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Considerado hoje um classico no género, Brasil: de Get tio a Castelo de Thomas Skidmore dispensaria maiores apresentagdes. Pionciro no levantamento de fatos histéri- cos que percorreram o longo periodo analisado (1930-1964), 0 autor proporcionou ao estudioso brasilei 10, jd nos fins dos anos 60, uma li¢do de seriedade na pe quisa, de apego a objetividade e de arrojo no tratamento dos fatos mais recent Escrito no ‘‘calor da hora” (Castelo Branco era ainda pre sidente do Brasil), o ineditismo de Brasil: de Genllio a Cas ‘elo o transformou numa referéncia obrigatoria de toda a literatura posterior. E com grande satisfagdo que apresentamos mais uma edi cao desta obra fundamental de um grande “brasilianis ta”, Thomas Skidmore. THOMAS SKIDMORE po % PAZ. E TERRA THOMAS E. SKIDMORE BRASIL: DE GETULIO VARGAS A CASTELO BRANCO (1930-1964) Apresentacéo de Francisco de Assis Barbosa Tradugdo coordenada por Isménia Tunes Dantas 14% Edicao PAZ E TERRA © oxford Universtiy Press, le. NY. Para Felicity, ‘Traduzido do original em inglés Politics in Brazil, 1930-1964: An Experiment in dona déste livro. Democracy Capa Mara do Céa Dados Intemacionais de Catalogagdo na Pubicapo (CIP) (CAmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) ‘Skidmore, Thomas E. ‘$6398 Brasil: de Geto Vargas a Castelo Branco, 1930-1964/Thomas E, Skidmore; apresentagto de Francisco de Assis; tradugio coordenada por Isméaia | “Tunes Dantas. - Ted. - Rio de Jancito: Paz ¢ Terr, 1982. ‘Tradugio de: Politics in Brazil, 1930-1964: an experiment in democracy. Apendice: Papel dos Estados Unidos na queda de Goulart Bibliograia 1. Brasil ~Histéria 1. Titulo, ISBN: 978-85-7753.022.9 cop-981 cDU-981 82.0369) EDITORA PAZ E TERRA S/A Rua do Triunfo, 177 Senta Efigénia, Sio Paulo, SP — CEP: 01212-010 ‘el: XXII) 3337-8399 E-mail: vendas@ pazeterra.com.br ome Page: www pazeterra.com br abe 2007 Inmpresso no Brasil / Printed ix Bras Ir Fim do Estado Névo; Govérno Dutra (1945-1950) O Ditador Perde o Contréle A medida que a maré da guerra mudava a favor dos ali dos, mm 1043, Vargas fol se freparanlo para & nove atmce: fera politica que seria criada por uma vitéria aliada, Em 1944, dle recebeu relatérios de criticas a0 Estado Névo, correntes entre os oficiais brasileiros que lutavam lado a lado com 0 5° Exército Americano, na Itélia. Os brasileiros tinham-se dado conta da anomalia de lutar pela democracia ‘no exterior, enquanto persistia uma ditadura em seu proprio pais! A 10 seep hr op uA deveria ter sido realado 0 plebitto previo ra Cont le 1997, Vargas falou a nagio e prometen que, Gs guerra, “om chblante proprio do faz onde cont ns garantias maximas a liberdade de opinido, reajustaremos a es- frutura plea de nado, faremos de forma ampla e segura as necessarias consultas ao ‘povo brasileiro”? Seis meses 8°15 de abril de 1944, éle repetiu'a promessa asregurande aos err que poderim “se declarare escober or seus repre- sentantes, dentro da democracia, da lei e da ordem”? _ Durante 0 Estado Névo, a eficiente censura de Vargas & ‘opinigo pablica tinha silenciado as vozes dissidentes. Antes de 1945, houve apenas uma declaragio importante da oposi- 72 cdo. Em outubro de 1943, um grupo de intelectuais ¢ poli- ticos de Minas Gerais emitiu um cauteloso manifesto, pedindo a redemocratizacio do Brasil e citando a histéria politica de Minas Gerais como prova de que a liberdade de opiniio ¢ 0 govérno constitucional eram aspiragées naturais dos brasileivos. ‘Ao comecar 1945, os protestos comegaram a permear atra- vvés da cortina de censura. A 26 de janeiro, o 1° Congresso Brasileiro de Escritores, pediu “completa liberdade de expres- sio’, e exigiu um govérno cleito por “sufrégio universal, direto e secreto”® A 22 de fevereiro, ouviu-se uma voz de protesto ainda mais sensacional: José Américo de Almeida, candidato ta frusrada campanha presidental de 1997 deu ma este. sa entrevista na qual explicava porque deveriam ser realizadas eleigdes presidenciais e porque seria “inadequado”, para Var- gas, candidatar-se.t A falha dos censores em evitar a publi- Cagio da entrevista (0 érgio de censura do govérno, o DIP, ainda estava funcionando), era um sinal claro de que o dita- dor estava cedendo terreno diante da oposicio. O relaxa- mento dos contréles do govérno tornou mais ousadas as vozes de protesto. Poucos agora duvidavam de que 0 Brasil esti- vesse as vésperas da reabertura de seu sistema politico. ‘As discusses sObre a fixagio das datas para as mudan- 2 constitucionais foram parcialmente acalmadas, quando 0 fovéno emitin um Ato Adicional, a 28 de fevereiro, emen- Sando a Constituigao de 1937. O-Ato previa que, dentro de 90 dias, seria baixado um decreto fixando a data das eleigées Imediatamente antes de Vargas publicar 0 Ato, foi lancado © primeiro candidato A Presidéncia. O Brigadeiro Eduardo Gomes, extenente e agora um dos principais comandantes da Férca ‘Aérea, foi apresentado como candidato dos _constitu- cionalistas liberais que, em breve, iriam enltar na campanha sob a égide da Uniio Democratica Nacional ou UDN. Em prinefpio de marco, Vargas deu uma entrevista cole- tiva de imprensa, a primeira em muitos anos. Defendeu pe- remptoriamente a Constituigio de 1937 ¢ foi evasive quanto a sua candidatura a presidéncia. Os protestos populares, j& agora, salam as ruas. A agremiacio dos estudantes universita- ios, UNE, recentemente organizada no Rio de Janeiro, real zou’ um comicio; uma demonstragso semelhante, em Rei Provocou violéncias policiais ¢ levou a morte dois estudantes, 73 ‘A disposigéo do esptrito popular tornara-se hostil. Var- gas acalmou a cena, anunciando a 11 de margo que no se candidataria. No dia seguinte, foi langado um movimento para indicar a candidatura do Ministro da Guerra, General Dutra, © que foi interpretrado pela oposigao como titica diversionista de Vargas. Apoiando um candidato “governista”, que era emi- nentemente aceitavel para 0 corpo de oficiais do Exército, 0 Gitador poderia influenciar a politica do seu sucessor. Além disso, a candidatura de Dutra abalaria 0 apoio potencial a Eduardo Gomes, por parte dos cfrculos pré-governamentais para os quais a vitéria era mais importante do que os princi- pios. Em comegos de abril, Dutra, ainda Ministro da Guerra aceitou ticitamente a indicagao.7 ‘Aumentava agora a pressio para afastar os restos de au- toritarismo que obstrufam a atividade politica livre. Em mea- dos de abril, o govémno anunciou a anistia politica e soltou centenas de presos politicos, que se haviam estiolado na prisio durante 0 Estado Névo, incluindo alguns como o famoso lider comunista Lufs Carlos Prestes. Getilio discursou em um grande comicio no dia 1° de Maio, explicando que a sua missio estava cumprida. Passou fem revista as suas realizagées, particularmente nas dreas do desenvolvimento econdmico da legislagio social, e concluiu apoiando a candidatura de Dutra® A 23 de maio, Prestes falou durante 0 seu préprio comicio de massas no Rio de Ja- neiro, assinalando 0 comégo da atividade politica do Partido Comunista, recentemente legalizado.® ‘A atenco agora se concentrava no iminente decreto que marcaria a data da sleicio. Foi baixado a 28 de maio, fi- xando a data para 2 de dezembro de 1945. A campanha presi- dencial ganhava impulso. Um ndvo partido politico, o Partido Social Democratico, cu PSD, que tinha sido formalmente or- gunizado a.9 de maio, apoiou a candidatura de Dutra, a 1° julho. Em comégo de agésto, Dutra demitiu-se como Mi- nistro da Guerra e foi substituido pelo General Gées Mon- teiro, um dos arquitetos do golpe de 1937. Em meados de agésto, a UDN formalizou a sua campanba a favor de Eduar- do Gomes, publicando uma plataforma a 17 de agésto. Até af, haviam sido apresentados aos brasileiros dois candidatos. Parecia no haver dividas de que a volta as instituigées de- 74 mocriticas estava iminente. A atmosfera de confianga foi, contudo, conturbada por agitagdes da esquerda e uma equi- voca manifestagio no palicio presidencial Em principio de agésto, um grupo de adeptos de Vargas comegou um movimento no sentido de adiar as eleigdes pre- sidenciais realizando, em lugar destas, eleicGes para a Assem- biéia Constituinte. O seu objetivo era “redemocratizar” 0 Bra- sil sob 0s auspicios do ditador. A oposigéo a Vargas estava defendendo o oposto: a eleigio de um névo presidente antes da redacio de uma nova Constituigéo. A diferenca era cru- cial, de vex que 0 govérno ainda no poder poderia exercer grande influéncia sbbre as deliberagdes da Asembléia Cons- tituinte. Os que desejavam que Getilio continuasse como Presiden- te, ou se declarasse candidato nas préximas eleigées, foram denominados “queremistas’, devido a0 refrio por éles usado: “Queremos Gettlio”. © seu lema era “Constituinte com Ge- tuliol” Salientando-se entre os lideres déste movimento, es- tavam membros do Partido Comunista, tem como lugares- tenentes de Vargas, como Hugo Borghi, que havia comerado organizar um novo Partido Trabalhista Brasileiro, ou PTB.” Vargas assumiu uma atitude dubia, com relagio 20 mo- vvimento queremista. No o encorajou abertamente, mas tam- bém nio tentou evitar o seu crescimento. Depois do dia 2 de setembro, data de encerramento para a apresentagio das candidaturas & Presidéncia, parecia que Vargas tinha final- mente afastado qualquer possibilidade de pedir a Dutra para desistir em favor da sua propria candidatura. A 29 de setem- bro, o embaixador americano, Adolph A. Berle Jr., pronun- ciou um discurso em que expressava “confianga” em que 0 Brasil realizaria eleigGes a 2 de dezembro, como estava pro- gramado. O discurso, examinado pessoalmente com Vargas pelo Embaixador Berle, causou uma grita por parte das es- querdas. Os comunistas