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REFLEXOES Em defesa do meu direito de ser triste ‘A meus jovens e ex-alunos, e supervisionandos, e também aos ex. Osvaldo D. Di Loreto Tomos enfrentado juntos as porploxidades profissionais trazidas pela coexisténcia ‘no mercado psi, de teorias compreensivas da mente humana, as, ‘mais contraditérias, eonflitantes ¢ excludentes. Vivemos dia-a-dia as enormes dlificuldades em criarmos uma erenga” psicolgica um minimo unificada ‘Temos velhas perplexidades: a hereditariedade, a lesio cerebral (maxima ‘ou minima),o psicol6gico, a influéneia das vidas passadas,o social, os florais, ete..ete. E, agora, temos as mais recentes: a bioquimica ¢ a vida mental intra uterina, “Seo Prozaccura a tristeza, entdo a tristeza uma disfungio bioquimica!”” “Para que a psicoterapia?” “Como funcionam os neurotransmissores?"“E a Sindrome do Panico, é curada com antidepressivos?” “Como fica o psieélogo nisso tudo?" “Vi um ultrassom com feto chupando 0 dedo!” “Outro com feto “malabaristal” “Assisi conferéncia de analista diplomada sobre a rejeigdo intra-uterina!” Como fica o biolégico em tudo isso? final, o que 6, ¢ de onde vem as loueuras? Num dos grupos de supervisio, solicitaram que eu contasse o que penso sobre essas questes. Mas que contasse, “como se fosse para uma crianga de quatro anos” ‘Tremi nas bases: com criangas de quatro anos no se brinca em servigo. Nao tendo elas pré-julgados, preestabelecidos e pré-conceitos, 6 aceitam a verdade. A verdade pura e simples. ‘Nem esto interessadas na Grande Verdade; querem apenas a pequena verdade de cada um. Que contenha todos os erros, os enganos, as ignorancias, 0s fanatismos de cada um, mas que seja a sua verdade. Hesitei muito. Seria eu capaz de revelar em publico esse nivel de verdade, ‘que s6 se usa nos corredoros e nas salas de café? Morrendo de medo, resolvi accitar. Por um nico motivo: meus pensamentos e minhas crencas sobre todas estas questoes sto tio diferentes, UNITERMOS LORETO, 0. D.- Bm defesa do meu dirito de sr triste Infanto - Rev. Neuropelg. da Inf. e Adob (13151, 1997 32 que sera um ganho poder explicita-las de modo seqiiente e contextualizado, e ndo apenas nos picadinhos de cada supervisao, que acabam criando muitas carieaturas. Em verdade, creio que todas estas questdes tém muito pouco a ver com o biolégico ou com o psicolégico ‘Tem tudo a ver com 0 epistemolégice. ‘Tem a ver com: 0 que é para voe8 conhecimento? Que formas de conhecimento vocé admite? Como vocé chega a um conhecimento? Que forma particular de conhecimento vocé usa para cada forma particular de ignorancia? Vocd criou um “departamento de controle de qualidade” de seu conhecimento? Que*erros de pensar” vyoe® ja descobriu no seu pensar”? Como os corrigiu? O ‘que Voee faz com 0 seu pessoal néio-conhecimento? Que destino voeé dé ao nao conhecido e ao incognoseivel sgeral e universal? Assim, aqui vai minha pequena verdade episte- molégica: - Sou muito agradecido A mae natureza por ter me dado minha tristeza. B ela que me poupa de, alegremente, comemorar a perda de um amigo ou a perda dos dedos da mio. Ou ficar indiferente a isso Bendita tristeza que nao me permite ser absurdo em relagao.a tudo que me aconteco vindo de externo a mim. = Sou também grato a ela por me permitir ter um estado de espirite adequado a perda de ilusses. 8 muito aliviante poder ficar triste quando constato nao possuir, realisticamente, as virtudes que, ilusoriamente, eu me atribuia, um fardo inutil que se deixa de earregar. E também, menor flagelagio quando nao correspondo as virtudes que no tenho. Bendita tristeza que no me permite ser absurdo em relagao a mim mesmo, E bendita alegria que me permite comemorar a recuperagio de meu amigo e a posse das virtudes que realisticamente possuo. E. bendita inveja que me faz querer possuir o que meu inimigo possui, e bendita admiragao que me faz comemorar o que meu amigo possui, como se eu mesmo possuisse. E... bendita...; e bendita... que. ndo nos permitem sermos absurdos, Aqui surge o primeiro ponto em que temos que pensar juntos. Estou defondendo que a tristeza, apesar de dolorosa, uma capacidade humana necesséria, boa. E nfo, como habitualmente se acredita que, por ser dolorosa,é ruim. Ela 6, mesmo, uma das mais infinitas variagées da realidade externa ou a relagao de cada um consigo ‘mesmo. Numa palavra, permite adaptagio. Creio, mesmo, que a tristeza exeree, na mente, fungdes protetoras, muito semelhantes as que exerce, no corpo, a dor, LORETO, 0. D.- Bim defoea do meu dirito decor triste Quando trabalhava no Hospital das Clinicas, atendi dois irmaos, de sete nove anos que, desde onaseimento, nao sentiam dor. 0 nome que os adultos dao a esta rarissima moléstia ¢ “Agenesia Congénita dos Feixes Dolorosos” Nunea tinha visto, nem vi depois, seres humanos tio cortados,lanhados, raspados, raturades, queimados, como eles, Foram trazidos & Psiquiatria Infantil no dia fem que 0 mais velho, que se sentira desafiado numa disputa com outros meninos, para demonstrar que era corajoso, moeu a ponta do dedo indieador esquerdo numa maquina caseira de moer came. Nao eramloucos nem deficientes mentais. Apenas, organizaram a personalidade com esta variavel modificadora: nao Sentiam dor Nao participo, pois, desta verdadeira cruzada que vejo hoje contra & tristeza, qualquer tristern «a ‘tualquer custo. Suspeito que haja muita maroteira neste bombar- dein, tanto o explicito, quanto o subliminar, para nos levar a engolireada ver maiores quantidades de pilulas daalegria. Quando leio nos omnis quo, 0 ano passado, 0 Prozac vendeu mais queAapirina, co arrepiai e me convengo {que a maroteira 6 das grossas, ‘Ser que nio nos puseram nas maos, a nés médicos © também aos demais elinicos, uma ilusto? De preserigio fel, répida e a pregos médicos? Quem trabaiha em qualquer servigo assemelhado 08 postos de aside piblie, com 20-30 pacientes para tender nas quatro horas que se coavencionou serem trés e das quais se cumprem duas, 0 que fazer com a quantidade arrasadora de angustias, tristeras © desgragas que todos os dias depositam em nossas contas? (0 que colocar no lugar do investimento humano tenbalhoso, demorado e espolindor? ‘Ao lado do restrito uso sensato justo © nocessario dos férmacos, parece-me que as pilulas da alegria se tomaram os mais recentes,“chiques” e enganadores “quebracgalhos” que se procuram colocar no lugar do investimento humano a piorsalda possivel: todos finger. Os pacientes sabem, lé no seu "funda", que nao esta sendo entendidos ¢ atendidos em suas necessidades lembrem- Sse das supervisdes: “os pacientes sao loucos, mas nao Sho bobos!)0clinio sabe que esta apenas"e livrando” do paciente de forma clegonte; a grande mentira botem srande nisso) de atender, atender mesmo, 20 - 30 pacientes em 2 8 horas (como se iso fosse possive, ‘meu Deus!) continua *impavida colosso deitada em bergo espléndido” Sera que nio esta havendo um rei nu? Infanto Rev. Neuropsig. da Inf. Adol. (131-51, 1997 Reconhecendo que o homem é tragico pela sua prdpria natureza, e frente a invasso indiseriminada dos exércitos de comprimidos, nio me resta outra atitude que a de sair em defesa do meu direito de ser triste, ‘Tenho justificado medo que estejamos nos tornando semelhantes aos garotos que nio sentiam dor. Logicamente, penso o mesmo do medo, da ansiedade, ete. ete Conforme temos debatido muito nas supervistes, a mente ndo produz apenas tristeza adaptativa, portanto, proporeional aos fates da realidade, ‘Estudamos juntos os intimeros mecanismos mentais que deformam a pereepgio, tanto da realidade externa, quanto da visdo que temos de nés mesmos, Princi- palmente os dois fatores de maior poder deformador: 1. O descompasso entre a velocidade do desen- volvimento intelectivo-cognitivo (velocidade muito lenta) e a do desenvolvimento afetivo (muito répida), fazendo com que a erianga “sinta” muita coisa que nao consegue entender ou que entende de forma incorreta produzindo, assim, na mente, enganos.A famosa ‘cena priméria” nao teria nada de traumatico se as eriangas pudessem compreender elaramente que mame e papai ‘esto apenas tendo um momento de prazer; no méximo, “fabricando” um rival. A maior parte dos “enganos” 6 corrigida pelo nivelamento posterior das fungées, mas, ‘que foi incorporado a mente sob influéncia do engano, continuar4 contendo enganos, que carregamos pelo resto da vida, 2. A existéncia de mecanismos mentais ativos, defesas, que servem expressamente para deformar a percepeao das realidades, quando elas forem dolorosas, ‘ou para nos atribuir capacidades ilus6rias, gerando na ‘mente, “mentiras”. Posso afirmaz, sem qualquer riseo, que a mente humana normal é composta de V/3 de realidade, 1/8 de enganos e 1/3 de “mentiras” (para brinear um poueo com os ntimeros). Por isso, muita tristeza 6 ilusoria, deslocada, aumentada (potencializada seria um bom nome). Vou fabricar um exemplo pratico, composto com retalhos retirados apenas do que vejo todos os dias no consultério. Uma pessoa nao perdeu nem o amigo, nem os dedos, nem as, virtudes, mas tem medo de perdé-las ou imagina que as perdeu, (Nao vou justifiear para criangas de quatro anos, o poder ¢ a importancia das fantasias...) Estranhamente, a tristeza oriunda dessas fantasias, pode ser tao ou mais intensa, tao *real” e tao “vivida”, quanto a que teria, se os tivesse perdido de fato. ‘logicidades da mente humana. ‘Mas, ha mais coisas ilogicas: se o amigo for também ‘um forte rival (coisa t4o comum nos relacionamentos humanos) e, portanto, haja uma ponta de descje de perdé-lo, a fantasia de té-lo perdido vai provocar uma tristeza muito, muito mais triste. E, além de muito LORBTO, 0. D.- Em defesa do meu divata de ser tiste triste, também acompanhada por culpas, medos, controles, tenso, numa palavra ansiedade. TE hé mais ilogicidade ainda: se a pessoa tiver uma inabalavel certeza de ser virtuoso, sendo, portanto, inaceitavel ao conhecimento que ele tem de si mesmo que possa ter descjos de perder o amigo, a tristeza ansiosa pode ficar catastréfica. Porque, a forga que anima esse desejo, recaleada para as profundezas de nossa mente “desconhecida”, além de ganhar uma intensidade potencializada, vai pertencer ao nosso mundo interno nao temporal, nao espacial e que liga, qualquer coisa a outra qualquer coisa, apenas com noxos simbélieos. Como nos sonhos. E assim, em qualquer momento, a pessoa 16 que os ‘Mamonas Assassinas morreram num desastre, ou que houve um terremoto no Afeganistio, os simbolos que representam os dois contetidos podem se ligar, ¢ a ‘pessoa tem uma crise aguda de ansiedade triste ‘Aparentemente absurda, mas &6 aparentemente, Como voces véem, sabemos hoje, alem de qualquer duvida razoavel, que esta crise de tristeza ou de ansiedade triste nao é absurda, E desproporcional, deslocada no espago ¢ no tempo, sem causa aparente, numa palavra, ilégica, mas, nio desligada do viver, real e/ou imaginario. Esta 6a tese de maior compromisso que quero tomar: nao encontro nada, rigorosamente nada na mente, que ‘io seja produzide pelo viver, real ou imaginario. ‘Manuel Bandeira também pensava assim. “Sou bem-nascido, Menino, Fui, como os demais, feliz, Depois, veio o mau destino E fez de mim o que quis.” Estabelecida esta questo de principio, poss contar para criangas de quatro anos, 0 que penso sobre a bioquimica “psicolégica’ ‘Nos nossos grupos de supervise, sempre nos divertimos muito, cada vez que lembro a voces que o pensamento, as emogdes, o complexo de Edipo, ¢ a tristeza, nfo siio produzidos nem pela nossa tibia, nem pelos astros do espago sideral. Sao produzidos, com exclusividade, por uma substancia biologiea, orgdnica, os neurénios do Sistema Nervoso Central A nossa vida “psicolégica” 6, pois, formada por eapacidades, por fungées produzidas por uma subs- tancia “biologica” que também produz nossa vida “neurol6gica” (movimentos, sensibilidade ete...ete) © comanda a nossa vida vegetativa. neurdnio, sendo biolégico (uma parte do corpo), nao pode ter linguagem psicolégica. Ele nao pode produzir tristeza; s6 pode produzir a tradugio biol6gica Infanto- Ree. Neuropsig. da Inf. Ado. 513151, 1997 Ibioquimicae biofsical da tristeza. Be produz tristeza na linguagem dele. E tao provavel encontrar*tristeza” nos neurdnios, quanto encontrar "a voz" do cantor no Iierofone ou nos fioseldtrieos. Nestes, encontramos, apenas, a tradugao em“linguagem”eltricae eletronica davor Somente animais inferior alguns peixes, por fexemplo) tém neurénios que partem direto da eabesa até o8 pés (melhor seria, até a cauda), Isso torna 0 sistema nervoso ea vida mental desses animais muito simples. E para isso que eles, apesar de terem mae © pai, no tom, para felicidad deles, eomplexo de Edipo Nos superiores, esse mesmo trajeto feito por varios neurdnig, quo, vindos de varias regides cerebrais, se tencontram. Ao lugar e& fungao de encontro, chamou- se sinapse. Se fosse em vie-sacra, seriam as“estagtes’ ¢, se no csporte, n corride de reveramonto de pansagens do bastao, Esse é um dos reewrsos que a natureza usa para nos tornar superiores. Em cada “estagae", imimeros neurdnios se encontram, cada um trazendo infor magdes, correcoes, decisdes, alertas (memoria, raciocinio, juizo, emogdes), fazendo com que cada “astio" que eada novo corredor earregar, jé eontenha todo o aprendizado, ¢ toda a “experiéncia” adquirida pelos orredaros precedentes O iltimo corredor,o que vai eruzar a fita de chegada, isto, oneurdnio que aciona os dedos, a perna a lingua, tte. ec. recebet todas as instrugdes que o eonjunto tem eapacidade de dar Devemos essa grande “sacada” a um perspicaz neurologista inglés ou norte amerieano... deseulpem a injustiga, mas nao sei a0 certo, ‘No homem (superior até demais, para o mou gosto) esta malha chega a uma complexidede infernal, mas 0 Principio geral ¢ simples: ligar todos com todos, em varios niveis de integragao (ndo ha neurdnios anarquicos). Assim se ennsegue que as fungaes mais simples estejam sempre ligadas e dependentes do complexo conjunto. Um punhadinho de neurdnios 6 suticiente para fabricar o movimento do dedoindicador. Puxar ou nao o gatilho do revélver, nio pode depender da deciséo desse punhadinko. Os equivalentes bioquimicos das fangBes psico- logieas e neurolégieas s40 produzides pelos corpos eslulares dos neurdnios.Ainda nfo sabemos nada sabre coma sto produridas, e muito menos sobre a “formula bioldigia® do pensamento, do racioeinio« das emogtes Mas, atualmente ja sabemos que no trajeto entre uuma‘estagao" eautra, e que é perearrido pelo axdnio, a tristeza ganha uma “linguagem” bioelétrica,trans- mitida pelas eapas de miclina. Porém, ao “passar 0 bastao", chamado influxo nervoso, para os outros LORETO, 0.D.