argentina, é defendida por liberais como é o caso de Sarmiento, dado que estes
entendiam os indígenas como um atraso na modernização. Neste país, a partir de década de 1870, os liberais unitários
foram responsáveis por ordenar campanhas militares para liberar as terras indígenas para seus interesses por meio da
violência e do extermínio daquelas populações. Estes ataques a estas populações ficariam conhecidas como
Campanhas do Deserto.
Em suas festas, efemérides, projetos educacionais, manifestações artísticas cada
Estado Nacional, por meio das elites letradas e dos artistas, se fez diferenciar de seus
vizinhos. Ainda assim, estes se constituíram como um outro frente aos norte-
americanos. A América Latina, como tal, se afirmaria dentro de todas as suas
diferenças. Desta feita, dentro das aproximações e diferenças entres as diferentes
identidades nacionais foi se construindo uma identidade subcontinental. Nestes
processos, as construções das identidades se deram por meio de projetos das elites
locais. Estas projeções identitárias estiveram atreladas não apenas à cada nação em
específico, mas também a diferentes processos políticos dentro destas. Assim, podemos
ver figuras como o uruguaio Artigas ser relegado ao ostracismo e, posteriormente, ser
afirmado enquanto um herói do povo uruguaio. O mesmo parece ainda se dar com os
argentinos Rosas e Sarmiento.