e os queremistas denunciaram a “in- tervengio” americana, e tacharam as eleigies préximas como “maquinagio de reacionérios"* Depois de baixar os decretos destinados a “redemocrati- o Brasil, Vargas inclinara-se para a esquerda, na sua p tica interna. Em junho, assinara um decreto “antitruste” 75 criando uma comissio autorizada a desa qualquer or- ganizacio cujos negécios estivessem sendo conduzidos de ma- neira lesiva aos interésses nacionais.O decreto que comesou a vigorar a 1° de agésto, tinha por objetivo estabilizar o custo de vida, proibindo a pratica do monopélio. Mencionava es- pecificamente “emprésas nacionais ou estrangeiras sabida- mente ligadas a associagées, ‘trustes’ ou ‘cartéis'”. O decreto ‘© entusiasmo da esquerda ¢ a indignagio da direit UDN langou um protesto imediato contra o decreto, consi derando-o “nada mais do que um instrumento do tipo nazi fascgta, com que o ditador ameaga tOda a economia, brat leita”. ‘A furia da oposi¢ao era particularmente violenta, por- que se disa que'o decreto era Grigio prinipalmente costa a cadeia de jomais de propriedade de um antigetulista de- clarado, Assis Chateaubriand. Os interésses comerciais dos Estados Unidos também ficaram alarmados com 0 decreto, por motivos ébvios. Discretamente, éstes procuraram obter modificagées na sua regulamentacio.? ‘A 3 de outubro, 15:° aniversério do apélo as armas de 1930, os queremistas organizaram um comfcio em frente a0 Palicio Guanabara. Era a maior demonstragéo do movimento até entio. Getilio falow aos manifestantes, afirmando firme- ‘mente que néo era candidato as eleigdes, mas acrescentou que © piblico tinha o “direito” de exigir uma Assembléia Consti- tuinte, ¢ advertiu que havia “férgas reaciondrias poderosas, ccultas umas, ostensivas outras, contrdrias tdas & convocagio de ume Constante”. “Posto afimarvos que, naguilo que de mim depende, o povo pode contar comigo”. Qualificou 0 en- contro de “delegacéo da vontade popular’ e agradeceu mul- tidio por “esta demonstragio civica de tio alta significagio”.!* A posigéo enigmética de Gettilio estimulava especulagdes ‘maiores com respeito & sua verdadeira atitude diante das elei- ‘98es iminentes. Estaria 0 ex-ditador planejando uma repeti- ‘gio de 1937, quando libertou a esquerda de molde a justificar © seu proprio golpe? Ou estaria estudando uma nova era palin aseade no apoio operirio militate, tal como @ que havia lo na Argentina, a partir de seu golpe de 1943? A 10 de outubro, Gettlio deu & oposigio um ndvo motivo para desconfiar das suas intengSes. Baixou um de- 76 croto antecipando a data das eleigées estaduais e municipais para o mesmo dia das nacionais, 2 de dezembro. Ja que o de- creto também exigia que os titulares de cargos que deseja- vam se candidatar as angas teriam que se demitir trin- ta dias antes das eleigdes, a oposigio temia que os novos go- vernantes municipais, nomeados por Vargas, pudessem mani- pular as eleigdes em beneficio do candidato do presidente em exercicio. ‘As intempestivas modificagées nas leis eleitorais caram profunda suspeita entre muitos oficiais das férgas arma- das, AUDN, igualmente temeross, protstou contra o decreto de 10 de outubro, A volta trmnal de Pern ao poder na Ar gentina, a 17 de outubro, depois de ter sido deposto, apenas Dito dias antes, advertia 20s adversérios do ditator brasileiro ‘um exemplo do fracasso dos liberais em outra parte. A 25 de outubro, Vargas deu outro passo mais audacioso, 0 que foi demais para os generais. Comunicou a Joio Alberto, chefe de Policia do Distrito Federal, quo éste seria substituido por Benjamin Vargas, seu irmdo e figura mediocre, conhecido por suas ligagées com o lado mais sombrio dos negécios piiblicos.!5 Joo Alberto comunicou a decisio de Vargas 20 Ministro da Guerra, Gées Monteiro, com quem éle, Joxo Alberto, havia conclufdo um acérdo informal, mediante 0 qual, se um dei- xasse 0 cargo, 0 outro faria o mesmo. Mas Gées Monteiro néo estava disposto a se demitir. Num turbilho de atividade, mobilizou a opin dos oficiais em pro! do apoio a um gol para depor 0 enigmético presidente, Gées Monteito. cert cou-se désse apoio depois de extensas sondagens entre os ciais superiores. Dutra foi a palicio, na tarde de 29 de outu- bro, para apresentar um ultimato a Getulio: retirar a nomea- go de seu irmao, ou enfrentar a sua deposicio pelo Exército, Vargas recusou, ainda nfo convencido de que Gées Monteiro evaria a cabo'o ultimato. Jé era tarde demais. Gées Monteiro havia. mobi guarnigio local do Exérito, © 0 palicio pesdencial foi tualmente sitiado, quando Dutra voltou ao Ministério da Guer- va om 4, espana de, Vargas. A, despelto do esforgos deer perados do Ministro da Justiga, Agamemnon Magalhies, para conseguir uma solugo ‘cdncilinirs: Ge Montego est de. terminado a Jevar tudo as sltimas conseqiiéncias. Naquela 7 noite, mandou o General Oswaldo Cordeiro de Farias ao pa- cio’ presidencial, para informar a Vargas de que o seu pe- iodo havia terminado. A principio, Getilio se recusou a ace- der. Mas desistiu, quando o seu velho companheiro explicou yue qualquer resistencia Ihe seria impossivel. Quando Cor- dire de Farias perguntou se o presidente havia pensado em seus planos para o futuro, Vargas respondeu: “Quero ir di- reto daqui para Sio Borja”. A partida de Vargas foi ripida- mente arranjada, e, em 30 de outubro, éle entrou em seu “exi- lio’, no Rio Grande do Sul.2* © General Gées Monteiro assumiu inteira responsabilida- de pela deposigéo do presidente, emitindo declaragées sucessi- vas, a 29 de outubro, explicando porque a agdo era necessi- ria.” Vargas foi induzido a publicar um comunicado, esclare- endo, que ‘havia aquiseido em ua prépria | deposicio. Consolava-se com a certeza de que “a Histéria e o Tempo fal ros que havia sempre lo defender as suas “aspiragdes ¢ legitimos interésses”. Qioite signficativamente, ele afirmara: “nio tenho razSes de malquerenga para as gloriosas Fércas Armadas da minha Pé- tria, que procurei sempre prestigiar.”"" Rmaneira es cual Vargas havia patio era importane tissima. Como Gées Monteiro lembraria mais tarde & UDN, © ditador fot deposto do cargo, no pelo poder da oposigio civil, mas por decisio do Alto Comando do Exército.* Nao cera, portanto, uma vitéria conquistada pela influéncia politica dos constitucionalistas liberais. Era, antes, um ato de forga por parte dos generais. Como havia acontecido, nos momen- tos criticos, em outubro de 1990 e novembro de 1937, foram 05 militares e nao os politicos que se tomaram os imediatos guardides do poder. Redemocratizacéo em Marcha Com a derrubada de Vargas, 0 General Gées Monteiro consultou entdo os dois candidatos’& presidéncia, Eduardo Go- mes e Dutra, sobre a questio da escolha de um presidente interino. Ambos ram que deveria ser, como vinham pregando os lideres da UDN (“todo o poder a0 Judiciério”), 78 ae © presidente do Suy Tribunal Federal, José Linhares. GAs Monteiro no Seinon divides de que as cleigées naci- nais seriam realizadas a 2 de dezembro, como programado. © névo presidente, Linhares, repudiou 0 decreto de Vargas que havia antecipado a data das eleiges estaduais. Substituiu 0s interventores ¢ suspenden todos os prefeitos, até depois das leigdes. A substituigio désses titulares foi feita em grande parte por membros do poder judiciério, que tinham instrugbes para serem imparciais nas proximas eleigées. Linhares também nomeou um gabinete de circunstancia. Ges Monteiro, que insta em se demitir do cargo de Minis tro da Guerra, foi convencido pelos seus adeptos militares a assumir 0 pbsto recém-criado de comandante em chefe do Exército, onde continuou a ser a eminéncia parda. Embora © govérno de Linhares se caracterizasse como “nio-politico”, apressou-se em repudiar o decreto antitruste baixado por Var- gas, em junho. Empentiou-se também em uma breve perse- Ruigio ao Partido Comunista, invadindo-the os escritérios. Essa repressio foi de vida curta, contudo, ¢ o Partido reas- sumin as suas atividades politicas. ‘A safda de Vargas-do poder, em 1945, teve conseqiién- cias profundas e imediatas para a politica brasileira. Em primeiro lugar, ainda que abandonasse a cena o personagem central da recente histéria do Brasil, a sombra da sua per- sonalidade dominaria a politica brasileira, durante os anos vin- douros. Em segundo lugar, o afastamento de Vargas signi- icava a criagio de uma nova estrutura legal, para acompanhar a era democritica. Os brasileiros precisariam de uma Cons- tituigdo para substituir 0 documento autocritico de Francisco Campos, de 1937. Os partidos politicos — os mais importantes veiculos da democracia modema — teriam que ser fundados e fortalecidos. Em terceiro lugar, a volta da politica demo- crdtica ofereceria grandes possibilidades para o aparecimento de desacordos e conflitos. A classe média urbana e os gry operirios centralizados nas regioes mais deseavolides poder: -se-iam beneficiar, de vez que manteriam um importante ni mero de votos em qualquer eleigfo nacional, em que o dir to de voto fésse limitado aos alfabetizados, como veio a ser na Constituigio de 1946, 79 E quanto aos grupos de poder mais tradicionais, especial- mente 0s proprietérios de terras, que haviam manipulado a tio livremente, antes de 1930? Estes permaneciam os ‘ais fortes nas éreas intocadas por mudangas econdmicas sig- nificativas. Com a volta das eleigdes livres, era de esperar que estas reas continuassem, mais uma vez, a mostrar os Vicios politicos comuns na Repiiblica Velha. Os seus “che- foes” do interior ainda podiam fornecer votos sob medida, ‘mas a sua importincia dependeria do quao ripidamente cres- cesse a parte urbana do eleitorado total do pats. Désse cres- cente contraste entre as regies em desenvolvimento e as tra- dicionais, dentro