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FUNÇÕES
NEUROPSICOLÓGICAS
COGNITIVAS – COGNIÇÃO E
APRENDIZAGEM
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Antes de a neurociência ganhar ferramentas revolucionárias de
neuroimagem – o que nos permitiu estudar o cérebro humano com mais precisão
–, as pesquisas neurocientíficas eram focadas especialmente no desenvolvimento
neurológico dos animais. Eram muito esclarecedoras, mas deixavam espaço para
várias teorias acerca das habilidades que são a especialidade da espécie
humana, como a linguagem, a criação e o uso de ferramentas, que dependem de
estratégias complexas de resolução de problemas e planejamento, e também da
aprendizagem social.
Essas habilidades mentais superiores envolvem uma parte do cérebro
encontrada em primatas, conhecida como lobo frontal. Até recentemente,
acreditava-se que a complexidade da cognição humana estava relacionada ao
volume maior dessa região em relação ao resto do cérebro. Hoje sabe-se que as
diferenças entre os homens e as outras espécies de mamíferos não estão
necessariamente relacionadas ao tamanho do cérebro ou mesmo do lobo frontal,
como um todo.
Pesquisadores, como Semendelferi e Damásio (2002), concluíram que
alguns circuitos específicos do córtex podem ser maiores. Esses circuitos podem
ser mais interconectados, ou seja, apresentarem um número maior de sinapses
entre células da própria região frontal, e desta com outras áreas do cérebro.
A parte do cérebro responsável por atividades que caracterizam a cognição
humana, como flexibilidade cognitiva, planejamento, uso da linguagem,
pensamento abstrato, controle do impulso e comportamento social, situa-se em
na porção anterior do lobo frontal, a que está mais perto da testa. É a que
chamamos de córtex pré-frontal.
Pesquisas que compararam a área do córtex pré-frontal, conhecida como
lateral ou granular (também chamada de área 10), de humanos e chimpanzés,
constataram que nossa espécie apresenta, nessa região específica, aumento de
tamanho e de conectividade, uma vez que possuímos um volume muito maior de
massa branca no córtex pré-frontal. E a massa branca é formada por fibras
nervosas que facilitam a conexão entre as células do sistema nervoso.
Essa região específica nos dá a capacidade de pensar antes de agir, ou
seja, de tomar decisões que não sejam apenas movidas por um sistema
automático e, muitas vezes, inconsciente. É responsável pelo controle dos
impulsos, que chamamos de controle inibitório, e que nos permite tanto seguir
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como questionar regras, o que é necessário para o convívio social – e que,
conforme veremos mais tarde, é fundamental para a aprendizagem.
A cognição humana desenvolve-se por meio de estruturas biológicas,
combinadas com as experiências promovidas pelo ambiente. Ela nos é garantida
por uma base genética que, de acordo com psicólogos evolucionistas, passou
pelos mesmos processos evolutivos de outros sistemas, como órgãos e tecidos.
Assim como o sistema imunológico, a cognição garante o sucesso da
sobrevivência de nossa espécie. Além de habilidades como a memória, o controle
motor e o processamento visual, muitos acreditam que a aquisição da linguagem
também é fruto de um processo evolutivo, enquanto outros defendem que se trata
de uma característica descontinuada, ou seja, única da espécie, e, portanto,
inexiste a divisão dessa herança com outras espécies na linha evolutiva.
Importante ressaltar que nossos diferenciais cognitivos são fruto das
necessidades impostas por um mundo muito diferente daquele em que hoje
vivemos. Quando falamos da cognição humana, falamos de capacidades que
evoluíram ao longo de nossa história para que pudéssemos sobreviver em um
ambiente de colheita e caça. Por isso, nossa cognição, mesmo sendo aplicada a
problemas contemporâneos, ainda funciona dentro dos moldes de ancestrais que
precisavam se defender, saber quem é de fora da tribo, prever o perigo com base
em fatores como a frequência em que ele ocorre, construir ferramentas, identificar
faces, seduzir, proteger e colaborar com o grupo. Muitos problemas que
precisamos enfrentar hoje são relativamente novos; assim, os velhos esquemas
mentais podem nos levar a erros estatísticos, falácias ou dificuldades cognitivas.
Um bom exemplo disso é a leitura. Apesar de hoje em dia dedicarmos
grande parte do nosso tempo à leitura das mais diversas mídias, a capacidade de
ler é bastante recente na história humana. Tivemos que adaptar outros recursos
cognitivos para essa atividade, que requer uma transformação profunda em
diversas regiões do cérebro. Durante a maior parte da trajetória de nossa espécie,
as diferenças recentemente observadas no cérebro de pessoas com dislexia
garantiam vantagem na realização de diversas funções.
Da mesma forma, pessoas com dificuldade em sustentar a atenção em
tarefas monótonas por muito tempo e, ao mesmo tempo, atentas às sutis
mudanças de estímulos do ambiente, no mundo atual são diagnosticadas com
transtorno – e, no entanto, poderiam encontrar grande vantagem sobre outros
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membros do grupo em determinadas missões no decorrer de quase toda a nossa
história.
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ocorrem nas áreas que processam e se relacionam ao comportamento visual e
motor.