- Bm defesa do meu direta de wr triste neurénios, nas sinapses, a linguagem” muda, ¢ passa a ser quimica. Substancias quimicas ligadas & vida (bioquimicas) 6 que transmitem o bastao aos outros neurdnios (neurotransmissores). Por que a natureza tem que usar essa formula complicada? Nao sabemos, ‘Vou especular: talvez para combinar as necessidades de velocidade e de diversidade das mensagens. A velocidade ¢ imensa (goleiro até pega pénalti, de vez em quando, nfo 6”). Ea variedade ¢ a de todos os contetidos neurologicos e mentais. Como a eletricidade nao permite muitas variagSes, enquanto que as substéncias bioquimieas permitem variacies que beiram ao infinito, aquela contribui com a velocidadee estas com a diversidade. Lembro que cientificamente, nio sabemos nada sobre tudo isto. Porém, vocés conhecem iseo melhor que eu, éirresistivel o prazer de brincar com a imaginagao, E, para finalizar, uma noticia bonita A pesquisa farmacéutica descobriu substancias quimicas que agem modificando a passagem do bastio. Aceleram, retardam a passagem do bastao, impedem a ‘agiode enzimas que entram nas sinteses de substancias bioquimicas, competem com os neurotransmissores, retardando, acelerando, modificando a velocidade da Podemos, por exemplo, “engessar” o cérebro e, por decorréncia, a mente. As producdes psicéticas, compreensivelmente, diminuem ou mesmo cessam. Nao ereio que haja em uso hoje, nenhuma substincia quimica que interfira na “produgio” bioquimica da tristeza, porque nao se conhece nada sobre essa “produgo”. Mas, & possivel que se especule sobre isso, Porém, seguramente, podemos interferir sobre a transmissio e sobre a circulagao dos contetidos mentais e neuroldgicos. Em sintese, conseguimos variados modos de alterar a bioquimica cerobral e, por conseguinte, a expressio bioldgiea dos fendmenos psiquicos. E, por felicidade, a prova clinica demonstrou que sob ado desses farmacos, a tristeza 6sentida como ‘menos triste “Assim, se eu, como o triste do Manuel Bandeira,tiver uma “tristeza de nao ter feito” e “quando de noite me der vontade de me matar”, j posso, tanto “chamar a mae d’gua, pra mecontar as estérias que no tempo de eu menino, Rosa vinha me contar”, quanto tomar um, comprimido de Prozac. O que rimar methor. ‘Como vocés veem, diversifiearam-se os caminhos ¢ as portas de entrada para a tristeza. Quem nao teve, pode escolher, tardiamente, entre a mae d’agua psicoter4pica e 0 bioquimico Prozac ‘Com a imaginagio e com a criatividade dos quatro anos, vores nao terdo a menor dificuldade em pereeber ‘da Inf e Adel. 1.95.51, 1997 Infanto Rev. Newrops que, para cada cantetdo psicoldgico que possuimos na mente, hd uma “tradugao” bioldgica deles no eérebro. Inclusive, logicamente, para os disturbios psiquicos, onde devemos deduzir que todo 0 sistema esteja perturbado. Pessoalmente, quando consigo fingir que tenho quatro anos, adoro brinear com as traduugdes biolégicas do psicologico. Uma das brincadeiras que mais me diverte 6 imaginar um neurdnio neurético. Fico fantasiando-o ambivalente entre sintetizar acetilcalina ou serotonina, imaginando que uma seja a expresso bioguimica do medio e a outra da coragem. ‘Também me diverto bastante imaginar como ‘érebro consegueas curiosas variagées de meméria: um niimero de telefone que 86 devo reter por poucos seszundos enquanto o estou diseando, e outro (como © da namorada) que devo guardar para todo 0 sempre. ‘Sempre concluo a mesma caisa:s6 6 possivel ao cérebro conseguir essa magica, variando os potenciais elétricos. Mas, sera que ¢ assim? E como sera que 0 cérebro cansegue fazer aquela “maldade” de levar o nome até a pontinha da lingua ¢ no deixar sair?! ‘Temos, pois, um quadro légico, racional, compre- ensivel, até bonito: viver real ou imaginério, produz tristeza (e 0 que mais poderia produzi-1a?); 0 neurénio traduz para a linguagem biolégiea (¢ que outra Jingguagem o corpo pode ter?); encontramos forma de “entrar” na linguagem bioldgica e, assim, agir sobre a tristeza, Os beneficios que estas conquistas trouxeram sio evidentes por si mesmas. As perspectivas que se abriram para agdes sobre a mente, via ages sobre 0 cérebro, sao promissoras, para meu gosto, assustadoras No entanto, neste pento, tenho que comegar a me despedir das eriancas de quatro anos. Com uma “tristeza de ndo ter jeito” (6 delicoso conversar sobre coisas sérins, com eriangas de quatro anos). Acontece que chegamos a uma situagso que eriangas de quatro fanos apenas eomegam a “desconfiar” que existe: um impasse. E que todos estes eonhecimentos podem ser entendidos, sem qualquer afronta as ciéncias, também do seguinte modo: os neurdnios apresentam alteragio priméria da sua atividade bioldgica e passam a produzir quantidades anormais da formula bioquimica da tristeza e esta ¢ imposta, secundariamente, & mente, tornando o homem triste. E, portanto, uma tristeza que ‘vem de dentro, do biolégico, “endégeno”. Essas perturbagies primérias da atividade bilégiea corebral So demonstradas por convulsdes © outras manifestagdes epilépticas, por alteragoes do desenvolvimento, disturbios do sono, por alteragbes no eletroencefalograma, ete. e ganham comprovacio indireta nas lesdes que sdo visiveis nos diagnésticos por imagem, ¢, por fim, encontram um sélide aliado na LORETO, 0. D.- Bim dfoea do meu direvo de sor tate cexisténcia de psicéticos tristes entre os ancestrais © calaterais na familia do homem, E também no extenso rol de sinais de “organicidade", que varia a0 gosto de cada autor, desde enurese noturna, a sinais indicativos ‘no PMK e no Bender, até a presenga de causas de lesdes (como anéxia neonatal e partos trauméticos), mesmo que nao haja sinaisclinieos de suas consequencias. ‘Tmagino que voces devam estar se perguntand: “Mas nao é a mesma coisa, 0 mesmo cireuito, 6 que em sentido contrario?” Correto! Poréim, como a diferenga de sexo nos recém-nascidos, esta pequena diferenca, faz tuma terrivel diferenga: assim entendida, a coisa toda nao tem nada a ver com 0 viver; nem com a vida real, nem com a vida mental. B sim com fons, enzimas ¢ proteinas, © homem como vitima ou beneficario da ‘quimica, Corrigida a quimica, esta corrigida a vida. Vou chamar esta visio de homem de absurda, Enioha saida no plano das ciéneias, No nivel das cféncias se chega sempre ao impasse Qualquer dado cientifico poderd ser usado para demonstrar algo ou para demonatrar o seu contedrio, O objetivo passard sempre pelo subjetivo, ‘Até o ano da graga de 1996, a ciéneia nao produsiu, nenhum conhecimento que permitisse demonstrar, acima de qualquer divida, que qualquer uma destas perturbagGes fosse incorreta, Bertrand Russel, outras boas eabegas,nos ensinam ‘que quando ocorre um impasse, néo ha saféa naquele nivel de conhecimentos e de organizagio dos dados. arece-me que eles tém raz Querem ver? © meu jovem j4 conseguiu “desempatar” uma ambivaléneia na cabega? Eu nao, Sempre me parece ue estou fazendo um mau negocio. Se eu escolho “am’,o“outro” fica melhor; se escolho“o outro", o “umn 6 que 6 melhor. E assim per omnia secula seculorum, oF mais argumentos que eu consiga arranjar a favor ddo“um" ou a favor do “outro”. E a “dizima periédica", {que tanto nos tem divertido nas supervisbes E necessario trazer algum elemento novo, que permita “outra” organizagso, em “outro nivel” de pensamento ‘Nessa hora da dizima periédica, nada melhor que uum insight, O insight 6 a evidéncia que sua eabega conseguit ‘luminar com cores novas e com a emogao apropriada, um velho elemento mental. Ou senao, vacés terdo que se esforgar para buscar novos conhecimentos e assim irsubindo no nivel da organizagio do pensamento, até formar suas convicgoes, suas “teorias", que progres: sivamente vao se alargando até alcangar sua visto de homem e de mundo, que voces usarao, quer se apereebam ow no disso, para explicar as questves menores e particulares da vida, inclusive as da eliniea pal Tnfanto - Rev. Neuropeig. da Inf « Adol. (1/31 51,1997 36 ‘Um bom nome para essa pratica mental ¢ filosofar. Quando digo filosofar, vocés véem que nao me refiro ’ atividade mental de pensadores profissionais. Estes procuram filosofar bem. Refiro-me apenas a visio de mundo e de homem que eada um constr6i. Espontanea ou cultivada, singela ou erudita, nao importa. “Voce poderé filosofar mal; impossivel nao filosofar”, disse um bom observador. ‘Nem sei porque estou escrevendo estas coisas para criangas de quatro anos... Criangas de quatro anos 880 _grandes filésofos. Constréem teorias sobre tudo. Nada “passa batido”, Quando necessitam de algum conhecimento para evoluir no nivel do seu pensamento, consultam suas “enciclopédias":“o qué”, "por qué?"*de onde?” “como?” “para qué?” e tantos outros qués. (Se a enciclopédia confundir a erianga, ela ficaré com medo de “filosofar”) Fritjoff Kapra nos fez o favor de informar no sermos '86 nds 05 psis (que lidamos com fendmenos abstratos, imateriais e ndo mensurdveis) que estamos perplexos, confusos e ambiguos, medida que nos aproximamos dos confins da constitui¢ao de homem. Os fisicos (quem diria?) & medida que se aproximam da compreensio dos confins da constituicao do mundo, também esto percebendo a impossibilidade de resolver cienti- ficamente suas inesperadas ambigiiidades (6 matéria?, éenergia?), Reconhecendo que essas definighes £6 840 possiveis em nivel subjetiva, esto partindo para “filosofar” (quem diria?) ‘Daqui pré frente, 6 poderei, pois me dirigir ajovens. Jovens mentalmente rebeldes, questionadores, que ‘mergulham fundo no sentido das coisas, e que estejam determinados a criar a sua nogdo de homem e de mundo... mesmo numa época dificil, na qual a visio do homem ameaca se reduzir a apenas duas ideologias: a da Nike e da Reebok. Jovens rebeldes: querem um hino? Experimentem traduzir a palavra “lirismo" do Manuel Bandeira para psicologia ou psicoterapia, ou ainda para psicandlise ou psiquiatria (ao gosto) “Bstou farto do lirismo comedido Do lirismo bem comportado. Do lirismo funciondrio publico com livro de ponto expediente protocolo e manifestacses de apreco ‘a0 Sr. diretor Estou farto do lirismo que para ¢ vai averiguar no diviondrio o cunho verndaulo de um voodbulo, Abaizo os puristas Todas as palavras sobretudo os barbarismos LORETO, 0. D.