do pais — contraste, muitas vézes, mais vio- Tento ainda dentro dos préprios Estados — havia-se tornado ainda mais agudo nos quinze anos que se seguiram & revolu- go de 30. A divisio mais elementar da politica brasileira, em mea- dos de 1945 era entre os “de dentro” ¢ os “de fora”. Na ter- minologia tradicional da politica brasileira, 0 contraste era expresso pelos térmos “situacionistas” (donos do status quo) € “oposicionistas”. Os “de dentro”, em 1945, eram aquéles que hhaviam apoiado Vargas ticitamente durante 0 Estado Novo fe que representavam agora um farto manancial de votos para © candidato que Ihes parecesse mais disposto @ continuar as suas diretrizes bisicas. Os “de fora’, eram aquéles que ha- viam sido excluidos do poder, desde 1937, especialmente os constitucionalistas liberais. Cada grupo merece uma anilise mais detida.” Os “de Dentro” No proceso de transformar o sistema politico brasilei- ro, Vargas criara uma réde de lideres e grupos com os quais poderia. contar para apoio © cooperagio. Mesmo sob © sistema autoritério impésto pelo golpe de 1937, o seu estilo politico necessitava de uma astuta combinagio de coergio ¢ bajulagéo, dirigidas aos quadros politicos e sociais do ve- Iho estilo, que tém garantido a continuidade da moderna his- téria brasileira. A réde politica de Vargas, nfio testada, natu- 80 ' ralmente, por uma eleigio durante 0 seu proprio mando, era formada por trés grupos prineipais. Em primeiro lugar, ha- via os politicos e burocratas que se tinham beneficiado dos anos de Vargas ¢ que preferiam um minimo de modificagées no sistema que conheciam. Eram os homens que haviam diri- gido as mais importantes criagées' politicas de Vargas — as ovas méquinas estaduais, e a nova aparelhagem governa- mental, grandemente aumentada. © segundo grupo, entre os “de dentro’, eram os proprietirios de terras e industriais que hhaviam prosperado sob Vargas e que manifestavam grandes incertezas quanto a estabilidade de um sistema politico mais aberto. Importantes, nesta categoria, eram os fazendeiros de eafé, e outros grandes proprietérios de terras que apreciavam © completo siléncio de Vargas a respeito da questio agriria. Havia também os banqueiros e os homens de negécios que tinham aprendido a operar lucrativamente, com o crescente contréle central sdbre 0 crédito e os regulamentos comerciais, © terceito grupo era o mais novo elemento entre os “de den- tro”. Era formado pelos trabalhadores urbanos, aos quais Vargas dedicou a sua legislagio de previdéncia social e a sua organizagio sindical paternalistica, fortalecida nos primeiros anos da década de 40: s dois primeiros elementos entre os “de dentro”, tinham 9 seu proprio partido par excellence, fundado em 1945. Era 0 Partido Social Democratico, ou PSD. Néo tinha semelhanga alguna com um partido social democratico europeu, ficando ‘mais préximo, na politica tradicional brasileira, das méquinas politica estaduais que levavam 0 rétulo de Partido, Repu licano durante a Repiiblica Velha. Os instituidores do PSD comecaram a se organizar em marco de 1945, quando as elei- ‘g6es se haviam tornado inevitéveis. A maneira pela qual 0 partido foi fundado dava uma pista para as suas caracteristicas posteriores. Os interventores, em muitos Estados, pura e sim- plesmente, reuniram homens piiblicos governistas, pedindo-lhes para colhér as assinaturas necessérias para a fundagio de um partido de acdrdo com a nova legislacio eleitoral. A dirego vinha de cima, j& que Vargas supervisionava pessoalmente a organizagio do PSD, de maneira a apoiar a candidatura ofi- cial de Dutra2* ar Se bem que o recém-formado PSD usasse muito da lin- gem dos constitucionalistas liberais, era mais uma criagio es politicos tadicionais, nas areas rurais, do que da oposigzo, da classe média, nas cidades. O partido era particularmente forte em Minas’ Gerais, onde o interventor, Benedito Valla- dares, havia sido intimo colaborador de Vargas, desde a sua pia subida 20 poder em fins do 1933, Péradoralmente, 0 SD atraiu também © apoio de empresérios progressistas, tais como Roberto Simonsen, que encaravam a continuagao da in- tervengio estatal como ‘essencial a um impulso maior na in- dustrializagao. Essa combinagao de industriais nouseaux e po- Iitioos estaduais da velha guarda, deveria dar ao PSD a sua posigio “nio-ideolégica” sui-generis, no perfodo de apés- guerra? ‘Os operdrios urbanos organizados — uma minoria pri- vilegiada, dentro da férea total de trabalho — eram repre- sentados entre os “de dentro” pelo névo Partido Trabalhista Brasileiro, ou PTB. Vargas revelou mais tarde, num momento de franqueza, porque foi fundado 0 PTB. “Como a mentali- dade dos trabslhadores nfo se adaptasse bem as dos antigos politicos, criou-se uma nova organizagio partidéria, que se denominaria Partido Trabalhista Brasileiro”* O PTB repre- sentava o esférgo de Vargas para atalhar a marcha dos co- munistas, & esquerda, assegurando em seu proprio beneficio © voto da classe operiria, de importincia crescente, O par tido foi organizado por prepostos e conselheiros de Vargas, como Alexandre Marcondes Filho, Ministro do Trabalho, © Alberto Pasqualini. Como Ministro do Trabalho desde 1943, Marcondes Filho havia consolidado as leis trabalhistas ¢ aju- dado a produzir a mistica do trabalhismo, sdbre a qual so pudessem basear um movimento politico, ‘A estratégia eleitoral do PTB era complicada pelo fato de que o partido havia sido profundamente envolvido no mo- vimento queremista. A partida sibita de Vargas desmorali- zou e dividiu o PTB. Alguns defendiam o apoio a Dutra; outros, privados do seu lider, foram atraidos pela militancia do Partido Comunista; outros, ainda, perderam interésse pela disputa presidencial e concentraram-se no apoio a Vargas nas eleigées para tantos postos no Congresso, quanto possivel, es- 82 perando com isso avolumar a impressionante votagio total para © Presidente deposto. Os “de Fora” Os “de fora”, de 1945, mostraram ser um grupo menor do que se poderia esperar. Importantissimos, dentro da oposicio heterogénea, eram os constitucionalistas iberais, Em 1930, éles haviam apoiado Vargas na crenga de que es- tavam jniciando uma nova era democritica no Brasil, dando assim predominincia as reas urbanas em ascensio. Ao invés disso, éles viram as suas esperancas de um regime li- beral despedacadas quando Vargas levou o Brasil para o regime autocrdtico do Estado Novo. Em fins de 1944, & me- dida que a maré montante da vitdria aliada torn mocratizagia uma esperanca palpével, os constituci Heras organizaram um névo movimento politico, a Unigo De- mocritica Nacional, ou UDN. © titulo indicava a sua inten- ‘sao de formar uma frente unida de oposicio, tentativa que se mostrou muito mal sucedida. Com Vargas forgado pelo Exér- cito a resignar, 05 liberais esperavam retomar’a tarefa inaca- bada de quinze anos atrés. O seu candidato & presidéncia era © Brigadeiro Eduardo Gomes, conhecido oficial da Forga Aérea, jue havia sido um dos jovens militares rebeldes da década 20 e um revolucionirio de 30, mas que se havia oposto a virada autocratica dos acontecimentos de 1937: Eduardo Gomes recebeu a heranga politica de Armando de Sales Oliveira, principal candidato de oposigio na abor- tada campanha presidencial de 1937. Naquela campanha, Sales Oliveira falava em nome dos paulistas frustrados a quem havia servido como Governador, Se 1835 a 1087. Latara, contudo, para dar amplitude nacional ao seu apélo. Forgado a se exilar pelo golpe de novembro de 1937, viveu no exilio pata volar 20 Brasi a 7 de abril de 1045. ‘Cheyou ao solo rasileiro atacado de doenga incurivel e morreu a 17 de maio, com tempo apenas para testemunhar as dores de parto do re- nascimento democritico do Brasil. Sales Oliveira sempre reconhecera que os politicos bras leiros estavam sujeitos ao veto militar. Foi o seu apélo ao Exército, as vésperas do golpe de novembro de 1937, que for- 83 ‘gou Dutra e Gées Monteiro a anteciparem de cinco dias a data do golpe. Durante todo o seu exilio, Sales Oliveira contiuuow a apelar para o Exército com a tinica férca que poderia pér fim & ditadura que éste mesmo Exército havia endossado em 1937. Os seus constantes apelos eram prova convincente da fraqueza dos constitucionalistas liberais. Incapazes de dissua- dir 0 alto comando do Exército do golpe de 1937, éles sé poderiam esperar o seu reingresso na arena politica, se con- Yencessem 0s militares a reencaminhar o Brasil para a sua senda democritica. Nunca ocorreu a Sales Oliveira, durante todos 05 anos de exilio, atacar o Exército por haver desbara- tado a democracia em 37, ou organizar um movimento revo- luciondrio. Qualquer das duas atitudes teria violado a lei im- plicita da politica brasileirs, que éle como membro preemi- nente da elite, instintivamente apoiava. Atacar o Exército teria sido atacar a propria légica do sistema, e teria levado & conclusio de que 0 papel do Exér- cito, em 37, tinha sido mal concebido. Para os constituciona- listas liberais, nfo era o direito do Exército de intervir, mas ‘5 resultados de sua intervencio, que tanto mal havia feito a0 Brasil. Reconhecendo o poder de arbitrio do Exército, & até mesmo glorificando éste papel, os constitucionalistas libe- rais aguardavam uma nova intervengo em seu beneficio. Es- erevendo do exilio, em Nova Torque, em dezembro de 1939, Sales Oliveira colocava a questio da seguinte forma: “Fora do Exército, no hé solugao para a crise do Brasil. A uniéo 86 0 Exército a pode realizar, porque ¢ @ tinica férea nacional ilo desorganizada pela dembacla autoritéri”. Continuava, dl zendo que encarava o Exército “com uma confianca ilimitada” fe sugeria que o povo brasileiro desejava que o Exército assu- mise o poder “nesta hora de supremas ameacas para assegu- rar a ordem interna e 0 respeito externo, até que a Nagio, unida, delibere”.