O desenvolvimento do cérebro infantil também depende de um terceiro
processo, que conhecemos por mielinização. A camada de mielina que cobre os
axônios, aquela fibra mais comprida do neurônio, permite o aumento da
velocidade de propagação do sinal elétrico, que acontece do corpo da célula até
a sua extremidade, onde ocorrem as sinapses. Assim, a mielinização determina
quando o cérebro está maduro para processar determinados estímulos. A partir
do momento em que a camada de mielina permite a comunicação veloz entre as
células, em determinadas áreas do cérebro, a criança está pronta para
desenvolver as habilidades relacionadas a tais regiões.
A mielinização forma o que conhecemos como substância branca, que é
responsável, juntamente com as conexões sinápticas, pelo grande aumento de
volume no cérebro da criança nos primeiros de vida. Todos esses processos de
organização e reorganização do cérebro ocorrem de acordo com as experiências
que o ambiente propicia.
Quando isoladas do ambiente, como acontece com crianças que foram
privadas de contato social, o cérebro não se desenvolve normalmente. Nessa
fase, o cérebro é extremamente plástico, ou seja, ele se transforma facilmente de
acordo com os estímulos que recebe.
O cérebro continua plástico e adaptável a novas necessidades e
mudanças, sendo capaz de desenvolver habilidades sofisticadas ao longo de toda
a vida. No entanto, existem alguns períodos críticos em que devem ser aprendidas
certas competências.
Vários estudos de caso mostram que, se uma criança não for exposta à
linguagem ainda na infância, ela dificilmente aprenderá mais que palavras
isoladas. Isso demostra que, embora sejamos dotados de esquemas mentais que
favorecem o uso da linguagem, ela se desenvolve somente por meio de interações
– como veremos mais tarde – e durante o período crítico.
Vamos fixar os conceitos:
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• Mielinização: processo de formação da camada de mielina (formada de
lipídios e proteína), que envolve os axônios, garantindo a velocidade do
impulso nervoso.
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Muito do desenvolvimento cognitivo nessa fase está relacionado a essa poda
sináptica.
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• Operatório-concreta: são assimilados e aplicados conceitos mais
complexos, de acordo com a lógica, entre sete e onze anos.
• Operatório-formal: é possível raciocínio abstrato, planejamento,
construção de hipóteses e teorias. A partir da adolescência.
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o cérebro. Não envolve a interpretação da experiência.
• Percepção: é o processamento da informação sensorial, ou seja, sua
interpretação e organização de modo que faça sentido. É, portanto, a
experiência consciente do mundo físico e seus estímulos.
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Fonte: Lotan/shutterstok
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Como qualquer aprendizagem, aprender a enxergar não depende apenas
do amadurecimento do córtex visual. É preciso interagir com o mundo. Assim
como ocorre com algumas outras competências, como a linguagem, existe um
período crítico para a aprendizagem. Se não receber estímulos nesse período, é
muito mais difícil adquirir essa capacidade.
Casos de pessoas que, depois de décadas sem enxergar, passaram por
procedimentos que lhe devolveram a visão, exemplificam muito bem a
complexidade do sistema visual. Seus olhos podem estar curados, mas seu
cérebro não aprendeu a dar sentido aos estímulos visuais. Essas pessoas
geralmente levam muitos anos para conseguir diferenciar e identificar imagens e
reconhecer formas.
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TEMA 5 – A SINCRONIZAÇÃO DOS SENTIDOS
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estrelas, cuja luz só chega à nossa retina muitas vezes quando elas nem existem
mais.
Se você considerar que o processamento auditivo, por ser mais simples, é
mais veloz que o visual, faria sentido que esse atraso, mesmo que muito pequeno,
fosse perceptível quando estamos vendo e ouvindo alguém falar. Mas por que os
movimentos labiais parecem estar sempre em perfeita sincronia com o som da
fala? O cérebro faz esse trabalho de edição, sincronizando os estímulos ao
construir uma história que faça sentido. É uma história que chega à nossa
consciência sempre com um pequeno atraso.
Portanto, a realidade, tal qual chega à nossa percepção, é como a
transmissão de um programa de tevê ao vivo: apesar de parecer instantânea,
apresenta um leve anacronismo. É que, para integrar as informações captadas
pelos sentidos e dar significado a elas, o cérebro precisa de tempo. Qualquer
desorganização que provoque um atraso no processamento da informação,
mesmo que se trate de milissegundos de diferença, pode provocar um desajuste
na percepção do mundo – o que, segundo alguns cientistas, pode estar por trás
de alguns transtornos, como problemas de aprendizagem, distúrbios de
linguagem e déficits de atenção.
Há estudos (Krauss, 2014; Stadler; Krauss, 2015) que sugerem que a
percepção de ritmo de uma criança pequena, que está relacionada com o
processamento temporal, ou com seu senso de timing, é um indicativo bastante
confiável de suas habilidades de linguagem. O fato de que a dificuldade em
acompanhar um ritmo está entre os sintomas comuns da dislexia sugere essa
relação. Da forma inversa, o trabalho com ritmo, por meio de atividades de
iniciação musical, pode facilitar a construção de habilidades necessárias para a
alfabetização.
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REFERÊNCIAS
GAZZANIGA, M. Human: The Science Behind What Makes us Unique. New York:
Harper Collins, 2008.
SEMENDEFERI, K.; DAMASIO, H. Humans and great apes share a large frontal
cortex. Nat Neurosci, v. 5, n. 3, p. 272-276, 2002.
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