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Fábio Cadorin
RESUMO: Este artigo apresenta um fragmento da tese em construção pelo doutorando em Ciências da
Linguagem Fábio Bitencourt Cadorin. Tem como objetivo analisar se a ampliação da interatividade
proporcionada pela TV digital pode potencializar a adoção de alguns valores-notícia no processo de seleção do
conteúdo dos telejornais. Para o embasamento em teoria do jornalismo recorre-se, principalmente, aos estudos
de Nelson Traquina (2007). A fundamentação teórica sobre TV digital leva em conta, sobretudo, os estudos de
Fernando Antonio Crocomo. A análise sugere que determinados valores-notícia, como tempo, visualidade e
proximidade, tendem a influir de modo crescente na escolha das notícias que vão ao ar nos telejornais, a partir
da comunicação bidirecional estabelecida pela interatividade da TV digital.
Introdução
A televisão faz parte da vida da maioria dos brasileiros. Está presente em 97,2%
dos domicílios do país, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, a PNAD
2012 (IBGE, 2014). Tamanho alcance não ocorre por acaso. Conforme justifica Ferraz (2009,
p. 15), a televisão “tornou-se mais atraente do que o cinema, pois esse praticamente só oferece
entretenimento, mais do que o jornal, que praticamente só oferece notícias, e mais do que o
rádio, pois a TV agrega imagem ao áudio, o que permite que seu conteúdo audiovisual seja
mais compreensivo”.
A TV está em transformação no Brasil. A migração do sistema analógico para o
digital tende a provocar mudanças que vão afetar não só o modo de produção e exibição dos
conteúdos como também terão efeitos sociais e econômicos. Consequências que nem mesmo
o Governo Federal têm claras. Citação da Exposição de Motivos anexa ao decreto
presidencial que trata da implantação da TV digital afirma que ela é “uma nova plataforma de
comunicação, cujos impactos na sociedade ainda estão se delineando” (FERRAZ, 2009, p.15).
Este trabalho foca em mudanças possíveis no modo de produção televisiva, de
modo particular, em relação aos telejornais. Analisa se a ampliação da interatividade
proporcionada pela TV digital pode potencializar a adoção de alguns valores-notícia no
processo de seleção do conteúdo dos telejornais. Para o embasamento em teoria do jornalismo
recorre-se, principalmente, aos estudos de Nelson Traquina (2007). A fundamentação teórica
sobre TV digital leva em conta, sobretudo, os estudos de Fernando Antonio Crocomo. A
análise sugere que valores-notícia como tempo, visualidade e proximidade tendem a influir de
modo crescente na escolha das notícias que vão ao ar nos telejornais, a partir da comunicação
bidirecional estabelecida pela interatividade da TV digital.
País da televisão
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www.dtv.org.br
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terrestre. Em termos comerciais, fala-se de TV por assinatura e TV aberta. Nesses dois casos,
existe dependência de concessão pública. A distinção está no fato de cobrança ou não de uma
taxa para os usuários. Na TV por assinatura, em geral cobra-se uma mensalidade do usuário
para que ele tenha acesso aos conteúdos. Já para assistir à TV aberta não há qualquer tipo de
cobrança. No entanto, o usuário assiste à programação entrecortada por inserções comerciais
(FERRAZ, 2009).
A digitalização vem sendo implantada tanto nos sistemas de TV a cabo, como por
satélite e terrestre. Antes, porém, de explorar o que essa tecnologia pode trazer de inovação e
mudanças, convém observar o que diferencia o sistema digital do modelo anterior, o
analógico.
Crocomo (2007, p. 56) remete à invenção da fotografia para explicar o sistema
analógico. “É que através da sensibilização de uma chapa, papel ou filme através da luz, fica
caracterizado o que chamamos de imagem ‘analógica’, ou seja, a luz passa através das lentes
levando a informação da imagem de maneira análoga ao que está sendo fotografado, da
mesma forma como o olho humano vê”. O cinema apropriou-se desse recurso e,
desenvolvendo formas de dispor várias imagens fixas em sequência, conseguiu criar a ilusão
de movimento.