# ‘Um més depois da promessa de Vargas, de novembro de 1943, no sentido de redemocratizar o Brasil depois da guerra, Sales Oliveira publicou (desta vez de Buenos Aires), outra “Carta aos Brasileiros”. Nessa mensagem, identificava as esperangas dos constitucionalistas liberais mais intimamente com 0 Exército: “Do povo é 0 Exército a imagem, nestas fases de guerra mais do que nunca, Do povo tem éle as qualidades a fe 0 defeitos. Sentindo que a opiniio dos oficiais estava se voltando contra o Estado Novo, Sales Oliveira era solidario ‘com a sua angistia. “A verdade é que o Exército sofre, e, tem certo sentido, 6 mais infeliz que 0 povo, porque 05 galées sio antenas sensiveis, que devem recolher desde muito longe os funestos pressigios de humilhagdo da Pétria’* A identificagio dos constitucionalistas liberais com 0 cor- po de oficiais tinha uma base classista natural. O corpo de ofi- Ciais brasileiros era recrutado principalmente entre a classe média, da qual dependiam também os constitucionalistas i berais. Era, portanto, légico que politicos, como Sales Oli veira, presumissem que thes compartilhavam um interésse co- mum com os militares 7 ‘Mesmo quando o ditador jé cedia abertamente terreno, durante os primeiros nove meses de 1945, os constitucionalis- tas liberais, organizados na UDN, tinham 0s olhos postos no Exército, para a protecio dos seus direitos. Em outubro de 1945, por exemplo, a UDN mandou um rosirio de queixas 20 Ministro da Guerra, contra a atuagéo parcial de autoridades governamentais que permtiam a vilénci alegavam de, para perturbar a campanha eleitoral da UDN2? Depois do comi- cio queremista de 3 de outubro, 2 UDN protestou que “o continuismo” estava no ar, como ficara evidenciado pelo “ca- iter subversivo” do comicio” A 29 de outubro, o Exército finalmente féz 0 que os constitucionalistas liberais haviam es- pperado durante tanto tempo — depds Vargas. O fato de ter sido 0 Exército que depds o ditador privou a oposicio, espe- cialmente a UDN, da oportunidade de reclamar para si'o mé- rito de haver conjurado a ameaga & democracia brasileira. Com Vargas fora do pésto, um dos principais objetivos da UDN. tinha sido alcancado, se bem que 0 sentimento anti- ‘Vargas continuasse a manter a coesio do partido. O péso da ‘campanha teria agora que repousar na simpatia a0 seu can- didato e na sua posigo quanto a importantes questoes de organizagio politica e econémica. Eduardo Gomes, 0 candi- dato da UDN, contava com o apoio de grupos de homens de negécios nas cidades principais, inclusive no nordeste, bem ‘como de alguns proprietérios de terras, a quem recorria tam- ‘bém 0 PSD. Ble incluia entre os seus partidarios muitos mem- bros eminentes da elite politica brasileira, tais como 0 ex-pre- 85 sidente Artur Bernardes (Minas Gerais) e Oswaldo Aranha, exembaixador em Washington e ex-Ministro da Relagdes Ex- terioses. Aranha apofou o candidato da UDN, em por- que sentia magoa de ter visto cortadas as suas préprias am- presidenciais, quando Vargas o forgou a renunciar como stro do Exterior em 1944. Eduardo Gomes era apoiado também pela maior parte da imprensa, liderada pelos seus magnatas, Assis Chateaubriand, proprietdrio da cadeia de jor- nais Didrios Asociados, Herbert Moses (O Globo), e Paulo Bittencourt (Correio da Manha).*° © programa de Eduardo Gomes dava destaque aos as- ppectos juridicos da redemocratizagio do Brasil. No setor eco- némico, Eduardo Gomes ¢ a UDN pediam uma politica cau- telosa de industrializagio. Advertiam contra 0 uso do Banco do Brasil “para a criagdo de indistrias novas e financiamento das invidveis". Pediam a “colaboragéo do capital estrangeiro”, opunham-se As “barreiras fiscais” e recomendavam um “sanea- mento financeiro”. A plataforma da UDN de 17 de agésto apoiava a protegio A indiistria, sdmente se ela estivesse “do- tada de um equipamento modemo que reduza o prego da pro- dugio”. Herbert Levy, que seria mais tarde um dos pr pais Iideres da UDN, frisou o perigo comunista e advertiu que a elite deveria se adaptar, a fim de “assumir a direcdo das transformagées que se tornaram imperativas no nosso tempo” Em esséncia, a UDN estava recomendando uma volta aos princfpios do liberalismo, tanto em politica quanto em eco- nomia (0 “liberalismo” econdmico na acep¢io de Manchester). A sua formula era desmantelar o aparelhamento de contrdle do tempo de guerra, abolir as barreiras que obstruiam o livre ‘curso de homens ede capitais e por esta forma permitir o funcionamento das fdrgas econémicas espontineas. Nao puseram, contudo, a aboligéo da Ley previdenctira, nem, e é interessante notar, o desmonte da estrutura corpora- tivista, especialmente o sistema de sindicatos manobrados ‘pelo govérno, que havia sido deixado por Vargas. eases do assunto, na politica brasileira de apés-guerra, vale a pena frisar o quanto era dibia a posi- ho dn UDN ‘on quostio. da, ilustlizago, Clamands a favor do prosseguimento da industrializagio, néo se esclarecia qual a atitude que tomaria se o crescimento industrial do 86 Brasil viesse a ser impedido pelo emprégo das regras do Be ccongmia elise Alem Bio of Gapon corsercais © os ‘consumidores urbanos, que formavam uma parte importante das fileiras da UDN, certamente se oporiam a medidas econd- micas que tornassem os bens manufaturados mais custosos & courto prazo. ‘Um grupo muito diferente entre os “de fora", nas clei- ‘g6es de 1945, foram os comunistas. Clandestinos, desde a abortada revolta de 1935, éles ress. a hora da abertura democratica. Os candidatos do partido e o dogma marxista fencontravam uma larga receptividade, especialmente no seio da nova geragio, que pouco tinha conhecido além da estéril tutela intelectual e politica do Estado Novo. O Partido Co- munista do Brasil, ou PCB, estava em posi¢ao dificil em 1945. Era 0 tinico Partido Comunista da América Latina que havis tentado uma revolugio violenta. O desastroso fracasso dessa revolta, em 1935, redundou em farmidivel passivo politico. A revolta havia comegado com o assassinato de oficiais do Exército, forecendo dessa forma provas para os generais anti- omunistas, como Ces Monteiro’e Dutt, afimmarem que 8 “ameaga bolchevista” justificava medidas de represséo. Anti- comunistas militantes, inclusive muitos constitucionalistas li- berais, citavam constantemente 1935 como prova de que 0 Partido Comunista ndo tinha lugar num sistema democrético, Mas a anistia geral, em 1945, e 0 n6vo cbdigo eleitoral, de maio, haviam permitido ao Partido Comunista reorganizar- se como férga politica. A atmosfera de triunfo sdbre o fas- cismo, no exterior, baseado numa alianca entre os Estados Uni- dos e a Unio Soviética, e da qual o Brasil havia participado, ajudou a ressuscitar a reputaglo do Partido Comunista dentro do pats. O partido, portanto, gozava do prestigio moral de {dentficagdo bom o povo rusto que havia suportado a agres séo nazista na Europa. A nova atmosfera era simbolizada pelo reconhecimento da Unido Soviética, por parte de Vargas, em © proprio Lufs Carlos Prestes era 9 grande trunfo do 87 Prisio, em meados de abril, Prestes discursou durante um de com{cio no Rio de Janeiro, a 23 de maio, pregando oe: ficagdo nacional”, com vistas a uma “Assembléia Constituinte” Dirigiu-se especialmente aos “comunistas e antifascistas cons- gjentes” como “nests dns de agitagfo, em que, se proge a lesordem e se fala abertamente de armados, 0 esteio, méximo da ordem e da lei"? os Para surprésa de muitos adeptos, Prestes delineou uma cetatégia de frente popular que incuis o spoio & continua gio de Vargas no poder. A politica do Partido Comunista era apoiar o pedido de uma Assembléia Constituinte, enquanto que ao mesmo tempo dava preferéncia ao adiamento das ses presidenciais. A estratégia dos comunistas, portanto, coin- Cidia ‘com a dos queremistas, ¢ levantava a suspeita de que hay acérdo entre Vargas e Prestes. Teria Vargas “al- forriado” Prestes em troca do apoio déste ultimo a0 movimento queremista? Era realmente verdade que os comunistas tinham sido importantes para ajudar a organizagio do com{cio que- remista & porta do palicio presidencial, a 3 de outubro? les estavam também se infiltrando ativamente nos movimentos sin- dicais oficiais e estavam animando comicios operdrios quere- mista “antifascistas”? Depois que Vargas foi deposto, a 29 de outubro, a lide- ranga do Partido Comunista foi langada em confusio momen- tinea, A breve supressio do partido temores de que 0 seu status legal poderia estar no fim. Mas foilhe per- mitido continuar agindo e proceder a indicagio de candidat préprio 4 presidéncia. Em meados de novembro, o Partida escolheu edo Fiuza, engenheiro civil, ex-prefeito de Petré- polis © nio-comunista. Como esclareceu Prestes, em um dis- ‘curso da campanha, no Recife, em fins de novembro, o PCB acroditva que 0 Brasil anda nfo estava pronto pars um vémo comunlita. O do de novembro de 188% nto se, de- veria repetir. Prestes exortava seus ouvintes a apoiar o “can- didato civil”. Ao mesmo tempo, contudo, o PCB continuava ‘@ sua vigorosa campanha para eleger os seus proprios depu- tados e senndores dentro do nbvo Congresso™ ” Nos outros setores da esquerda havia pouca atividade im- portante. Dentro da UDN, havia uma pequena ala da Esquer- 88 da Democritica, que de fato se separou do udenismo em 1946. Nem entio, nem mais tarde, conseguiu influéncia dentro da- quilo que, em si mesmo, ja era um partido minoritério. Igual- mente significativo foi o fato de que a ressurreigao da compe- tigio politica livre no conseguiu produzir nenbum partido socialist independente de importincia: Em lugar dso, a es querda foi preenchida pelo Partido Comunista e pelo nas- cente Partido Trabalhista Brasileiro, que era, na realidade, uum pilar entre os “de dentro”, € que apofou intensamente Du- tra, candidato do PSD, no resto da campanha presidencial.