- Em defesa do meu dirito de serrate Todas as construcdes sobretudo as sintaxes de excegdo Todos os ritmos sobretudo os inumerdveis Estou farto do lirismo namorador Politico Raguitico Sifilttico De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora de si mesmo De resto no élirisma Serd contabiliddade tabela de co-senos secretério do ‘amante exemplar com cem modelos de cartas e as diferentes maneiras de agradar as mutheres, ec. Quero antes o lirismo dos loucos Olirismo dos bebados Olirismo dificil e pungente dos bebados Olirismo dos pathacos de Shakespeare Nao quero mais saber do lirismo que no é libertagao.” Jovens, nés psis, vivemos numa verdadeira usina produtora de ambigiidades, pelo fato de termos, para cada fendmeno, mais de um entendimento e todos possiveis de serem verdadeiros. Trabalhamos com fendmenos psicolégicos, abstratos, produzidos por substincia biolégica, conereta. Isto levaré sempre formacao de correntes “organicistas", e correntes, “psicodinamicas”.Irreconcilidveis a0 nivel das ciéncias, ‘a0 menos até o ano da graga de 1996. jovem leitor sabe do que estou falando: ja fez muita platéia para velhos sabidos “organicistas” © “psicanalistas” esgrimirmos migalhas de conhe- cimento cientifico com a racionalidade de torcedores de futebol ‘Voces ja viram, alguma vez, alguém convencer alguém, sobre qualquer coisa, nesses dois campos de disputa? © que ocorre é que, na impossibilidade de uma discussao cientifica, se debate a visio de mundo de cada tum, usando aquelas migathas como armas. Discussoes, portanto, “disfarcadas” e que, por isso, frequentemente se tornam desonestas. Quando jovem, também fiz muita platéia para os velhos sabidos daquele tempo, saindo daquelas discussées*cientificas" muito eonfuso, correndo 0 risco de, por inseguranga, atender mal meu paciente. $6 muita seguranga mais, tarde, 6 que pude perceber que essas discusses nao tém nada de “cientificas”. Exprimem apenas o pensamento subjetivo de cada um. Farfamos melhor se penséssemos mais, definiasemos melhor e explicitéssemos honestamente nossas conviegGes filoséficas ‘Infanto Rev. Neuropala. da Inf. « Adol. (1/3151, 1997 37 ‘Nao poderia também ter passado desapercebido a0 meu jovem, mas perspicaz leitor, que as conviegies “cientifieas" nfo se apresentam isoladas, mas sim, como sistemas coerentes em cada autor, ou em cada simples trabalhador. Os partidérios da compreensio bioguimica, sto partidérios da compreonsao pelo Iesional e pelo hereditario, Bos contrérios, ado eontrérios a todas. que esta coeréncia costuma ser mais. ampla, aleangando as conviecées politicas, econdmicas, culturais efreqdentemente também as religiosas, Ot seja,a visto de homem e de mundo Sim, isto 6 visio de homem © de mundo. & 0 seu conjunto de conviesbes sobre pontos que permitem vio subjetiva. E portanto, o seu compromisso pessoal. Por {sso quero que meus jovens saibam que nao adoto, nao pactio © nao torno a minha versio cientifieamente possivel, da tristeza, da ansiedade ¢ da loucura bioquimicas, apenas e tao somente porque elas afrontam minha visao de homem, Trei salpicando durante o escrito alguma coisa sobre minha visto de homem. De saida quero deixar claro «que ela se apdia sobre trés idéias prineipais: o homem Fesponsével, inclusive plo seu incanscientel;homem tanseqiente eo homem nfo absurdo. (© homem beneficiario ov vitima da bioguimica corrosponde a visto de homem irresponsavel, Inconseqiiente e nbsurdo. A ter esta visto de hemem prefiro o pelotao de fuzilamento! Ou mesmo, o garrote val Se pudesse existir esta via de sentido contrério -0 bioquimico produzir o mental - a mente perderia qualquer sentido, pois, seria meramente a depositaria de produgoes bioguimicas E até a loucura perderia seu ultimo laivo de dignidade, Voeés saber que nio 6 esta a visio que tenho da Joueura. Bem ao contrério, ela é uma forma de viver: Quando a visio realistica de si mesmo e da realidade tornarse insuportével, resta a loucura, isto 6, visio inrealistica, Ea estratégia possivel de sobrevivencia, Numa frase: a loucura é-asa(da para as situagies sem sada Desde os bancos universitérios me ensinam que 0 doente mental € doente mental, que 0 louco 6 louco porque ¢ alienado, Alienado de qué? Obviamente de parte de sua vida mental e de sua relagao com a Tealidade ao seu redor Tornando-me psiquiatra,tomei automaticamente, 0 eompromisso de combater a alienacao, “Agora querem que eu entenda a mente do homem Touca eomo produto de combinagdes protécas, sem nada ‘aver com a vida mental! que nome darei a esta visio de homem? ‘Num plano ainda mais geral quero, orgulhosamente, dizer que nao creio que o biol6gico ou bioquimico possa, “criar” 0 mental, e condigéo alguma: nenhuma acio “biolégica”, quer polo bioquimico, bioelétrico, biocletrénico, bistico, biolaser, ou qualquer"bio" jamais podera eriar qualquer contevido “paicolégico", como tristeza, alegria, tranqtiilidade ou ansiedade, Para mim fiea claro que néo existe nada endégenoe que o bioquimico s6 pode agir sobre a tristeza jé existente e criada pelo tinico modo de crid-la: uma ma vida mental, Quero minha preciosa tristeza ligada & vida real porque necessito dela para nao comemorar alegremente a perda de meus dedos, & semelhanca do garoto do Hospital das Clinicas; quero-a ilogicamente ligada & vida mental, porque é imprescindivel para eu nfo ser inconseqiiente e, portanto, ter um prego a pagar pela perda de ilusdes. Quero também ter meus fons, minhas protefnas & ‘meus potenciais elétricos, para dar linguagem a minha tristeza, Permitam-me um intervalo para confidéneias: atualmente pouco saio de casa, a ndo ser para 0 ‘trabalho. ‘Mais um pouco e estarei como Manuel Bandeira, “Beijo pouco, falo menos ainda. ‘Mas ainda invento palavras Que traduzem a ternura mais funda E mais quotidiana Inventei, por exemplo, 0 verbo teadorar Intransitivo Teodoro, Teodora’” inventando neologismos. Agora, além de‘solitério passar por entre as gentes”, ‘ido poss0 nem mais perguntar sobre o estado de satide de amigos e conhecidos. Cada vez mais corro 0 risco de que me respondam:“Fulano? Fulano est muito triste ‘Também pudera, baixaram-Ihe as serotoninas!” Atendi e atendo muitas das pessoas as quais se Ihe baixaram as serotoninas, ‘Algumas tem vida real inteiramente“ferrada” e em outras os neurdnios sendo poucos para conterem tantos conflitos, imitando um pouco Luis Vaz ("Sendo para tio grande amor, téo curta a vida"). He alguns anos atras estive triste. Fui rever minha vida e minha eabeca. Recebi ajuda humana pela qual serei grato enquanta viver. Voltei a ficar alegre ¢ produtivo (até eserevi um pequeno relato sobre os ganhos imediatos e também tardios dessa revisio). Quando conseguia trabalhosamente desenroscar algum né da minha mente e sentia toda a alegria que isso produz, por uma coincidéncia memoravel, LORETO, 0.D.- Em defesa do mew direito de ser triste Infanto- Rev. Newropeis da Inf « Ado 5(1)3151, 1997 38 exatamente naquele segundo, se me subiram as Serotoninas? ‘Bm duas vezes tomei um tnico comprimido, quando a tristeza ameagava “nao ter jeto". Foram os inicos omprimidos de agio pst que tomei em toda a minh vida, sou grato aeles,pois me ajudaram mum momento agudtssimo ‘Dado se deveu a dois comprimidos? Ou a alegria Teconquistada foi “por obra e graca” dos meus bons ions e ddeminhas boas prateinas? Preiro manteraconviegaode aque minha vida mental trocos de abecedario- antes usava as letras bioquimicas da tristeza. agora sa as dealgria Como Manuel Bandeira: "Uns tomam éter, outros covatna; Bu ja tomei tristeza, hoje tomo alegria.” Comecei ha varios anos, com 1 comprimide. Atualmente tomo 3 comprimidos de Gardenal todas as ‘manhas, preventivamente, porque sei da quantidade de coisas que hei de ver e ouvir naquele dia e que, certamente, me produzirdo convulsdes. E também, devido as ilogicidades que descobrirei em minha mente, Quantos terei que passar a tomar agora, com o destino do homem decidido por enzimas? ‘Navisao de homem ede mundo, a tendéncia natural 6 haver coeréncias entre os varios pontos, mas sempre ha itens, digamos, “desgarrados”, que podem exigir trabalhosas composicdes para que estes pontos ndo se torem dilemas, isto 6, ou impecam decisdes, ou 86 permitam decisdes excludentes, do tipo, ou "é isto”, ou *éaquilo”, Por exemplo:um homem das ci@acias que, 20 mesmo tempo ¢ religioso, tera que lidar com aquelas traba- Thosas composi¢ées, se nao quiser simplesmente abandonar as decisoes ocasionais, nos pontos em que feseas conviegdes entrarem em conflit, Sempre penso que nés psis, temos que ter muita inveja (ow muita admiragao) pelos otorrinola- ringologistas, e mais ainda, pelos ortopedistas. A impresstio que tonho 6 a de que s6 atendem Irenes, Irene preta Irene boa Irene sempre de bom humor Imagino Irene entrando no cu: Licenga, meu branco! E Sao Pedro, bonachao: ~ Entra, Irene. Voc’ nao precisa pedir licenca. ‘Nao escolheram uma profissao com campo de agao ede interffuéncia (influenciar e ser influenciado) como ‘nossa, que coincide, modestamente, apenas com a vida, E, mais modestamente ainda, com a vida subjetiva. LORETO, 0. Bim defen da mew diveito de sor tite Um otorrino ter cumprido corretamente seus deveres profissionais se estudar seu cliente e concluir: este cidadio & ou no um doente; se for, qual é sua moléstia; que o tratamento mais indicado; aceita ou nao a indicagdo do tratamento e suas condigoes (risco, duragdo, prego ote). Se aceitou e tem condigdes, vamos, a0 tratamento, Se este otorrina tiver uma certa veia psicolégiea, poder observar e trabalhar os medos do paciente frente & moléstia e/ou aos tratamentos, sua relagio aos custos, e, um ou outro aspecto subjetivo que, em cada caso particular ganha importaneia. Mais do que isto, seria uma invasao psicoldide, para meu entendimento. E, num tempo habitualmente curto, encerra-se 0 relacionamento profissional. Seriio, pois, apenas aqueles pontos subjetivos, que serao mobilizados, ‘cutucados” na mente do médico. E sobre os quais, espera-se que o doutor tenha boa “arrumagdo” mental e eonviesdes pessoais. Os medos do paciente, por exemplo, fario o doutor ficar eara a cara com suas conviegées, suas inibigbes ‘seus conflitos (genericamente “crengas e neuras”) em rrelagio & verdade clinica, aterrivelmente dificil questio do manejo da verdade. Se este doutor jamais parou para refletir, intros- pectar e conhecer'se sobre suas “erengas e neuras” relacionadas a este ponto, poder ficar sujeito ao perigoso manejo ocasional, na verdade, contra. transferencial. Aos pacientes que Ihe despertarem pena, fara uma"devolutiva” tio amena, melosa e disfarcada, que acabars escondendo a verdade. E aos pacientes que Ihe despertarem raiva, fara uma “devolutiva” sidien, ‘Orrelato saiu um pouce linear, mas conto eom a boa vontade dos jovens, em compreender que s6 estou usando a comparagao com nossos sensatos primos da cliniea somatica, como contraste para ressaltar 0 que acontece com quem fez a insensata escolha pela clinica psicaléqica. je nosso cliente psi se acredita possuido pelo deménio ou eastigado por merecidas punigdes divinas, ‘nao podemos fazer, como nosso privilegiade ortopedista, considerar isto uma parasitéria atrapalhagao, dar a volta pelo lado e engessar a perna que, “tude bem”, fot fraturada por acdo do deménio. ‘Temos que mergulhar fundo nessas erencas porque las sio nosso material de trabalho, e a fantasia de punicao divina poderé ser “a fratura”, Isto, ine- xoravelmente, mobilizaré todas as “crencas e neuras” do terapeuta a respeito do sobrenatural. Estou “careca” de ver 0s mesmos pacientes serem descritos como esquizofrénicas dolirantes ou como tendo uma “vivencia mistica” por profissionais de igual competéncia,de idéntica“escola” psi, apenas com visio de mundo contraria, TInfanto -Ree. Neuropsig. da Inf. © Adol. 511/115, 1997 E a coisa nao é apenas académica: um recebe diploma oficial de normalidade e até de para- normalidade; o outro ganha internagio em Hospital Psiquistrico com toeladas de Haldol a serem engolidos. ‘Ormeu jovem seria capaz de atender um torturador? Ele 6 um paciente como outro qualquer? E conseguir ‘© meu jovem, conter a vontade de dar uma “sadicada psicolégica” no torturador? Dependeré mais de suas posigdes morais e politicas, e menos de sua teoria psicolégica, Endo me venham com os“slogans” de neutralidade, distanciamento e assemelhados, que nao sou 0 Woody Allen, nem este é um livro de piadas, Evitando os exemplos extremados: pode ser dificil impedir que seu cliente, com conviegdes politicas, religiosas, morais que agridem muito as suas, receba interpretacao ou medicagao mais pesada que o nocessario. Ou elas podom lhe eseapar “pelas urinas” do inconsciente. B que aquele de convieydes muito semelhantes, o puxe para uma vazia parelha empatica, sem que voeé se aperceba disso Lembremrse das nossas supervisbes préticas: “o inconsciente 6 a insténcia ‘traquina’ da mente. Muito cuidado com ele e muita atengao nele!” ‘Nao *maneirei" com criangas de quatro anos, nao vou fazt-lo com jovens rebeldes: o Sr. Paulo Malus, meu prefeito, ¢ um perfeito exemplo pratico de tudo 0 que repudio como visio de homem e de mundo (0 que seguramente, ele me devolve, sentindo a mesma coisa em relagao @ minhas). Apesar disso, seria eapaz de engessar “numa boa” sua perna, se cle a fraturasse (coisa que 56 estou supondo; talvez honestamente, nao desejando). Mas nao me vejo capaz de vigiar 0 meu inconseiente, durante anos e anos, oito vezes por semana, durante toda a hora, 50 minutos,. para no “sadicd-lo’, disfargado de interpretacao e depois ficar mo “masocando” por ter feito isso, durante a longa, ‘muito longa psicoterapia que eu, por certo, he indicaria ‘Omeu jovem ja sentiu irresistivel impulso de ir olhar ‘a marca do carro do paciente, que acaba de arrancar- The um bom deseonto no prego das sessbes? B ja escutou, do com “escuta psicolégica”, mas com “escuta pecunidria” a revelagio que, ingenuamente o filho- paciente faz de que o pai, que pechinchou o desconto, acaba de comprar o segundo BMW do ano? E jé “lou” informagies sobre as melhores aplicagSes de seu rico e arco dinheirinho, de pacientes “co ramo”? ‘Todos estes 280 “eutucdea” e mobilizagées, sobre 0 que é 0 dinheiro para voc®. ‘Ja ridicularizei e humilhei (sempre com aveludada ‘vor psicol6gica) pais de pacientezinhos que retiraram 0 {ilho da psicoterapia para levé-loa“centros" e“terreiros", 1nos tempos de auge de meus “furores” anti-religiosos. LORETO, 0. D.