Barbosa e Rabaça (2001, p. 26), no Dicionário de Comunicação, assim definem o
termo analógico: “sistema cujos dados são representados por outras grandezas, semelhantes
aos mesmos, porém variáveis, que podem simular e resolver um problema específico”.
Já o sistema digital utiliza a linguagem da computação para compor e transmitir
imagens. Por digital, entende-se:
Como o computador só entende os “zeros” e “uns”, cada pixel será representado por
uma combinação de “zeros” e “uns”. Então, é por isso que a informação é digital. O
que se grava ou envia são números que informam o tom de cada pixel, sendo
possível a formação da imagem na reprodução de um videoteipe com leitura digital,
ou no próprio computador ou no aparelho de TV digital na transmissão televisiva
(CROCOMO, 2007, p. 57-58).
uma ligação telefônica para um call center ou acessar o sítio (site) da emissora na
internet (FERRAZ, 2009, p. 16).
Observa-se, assim, que ganha ainda mais força a argumentação de Hall (2003) de
que o processo comunicativo linear – emissor/mensagem/receptor – cede espaço a uma forma
diferente de pensar essa estrutura, baseada na articulação de momentos distintos, por ele
chamados de “produção, circulação, distribuição/consumo, reprodução”. Com o sistema
digital, a estrutura já deve sofrer mudanças logo na primeira etapa, a produção, e, mesmo
tratando-se de momentos distintos, o consumo e a reprodução tenderão a sentir os efeitos.
Na tese “TV digital e produção interativa: a comunidade recebe e manda
notícias”, Crocomo (2004) comprovou, por meio de um experimento prático, que com a
possibilidade de receber programação e também de retornar conteúdo (o princípio da
bidirecionalidade e da interatividade) as comunidades alfabetizadas digitalmente podem
participar com conteúdo, integrando um programa de canal aberto de TV.
Hoje, a televisão já possui uma série de canais de contato com o telespectador,
sobretudo, por telefone, Internet, ou mesmo contato pessoal – nos casos de emissoras de
interior. O telespectador pode se manifestar sobre os assuntos que quer ver no ar, protesta
contra o que não gosta ou discorda, busca informações que lhe faltaram durante a transmissão.
Mas se ele puder enviar conteúdo “pré-produzido” – imagens de situações que valham notícia
num telejornal, por exemplo – é provável que sua participação seja bem mais efetiva e gere
mudanças no produto televisivo.
Assim, fazem-se a seguir, algumas considerações sobre como a interatividade
proporcionada pela TV digital pode reforçar a adoção de alguns valores-notícia no momento
de definir o conteúdo de um telejornal.
particulares – são seus valores-notícia”, diz Traquina (2005, p. 77). Mas, conforme o autor, é
possível identificar alguns critérios usados com maior frequência na seleção das notícias, tais
como: notoriedade (o nome e a posição da pessoa são importantes como fator de
noticiabilidade); proximidade (tanto geográfica, quanto cultural); relevância (responde à
preocupação de informar o público dos acontecimentos que têm impacto sobre sua vida);
novidade (uma questão central para os jornalistas é dar visibilidade ao que há de novo); tempo
(quanto mais atual, mais noticiável); notabilidade (qualidade de ser visível, de ser tangível);
inesperado (aquilo que irrompe e que surpreende a expectativa da comunidade jornalística);
conflito ou controvérsia (violência física ou simbólica); infração (transgressão de regras);
disponibilidade (facilidade com que é possível fazer a cobertura do acontecimento); equilíbrio
(relaciona-se à quantidade de notícias sobre este acontecimento ou assunto que já existe ou já
existiu há relativamente pouco tempo no produto informativo de uma empresa jornalística);
visualidade (se há elementos visuais, como fotografias ou filme); concorrência (reflete-se na
busca do “furo”, da notícia exclusiva).