** A Constituigéo de 1946; Um Novo Brasil? As vésperas da cleigio de 2 de dezembro de 1945, a tuagao era a seguinte: tanto os “de dentro” quanto os “de fora” no comunistas haviam apresentado, como candidatos, milita- res de alta patente, esperando dar as respectivas campanhas roupagens ndo-partidirias. O General Dutra, 0 incolor mas respeitvel candidato dos “de dentro”, parecia prometer uma ccontinuagio do sistema de Vargas, sem as caracteristicas tota- litérias. Sua campanha era discreta e dirigida a capitalizar © apoio da réde politica dos situacionistas, antigos e novos, herdados de Vargas. Estes, “de dentro”, estavam confiantes na forca da sua maquina eleitoral nas areas rurais e urbanas dos maiores Estados, especialmente Minas Gerais, Sio Paulo e Rio Grande do Sul. Os politicos liberais de oposicio néo tinham nenhum baluarte geografico, e pareciam ‘basear a sua con- fianea na erenga de que o seu papel na mobilizagao da opintao publica contra Vargas havia conquistado, para éles, iim di- reito natural a ter a sua vez no poder. Os comunistas ofere- ciam uma critica radical ao sistema politico e econdmico in- teto, enquanto esperavam ganhar votos através de um apélo “ndo-revolucionério” Enquanto 2 oposicio, especialmente a UDN, se queixava amargampente das ‘vantagens’de que, gocavim os, candidatos “oficiais’, os adeptos de Dutra mostravam-se preocupados com 1 inabalivel incapacidade do general de suscitar 0 entusiasmo dos eleitores. Em setembro, os principais lideres do PSD ti- veram um encontro © concordaram unanimemente que a can- 89 didatura ndo era mais “viével”. Joao Alberto, ex-chefe de po- licia do Distrito Federal e importante partidério de Dutra, confessou que a campanha do general se havia tornado “pe- sada”. Decidiram que deveria ser mandado um emissério a Dutra, pedindo-lhe para retirar a sua candidatura em favor de um nbvo candidato oficial. Mas a missio fracassou, quan- do Gées Monteiro, um dos lideres do PSD e firms adepto de Dutra, ameagou renunciar, se o ultimato levasse 0 apoio do ditador deposto. Vargas ‘negou qualquer conhecimento da decisio e 0 assunto morreu.*® Mesmo depois de Vargas de- posto, os adeptos de Dutra continuaram a se preocupar com éle. Dutra estava inritado porque Vargas havia feito muito pouco, depois de 29 de outubro, para apoié-lo na campanha. Virtualmente nas vésperas da eleigio, a 28 de movembro, Var- gas foi, finalmente, induzido a emitir uma nova declaragio apoiando 0 candidato do PSD. Este apoio a Dutra era sem muita conviegéo, e Vargas advertia de que “estarei ainda 20 lado do povo contra o presidente, se nfo forem cumpridas as promessas do candidato' As eleigdes realizadas a 2 de dezembro foram, como & da opiniio geral, dirigidas com imparcialidade, ¢ se passaram sem maiores incidentes. Os adeptos de Dutra nao precisavam terse preocupado. O ex-Ministro da Guerra obieve 55 por cento da votagao nacional, com inclusive uma conforté- vel margem de diferenga nos Estados-chave: Minas Gerais, Rio Grande do Sul ¢ Sio Paulo. Eduardo Gomes recebeu 35 por cento dos votos. Muito surpreendente foi a relativamente grande yotagio do candidat comunista, Fitiza, que recebeu 10 por cento do total nacional. Nas eleigées para o Congresso, © PSD ganhou 42 por cento dos votos (151 cadeiras), a UDN, 26 por cento (77 cadeiras), o PTB, 10 por cento (22 cadei. ras) e 0 PCB, 9 por cento (14 deputados e um senador)7 Os votos restantes © as respectivas cadeiras foram para candi- datos de partidos menores. A conclusio era inevitivel: mes- mo com Vargas substituido por um candidato apagado, a frégil alianga presidencial dos “de dentro” podia sobreviver a uma eleigto livre. As eleigdes de 2 de dezembro de 1945 prepararam o ter- reno para a redemocratizagio do Brasil. Tendo empossado 0 seu ndvo presidente em janeiro de 1946, o pais se preparava 90 1a refazer a sua Constituigao pela quarta vez, desde a que- Ba do Imperio, em 1889,_A Ordem dos Advogedos do Bra- sil indicou uma lista de destacados estudiosos em legislagio ara propor a substituiglo da estrutura autocrética imposta Em idsr © ndvo Congresso reuniuse em Assembléa, Cons tituinte © debateu sucessivos projetos constitucionais.** Em setembro de 1946 aprovaram uma versio final e 0 Brasil teve uma nova Constituigio. Como em 1934, ela en- globava tanto as esperangas dos constitucionalistas liberais quanto as dos que eram favordveis a um govérno federal for- te. Como em 1934, foram inclufdos elaborados dispositivos, destinados a assegurar eleigdes livres e direitos civicos. Mas no houve retérno ao sistema descentralizado que vigorava antes de 1930. Na realidade, os representantes 3 Assembléia Constituinte de 1946 nao faziam segrédo da sua oposigéo a um renascimento da antiga “politica dos governadores". O executive, muito ampliado, criado por Vargas, permaneceu virtualmente intact, se bem que a oposgto liberal tivste durante @ campanha eleitoral de 1945, feito acusagdes no sen- tido de que éste executivo havia sido usado para fins eleito- rais pelo Partido Social Democritico. O eleitorado foi formado ‘com a exclusio dos analfabetos ¢ dos convocados para as for- gas armadas. Esta exclusio de mais da metade do eleitorado brasileiro deveria ser mais tarde alvo de propésitos reformistas @ aceso debate? O Govérno Dutra Dutra logo se mostrou um presidente trangiiilame politico. O seu perfodo presidencial foi caracterizado freqiientes apelos por um retdmno A “trangiilidade”." Dutra gozou de uma lua-de-mel politica durante o seu primeiro ano, juando a UDN cooperou com 0 seu govérno nas tarefas ime- Tiatas do reconstrugao do apés guerra. ‘No fol senio. depois da aprovacio da nova Constituigéo, em setembro, que 2 poli- Sea se tornou francamente patidéria, Naquee ‘ms, 0 Pre sidente Dutra escolheu um ndvo gabinete moderadamente con- servador, em suas caracteristicas gerais. O nbvo Ministro das Relagées Exteriores, por exemplo, Raul Fernandes, era mem- OL bro destacado da UDN. O Ministro da Guerra, General Can- robert Pereira da Costa, era um anticomunista declarado, O Ministro da Fazenda, Cortéa e Castro, prometia tomar me- didas monetérias ortodoxas, de forma a deter a inflagdo nas- cida dos racionamentos do tempo de guerra. A UDN, con- tudo, fumegava, com 0 seu papel diminuto no névo govérno. Seus lideres achavam que 0 regime de Dutra, que repousava na mal alicergada méquina politica do PSD, havia permitido a um demasiado nimero de protegidos de Vargas permane- cerem nos cargos. A despeito dos esforgos de alguns Iideres da UDN, 0 partido entrou em oposigo aberta ao governo de Dutra. Em dezembro de 1946, os problemas do govérno Dutra se complicaram, quando o popular ex-ditador rompeu abertamen- te contra 0 govémo, Vargas havia estado ative, ando © nascente Partido Trabalhista Brasileiro no Rio Grande do Sul. Eleito senador sob a legenda do PSD, Vargas incitava aos trabalhadores brasileiros a se alistarem ‘no PTB. Seguia a estratégia caracteristica de manter um pé em cada campo, esperando desta forma uma large margem de apoio para um retémo politico. Tentou acalmar com explicagées a gri- ta levantada pela sua aparente deslealdade a0 partido do pre- sidente Dutra, mas a sorte estava langada. Juntamente com uma Constituigio democratica, o Brasil havia retomedo a po- Iitica partidéria,*® Linhas Politicas: Fluidez e Rigidez A mais implacivel oposigio a Dutra partia do Partido Comunista, que ressurgiu em 1945 como 0 mais forte partido comunista ‘da América Latina, Nas eleigées de dezembro, o Partido elegera para a Assembléia Constituinte quinze membros, que atacavam violentamente os dispositives ‘neoli- berais inscritos na Constituigio de 1946, Havia choques eriddicos “entre a policia © os miltantes_comunitas. nio demoraram em criticar 0 grande apélo que o govérno de Dutra féz aos investidores estrangeiros. Em margo de 1946, Prestes chegou mesmo a declarar que ficaria 92 a0 lado da Unitio Soviética no caso de uma guerra entre aquéle pais e 0 Brasil. Em maio de 1946, 0 govérno de Dutra expurgou todos os funcionrios publicos conhecidos como membros do Partido Comunista. Em agésto, 0 PCB foi presenteado com uma excelente oportunidade de fazer propa- ganda. O General Eisenhower, herdi do teatro de guerra europeu, onde haviam lutado as tropas brasileiras, visitou o Rio de Janeiro. Numa recepeao oficial, o lider da UDN, Oté- vio Mangabeira, deu um jeito de conseguir beijar a’ mio do general americano. Os ultranacionalistas sentiram-se ultra- jados, levantando uma tal onda que o assunto chegou a en- capelar o Congresso que, finalmente, votou a favor da ati- tude de Mangabeira.® © Partido Comunista estava facilmente encontrando ter- reno fértil para suas atividades. Os pregos subiram ripida- mente ¢ 0s comunistas se infiltravam com sucesso na lideran- ga de muitos sindicatos. Conseguindo uma importante vota- lo nas eleigdes de 1945, o partido parecia ter assegurada uma hbase de massas. As eleigdes estaduais e suplementares para Congreseo, em janeiro de 1947, confimaram essa suposiio, O PCB manteve a sua posigio como 0 quarto mais poderoso par- tido do pais © acrescentou dois novos deputados, elevando o total a dezessete deputados ¢ um senador, ao mesmo tempo elegia quarenta e seis membros em quinze legislaturas est duais e dezoito na Asembléia do Distrito Federal, sendo a a maior bancada na Camara da capital brasileira. No Estado de Sio Paulo, o PCB chegou mestho a substituir a UDN como © terceiro partido na votagio total.