- Br defosa do meu dreito de ser triste 39 ‘Tenho certeza de manejar, hoje, muito melhor estas situagtes, nao porque hoje sou melhor terapeuta, mas porque arrumoi melhor minhas “crengas © neuras” a respeito das relagbes entre o cientifico ¢o sobrenatural Emilio Rodrigué conta num de seus livros, com honestidade comovente, 0 seu constrangimento em. interpretar as origens edipianas, das ambivaléneias de ‘um jovem paciente em utilizar 9 iate de seu poderoso pai para seus cruzeiros maritimos. Os nossos relacionamentos profissionais so de habitolongos e intimos. Poderd ser terrivel a dificuldade em manter-se sexualmente vivo na mente e sexualmente neutro no concreto Qualquer paviente “que se preze”, e que, digamos assim, assumiu o papel de paciente, fara tudo para “defender” suas “neuras”, A mais eficiente dessa’ “dofesas”, 6 a de nos tirar do papel profissional. Cada tum usard as armas quo tom © procuraré atingir tous pontos vulneraveis (nada disso é pensado; tudo no “piloto automatico”) 0 rieo e poderoso vai procurar Ihe subornar de mil Jeitos; o pobre e feio vai Ihe despertar pena; os(as) belos(as) © charmosos(as] vao Ihe pegar por af. S6 por dever de oficio vou repetir a regra dbvia: perca ola) paciente, mas nao ceda a tentacdo. ‘iio faga como Oscar Wilde que se orgulhava:“resisto a tudo; menos as tentacoes!” ‘Nunea ter tocado coneretamente numa paciente é tum dos motivos que tenho para sustentar a tAo diftcil de ser sustentada auto-estima profissional de um trabalhador psi (qualquer trabalhador psi "que se preza” sabe que tera mais fracassos do que éxitos) Chega de exemplos. Meus jovens preencherdo com sua inventividade os que faltarem para demonstrar a tese que somos mobilizados em tantas dreas subjetivas quanto for larga a subjetividade inerente ao campo de trabalho de cada um. ‘No campo psicoldgico, a subjetividade & a de todo 0 viver, ¢ portanto, seremos mobilizados “de calo A caspa” que vood deve arrumar seu subjetivismo: 0 metafisico eo sobrenatural, 0 politico, o econdmico (os difietlimos atendimentos de superrriqueza e da super-pobreza), 0s complieados atendimentos das minorias raciais,culturais, religiosas e patolégicas (0 meu jovem ja atendeu um aidético, duas vezes por semana, que temo impulso muito hhumano de lhe estender a mioou de Ihe dar um beijinho? eo que fez com as fantasias disparadas?). Sobra para 0 jovem o atendimento do “lixio hhumano”. Jovens, em inicio de profissao, principalmente quem trabalha em servigo publico ou em servigos particulares que vivem de convénios com o poder Publico, atende o que Manuel Bandeira também ‘conhecia e deserevia com impactante simplicidade: “infanto Ree. Neuropsig. da Inf « Adol. §(1/31-51, 1997 “Viontem um bicho Na imundicie do patio Catando comida entre os detritos. Quando achava alguma coisa, ‘Nao examinava nem cheirava: Engolia com Voracidade. O bicho néo era um ef, Nao era um gato, ‘Nao era um rato, O bicho, meu Deus, era um homem.” Lembro a meus jovens que voets nao sao, nem professores titilares, nem analistas didatas, dedistinta @ seleta clientela, Voets estao nas hersicas épocas de tender “de tudo", até unha eneravada. B, atender 0 béia-fria e o usineiro, o pedo ¢ o patrlo, com idéntica guia de uma Unimed qualquer da vida: um de caminhio, outro de earréo, mas ambos com a mesma guia de 10 - 12 reais (menos LR.) , a serem recebidos dentro de 30 a 60 dias, se nao forem glosados. ‘O meu jovem sera cutueado nao s6nos seus confitos cdipianos, mas sentiré também, eutucdes mais embaixo, fe poderd ser dificil o controle tanto das pernas por um, como de seus ddios pelo auto. Recomendo que meus reboldes arrumem seus pensamentas e seus sentimentas em relacio a tudo isso, ‘20 menos enquanto nao forem titulares nem didatas. Seno, meu jover, voeé fiearé louco da eabeca, de tanta dissociagto. Ou se tornaré um oportunist... lea-se: mau carater Linhas atrés fiz referéncia a uma certa coeréncia e a consisténcia que 6 dosejavel ir aleangando entre 08 ‘muitos itens de que se constitui a visao de homem e de mundo. £ a tarefa de néo deixar muitos pontos desgarrados. Paga a pena, com juros © corregio ‘monetéria, meditarmos um pouco mais sobre ist. ‘Olhemos tum pouco a0 nosso redor © obsorvemos nnossos “pais da patria’ ‘Reparem que no mar de oportunistas conseguiram prostituir Séo Francisco de Assis! hd uns poucos que, por mais que nds discordemos de suas idéias, nos impiem respeito e tém decisiva influéncia. ‘Vejamos 0 caso concreto do Senador Roberto Campos. Quer ele esteja opinando sobre uma questao cascira © ccasional (0 aumento de um imposta, pode ser um exemplo), quer sobre as questoes maiores (a nova “abertura dos portos”, duzentas anos apés a de D. Joao Vi pode ser outro) ou sobre as organizagies sociais do planeta (capitalismos e socialismos, por exemple), ou até o sobrenatural, notarso-a sempre a mesma sélida consistincia Ele opina sobre o pequeno dentro do grande. R.eada pequeno caberé sempre dentro do mesmo grande. Isto 6 consisténcia Acredito piamente que ele seria eapaz de morrer por suas idéias, Neste nivel de consisténcia, o individuo e suas idéias se tornaram a mesma coisa, enao faz sentido viver sem elas. ‘Ninguém jamais diria de Roberto Campos que é um oportunista, ‘Comparem com aqueles que puseram Sao Francisco nna zona fazendo troca-troca (nfo 6 “dando” que se recebe?) ¢ vejam a diferenca, apesar de pertencerem ‘grupos politicos assemelhados. Esse 6 mou ideal “geppiano”, e pelo qual Iuto na pprética (vocés sabom disso: so as principais “vitimas” ‘fou *beneficiarios”) ‘Muitos alunos me dizem que sou claro e limpido em minhas aulas ou em discussdes clinieas. Se voces cestivessem dentro de mim, veriam 0 quae pouce tenho do conhecimento psi em relagao ao que seria necesséirio ‘eonhecer. ‘Noentanto, sei que é verdade que sou claro. limpido nas diseussbes, a clareza nfio me vém do conhecimento psi; vem do ideal de consisténcia, Dentro do sistema que chamei de consisténcia, nao 6 dificil perceber que a questo menor da bioquimica psicoldgica, por exemplo, faz parte de uma ordem de idéias maior. Assim, ao decidirem-se sobre a questiio ‘menor, vocés esto tomando partido quanto as questies maiores sobre o destino do homem, quer se apercebsa disso, quer néo: como e porque o homem pode ser feliz ‘ou desgracado, ouférico ou molancélieo, ajustado ou ‘marginal, realistico ou delirante. ‘Tenho alguns dos meus mais queridos amigos entre s psiquiatras “organicistas”. Que também tem ideal de consisténcia. Nao sdo oportunistas; pagam o prego pelas suas idéias. Tenho o maior respeito por eles. Assim como tenho 0 maior desprezo pelos “psicanalistas vespertinos”. De manha, nos servicos iblicos, atendendo o “rude proletariado” sio organi Cistas, isto é, atendem 30 pacientes nas duas horas, se tanto, que cumprem, Receitam Haldol suficiente para impregnar o Borba Gato (para os nio iniciados nos, “desvarios da paulicéin”: imensa estdtua de corpo inteiro ‘eque 6 atribuida a este bandeirante nose sabe porque, ‘nom por quem. Sua atitude dura, rigida, olhos mortigos ‘e que treme com o passar dos caminhées, 86 pode ser devido & impregnagao, Somente nao baba.), Receitam Anafranil para enurese noturna, picada de marim: bondo, letra feia e até para depressio.O que nao couber dentro destes, ou apenas para quebrar a monotonia, sempre ha os 7.528 tipos de ansioliticos. Porém a tarde, nos encarpetados consultérios, 0s pacientes 840 todos psicoldgicos, com psicodindmica Fiquissima, desde que a conta bancéria também seja, E sobre os macios carpetes vamos encontra-lo solfcito, e honestamente preocupado com o seu atraso de dois minutos na sessao da filha do banqueiro ou do cenriquecido verdureiro. A veia psicanalitica surge as LORETO, O.D.- Bm defesa do meu direito de ser triste ‘Infanto- Ree. Neuropelg. da Inf. Adol. 51/3151, 1997 Al cinco da tarde, Enfim, aeabei deseobrindo porque se ‘chamam “happy hours” Minha “geragao Recebi uma“clinica” enxuta, orgulhosa, limpa, digna ¢ humanizada. Néo havia profissionais desesperados {que aceitavam aliviados se rebaixarem ainda mais do que estamos rebaixados. “Enfim, fez e continua fazendo parte da consistente ideologia do Sr Roberto Campos ¢ Cia. instituir tudo 0 aque esta a, ‘Estamos legando a gerago clinica seguinte, isto 6, a voots, uma clinica imensa, envergonhada, humilde, maquinada, pilulizada, e tdo prostituida que nés clinicos, antes ilibadas vestaes, acabamos sendo cafetinados néo s6 por colegas, como até por empre- sérios e banqueiros. Loio nos jornais que vem vindo por af os “falus, ‘grossfssimus” dos empresérios internacionais da doenga, ‘Que Ihes fardo sentir saudades do generoso Dr. Bradesco. “Anotem: 56 se salvardo as bem preparados teenica- mente ¢ os que, ao mesmo tempo, sejam eapazes de morrer por suas idéias. Ou entao, fagam como Manuel Bandeira: convidem a Anarina, “Vamos viver no Nordeste, Anarina, Deixarei aqui meus amigos, meus livros, minhas Triquezas (minha vergonha). Deixards aqui tua filha, tua avo, teu marido, teu amante. Aqui faz muito calor. ‘No Nordeste faz calor também. ‘Mas li tem brisa: Vamos viver de brisa, Anarina.” ica * tem um impagével débito A jovens rebeldes 56 posso recomendar que mantenham a determinagio de definir progres: sivamente sua visio de homem e de mundo. ‘O que implica em escolhas, penosas;ou néo escolhas, perplexidade, ambivaléncia, ecletismo. A cada escolha voces se tornarso insuportiveis dogmaticas, porém, economizarao uma perplexidade. E estarao menos vulnerdveis a cultura do Fantastico (0 que no 6 pouca economia). ‘Sendo definigdes pessoais ¢ em nivel quase filossfico, ninguém poder ensinar ou sugerir nada a ninguém. ‘So posto fazer o que estou fazendo: contar um pouco sobre minhas escolhas e minhas perplexidades de forma ‘a mais pessoal e mais informal que consign, Deixem-me contar, jovens, sobre um ponto em que vvivi as mais penosas perplexidades por anos e anos. ‘Acigncia psiquistrica oficial (na qual me criei,e onde passei minha inffncia profissional, e com a qual tive que, dolorosamente, romper, exatamente por questies como essa tristeza) tem posi¢ao ambigua e 6 joga mais ‘confusio na fogueira. Tem duas tristezas, Admite a existencia da tristeza ligada a vida (tem até nome e padrinho, depressdo reativa), ¢ postula a existéncia ‘Também da outra, a absurda (que também no é pag depressdo endégena), que pode aparecer sozinha ouem combinagao com eiclos de excitagao, constituindo a PM.D.. Os eritérios para a divisio sio clinicos: sinais, sintomas,época de inicio, tipo de evolugao, antecedentes pessoais ¢ familiares etc. Sdo, portanto, avaliagies subjetivas, pessoais de quem atende. Se 0 doutor se convencer que existe uma problemética no viver que Justifique a tristeza, 6 reativa; se Ihe parecer que a tristeza vem do nada, ou esta associada a ciclos ‘maniacos, 6 endégena. Sei como essas coisas sito feitas na pratica, porque fiz muito disso e vi muito disso ser feito em meu redor. F. nao estou falando de atendimentos diversos feitos nas imorais condigbes dos postos dos INPS. Estou s6 considerando os atendimentos em condighes aeadémicas, universitérias e outras condigoes favorsveis. Como a tristeza é apenas a tristeza, podendo variar somente na intensidade e no timbre” pessoal daquela, pessoa triste, nav é 0 sintoma principal que pode dar a diferenciagao entre endégeno ¢ reativo. Esta feita pelos fatores “acompanhantes”, principalmente os dados psicodindmicos, que ¢ quem pode atestar ou nao o carater reativo. ‘Voces sabem tanto quanto eu, como é trabalhosa, demorada e sofrida uma investigacio psicodinamica, Depende da eapacidade e da boa vontade do paciente em dar informagves, de nossa qualidade empatica, do tempo e da paciéneia, ete... ete Ora, seria espantoso que justamente pacientes deprimidos, estivessem tio interessados em si (e em nds) a ponto de nos propiciar acesso aos mais intimos recbnditos de sua mente. Freqiientemente, temos que ancar mao de informantes indiretos (mae, pai, irmaos) ‘quando isso 6 possivel. Envolvidos e compromissados até os olhos com a doenga ¢ com o doente, pritica ¢ ‘emocionalmente, carregados de culpas, édios, res- ‘sentimentos e despesas, nao é nada surpreendente que mostrem tanta boa vontade em nos convencer que aquela tristeza vem do nada ou é herdada do vovd Doménico. Convencimento do qual, vai depender ‘obtongio do alivio da internagao ou da medieagao. Nesse momento de grandes diividas dingnésticas, pressionado pelo tempo, pela familia e até pela necessidade de“mostrar servigo", perigo mora no EEG, nna tomografia computadorizada ou no vové Doménico. Eles vao desequilibrar a balanga das duvidas e das insegurancas. ‘Nao me espanta nada, que