XV
Os judeus em Portugal
Gil Vicente giza o tipo do Judeu, exagerando sobretudo dois traços: o apego à
religião, simbolizado no bode expiatório que ele não queria largar, e o seu proverbial
amor ao dinheiro, expresso nas moedas com que tenta subornar o Diabo (com o
objectivo de comprar a passagem para ele e para o bode). O transporte do bode redunda
em cena cómica quando o Diabo se recusa a conduzi-lo na barca e, mais tarde, resolve
levar ambos a reboque. O facto de o Diabo não ter permitido a entrada do Judeu na sua
barca é muito significativo: marginaliza de tal modo o Judeu que o coloca num plano
inferior ao dos restantes condenados ao Inferno. O próprio Enforcado tem licença para
embarcar. Nesta cena, o Parvo troca o papel de comentador pelo de acusador e culpa o
Judeu de profanar sepulturas cristãs e de comer carne em dia de jejum. Este é também
acusado pelo Parvo de ter roubado o símbolo da sua religião – o bode.
Gil Vicente procura demonstrar, nesta cena, que o apego do Judeu à sua religião
era tão forte que, nem mesmo depois de morto e com a verdade à vista, abandonava as
suas ideias.
É de salientar que cada um dos pecadores depois de ter falado com o Diabo,
dirige-se para a barca do Anjo, mas é repelido e inexoravelmente obrigado a entrar na
do Diabo – há, no entanto, uma variante significativa para o Judeu que, sendo excluído
da sociedade regular e, portanto, até da sociedade dos condenados, será levado a
reboque da Barca do Inferno. Como é fanático pela sua religião – o judaísmo – nem
sequer se dirige à Barca da Glória.
O Diabo recebe-o com desprezo, ao contrário da satisfação com que recebeu os
outros passageiros, e não o quer deixar entrar na barca. No fim permite que o Judeu e o
bode se desloquem a reboque da barca “ireis à toa”.
Elementos cénicos
Curiosidade
Já ouviste falar na expressão “bode expiatório”. Quando se diz, por
exemplo, que o Sr. X foi o bode expiatório de determinada situação, significa
que o Sr. X foi a vítima, tal como o bode na cerimónia do bode emissário.
Análise
1. Associa os versos ao tipo de cómico que lhes está associado:
Judeu
1. indivíduo natural da Judeia;
2. aquele que segue o judaísmo;
3. pejorativo avarento;
4. popular, pejorativo indivíduo materialista;
5. popular, pejorativo indivíduo de má índole; indivíduo malvado.
Judia
1. mulher natural da Judeia;
2. a que segue o judaísmo;
3. popular, pejorativo a que é avarenta, malvada ou materialista.
Judiar
1. observar as leis e os costumes judaicos;
2. discutir o custo, regatear;
3. troçar, zombar;
4. fazer maldades; praticar diabruras.
Judiaria
1. fazer maldades; praticar diabruras;
2. bairro dos judeus;
3. troça; escárnio;
4. maldade; diabrura; maus tratos.
Judas
1. boneco de palha que se costuma queimar publicamente no Sábado de
Aleluia;
2. figurado traidor; falso amigo.
Refere-se ao __________________.
► Arcaísmos – são palavras antiquadas, que caíram em desuso, porque ou surgiram
novas palavras que as substituíram ou os objectos/conceitos que representavam
deixaram de existir.
Exercícios
a) oferece o bode
b) tenta comprar a sua passagem
c) confessa os seus pecados
d) apela ao Fidalgo para o ajudar
e) tenta subornar o Anjo
b) Oh! aborrecimento