*+ Defrontando com essa crescente forga, 0 govérno de Du- tra decidiu usar a represséo. Féra incluido na Constituigéo de 1946 um dispositivo legal mediante o qual os partidos “an- tidemocraticos” poderiam ser impedidos de participagio aber- ta na politica. A cléusula foi invocada pelos procuradores do govérno e 0 PCB foi declarado fora da lei, por decisio judi- cial em 1947, Esta atitude foi apoiada, sem causar pelo Exército, que havia sido um bastiio da ideologia anti Eomunista oficial desde w revolugto comunist, em novembro de 1935. Também havia sido apoiada pela maioria dos cons- titucionalistas liberais que acompanharam os padres de 1935 a 37 € engoliram as suas dividas quanto a privar os “antide- 93 mooratas” dos seus direitos democriticos. Bles concordaram claramente com os “de dentro”, que a militineia dos comu nistas, combinada com o alarmante crescimento de seus déres eleitorais, poderia ser uma fra realmente dissolvente.® A supressio oficial do Partido Comunista coincidiu também com 6 inicio da guerra fria. Os anticomunistas brasileiros diam, portanto, encontrar no exterior uma pronta justificativa para ‘0s seus atos, © govérno de Dutra valeu-se dessas circunstincias derrubar os Iideres trabalhistas da ala esquerda. A Confede- ragio dos Trabalhadores do Brasil, esquerdista, organizada em 1946, foi declarada ilegal e o govémno federal “interveio” em 143 sindicatos (num total de $44) “para eliminar os ele- mentos extremistas".* A outra importante voz de oposigéo ao govérno Dutra foi a do ex-ditador, agora inquieto no seu “exilio” auto-impésto no Rio Grande do ‘Sul. Vargas participou ativamente da campanha para as eleigies de janeiro de 1947, apoiando os candidatos do PTB para o Congreso e os do PSD para as, governancas estaduais. Jé estava experimentando a estratégia Rho o reconduziia 20 paldcio presilencial. ‘A supressio do Partido Comunista criow um vazio na es- querda. O PTB, caja criago Vargas havia encorajado em 1945, especificamente’ para mobilizar o apoio da classe operé- ria em seu beneficio, movimentou-se rapidamente para ocupar © terreno deixado pelo PCB. Durante a campanha para co- locar fora da lei os comunistas, Vargas havia procurado dis- sociar 0 PTB do comunismo, que éle rejeitava como “desti- tufdo de idealismo construtor”‘" Uma anélise das eleigdes para a Assembléia Legislativa de Sio Paulo, em janeiro de 1947, mastrava que a votacio da classe operdria estava dividida entre 0 PCB e 0 PTB. Com o desaparecimento do primeiro, © PTB deveria certamente se beneficiar.‘* ‘Nessa altura de sua carreira, Vargas personificava, de um modo preliminar, um névo estilo populista politico. © témo “populista” era um tanto impreciso. Veio a ser usado para de- nominar um estilo de procedimento politico em uma situagao na qual o eleitorado urbano de massas mostra receptividade a uum lider atraente, que recorre a um apélo direto e emocional, baseado em consideragies econémicas de varidvel sofistica- 94 io ideolégica. O politico populista seria imprevisivel antes de 1930, e éste seu sucesso pressupSe um voto relativamente livre. E um lider personalista, cuja organizacio politica gira em tomo das suas préprias ambigdes e d8 tus, prépia car reira, E temido, naturalmente, pela direita, devido a0 trans- témo que poderia trazer ao status quo. Desdenhado pela es- querda marxista disciplinada, pela sua irresponsabilidade ¢ “mistificagdo” das massas, nos iiltimos vinte anos, os politicos populistas mostraram ser formidaveis imantadores de votos no Brasil? © populista mais notivel da era de Dutra foi Ademar de Barros. Produto de uma antiga familia paulista, fora inter- ventor de Vargas em Sao Paulo, de 1938 a 1941. Inteiramente familiarizado com as técnicas dos “de dentro”, poderia indu- bitivelmente ter continuado como um manipulador bem su- cedido daquele sistema, depois que Vargas foi forgado a re- nincia. Mas Ademar tinha uma ambigte compulsiva que 0 impelia a se mostrar com uma nova forna politica, Mistu- rando ao empreguismo generoso, vistosas obras publicas © uma campanba pitoresea, de um estilo que lembrava Tammany Hall ou Huey Long, éle se mostrou notavelmente bem suce- dido. Para surprésa de quase todos os politicos da velha guar- da, Ademar arrebatou a governanga de Sio Paulo, em 1947. ‘A eleigio de Ademar foi um tour de force. Durante a campanha, féz acérdo declarado com 0 Partido Comunista, em troca do apoio déste. Isso Ihe valeu uma grande quanti dade de votos da classe operdria, e levantou também a raiva dos politicos conservadores e de oficiais do Exército que ques- tionavam abertamente o direito de Ademar ser empossado. No entanto, Ademar conseguiu atrair uma grande faixa da classe média, provando dessa forma a alguns. observadores (¢ isto no perdia, para Vargas), que nem 0 PSD, nem a UDN, eram vefculos satisfatérios para a opinido da clisse média. Foi per- mitido a Ademar assumir 0 cargo, onde tle comegou um pi- toresco govérno de quatro anos. Entre os seus adeptos mais desabusados, o lema era “rouba mas faz" © estilo politico personalista e “corrupto” que Ademar adotou era uma resultante légica do aumento sibito do niimero de eleitores. Os politicos elitistas de antes de 1930 ti- nham poucas esperangas de aleancar suceiso com os seus mé- 95 todos antigos, em meio ao eleitorado de massas criado pelo processo acelerado de urbanizagio. Como populista, contudo, ‘Ademar foi algo decepcionante. Ble ndo constituiu na_verda- de ameaga aparente & ordem econdmica ¢ social estabelecidas. seu era essencialmente a politica de “bem-estar social”, da década de 1930, levada as ultimas conseqiiéncias eleitorais, combinada com um astuto desejo de cooperar com 0s centros de poder jé existentes em Sio Paulo. Ao mesmo tem- po, Ademar estava organizando 0 seu préprio partido, o Par- tido Social Progressista, ou PSP, o qual, em 1950, iria ‘obter 0 maior mimero de votos do Estado. No final da presidénefa Dutra, ainda nao havia aparecido ‘um politico populista significative da esquerda. Ademar nao tinha procurado explorar os sentimentos populares de nacio- nalismo econdmico, uma ténica que, mais tarde, viria a ser 0 pau-para-téda-obra’ dos populistas da ala esquerda. Mas o Divo estilo’e o efeito que causava haviam sido amplamente demonstrados.*? O Ziguezague Econémico A histéria econdmica da presidéncia de Dutra ser dividida em duas fases:. 101647 194790. No ence Reriodo enssiou-se 0 retdmo aos principios do. libealismo laissez faire, uma politica que foi abalada pelo rapido exgotamento das reservas braieiras de divsas © do resultante deficit no balango de pagamentos em 1937. A reintroducéo de contrbles cambiais, em junho de 1947, marcou 0 comégo da transi para 0 segundo perfodo, com 0 accleramento da “industrializagao espontinea” e uma inclinagio para formas rudimentares de planejamento geral dos gastos federais.* Os homens que haviam redigido a Constituigio de 1946 foram fortemente influenciados pelas idéias do liberalismo eco- pémico, do qual o Estado Novo se havia desviado, Como 0 fin do Estado Novo coincidia com o fim da guerra, os advo- gados © 05 politicos anti-Vargas estavam tentando rejeitar a intervengio estatal, que havia sido identificada com ambas as coisas. Em parte, eram motivados pelo desejo de evitar a continuagio, no futuro, daquilo que consideravam como 0 uso 96 politico ilegitimo dos contréles econémicos do pasado, Ao mesmo tempo, & medida que surgia a nova Constituigio, em 1946, 0 govérno Dutra rapidamente desmontou 0 aparelho ‘ad hoc de contréles diretos dos tempos da guerra. A resposta do névo govérno A inflagao oriunda da guerra foi abrir o pais 4 importagio de bens manufaturados no exterior. Isso parecia ainda mais l6gico, em vista das grandes reservas de divisas acumuladas durante a guerra. Os Ministros da Fazenda, em 1946 e 1947, procuraram, portanto, satisfazer a procura em suspenso, e combater o aumento de’ pregos através de uma generosa politica de importagio. Combinada com essa inclinagio para a politica de taxa de cémbio flutuante e livres movimentos de capital, havia uma politica de restrigéo no tocante 4 economia interna. Preo- cupado com 0 aumento do nivel de pregos, 0 govérno Dutra, em 1946, nfo empreendeu medidas efetivas para expandir a jade industrial interna. O Ministro da Fazenda Correia stro, no seu Relatério anual, referente a 1946 datado de maio de 1947, observou que o crédito bancério deveria ser “organizado em moldes clissicos” e advertiu contra “manobras bancérias oportunistas”. Sublinhou que “o retdrno as normas do livre comércio”, criaria “um clima de confianga propicia- dora do aumento de produgio”. into 20 destino econdmico do Brasil, 0 Ministro da Fazenda foi franco. Qualificou o Brasil como um “pais essen- cialmente agricola” e ‘acrescentou: “E da esséncia da economia latino-americana, eo Brasil nesse conjunto est integrado, certa concentragio de esforcos na exportagso de matéria-pri- ma e de géneros alimenticios, bem como na importagio de ampla variedade de artigos manufaturados e de comestiveis in- Gustrializados”.4 ‘A politica econdmica do inicio do govérno Dutra, baseada em um minimo de contréles em cada setor, bem cedo se mos- trou contraproducente. As reservas cambiais que, em 1945, totalizavam US$708 milhdes, foram virtualmente dissipadas depois de ano e meio. Os pequenos saldos externos que s0- braram estavam em contas bloqueadas, reduzindo 0 ativo li- quido no exterior a apenas US$2 milhdes, no fim do primeiro trimestre de 1947. A politica de satisfazer a procura interna nantendo um alto nivel de importagées entrara em choque 97 com o fato da limitada capacidade do Brasil para importar. Em esséncia, o Brasil tentara voltar ao nivel de importagées ‘que havia prevalecido em 1929. Mas a renda nacional crescera de ‘50 por cento sbbre a de 1929, 20 passo que a capacidade de importagio permanecera a mesma, Um equilibrio a curto pra- 20 6 poderia ser conseguido pela adocéo de uma dentre duas ‘medidas: deevalrizgto ou o coutrile do ctmbio, Escolben- esta iltima, o regime de Dutra, provavelmente sem per- aber as impliagtes de sun propel atitude, fornecea Fam poderoso estimulo & industralizagdo brasileira.