se diagnostique tanta dopressiio endégena. Bu ja fiz muitos desses diag- nésticos. O que ha de“cientifico”, nestes procedimentos? Pessoalmente, me sinto mais integrado e consistente em minbas conviegies numa tinica tristeza, ligada A LORETO, 0. Bim dafosa do meu divi de ser triste Infante Ree. Neuropeig. da Inf Adol. 51) 31 51, 1997 ‘vida mental, com variagSes quantitativas que podem alterar a qualidade, chegando até a melaneolia Se uso antidepressivos e antipsieéticas em meus pacientes? Légico que sim. Dentro daquele esquema compre- ensive que deserevi 16 atras. Portanto, com ages puramente sintométicas (o que ndo tem em mim nenhum sentido pejorative, de importfincia menor, ¢ sim, apenas um modo de agao e de utilizagao). Sei que nao sou o tinico trabalhador psi que diz a seus pacientes que estejam fora de uma fase muito aguda: “tudo bem com os comprimidos, mas lembre-se que a cada comprimido, voe8 estard se tornando um pouco mais desajustado, alienado e talvez, um pouco surdo .A tristeza é seu sofrimento, mas também é seu beneficio. B ela que The avisa que hé algo na sua vida real e mental que esti desarrumado, nfo entendido, ou pelo qual voce“passou batido”.Tirando apenas atristeza, que vai lhe avisar que sua vida esta desarrumada?V4 rever sua vida. Se ndo conseguir sozinho, peca ajuda algum "esperto” em ajudar a revé-la ‘ovens rebeldes, “emprestem-me vossos olhos” ainda ‘um pouco mais para eu relatar, através de experi¢ncias pessoais, mais um fator de distorgaoe de oticas diversas «, portanto, de divergencias na interpretacio subjetiva dos fatos, ‘Antes de me bandear definitiva e inexoravelmente para a infancia, trabalhei em psiquiatria geral de adultos, quase que somente na psiquiatria pesada, hospitalar, vivendo, portanto, cercado de psicoses por todos 0s lados. E mesmo depois de ter me bandeado, ainda defendia 0 “leitinho das eriangas” com plantées em hospicios ¢ ambulatérios, pois que psiquiatria infantil, naqueles heréieos tempos, nfo tinha o“charme” de hoje em dia (“O senhor pensa que meu filho é louco, doutor?", era a rea¢o habitual aos encaminhamentos). Jovem, idealista, bom earater, me interessava verdadeiramente pelos pacientes e caprichava nas historias ¢ nos exames psfquicos. Da hiperprosexia & diminuigdo do pragmatismo, nao deixava passar nada Passava pente fino nos antecedents mérbidos familiares, aos quais estava atontissimo. Chegava a ‘anotar a deficiéneia mental por anéxia perinatal de um primo e o alcoolismo do tio Nicola, como se tudo fosse evidéncia de alguma hereditariedade. Convulsdes, dosmaios e ausdneias mereciam cuidadosa investigacao, bem como a epilepsia psicomotora e também as formas larvadas e amioténicas, ‘No entanto, sobre os antecedentes pessoais, isto é,0 que tinha sido a vida daquele cidadao, a sua infancia nna qual ele estava formando a sua mente, minhas anamneses continham apenas telegraficas anotacdes; ‘refere enurese até os 9 anos”, “escolaridade deficiente”, ‘famflia religiosa’, ‘pai abandonow a familia quando 6 pacionte tinha 5 anos’ e numa elevada porcentagem, a ‘inica anotagio era a famosa‘N.D.N*, 0 Nada Dignode Nota. ‘Me vendiam (eo que é grave, eu comprava) que isto ira apenas me fazer compreender a “patoplastia’, ou seja, porque um paciente delira com o vermetho e 0 outro com o negro, a saber, uns sdo perseguidos pelos comunistas e outros pelos padres. Mas, a ‘patogenia mesmo", a verdadeira origem do delirio, e nfo da sua forma, éstava naquela outra investigagao. Durante todos esses anos tive a honesta impressao de que as tristezas e psicoses vinham do nada, portanto, da hereditariedade, das lesdes, ou eram simplesmente incompreensiveis, endégenas. Quando passei para a infancia, e, portanto, atendendo pacientes em que 0 passado ndo estava hd 15,20, 30 anos atrs, mas, o que ira ser @ passado, est correndo hoje debaixo dos meus olhos, © pude ver a quantidade de ansiedades permanenies, de medos desorganizadores, de ddios contidos, de mentes entristecidas, cindidas, perseguidas até pela sombra que se esconde atrés de queixas como enurese,fracatso escolar, ties, gagucira, dstirbios do sono, agressividade ete, ete nd passo deixar de melembrar de Erich Marie Remarque (Atengao jovens rebeldes: ligao de casa: ler Remarque,um escritor rebelde. Quem quer ser rebelde, ‘em que acumular munigio para morrer atirando.. No seu “Nada de Novo no Fronte Ocidental” cle escreve, na guerra de 1914-18, um momento na vida de soldados alemaes nas trincheiras, num dia em que niio ha grandes batalhas. ‘lama, ofrio,omedo permanente, a comida insossa e intragavel, as rivalidades entre subgrupos, a gozagao ‘humilhante Sobre os fraeos; a pequena esearamuga onde ‘morreram “apenas” quatro ou einco companheiros, 8 frieiras, 0 coragio vindo a boca frente a ruidos desconhecidos, a alogria infantil por uma inesperada refeigao extra, a morte do amigo ferido e a surda © mesquinha luta para ser 0 primeiro em conseguir roubar as preciosas botas do morto e intimeros outros aacontecimentos mais que tocantes No entanto, no dia seguinte, a radio de Berlim, no seu noticirio sobre a guerra, informa: “nada de novo no fronte oeidental” Hoje, quando vou as reunides elinicas de pacientes adultas psiestiens o tristese ougo os minueciosos exames, da hiperprosexia a diminuigao do pragmatismo, mas com investigagao sobre a vida do paciente e sobre sua infincia em termos de'refere enurese",‘délicit escolar” au com o Nada Digno de Nota, me ealo...apenas me lembro de Erich Marie Remaraue. Porcansago por verfiear a ubsoluta impossibilidade de entendimento, rit relutancia em diseutireliniea psi com quem ndo tein experiéneia vivida com a inféneia,e ‘com 08 de visto de homem ineompativel a minha EORETO,O.D.- Erm defeon do mew direito de ser triste Infanto - Ree. Newropsig. da Inf Ado. (11:31, 1997 Jovens, esquecam por um minuto a rebeldia € ‘tenham um pouice de paciéneia comigo: necessito detirar Neste momento (e avxiliado pela reconfortante Sonata n° 17 do mais genial dos Ludwigs; por que a chamam‘A tempestade”, quando est muito mais para “A brisa”?) estou delirando com a “era” em que cada jovem trabalhador psi tupiniquim, antes de receber ‘autorizacia legal para atender deontes, tenha que tender 20 eriangas. Diminuiriamos nossas divergencias a um décimo. Nada de casos especiais, s6 arroz com feijao. enureses, ties, ‘vai mal na escola, “come muito” ou, “come pouce”, sono agitado. Duas horas de entrevista com os pais para falar livremente (eu disse livremente!), ‘um pouco sobre a crianga e muito sobre 0 Corinthians sobre o Flamengo, sobre a sogra, sobre a igreja, 0 templo e o terreiro, sobre o Collor, 0 Lula e 0 FHC, sobre a"grana” muita ou pouea, sobre os eitimes ou 08 6dios, sobre os mitos, esperancas ¢ decepsdes, enfim, sobre tudo o que nos perinite compreender a mente das pessoas. Af vocés terio entendido que “psical6gico” da erianga aqueles pais necessitam para “combinar" com ‘tudo aquilo que eles contaram. Depois, duas horas eom a crianga e alguns “cacarecos”, para checar se seu entendimento “bate com a crianga’, e também para pereeber desvios na sua compreensao, O minimo possivel de "voz do além”. Proibidissimo usar Testes, RX, EEGs, ou qualquer coisa além de vocé mesmo. Em seguida, voeé fard 0 mais importante: ird passear nos “Jardins da Cidade Universitaria’, para comproender por voe@, s6 por voe®, o que viu e ouviu. © grande inimigo, 0 medo das “abobrinhas”, voet exoreisa lembrando que compreende romances, filmes eaté a novela das vito e portanto,néo tem pelo que nao entonder “este romance” que acaba de ouvir. or fim, peca ajuda a alguém em quem voeé confia, para obter algum conhecimento cientifico que voc® nfo tenha, para descobrir seus fanatismos e onde voce emburreceu, porque fez “pose” de psiedlogo e nao de escutador de romance. ‘Diminuiriamos nossas divergéncias a um milésimo. Como é reconfortante delirar, agora ainda melhor auxiliado pelo Rondé K 382 e do mais querido dos Wolfgangs (ha uma suave gravagtio CD de Murray Peraya com a Orquestra de Camara Inglesa, que ¢ especializada em encantar delirios). ‘Manuel Bandeira também achava: “No dia 5 de dezembro de 1791 Wolfgang Amadeus Mozart [entrow no eéu, como um artista de circe, fazendo Ipiruetas extraordindrias sobre um mirabolante [eavato branco Os anjinbos atonitos diziam: Que foi? Que nao foi? Melodias jamais ouvidas voavam nas linhas suplementares superiores da pauta. TORRTO, 0. D-Bim dfesa to rien drei de wer triste 43 Um momento se suspendew a contemplagéo inefével. AVirgem beijou-o na testa E desde entéo Wolfgang Amadeus Mozart foi o mais ‘mogo dos anjos.” [Fim do delirio) Prometi contar alguma coisa sobre minha visio de homem e de mundo. Comegarei pelo mais geral Pessoalmente,nao tenho hoje, qualquer crenga ow deserenga no sobrenatural. £ 0 meu incognoseivel Perplexidade “ampla, geral e irrestrita’, como a anistia ‘Nao sendo possivel aceitar ou rejeitar Deus pelo conhecimento racional e nao tendo sido eu tocado pelo Linico outro caminho possivel, a fé, nao me resta outra alternativa que a de seguir os passos de Lavoisier. Quando ele publicou seu Tratado de Quimica, os tedlogos the perguntaram porque nao havia Deus no seu livro. Ao que ele respondeu: “Nao foi necessério!” ‘Também nao me 6 necessério. Quem tiver fé, que seja reconfortado por ela, Eu nao tenho. Porém, nao aceito porta-vozes, donos a sua vontade, 1a me seduzir ou ameagar. Sé 0 meu superego me é necessdrio, Nao gosto particularmente, do deus que faz exerciio legal da medicina, Toco-lhe Guerra Junqueito nas fugas. Portanto, nao aceito, nao uso © néo recomendo terapias de Vidas passadas, radiestesias, iridoterapias e quejandos, Cientificamente nao sei nada sobre essas coisas. Ja confessei minha perplexidade frente ao sabrenatural. ‘Ho aceito apenas porque afrontam minha visio de homem. ‘Um tinico comentério, nao maneirado, gostaria de fazer, E insignificanteo ntimero de profissionais que foram ver pessoalmente essas praticas. Todo mundo ouviu falar que aliguém falou. Fui ver duas regressbes a vidas passadas, Do ponto de vista técnica (detxando de ladoo doutrinério) quero informar que sai das duas sessves muito ambivalente. Ambivalente entre jogar lona em cima de tudo aquilo e virar circo ou fechar com muro € virar hospicio. Teria gostado que minhas definigdes sobre Deus, almas, espititas, ete. tivessem sido mais serenas, mais “filosoficas” e precoces. Mas nao; foram atormentadas, reativas, e s6 se tornaram decisdes (e nao reagées) 38 perto dos 45 - 50 anos. Tive uma inffncia com caracterfsticas muito comuns ‘freatientes nas familias de imigrantesitalianos: numa das paredes da sala principal, o “retrato” da familia imperial, a0 centro o rei Vittorio Emanuele com seus temiveis bigodoes ena outra o Deus eatélico, azedo, mal- humorado, inimigo jurado do prazer. 5 autoridade “Infanto Rev. Neuropsig. da Inf © Adol.6()31-51, 1997 mistariosa longinqua ¢ ameacadora*pra mais ce metro”, sem contar meu pai que tinha uma autoridade serena, porém feroz. (como deve ser a autoridade dos pais). Alem da determinacao pessoal de nao parecer indefinido num ecletismo eémodo porém vazio, recebi ‘muita ajuda para sair da apenas reacao anti-religiosa. ‘Uma das grandes, foi a do bispo amigo do “Seu” Bepo. Gostaria que o conhecessem, mas se estiver vivo, andara por algum Araguaia ou algum Xingu. “Seu Bepo" era um italiano, 60-65 anos, forte © sacudido, que surgiu no meu consultério, trazido pela filha, funeiondria do hospital onde eu também trabaihava, Crise depressiva grave, jé com uma tentativa séria de suicidio, evoluiu muito melhor do que era possivel esperar ‘Com poucos comprimidos anti-depressivos e muita “hengdo” humana e psicolégica em cima dos com- primidos, saju da crise e, pouco a pouco, foi recuperando seu antiga humor, alegre e brinealhio. Nunea fora maniaco, Agradecido, nao houve jeito de demové-Io em coneretizar essa gratidiio numa macarronada (“da mama”) para as “duas pessoas mais importantes da minha vida”, um bispo, seu amigo desde a juventude, a cujas preces ele atribuia metade da sua cura, e eu, a quem cle, generosamente, concedia a outra metade La fui eu para os altos de Tucuruvi (para os ndo inieiados na “paulicéia desvairada”:bairro da periferia de Sao Paulo, bem tipico da classe média, como era 0 “Seu” Bepo) 0 bispo era a “mae” do bom eardter, culto, afével, ¢ exalava & distancia uma das caracteristicas mais, gostosas nas pessoas: nivel zero de frescura. © perigo morava em mim, Bem mais jovem, ‘um pouco” radical, desejava na mente (s6 na mente) “ver enforcado o tiltimo padre no intestino do ultimo capitalistay”. Abri excecao para o bispo,¢ iniciamos uma quente camaradagem, amplamente favorecida por um Chianti Rufino, da reserva particular de Zeus. Mas, o*Seu” Bepo estava “eurado demais”, com o diabo na mente. Ele se divertia a grande cutucando nossas profundas divergéncias religiosas. Um de nés exagerara na dose: ou 0 bispo com suas preces, ou cu com meus comprimidos abengoados. As vozes foram ficando cada vez mais peremptérias e 0 Chianti azedo na lingua, Desejavamos, mas nao sabsamos sair da perigosa situagae. Nao querendo, nem mentir sobre nossas conviegies, nem sermos grosseiros com o “Seu” Bepo mandando-o ealar a boca, fiedvamos sem sida, ‘Num momento, pisei fundo na armadilha, A uma provocacao direta do “Seu” Bepo, respondi que para mim. Deus era apenas 0 tinico mamffero gasoso conhecido. Até @ malho do macarrao, que era branco, LORETO, 0 D.