Pereira Jr. (2001, p. 80) observa que “os valores/notícia são critérios de relevância
espalhados ao longo de todo o processo de produção. Ou seja, desde a captação até a
apresentação da notícia”. O avanço tecnológico e o acesso de um número crescente de pessoas
às novas tecnologias podem gerar mudanças em relação a esses critérios. Destacamos três:
tempo, visualidade e proximidade.
No que tange o valor-notícia tempo, Traquina (2005) apresenta-o sob três
dimensões. Primeiro, na forma de atualidade. Aquilo que é novo, recente, atual, tem mais
valor como notícia. Segundo, para justificar a noticiabilidade de algo que já aconteceu e que
vale ser relembrado devido a sua relevância, principalmente em datas marcantes. Terceiro, no
que se refere aos assuntos que acabam ganhando projeção por mais tempo. “Devido ao seu
impacto na comunidade jornalística, um assunto ganha noticiabilidade e permanece como
assunto com valor-notícia durante um tempo mais dilatado” (TRAQUINA, 2005, p. 82).
Considera-se que a primeira forma sofrerá mais impacto com a aplicação de novas
tecnologias e da interavidade da TV digital. Piccinin (2006) afirma que este momento
marcado pela fluidez das informações potencializa uma característica já intrínseca ao
jornalismo, valorização do imediato. “Dessa forma, o telejornal vale pela capacidade de ser
instantâneo. E a transição do ‘mundo do jornalismo’ ao ‘mundo do imediatismo’,
naturalmente, traduz-se num importante critério de edição, já que é a televisão que pode
mostrar a história acontecendo” (PICCININ, 2006, p. 146).
Se cada vez mais pessoas têm acesso a equipamentos para gravação em áudio e
vídeo – simples aparelhos celulares, por exemplo – a tendência é haver um aumento na
produção de imagens. E ainda que essas imagens não tenham a qualidade técnica profissional,
se relevantes sob o ponto de vista da notícia, poderão entrar num telejornal. Dependendo de
onde ocorre o fato registrado, é bem mais rápido enviar esse conteúdo para a emissora de
televisão do que deslocar uma equipe de reportagem para fazer o registro. Muitas vezes, esse
deslocamento nem é possível. Assim, o fato que noutra circunstância não iria ao ar, acaba
sendo veiculado mediante a possibilidade de interação entre emissora e público.
A mesma situação vale para justificar impactos no telejornalismo em relação ao
valor-notícia visualidade. Imagens produzidas em profusão atendem a uma demanda crescente
do jornalismo atual. Piccinin (2006, p. 145) diz que entre os principais fatores que intervêm
diretamente nas decisões editoriais do telejornalismo está “a ascendência do valor da imagem
como uma manifestação da sociedade contemporânea”. A autora cita Marcondes Filho (2000),
para quem as novas tecnologias vão resultar em novos critérios de edição em telejornalismo.
“(...) o fascínio e a supremacia da imagem, definidos como critério principal, vai ditar a
hierarquia da comunicação” (PICCININ, 2006, p. 147).
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Considerações finais
REFERÊNCIAS
AMARAL, Luiz. Jornalismo: matéria de primeira página. 5. ed. Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro, 1997.
BARBOSA, Gustavo; RABAÇA, Carlos Alberto. Dicionário de Comunicação. 2.ed. rev. e
atualizada. Rio de Janeiro: Elsevier, 2001.
BRASIL. Presidência da República. Secretaria de Comunicação Social. Pesquisa brasileira
de mídia 2014: hábitos de consumo de mídia pela população brasileira. Brasília: Secom,
2014.
COTTA, Pery. Jornalismo: teoria e prática. Rio de Janeiro: Rubio, 2005.
CROCOMO, Fernando Antonio. TV digital e produção interativa: a comunidade manda
notícias. Florianópolis: Ed. da Ufsc, 2007.
__________. TV digital e produção interativa: a comunidade recebe e manda notícias.
2004. 189 f. Tese (Doutorado em Engenharia de Produção - Área: Mídia e Conhecimento) –
Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós-graduação em Engenharia de
Produção, Florianópolis, 2004.
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