** Em junho de 1947, 0 govémo introduziu um conjunto de contréles cambiais que esiabeleceu um dristico sistema de importagio, ao mesmo tempo que mantinha a alta valorizacéo da moeda brasileira. Mesmo que 0 declarasse niio se haver afastado da sua anunciada de combate & infla- ‘glo com a manutengio das importagdes, na pritica os regu: lamentos trabalhavam contra os bens de consumo e em favor do artigos essenciais, tais como combustiveis, equipamentos maquinaria. J& que a procura interna continuava elevada, ha- vvia forte incentivo para a expansio da indistria brasileira. Além disso, a manutengdo de um alto valor oficial do cruzeiro agia como desestimulo do setor de exportagio, desviando assim os investimentos para a produgéo destinada ao mercado interno. © surto resultante no desenvolvimento econémico do Brasil, da mesma forma que a substituigio das importagées na dé: cada de 30, foi fase da “industrializagio espon- Este 10 no foi, de modo algum, produto de uma poli era por pate gov Dut. ‘Ao contrrio, resultou de medidas destinadas & solugdo de problemas ime- diatos, tais como a inflagdo interna e 0 desequilibrio no ba- Tango ‘de pagamentos. Os contrdles cambiais de 1947 agiram de modo semelhante & politica de apoio ao café da déca 30, jé analisada. Nenhuma das duas politicas se destinava a Promover 4 industralizagi, mas ambus tveram ésto feito, ito-de-vista dos que defendiam a industriaizagio do Brasil, so exemplos de “sonambulismo” no planejamento da politica econdmica.** ‘A industrializaglo dos dois iltimos anos do periodo de Dutra foi ajudada por uma politica de crédito mais liberal, in- 98 cluindo-se af empréstimos do Banco do Brasil a diversos se- tores-chave da indistria particular, como, por exemplo, a em- présa Klabin, que constraiu uma fabrica de celulose no Parand, a Acesita, para a producdo de agos especiais no Vale do Rio Doce. No fim da presidéncia Dutra, 0 Brasil j4 podia osten- tar um {indice notdvel de crescimento econémico. Entre 1045 ¢ 1951, houve um crescimento de 6 por cento a0 ano no pro- duto real total e de 32 por cento ao ano no produto per capita s anos que se seguiram « 1947 também viram 0 coméso de uma mudanga na atitude do govérmo Dutra diante da ne- ccessidade de coordenar os seus gastos piblicos, consubstancia- do no Plano SALTE, proposto em maio de 1947.* Isso era ouco mals do que ran prea tetativa pra s coordens gio de iblicos, dentro de um plano qiingiienal. O Plano SALTE foi incarporado ao projeto de orgamento fe- deral para, 1049) mas munce fol inteiramente splicado, Fun- cionando durante um ano apenas, 0 Plano SALTE entrou em dificuldades financeiras e acabcu sendo abandonado em 1951." © fracassado programa SALTE, que abrangia apenas in- vestimentos pablics, foto maximo que Dutra con: soguiu para se aproximar de um planejamento em escala na- ional. O planejamento em escala regional, contudo, estava no texto da Constituigio de 196 e previa projetos para desen- volver os vales dos rios So Francisco e Amazonas ¢ um outro para combater » sta do nordeste. Cada programs tisha gy rantida uma percentagem da renda fiscal da Federagéo (1 por cento para o Vale de Sio Francisco ¢ 3 por cento, cada, para ‘© Amazonas e o nordeste). A Comissio do Vale do So Fran- cisco, ou CVSF, e a Superintendéncia do Plano de Valoriza~ io Econdmica'da Amazénia, ou SPVEA, foram criadas em 1948. Nenhuma das duas iria se mostrar um agente particular- mente efetivo de desenvolvimento econdmico, mas a sua cria- ‘gio © 0 continuo apoio financeiro por elas recebido, de parte do govémo federal, mostravam que néo havia aversio 20 planejamento, na prética, a despeito da influéncia que defen- sores do liberalismo tinham exercido em 1945 ¢ 46. Em re- sumo, o planejamento, durante os anos de Dutra, foi procura- do em base regional ¢ setorial, acompanhado de uma marcha 99 reduzida deliberada do principio da intervengio estatal na economia.®® Em fins da década de 40, no entanto, havia sinais de um dcbate de amplas proporgies adbre a questio da estatégia ideal do Brasil com relagio ao desenvolvimento econémico. Em 1948, o Brasil e 05 Estados Unidos acordaram em instalar uma Comissio Técnica Mista, destinada A retomada da coope- ragio econémica estabelecida pela Missio Cooke, que o Pre- sidente Roosevelt havia enviado durante a Segunda Guerra Mundial. A comissio recebeu podéres para “analisar os fatd- es que, no Brasil, tendem a promover ou retardar 0 desen- volvimento econémico brasileiro”. A delegagio americana era chefiada por John Abbink, e a delegacio brasileira por Otdvio Gouvéa de Bulhdes, O resultado dos tabsthos dt comissio, pablicados em junhio de 1649, fcaram conhecidos com a Re- latério Abbink. © relatério refletia os pontos-de-vista forte- mente neoliberais dos seus dois chefes, Bulhées e Abbink. Ne- gligenciava grandemente a rea da industria manufatureira © se decidia a favor de medidas financeiras ¢ fiscais ortodoxas: “Pode um desenvolvimento equilibrado e ripido, de tal natureza que traga beneficios duradouros 20 povo, ser conseguido no Brasil em condigées rapidas e continuas de ele- vagio de precos? A comisséo estd convencida de que nio”. O relatério sublinhava também a necessidade de “um desenvol- vimento equilibrado dos recursos do Brasil, através da empré- sa privada’. A comissio via a necessidade de medidas para reestruturar’o mercado interno brasileiro, 0 qual, nunea bem organizado, havia sido langado em confusio pela rapida infla- 40 de 1941 a 46 e pelo efeito distorsivo do surto de espe culagio imobiliéria urbana. Finalmente, o relatério dava én- fase as sérias deficiéncias nas Areas do transporte e da ener Bia, ¢ reconhecia que estas Areas de estrangulamento iriam re- querer vigorosa agio estatal.®! ‘A publicago do Relatério Abbink estimulou as criticas de um grupo de jovens economistas que vinham de editar um jornal econémico para a Confederagio Nacional da Indiis- ‘tia, no Rio de Janeiro. Eles discutiam as bases tedricas do relatério, especialmente a presungio de que a inflagio num pais subdesenvolvido, como o Brasil, era necessariamente 0 tesultado de uma tentativa de “superutilizagio” dos recursos 100 disponiveis. Sugeriam uma alternativa na interpretagio, le- vando em conta as diversas condigdes das economias subde- senvolvidas, nas quais 0 desemprégo disfarcado poderia coin- cidir com a elevagao de precos. “O que deve preocupar numa politica econémica”, argumentavam, “€ 0 aumento das rendas reais, sobretudo num pais subdesenvolvido, mesmo que supo- nha uma certa alta de pregos”. Estes criticos anteciparam-se & versio primitiva da teo- ria “estruturalist', O réatério apenas subliahara a_necess dade de eliminagio dos “sintomas”, que, afirmava, s6 desa- receriam quando as deficiéncias subjacentes a’ estrutura Fouvessem sido superadas, Alnda que reconhecessem 0. valor de alguns dos trabalhos técnicos da comissio, conclufam que “a politica de contengio crediticia preconizada pelo relatério, portanto, € contréria, na situagao atual, ao objetivo do desen- vol¥vimento scondmicn, que requer, ante, para um emprégo mais produtivo dos fatdres lucdo, ‘uma expansio ade- wind de ction, Otivio Comrca e Bue Replicoa ‘de. Endendo o relatério, pelo qual lavia sido ex grande parte responsivel. Esse debate foi uma abertura para a subsequente controvérsia sébre desenvolvimento econdmico, entre 03 “monetaristas” © os “estruturalistas”.? A Volta de Vargas Vargas tinha sido apanhado desprevenido pelo siibito des: moronat do Estado NOvo. A retomada das eleigaes lives 30 tomara inevitével em principios de 1945, e o ditador no poder niio conseguira evitar a sua propria destituigio, como prekidi Go restabelecimento da dentoctacia liberal da qual se havia desviado em 1937. Contudo, poucos acreditavam que Vargas permanecesse fora da politica por muito tempo. Mal havia Dutra se instalado no palécio presidencial, © os admiradores de Vargas comegaram a manipular a la tura déste as eleigées presidents de 1050, A eeigbo de 1045 ue Vargas gozava de grande prestigio popular, eleito Qu fra fara Setudo por dos Exados ~ Bo Grande do Sul e Sao Paulo. Depois de alguma hesitagio, aceitou o man- dato como senador pelo PSD e por seu Estado natal, o Rio 101 Grande do Sul. Parecendo afastado dos embates politicos, a sua estincia, em Sio Borja, tornou-se a meca dos aspirantes aos cargos piblicos, 0 que vinha mostrar, a téda evidéncia, que a personalidade central do perfodo ndo era o presidente recém-eleito, mas o recém-deposto. Elcito para o, Senado, Getilio aparecia com pouce fre- qiiéncia naquele érgio que descrevera em seu discurso de estréia como uma “espécie de remanso onde se vinham atenuar todos os rumores vindos de fora”. Durante 1946, posou de ex- presidente que nio guardava rancor das amargas lutas politi- as, em seus quinze anos no poder. Esperava que sua atitude ostensivamente conciliatéria desarmasse os seus inimigos, lide- tado pelos politicos da UDN, ¢ que continuavam, depois de 1945, a capitalizar politicamente a sua longa oposigio ao Es- tado’ Névo. Diante da dentincia, Getilio explorava a notivel propensio dos brasileiros a esquecer € perdoar, em politica. Em dezembro de 1946, pronunciou longo discurso no Senado, justfcando o golpe de 1837, como dnica alterativa do Bras diante de uma guerra civil iminente. A implicagio era clara. A livre competigio politica tinha sido a norma pela qual o pais se afastara durante um perfodo de emergén- cia. Com o retérno & normalidade constitucional, 0 ditador de ontem se transformara no maduro estadista de hoje— pronto, se fésse solicitado pelos seus compatriotas, a concorrer 20 cargo supremo.