- im defesa do meu dirito de ser iste avermelhou. Antes que me mordesse a orelha (ele tinha origens sicilianas), o desespero (sempre ele), veio om ‘meu socorro (mas antes, talver seja necessario informar aos nao “oriundi”, que na Sieflia, o desafio para uma uta até morte 6 feito, mordendo a orelha do desafeto) Propus do fundo do caragdo: “Bispo, vou fazer uma proposti: sempre que o senhor falar Deus, saiba que cu estou traduzindo na mina cabega para responsabilidad pessoal e social. E também o vice-versa” Ele saboreou por alguns segundos a proposta, primeiro na lingua, depois na cabega, e eoncordou, do fundo do coracao. Comemos a mais alegre, instrutiva e para mim, terapéutica, macarronada de nossas vidas. Ble tinha uma religiosidade progressista e gentil que contrastava com minha anti-religiosidade grosseira ereativa, Pudemos conversar longamente, mas agora, sobre questies de principio e sobre nossas divergéncias. Ble até concordou quando Ihe disse que se eu, algum dia, viesse a ser tocado pela fé (o que nao aconteceu), teria um Deus puramente abstrato, que nio curasse erisipelas, nao providenciasse partos normais, nem cadeira de roda para paraliticos, enfim, que nie fosse uum Deus de INPS (Guerra Junqueiro puro!) (Ligao de casa: ler e deelamar em voz alta“A vethice do Padre Eterno”, Voeés eonhecerao “6” rebelde.) E “comme il vino 6 generoso”, jé de noite, fomos embora, 0 padre catélico © 0 aveu materialista, literalmente nos equilibrando, apoiados um no outro Encontramo-nos algumas vezes antes de ser transferido para outras regides dos Brasis, sempre com a mesma camaradagem e como mesmo respeito miituo que foi o que, afinal, aprendi com ele. Sempre que tomo um Chianti Rufino cu me lembro que Deus ¢ 0 tnieo mamifero gasoso, e me vem uma, Saudade funda, muito funda mesmo, Sintetizando, deixei de ser religioso, e me tornei istic isto é, a religiosidade e outras formas mistieas, fio necessidades, so dimensdes do homem, Querem ver quanto sou mistico? Uma de minhas filhas, quando pequena, teve uma grave moléstia infecciosa. Internada a pressas no PS. do Hospital das. Clinicas, onde eu trabalhava, iniciou intensa medicagao endovenosa. A enfermeira, que me conhecia, ao sair do quarto recomendou incidentalmente: “cuida do soo’. Para minha mente desesperada, aquela foi uma prescrigao divina. Passei horas, contando, gota apés gota, certo de que alguma coisa ruim aconteveria se eu deixasse de contar alguma. Enquanto durou 0 desespero, estive muito incerto se 0 restabelecimento de minha filha se deveu mais 0s antibidticos ou a eu nao ter perdido nenhuma gota. Passado 0 desespero, recuperei meu realismo, e pude pereeber que contar gotas foi o modo que minha mente encontrou para me ajudar a controlar o desespero. “afanto Ree. Neuropsig. da Inf. e Aol. §(1/31-51, 1997 Até hé alguns anos atrés, nao conseguia entender muitas ambigtiidades em relacdo ao mistico. Porém, um dia, tudo ficou claro: sou exatamente ao contrario do que afirma o conhecido ditado espanbol. ‘Sou assim: “Yo creo en brujarfas, pero que no las ay, no las ay" Como o epis6dio de contar gotas confirma. Um pouco mais tardia, trabalhosa, mas uma das mais influentes decisoes, foi a de que a vida nao tem qualquer sentido que transcenda a ela mesma, 1D. Mariana, minha mae, que felizmente nao era dada 1 questoes de coeréncias ¢ consisténcias, ao mesmo tempo exortava os filhos a terem bom comportamento 1 fim de nos livrarmos das fogueiras do inferno, e a0 mesmo tempo, decretava: “aqui se faz, aqui se pagal” Entreas duas da inflincia, adulto, escolhi a segunda. Como véem, nao pactuo com nenhuma visdo de homem irresponsavel. Neste momento, enquanto escrevo a voeés, tomo consciéncia que bea parte de ‘minha existéncia foi uma Iuta permanente contra a visdo de homem e de mundo absurdo e irresponsavel quando jovem, contra 0 metafisico e sobrenatural; ¢ quando adulto, médico e psi, contra a visio cientifiea do homem absurd. Na época dos meus infcios profissionais, havia maior ‘economia de visdo cientifica do homem absurdo: apenas o lesional e o hereditério. Nao tive que me haver, nos infcios, eom as questdes bioquimicas, conhecimentos que geraram métodos terapéuticos, surgiram mais de ‘quinze anos apés meus inicios. Assim sendo, “os tristes de nao tor jeito”, tinham que ser, mesmo, elotrocutados, E, eletrocutei muitos, ‘A versao cientifiea do homem absurdo, entrou, portanto, na minha vida médica de trabalhador psi, pela hereditariedade: 0 homem é triste porque seu bisav6 foi triste Nao sei nada sobre a hereditariedade das caracteristicas psiquieas, menos ainda da hereditariedade das moléstias psiquieas Pensei que estivesse em boa e grande companhia nessa ignorfneia. Mas nao. Todos sabem sobre aheré¢a psiquica, menos eu. Principalmente o Globo Repérter e até alguma publicagao cientifica Contudo, a tarefa deles nao é muito dificil: nto existindo familia que nao tenha o seu “pancada”, aleoolista, convulsive ou “esquisitofrénico, fica facil encontrar a hereditariedade. Basta ja té-la pronta na cabeca, que ela aparece (esquizitofrénico 6 9 nome que inventei para denominar o esquisito psiquistrico. Estao vendo? Como Manuel Bandeira, ja estou inventando Neologismos). Quero que vocés saibam que nunea precisei da hereditariedade para compreender meus casos clinicos, Pergunto a meus jovens: alguma vez necessitamos dela para compreender a mente de nossas centenas de pacientes? LORETO, 0.D.- Erm dejeea do mew diraito dese triste Verdade ou nado que sempre que tivemos um bom estudo sobre a *hereditariedade psicossocial”, aparecendo sob a forma de mitos familiares, expec tativas nao explicitadas, verdades nia ditas, pudemos compreender os casos de forma muito mais rica. Esta *hereditariedade” era compreensivel, presente debaixo de nossos olhos, e entendia até no seu modo de ‘ago sobre a mente om formagao, ¢ nao sob a forma de misteriosas pré-disposigses? E se nao compreendiamos pela *hereditariedade psieossocial”, deixavamos de compreendé-los pelo “tiroteio” familiar, com a erianga, e sua mente em formagio, apanhada entre fogos e puxava para o ppatogenico papel de cumplico? E outros curiosos ¢ insuspeitados mecanismos patogénicos presentes na vida de eriancas ansiosas, deprimidas, psiesticas ou com gravissimas alteragbes na conduta social (pequenas feras humanas, de 6 ou 7 anos de idade), que custavam trés-quatro horas de entrovista além de outras tantas de exame de erianga, etomavam todas as quatro horas do“pensar juntos” da supervisio? ‘Com entrevistas eexames de 15 minutos, nao parece que as doengas psiquicas vem do nada? E nao dé uma vvontade danada de coneluir: “vem da epilepsia"! E se 0 paciente for psiedtico eo vovd Domenico também, nao da um irresistivel desejo de ostabelecer relagi de eausa e efeito entre esses dois fatos e assim aliviar a tensiio que o incompreensivel cria na mente’ Pergunto aos ex-supervisionandos! Quando eram jovens recém ¢ mal formados, inseguros e sem ‘conhecimentos suficientes para compreender os ‘complexos mecanismos que geram disturbios psiquicos, no parecia que eles vinham do nada e nao ‘encontravamos mais hereditariedade, lesbes e bioqut- ‘micas do que encontramos hoje, quando estamos muito mais armados de conhecimentas? Deixamos sim, de compreender 15-20 casos estranhissimos, quer na patologia, quer na patogenia, ‘que nao eram compreensiveis nem pela psicadindmiea, nem pela hereditariedade, nem por nada, e dissemos orguthosamente: “nao compreendemos". ‘Honestamente, nao consigo entender porque e para que eu herdaria a tristeza de men bisavd, ‘Meu bisav6 teve o seu momenta histérico, seu Q., seus amores ¢ conflitos com sou pai e sua mae, sua cultura apropriada a uma mindscula aldeia dos Abruzzi Ele teve as suas brigas com sua patota, da sua rua, De ‘tudo isso eu tive os meus, completamente diversos. De ‘que me serviria a tristeza dele? Ou os seus medos? ‘Necessito ter minha tristeza livre e solta desde 0 ‘nascimento, para que eu possa produzi-la, muita, pouea, ‘ou nada, conforme os azares ou sucessos da minha vida Imaginem um homem de vida tragiea, que herdow uma tristeza curta de seu bisavd, Teriamos o absurdo Infanto Ree, Neuropaig. da Taf.« Adal. 5121-51. 197 dos absurdos: 0 homem impedido de ser legitimamente triste pela hereditariedade?! ‘Se quiserem, podem também imaginar o contrério ‘esse: o homem feliz, obrigado a ser triste, pela absurda heranea psiquica”! Nao tenho nenhum argumento cientffico a favor ou contra a “hereditariedade ps{quica’, mas, como nao aceito essa visto de homem, jé me conformei em pagar © prego pela minha rebeldia: podem chamar o pelotao de fuzilamento! Nao gosto e, portanto, nfo uso o passe de magica de fazer o incompreensivel expliear 0 desconhecido, ou cexplicar © desconhecido com outro desconhecido, fingindo © enganando que 6 conhecido. Por isso, néo jogo minhas ignoréncias nem para Deus, nem para a hereditariedade, ‘Que, se vocés abservarem bem, 6 jogo feito por estas cexplicacdes “cientifieas” ou sobrenaturais. Rigorosamente, nao sei qual o significado funcional de “terreno”, locu's minor resistentiae, “endégeno”, “essencial", “constitucional” e tantos outros termos colocados no lugar do “nao sei”. ‘Ohomem absurdo seguinte que tive de digerir foi o lesional (se bem que, como a lesao raramente “comparece’, temos que nos contentar com a disfungao), Esta, a lesao, tem mil earas e sete mil vidas, 0 seu cortejo de apareihos cletrdnicos é de humilhar a NASA @ aterrorizar leigos e jovens profissionais (prinei- palmente os néo médicos). Se quiserem diminuir o ‘error é 56 lembrarem-se do que sempre discutimos nas supervisdes: nenhuma maquina maravilhosa da qualquer informacao funcional sobre a mente, Isto quer dizer que: se os rabiscos do E.E.G. forem agitados, s6 0 rabisco é agitado, nfo opaciente.O mesmo deve-se dizer se os rabiscos forem mansos. Genera: lizando: nenhuma informacao sobre a meméria, atengio, inteligéncia, afetividade, temperamento, caréter ou personalidade (normal ou patol6gica) pode serretirado de exames que medem estado anatémico ou a atividade biologica dos neurOnios, Para nés psis, entdo, para que servem? Para conhecermos a provavel ctiologia das alteragées, funcionais que reconhecemos no paciente através da investigagao elimica ‘Se nao houver interesse e utilidade naquele conhecimento, a feitura desses exames 36 pode ser danosa ao paciente: mobiliza seus medos e/ou reforga resistencias em rever sua vida, ‘Ainda assim, eamprimento © agradego A neuralogia por todos esses iltimos avangos. Afinal, nao estou tio longe da idade do Alzheimer. Mas, a transposigéo de achados neurolégicos para o campo psi (psiquidtrico, psicolégico, fonoaudiologico e pedagégico) se baseia num truque, num passe de mégica. O truque de fazer a tristeza (ou a ansiedade, ou a psicose), derivar “diretamente” da lesdo, sem passar pela organizacao LORETO, 0. D.- Em defesa do meu diveito de ser tiste da personalidade. E sem transformar “lesio", em seus equivalentes funciona ‘Temos “atendido” muitos lesionais nos nossos estudos de casos supervisionados. Apenas, nunca estudamos “o lesionado”. Bstudamos pacientes que aprosentam alguma deficiéneia intelectual, inabilidac motoras, liberacgo instintiva, dificuldades com os exigentes aprendizados escolares, agitagao psicomotora que atrapalha todos esses aprendizados e muitas outras decorréncias funeionais das lesdes ‘Compreendemos estas inabilidades e insuficiéneias funcionais como derivadas das lesbes, o que nos parece ser um raciocinio clinico correto. Compreendemos também, que, por todos esses, e muitos outros motivos, o viver deles é complicadissimo, e com 0 “self” sempre ameacado, Na ansia desesperada em defendé-lo muitos fabricam defesas manfacas e, quando estas sucumbem, caom, ciclicamente, om pesada depressio, ou em sindromes psicéticas, Enilo atondemos dezenas e dezenas de lesionais que “doram sorte”? Pertonciam a familias que conseguiam conviver com as perturbagSes funcionais que o paciente apresentava, sto é, nionegavam a deficiéncia, se fosse este 0 caso, nem & usavam como arma para suas necessidades agressivas, buscavam escolarizacao adequada as capacidades ete... ee... 0 que resultava? Apenas um cidadao de vida um pouco mais dificil, mas com suas defesas funcionantes ¢ portanta, nao um doente, E qualquer que fosse o conjunto de distiirbios funeionais nao dependia sempre da capacidade da rede social de conter e conviver com eles sem se desorganizar? Por tudo isso, e até prova em contrério, vou continuar compreendendo meus pacientes através desses rraciocinios, que apresentam como inconvoniente serem, apenas, muito mais complexos e trabalhosos, ¢ desprezar as compreensies do tipo, “a psicose vem da lestio ou da opilepsia", que tim a duvidosa vantagem de serom faceis ¢ lineares. Raciocinemos juntos, meus jovens. Tanto voeés quanto eu, que nao temos lesdes cerebrais (ow nao sabemos se temos, pois, nao menos de 30% dos normalissimos apresentam alguma alteragao no letro), ‘nem temos bisavd triste, todos nés, temos que nos haver com as vicissitudes da relacao com nossas maes, a rivalidade com os irmaos, 0 medo do pai, de Deus, do professor; temos que viver numa familia com amoras @ Sdios, com ou sem beneficios materiais ¢ influenciada pela economia e politica da nagio e assim, formar nossas caracterfsticas psfquicas. Eles nao. Os lesionais e os de bisav0 triste esto dispensados de tudo isso porque sua tristeza vom direto da lesio ou do gen. Neles, tudo vem direto da lesio ou do gen; temperamento, carter personalidade, e ainda de quebra, a loucura, Infanto Rev. Neuropsig. da Inf Adol. 5(0:3151, 1997 ‘Tenho que aprender a conceber uma‘lesdo com vida prépria", ou como brineamos em nossas supervisdes, ‘uma‘“lesio ambulante” ou um “gen com pernas” Quando se foge ao pensamento linearizante, que se obtém isolando os fatores e considerando as suas agies, separadamente, artificio que permite explicar qualquer coisa a partir de qualquer coisa, as coisas ficam bem diferentes, até contrarias ao pensamento linear. ‘Vejam estes dois easos beneficiarios de lesdes: Um garoto lesionado, sem déficit intelectual, mas hipercinético do tipo*sem parada”(estudei-o bem: cera ansiedade, era hipercinesia originaria nao sei de ‘onde, mas provavelmente, dos desarranjos no equilibrio das fungdes neurolégicas produzidas pelas lesdes), era o unico dos irmaos (4) a escapar da psicose e da psicopatia, nas maos de uma mae indescritivelmente perseguidora e castradora e de um pai licido, porém, submisso e também castrado, que nao tinha “peito” para se opor a ela. Tinha porque escapar da castragio: vivia nos telhados, nas arvores eem outros lugares onde a longa e inexoravel tesoura materna nao conseguia alcangar. De resto, tinha os prejuizos da hiperatividade; incapaz de fixar atengao, estava ficando um pouco “deficiente" do que dependia de aprendizado formal; mas tinha uma inteligéncia pratica melhor que @ minha. Na personalidade, nfo tinha graves defeitos Foi trazido em busca de nova medicagto, dado que com as que haviam Ihe receitado (ele dera sorte) tivera efeito paradoxal. Bra coisa digna de ser vista, 0 inconformade desespero da mée, que alguém pudesso ter um falo na cabeca, além dela ‘Tentei alguma coisa no tinico ponto mais sadio daquele ponto familiar, mas nao resultou em nada: 0 pai morria de medo da mulher. ‘Tive que ouvir todos os desaforos por ter me nogado a medicagao, nao pagaram a uiltima consulta e foram embora com as minhas rezas para que as novas medicagées, que sem divida conseguiriam, conti- nuassem dando os salvadores efeitos paradoxais. (outro caso tem o inconveniente de ser extremado, caracteristicas exageradas, menos“arroz e feijio”, ma ilustra muito bem a tese de quea influéncia do conjunto dos fatores pode modificar ¢ até inverter © sentido funcional de qualquer fator isolado. ‘Uma senhora de meia idade, solteira, “bom sobre- nome", posses financeiras mais que razoavi inteligente e insinuante, psicdtica perversa, dedicav se a uma peculiar filantropia: adotar criangas abandonadas e fazer com elas todas as maldades que o seu extenso catecismo the inspirava. Maldades psicolégicas, porque o seu passadio e demais condicies materiais eram de primeira, o que resultava numa dupla perversidade: nem direito a um “honesto édio” as eriangas tinham, de tao agradecidas. LORETO, O. D.- Erm defeea do meu dirilo de ver tiate A7 ‘Uma das criangas tinha uma depressio de fazer chorar um frade de pedra. Outra, todas as doenca psicossométicas contidas no indice do tratado de Pierre Marty, ¢ se defendia do refiigio de “a doente’. ‘A terceira (eram todas meninas), deficiente mental de média intensidade, pairava algo ineslume, alegre e até um pouco ajustada, Mau investimento para aplicacao de maldade (transformava-as em bobices), merecia da “mae” apenas superior desprezo, do qual ela se defendia com suas salvadoras defesas oligofrénicas, ou seia, coneretizando: “6 porque eu quebro muito prato”. Estudei dois casos dessas bondosas senhoras adotadoras. Esse, possoalmente; outro, por supervise, Ambas psicéticas perversas: neste caso, mais perversa, ‘no outro mais psicdtica, ‘Mas, jf que estou falando nisso, aproveito a mao na ‘massa, para contar sobre o que poderia ser chamado de “ironia das ironias” De fato,nunca atendi uma lesao cerebral com perna, ‘mas atendi centenas de criangas que eram assim vistas pela familia assim foram criadas. Familias nas quais uma convulsto, ou apenas uma disritmia, ou um erro genético, faz disparar todos os dios encobertos, todas as acusagées e ressentimentos. A crianga perde a identidade humana e passa ser “a convulsdo",“a disritmia",“o sopro". Nao podem chupar nenhum sorvete porque “cuidado com a convulsao”, ow podem chupar todos os sorvetes porque “coitado do convulsio”. E, assim, ficam tristes. Ou agressivos. Ou delirantes. ‘Um dia, fatalmente, sero levados a um consultério psi, ultimo refigio. F, ironia das ironias, serao vistos e tratados como “o convulsio”. E fechado o circuito da iracionalidade. ‘Sempre que insisto em compreender os casos elinicos apenas em fungdo da realidade conereta que toca a cada um, articulada com as quase inacreditaveis capacidades da mente em criar ‘sua realidade” enfim, a partir do que chamei em outro escrito de, a historia e a estéria, me perguntam: ‘entio voc ndo acredita em hered tariedade, em psiquismo fetal e em temperamento?” Quero deixar sonelemente registrado que: nao sou obtuso 0 suficiente para nao “ver” e crer na here- ditariedade, inclusive na hereditariedade para o psiquico, Tégico que ela existe. Sendo, de onde viriam as forgas originais, os fatores primeiros, os “nao criados", que impulsionam o desenvolvimento? Do nada? Do Divino Espirito Santo? © que eu digo é que eu nao sei como age a hereditariedade do psfquico. O que se herda e como se herda? Existem gens “psis” dominantes e recessivos? Como se faz a hereditariedade para fungoes abstratas e subjetivas? Naosei ler alinguagem da hereditariedade, eno conhego quem saiba. Infanto Rev. Neuropsig. da Inf. @ Adal. §(0:31-51, 1897 Os nossos primos sensatos da clinica somatic, que trabatham com fendmenos bom mais concretos mensuriveis, vao devagar com o andor da horedi- tariedade, Sobre distarbios unificados que "agem por 5, catsando im tnico erro, como o da hemofitia por xemplo, © que permitem conhecimento mais claro, fazem efirmagoesfirmes e nao ambiguas e reticentes Sobre distrbios complexos, como por exemplo 0 diabetes, as alergias os canceres respondem de referencia “nao sabemos” ‘Quantos litros de leo de peroba devem usar todas asmanhas aqueles que opinam sobre ahereditariedade psi? quantas gales os que afirmam ahereditariedade das doeneas psiquieas? "Tamim quero registrar solenemente que no sou uma ervilha, que sé pode variar quanto a cor, a0 tamanho e 8 rugosidade, como nos informava o genial bade. Sou um ser ultra complexo, com zithoes de fatores que se interinfluenciam modificando-senos seus efeitos pela influéncia do eonjunto, toraando impre- visivel qual serd 0 efeito futuro de qualquer fator hhoreditario isolade, “Ta que estax falando no abade Mendel, me ocorre seguinte fantasia: imaginar 0 abade “metido a besta" ‘comoos pis, equerondoestudar qualidades abstratas e subjetivas” das ervithas, muito semelhantes as Gqualidades abstrotas do peiquismo humano, como 0 chime, a bondade, a invea, ete. ete ‘Além das modestas varisveis concretas, eriamos: Grandes, Verdes, Lisas eGostosas” Hoje teriamos os geneticistas, como 08 psis, se eshofeteando, se desprezando e perdendo tempo em discutirse esta ervilha é geneticamente muito gostosa ‘9156 um pouco gostosa E sem possusrem “gostosimetro"! Goneticistas foram salvos pola realstiea humildade ddeum abade. Quem nos salva??? Queria também lembrar-hes que continuam vélidas na minha eabega as demonstragdes praticas que ‘ntumo fazer nos supervisoes ‘As emogies e os afetos “nao tém vida propria na mente” mas a contri, sao quslidades acompanhantes de um conkecimento", Nao podem existirsozinhas. Lembram-se das nossas sérias-brinedeiras? ="Quando eu contar 3 todos ficardo com inveja! - Um, dois, tres. “Eninguém conseguia iar com invej, Repetiamos corn o amor, 0 dio, a alegria, a tristeza e tantos outros até Alguém dizer - Mas inveja "de quem?" “Odio de qué ‘Alegre com “o qua B assim, ficava claro quo emoxis 56 existem ese criam na mente apartr de um eonhesimento Correo os enganoso,relistien ou deiranta, nfo import, mas sempre acompanhando um conhecimento Como faria a hereditariedade para saber que conhecimentos cada individuo iré ter na vida? LORETO, O. D.- Em defesa do meu direito dese riste Conelusiio: nao hé, nem pode haver variagses individuais para a hereditariedade das emocies, da alegria eda tristeza, $6 se herda a capacidade geral de vir a desenvolver emogies, Vocés me perguntam também 0 que penso sobre 0 ppsiquismo fetal, Muitas mulheres também me perguntam, Mulheres a quem nunea ocorreu recitar poesias ou declamar o mondlogo de Hamlet para suas volumosas barrigas, ou aquelas que se sentiriam idiotas em fazer isso, e que, agora, perseguidas e culpadas, vim me perguntar sobre os males que produziram em seus fetos. ‘Nao vejo com bons olhos o atual surto de psiquismo fetal. ‘Nao, ndo; estou fazendo 0 que prometi nao fazer: Na verdade, acho uma loucura, ou marketing puro. Pensando melhor, nao tem a dignidade da loucura, # apenas tolo e pobre. Com excegdo de algumas coisas “psicanaliticas” muito loucas, que me fazem lembrar aquele trecho de Passérgada, do velho Bandeira Vou-me embora para Passéreada Aqui eu ndo sou feliz: La vai a existéncia é uma aventura De tal modo inconsegitente Que Joana a louea de Espanha Rainhae falsa demente Vom a ser contraparente Da nora que nunce tive. De resto é bobice (mas nao esquegam de conceder igual probabilidade da bobice ser minha ¢ eu estar apenas projetando-a sobre bons conhecimentos) Me apresentam o psiquismo fetal como grande descoberta. Ora, nao existindo nenhum“disparador’ da vida mental no ato mecénico de nascer, ¢ ébvio que ela existia previamente, ‘Agora, com o ultrassom, me exibem fetos tranquilos, ‘com dedos na boca, agitados, até malabaristas Porém, eu ndo sei como os fetos registram mentalmente suas experiéncias. B, portanto, nao adianta nada de me mostrarem ultra-sons de fetos chupadores de dedo ou de fetos malabaristas. nao sei o que isso significa em suas mentes. Quando 0 feto ests fazendo malabarismos em torno do cordio umbilical, isto signifiea que esta alegre ou que esta infeliz? Ou como dizia o velho Bandeira, ele esta “desinfeliz"? De modo que, ou digo "nao sei o que isso significa na mente do feto” ou entao atribuo ao feto qualquer significado que eu quiser, ou que a minha evoluida ¢ complicada cabeca de adulto projetar. E como o coitado do fetonao esta al para protestar, a tolice que tem nome feio, nterpretagio adultomérfica) passa batida, E assim se poderdo construir teorias ¢ teorias com esse rigor cientifico, que terdo também nome mais feio ainda, Chamam-se pseudologias fantasticas. Sao muito Infanto - Ree. Neuropsig. da Inf. Adol. 5(1/31-51, 1997 ‘encontradas em parafrénicos, na forma paranéide de ‘esquizofrenia e em algumas outras pessoas. “Também me apresentam como prova da importancia do psiquismo fetal, um “ébvio ululante” do Nelson Rodrigues. Existem recém-nascidos ealmos e tranguilos ‘erecém-naseidas agitados e vorazes, Nao sendo a mente dos recém-nascidos feita de isopor, alguma caracte- ristica inicial tera que ter, ora Mas, af aparece o truque: sempre 0 mesmo “manjado”, e paupérrimo truque: isolar esse fator faz0- lo ter agio a distancia, E fazendo isso, posso dizer que ‘a08 5 meses o bebe é“desinfeliz", aos 5 anos a erianga é neurotizada ou aos 50 anos o aduilto é psicétieo, ‘porque nasceu’ inquieto e voraz. Quero me comprometer com meus jovens: nunea vi isso na minha clinica, depois que meus controles de qualidade do pensar corrigiram esses erros do pensar. Todos, repito, todos 0s casos que estudei, todos os filhos de amigos que acompanhei, seguiram’o padrio da amostra que tive em casa. Um dos meu filhos veio ao mundo “com o tanque vazio" como diziamos na época. Inquieto, atormentado, urgente e voraz, mamou ao seio e na mamadeira de duas em duas horas, dia e noite, com precisao de cronémetro suigo, durante quatro meses, E por certo, nos intervalos, ainda alucinava o seio, Quase levou a mie A caquexia (e o pai & faléncia). Aos quatro meses “encheu 0 tanque”, que continua cheio até hoje, aos quarenta anos, ‘Como todo mundo, encontro bebes urgentes, vorazes, exigentes, numa palavra reativos,¢ outros tranquilos, Pacificos e pouco reativos. Mas quero deixar absolutamente clara minha conviceao retirada da prética clinica que esta 6 apenas uma disposigio inicial ‘que vai entrar em relagiio com as disposicées cuidadoras de toda rode familiar do beb@e chega ale, bebs, através da grande habitual efetora final: a mae. © bebe voraz ¢ reativo apenas submete familiar ¢ a propria figura materna a m: exigéncias © maiores tensies durante esse periodo inieial e mais nada. Se a figura materna (e a rede vineular) tem recursos para corresponder, tudo se equilibra, e nao deixa nenhuma “marea psfquica”. A “marea psiquica” podera vir da insuficiéncia de ceapacidades da rede social em corresponder aquele nivel de exigéncia, Para terminar, quero me compromissar com um nivel mais geral: qualquer que seja a earacteristica psiquiea presente no recém-nascido, quer ela derive da horeditariedade, das lesbes, do espermatoz6ide invejoso, da bioquimica ou da eonjungao dos astros, ela nao vai determinar em si, nada, rigorosamente nada. Ela apenas vai entrar como uma entre milhies, bilhées ou zilhées de outras caracteristicas, que formarao um infernal conjunto que sera a resultante efetiva, Cada fator abdiea de boa parte da sua influéncia om si para ganhar a influéncia que Ihe couber no conjunto, que é muito diversa da influéncia que exereeria por si (Querem ler um livro, de leitura pesada, mas ilustrativo sobre esses temas? Janos, de Arthur Kéestler.) ‘Também para sustentarmos o surto de “psiquismo fetal’ temos que, convenientemente “nos esquecer” de muitos conhecimentos, este sim, cientificos, muito além do“eu acho”. 1". Anatureza providenciou euidadosamente que nao haja ligagdo neuronal entre mie e feto. E, sem liga¢ao neuronal nao poderé haver influéncia mental direta. Para que serviria isso, se nfo para proteger a simples ¢ vulnerdvel mente fetal da influéncia da adulta e, portanto, complicada mente da mae? “Esquecemos” também dos poderosos e eficientes mecanismos defensivos que encontramos ainda presentes no recém-nascido e nas primeiras semanas de vida e portanto, presentes no fet. E também “esquecemos” que, se os fetos, que tam 0 mais delicado equilibrio entre aspectos de ultra- vulnerabilidade, compensados por meeanismos de hiper-protecao; se o feto e sua mente, fossem vulneraveis a milionésima parte do que lhe ¢ atribuido eque desorganizaria este equilibrio, a espécie humana jé teria acabado. Por inviabilidade fetal. Disse, logo acima, que 6 sabido acima de qualquer davida, nao existir ligagao entre a mente da mae e a mente do feto. As influéncias sao indiretas, somaticas Logieo que se a mae tem uma poderosa fantasia rejeitadora sobre o eto, isto podera provocar descarga de adrenalina (ou quaisquer substancias que possa ser disparada pela atividade mental da mae). Isto Provocara reagées somatiens, digamos contragio uterina, alteragzo na taxa de glicose e muitos etecétoras, que sero reeebidos pela mente do feto, Nao sabemos como ele registra estes estimulos, mas podemos deduzir por raciocinio logico que ele registra deforma assemelhada, ou um pouco mais rudimentar, do que o recém-nascido: de forma bipolar, prazer - desprazer; no caso desprazer. Como nao encontrei até hoje ninguém suficientemente malueo ou tolo que defenda a idéia de que o feto tem capacidades discriminativas (“este desprazer que estou sentindo vem da fantasia rejeitadora de minha mae”), este desprazer é sentido pelo feto como igualzinho ao desprazer oriundo de qualquer estimulo que provoque descarga de adrenalina (ou 0 que seja) na corrente sanguinea da mae, como por exemplo, um buzinago na traseiro, ao tentar atravessar a Rubem Berta. Ou a0 serassaltada por um*trombadinha” (os“estrangeiros" me desculpem a indelicadeza das constantes citagdes a “dosvairadissima paulicéia”. Acontece que estou tio LORETO, 0. D.- Rin defeca do meu dirio de ser triste Infanto - Ree. Neuropsig. da Inf. e Adol. (1/3151, 1997 50 zangado com Minha terra, quanto Manuel Bandeira com a sua.) Sat menino da minha terra, asset trinta anes longe dela. ‘De vez em quando me diziam: ‘Sua terra esté completamente mudada, ‘Tom avenidas, arranha-céus. E hoje uma bonita cidade! Meu coragdo ficava pequenino. Revi afinal o meu Recife. Esté de fato completamente mudado. ‘Tem avenidas, arranha-céus E hoje uma bonita cidade. Diabo leve quem pos bonita a minha terra! Onde esta bebé sentindo-se rejeitadona vida intra- uterina? S86 na cabeca da mae (e na cabega de psicélogo margueteiro) No feto poder estar, no maximo, inespecifica sensarao de desprazer aumentada, idéntica as que existem nas maes que amam seus fetos, mas que insistem em atravessar a Rubem Berta com freqiiéncia, Ou por qualquer outra causa alheia ao feto (apreensao continua por doenca grave de sua prépria mie ou do marido, servem de bons exemplos). Vamos parar de atormentar as ja sobrecarregadas maes, com zossas bobagens? Ligtio para casa: ler do nosso patrono Leo Kanner, delicioso, "En defesa de las madres. Como eriar hijos apesar de los mas “fervientes” psicdlogos!” ‘As especulagies desvairadas sobre o psiquismo fetal me fazem lembrar a conhecida piada sobre as ‘espaconaves do futuro, que s6 terdo a bordo um homem eum cachorro grande, 0 homem para alimentar 0 cachoro, eo eachorro para morder a mao do homem se ‘quiser mexer nos computadores. Sabia 0 que fazia a natureza quando colocou na singela mente do feto o grande cachorro das poderosas dofesas, contra as ricas produgies das complicadas ‘cabegas dos adultos, como as préprias pseudologia sobre © psiquismo fetal Ha algum tempo li um artigo sobre um curioso experiment com fetos: sua reagio a estimulos musicais, No ultrassom, observavani-se as reagies as musicas de variados compositores. De inicio me desagradou: os fetos nao sio surdos, Mas depois acoisa ficou curiosa: Bach, Beethoven, Mozart, Albinone, Wagner, provocaram reagies motoras diversas nos fetos. A coisa estava agradavel e curiosa até que veio fa insinuagao adultomérfica: os fetos “gostam” ou “sentem paz” (néio me lembro das palavras, mas 0 sentido era esse) com Mozart e Bach e gostam menos de Wagner, LORETO, 0. D.-Em defesa do meu dieita de ser triste Isto 6 oque eu sinto quando ouco esses compositores; talvez também os autores do experimento. Mas o que sentem os fetos? ‘Vamos responder em coro, meus jovens: nao sabemos! Na mesma ordem de idéias também nao aprecio a atribuigao a vagos “fatores constitucionais’, variagies individuais nos impulsos de vida e de destruigao feitos polo Dr, Freud, Idem para a capacidade de amar e de odiar afirmada pela Sra. Melanie Klein Teria preferido que tivessem dito: nao sabemos. Bem no fundo, penso que toda essa coisa de hereditariedade e psiquismo fetal sao versoes “chics” ¢ pedantes do mesmo horroroso pensamento lombrosiano com euas idéias sobre eriminosos natos. ‘Tudo o que li sobre psiquismo fetal é baseado no mesmo truque, a interpretacao adultomérfica, & produziram 0 mesmo resultado, pseudologias fantisticas. Oeestudo do psiquismo fetal, meritério em si, s6 pode ter sentido de pesquisa universitaria. Jamais ter uso pratico, muito menos influenciar o pensamento clinico. Estou chegando ao fim de tudo: assunto, tempo, aciéncia, ete. Como vocés viram, nfo so mesmo questies de biologia nem de psicologia. O que contém este artigo de real conhecimento é minimo, No entanto, creio que ele é bom e itil para jovens. Acreditem, queime! muitos neurOnios para escrevé-lo. 8 util, creio, porque contém algumas das autocritieas sobre meus erros do pensar, que fui fazendo ao correr da vida clinica Fico to impressionado quanto vocts com 0 fato de pessoas tdo inteligentes como somos na vida comum, cometermos tantos enganos, distorgOes © mesmo erros naatividade profissional que envolve 0 noseo psicolégieo. Porém, num maravilhoso dia, me fieou claro que “emburreco” por forga do pesado jogo emocional que acompanha minha atividade. Ainda hoje,me surpreendo, ‘0s 60 anos*toreendo” por meu paciente com emotividade to infantil quanto a que me desperta um faroeste americano, “torcendo” pelos indios (as vezes, até para a cavalaria). Quando verifiquei que este emburrecimento 6 ta0 largo quanto ¢ largo o subjetivismo da minha atividade, e portanto, é inexoravel, natural einerente & profissfo, resolvi dividir meu tempo entre o estudo e, portanto, para oaumento de conhecimentoe a medicacio sobre o destino que minha mente dé.a esse conhecimento. Boa parte de meus neurdnios eu os queimei me perguntando sobre 0 destino pratico que dou a meu desconhecimento. Porém, tenho orgulho de raciocinios logicos que consigo formular, como aquele sobre a hereditariedade dos abstratos acompanhantes afetivos da mente. Para brincar um pouco com os niimeros: distribuo 0 ‘meu tempo e meus neurdnios para estudar e meditar Infanto- Rev. Neuropsig, da Inf.e Adol. 8131-51, 1997 para o biolégico 4 para o social; 4 para opsicolgico €% para o opistemol6gico, Nao quero terminar sem tomarmos dois eom- promissos, um meu, outro de vocés. Primeiro, 0 primeiro: se alguma vez fiear demonstrado acima de qualquer duvida razodvel, que o homem & absurdo, inconseqtiente e irresponsavel, produto, portanto, da bioquimica, da hereditariedade, da influéncia dos astros, das vidas passadas, de lesbes, da vida intra- uterina ou de qualquer forge, meeanismo ou fator que rao seja sua Vida real e sua vida mental, tomo, solenemente, 0 compromisso de me suicidar. Nao pertenceria a tal raga (na verdade, sub-raga). , para acrescentar alguma pompa e circunstancia, copiarei {general romano que, humilhade e injusticado, proibiu que seus restos mortais fossem sepultados em territorio romano. E batizou para sempre a famosa frase:"Ingrata patria; nio teras meus oss0s!” Copiarei e modernizarei: meu suieido, ponho os restos num foguete, mando pra Alfa-Contauro orgulhosamente,crismarei a parédia:“Absurda espécie: no ters minha cértex!”. Como ja verdo, nao tenho a determinagéo limpa ¢ silenciosa do suicida do Manuel Bandeira Assim eu quereria 0 meu tiltimo poema Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e ‘menos intencionais, Que fosse ardente como um soluso sem lagrimas Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais limpidos . A paixdo dos suicidas que se matam sem éxplicagao. Agora o segundo compromisso: Vocés procurardo profissionais de conviegbes contrarias as minhas e pediréo a cles o mesmo que ediram a mim: que contem seu pensamento “como Para uma erianga de quatro anos” e para jovens rebeldes. Portanto, sem rodeios, sem firulas, som habilidades semanticas sem “embaixadas"., A pequena e pura verdade de cada um. ‘Voeés juntarao todos os testemunhos e terao um livro nao erudito, mas 0 mais verdadeiro e util Tratado Psiquiatrico-Psicolégico j4 escrito, ‘Cheguei ao fim deste artigo que me fez remexor ‘meus pordes, 'N&o escrevi uma frase em que no acreditasse do fundo do coragio, Cheguei a censurar Sigmund Freud, 0 homem que ‘mais admiro ¢ a quem sou grato: nio fosse ole, ainda estaria fazendo psiquiatria descritiva. Porém, quero terminar como as eriangas de quatro ‘anos: brincando. Como falei em parddia, lembrei-me de 1964, e de uma brincadeira que fiz, quando internado nos 51 Sanatorinhos de Campos do Jordao, parodiando um poema de Manuel Bandeira, também ex-tuberculoso, Vem a calhar, Ex-tubereuloso é expresso que, decididamente, afronta a ‘veia artistica” que doentes tom muito desenvolvida. E decididamente cacofdnica, soa mal nas orelhas, L4 em Campos, entre os doentes, nfo nos chamavamos assim, mas pelo sonorissimo: “xué” (feminino “xus"). E também nao tinha esse negécio de ex. Uma ver “xué”, sempre“xué”, era a palavra de ordem. Entso, primeiro © poema do “xué", posta, Pneumotérax Febre, hemoptise, dispnéia e suores noturnos. Avvida inteira que podia ter sido 0 que nao foix Tosse, toss, tosse Mandou chamar 0 médico: Diga trinta-e trés. Trinta etrés... trinta.etrés...trinta e trés Respire = O senhor tem uma escavagdo no pulmao esquerdo 0 pulméo direito infiltrado, Entao, doutor, ndo é posstvel tentar opneumotérax? ‘Néo.'A unica coisa a fazer é tocar um tango argentino, Agora a brineadeira do “xué" psiquiatra: Psicopneumotorax Angiistia, deltrio, ansiedade e terrores noturnos. Tudo que podia ndo ter acontecido, mas aconteceu. ‘Medo, medo, medo. Procurrou 0 analista: = Com quantos anos 0 senhor ficou impotente? “Trinta e trée...trinta e trée...trinta ¢ trés, = Associe. O senhor tem desejos de possuir sua mae e medo do complexo de castragao. Entao, doutor, ndo é possivel tentar a psicandilise? <.Nao. A tinica coisa a fazer é entrar no Exéreito de Salvagéo, Missao cumprida (e comprida) ! SUMMARY ‘Tne autor develops retectons about aflocive states concepts and saws a parallel betwoon “psychological and “organic” visions He shows these concepts evolution during his own maturity proces. KEY WORDS ‘Superson. LORETO, 0.0. Br defesa do meu direito de sr triste “Infanto- Ree. Neuropeig, da Inf e Adal. 3013151, 1997

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