® ‘A altura de 1949, a paciente estratégia de Vargas come- a dar frutos. Misturando discricéo, magnanimidade e tato, Ee gradualmente conseguiu ir mudando a sua imagem de Var: gas ditador para a de Vargas democrata. Os politicos da UDN descobriram que meros ataques aos erros do Estado ‘Novo traziam resultados diminutos. A retérica de 1945 soava cada vez mais irrelevante aos problemas de 1950. Em seu ndvo papel de politico democritico, Vargas necessitava de ‘um partido. Os seus esforgos iniciais dirigiam-se & organiza- ‘so do Partido Trabalhista Brasileiro, que havia sido fundado apolando Dutt, Bs vsperasdn'cegho presidencal Se 150, apoiando Dutra, as ia eleigao. presi le 1945, oavocara todos os tabalhadores braslekos a so filarem ao PTB. Em 1946, pedira apoio para o PTB como o partido “o melhor indicado para realizar a felicidade de todos os 102 brasileiros”. Nas eleigGes suplementares e estaduais para o Congresso, em janeiro de 1947, colocara-se & frente da campa- tha ‘om favor dos eandidatos do PTB uo Congresso,ataeando a “plutocracia” da “democracia capitalista”, na qual a liber- dade pin era um “burla”, pois the faltava “igualdade Enquanto trabalhava para dinamizar éste ndvo partido, Vargas cuidou de niio esquecer os seus velhos contatos. Quan. do afastado do poder, verificou, com asticia, que as Tinhas partidarias eram demasiado flufdas e que os empenhos par- tidérios eram muito pouco dignos de confianga para que um politico nacional se identificasse exclusivamente com um 36 partido. Na realidade, a sua ligagao partidéria, como senador, era com o PSD. Perguntado, em fins de 1946, como podia éle conciliar seus esforgos para organizar um partido de oposigio (o PTB), com a sua condigao de senador pelo partido do Presidente Dutra (o PSD), disse francamente: “tenho no PSD de todo o Brasil muitos amigos a quem aprecio. Uma atitude politica em campo doutrindrio no constitui injiria a ninguém, hem exclui possibilidade de uma colaboragio’.* Foi preci mente sobre a “colaboragio” do PSD e do PTB, que Getilio. baseou a sua volta politica na década de 40. Por ocasiio de uma tournée de discursos em Minas Gerais, durante a eleigio de 1947, por exemplo, Vargas apoiou o Governador Bias For- tes, polio da vehia_guarda do PSD, ao mesmo tempo que fazia campanha pela eleigio dos candidatos do PTB 20 Con- esso. A estratégia de Vargas era clara: manter a lealdade los tradicionais caciques politicos do interior, através do PSD, a mesmo tempo que conseguia férga eleitoral nas cidades, por meio do PTB. Como lider do PTB, Vargas enunciava a sua filosofia po- Iitica do trabalhismo — uma mistura de medidas de bem-estar social, atividade politica da classe operdria e nacionalismo eco- ‘némico. Era uma versio atualizada (agora, num contexto de- mocritico, ao invés de autocritico), da filosofia social que ha- vvia sido expressa em térmos corporativistas durante o Estado Novo." trabalhismo nio foi no entanto 0 éinico movimento po- Iitico a funcionar nas cidades. O Partido Comunista havia mos- trado forga em 1945 e 47, especialmente no Distrito Federal 103 € em Sio Paulo. O seu fechamento legal em 1947 cedo 0 afastou como férga _auténoma, piblicamente identficdvel. Férga eleitoral mais dindmica, em Sao Paulo, era o movimento do politico populista Ademar de Barros. Ademar havia mon- tado uma formidavel méquina eleitoral, o PSP, que se inf trava bem pelo interior do Estado de Sio Paulo. Depois de dois anos como governador de Séo Paulo, Ademar representava, uma férga mais poderosa, dentro do Estado, do que o PTB ou o PSD. Se Getilio quisesse alcangar a presidéncia, nio 0 podera fazer sem 0 autlle de Ademar. © proprio Ademar tinha também ambigées presidenciais. Mas achava muito cedo ppara testé-las e precisava do amparo de Getilio para os seus \lanos de longo aleance. O apoio ao retro de Vargas, signi- Eeava, cm contrapertila, o futuro apoio de Vargas'a0 none de Ademar, que estendia assim um trampolim para 0 cargo su- premo. ‘Nao era apenas entre os politicos que Vargas construfa (os alicerces da sua candidatura. Havia também a opinifo dos millitares, a ser levada em consideragio. Getilio fra instalado na presidéncia, em novemb:o de 1930, por uma junta militar; feito ditador em 1937, pelos militares; e sumariamente depos- to, em 1945, pelos militares. Em cada caso, houve vigorosos debates entre os oficiais superiores do Exército, sobre 0 ca- minho que deveriam tomar Férga Armadss. Em cada opor- tunidade, houve suficiente concordincia, quanto ao alto co- mando em assumir uma frente unida. Em 1937, e de novo em 1945, as figuras-chave na carreira de Getilio’ foram os Ge- nerais Dutra e Gées Monteiro. Agora, quando Vargas plane- java o seu retérno politico, Dutra era o presidente rigidamente correto, enquanto Gées Monteiro, sem posigio formal de co- mando no Exército, nfo perdera ainda a influéncia como chefe militar, grandemente respetado dentro da classe dos oficiais, ‘como autor do “movimento de 29 de outubro”, que derrubara Getilio em 1945, Vargas e Ademar de Barros mandaram seus emissérios, em fins de 16, para saber de Ges Monttro como os mailita res reagiriam & idéia da candidatura do ex-ditador. Gées asse- gufoa See Iogarestenentes de Vargas que nar “Rérgas Arms. las nao perduravam ressaibos ou idéias preconcebidas contra le, nem elas se oporiam a sua posse no caso de eleito, desde 104 que respeitasse, no s6 a Constituigéo, como os direitos im- postergiveis dos militares”. O apoio de Gées foi selado por luma reconciliagao emocional com Getdlio, durante a qual os detalhes da estratégia da campanha foram discutidos. Vargas tentou convencé-lo a aceitar a indicagio para a vice-presidén- cia, pela coligagdo PSP-PTB, mas Ges jf se havie ‘compro. metido a apoiar 0 candidato escolhido por Dutra e o PSD. Isso tornava duplamente importante para Vargas obter a ga- rantia de Gées, de que a maioria dos militares néo vetaria a sua candidatura. No coméso de 1950, 0 PSP, sempre um ins- trumento pessoal de Ademar de Barros, ofereceu & Getilio a indicagao da sua candidatura para a eleigéo presidencial de 3 de outubro’ de 1950. Em jusho, 0 PTB se reuniu e também indicou Vargas. A 7 de junho, éste aceitou ambas as indica- es. O cenério para a campanha eleitoral de 1950 ja estava montado. Vargas ressurgia no cenirio nacional como campedo do trabalhismo © como 0 candidsto endossado por seu rival mais préximo em populismo, Ademar de Barros. © PSD, abrigo de muitos getulistas dos dias do Estado Novo, decidiu apresentar 0 seu proprio candidato, Cristiano Machado, um advogado ¢ politico sem ressonancia nacional, retirado do baluarte pessedista de Minas Gerais. A indicagéo do PSD surgiu por insisténcia de Dutra, que se mostrava ofen- dido com os ataques de Vargas a0 govérno vigente e queria assegurar “continuidade” na presidéncia, escolhendo o seu pré- prio'sucessor. Mas Dutra fo ingtouo’e relativamente nel ciente na arte das negociagées com os caciques do PSD. $6 no Estado de Minas Gerais teve 2 candidatura Cristiano Ma- chado um apoio capaz de oferecer a Getilio alguma ame: feal. Nor outros Estados, “entendimentor"com oFPSD ou com facgbes dissidentes do partido, como no Rio Grande do Sul, asseguraram um apoio menos que entusidstico a Machado, se- no 0 apoio ticito a Getilio, Essa estratégia foi facilitada pelos contatos intimos de Vargas com os ex-interventores que ‘ram agora préceres do PSD. Emini do Amaral Peixoto, con- comendo a dos mais governador do Estado do Rio de Janeiro, era um inentes. Era, também, genro de Getiilio. O apoio do PSD a Cristiano’ Machado, “naquele Estado, foi minimo.* 40s ‘A oposiséo natural a Getilio, a UDN, voltou a indicar Eduardo’ Gomes, seu candidato de 1045. A despito da vitra dos “de dentro”, em 1945, a UDN nio havia abandonado sua esperanga de que a redemocratizagéo do pais a ajudaria a alcangar a presidéncia. Imediatamente apés sua derrota em 1945, Gomes explicou que a eleigo de Dutra havia sido in fluencfada por “alguns fat6res transitéros", que eram os “rest duos de um govérno maléfico”, tais como “a submissio fas- cista dos trabalhadores ao Estado, o descuramento da educa- gio” e “o pauperismo”. Por volta de 1949, os Iideres da UDN esperavam que éstes “fatdres transitérios” deixassem de ter muito péso, Teimosamente recusavam-se, no entanto, a adap- tar a sua estratégia de campanha & nova atmosfera politica do Brasil de ‘a. Durante a campanha, Gomes chegou mesmo a defender 0 repidio & lei do salério-minimo. Por igual, aceitou 0 apoio formal da iiltima leva de integralistas je Plinio Salgado, agora organizados como Partido de Repre- sentagio Popular (PRP). ‘A campanha eleitoral decorreu dentro das linhas que Var- gas havia planejado. A oposigio contra éle estava dividida. Incapaz de encontrar um candidato de unio, tanto a UDN quanto 0 PSD colocaram em campo os seus préprios candi- datos, contra os quais Vargas edificou uma formidével alian- ‘ga, num casamento de conventéncia, entre as fOrgas politicas velhas e novas do Brasil. As velhas, representadas pelos poli- ticos do estilo tradicional — especialmente do PSD — para ‘quem.a politica era menos uma questio de diretrizes ¢ prin- éipios que de poder e empregismo, Encaravam 4 vida pix lca como tum processo para satisfazer aos sous “clientes”, ge- Talimente os proprietérios da estratura a fora. As novas forgas politicas eram entadas pelos politicos populistas, que haviam demonstrado eapacidade de obter os votos das ‘massas em crescimento inclusive a classe operiria e a baixa classe média — nas cidades maiores. Ademar de Barros era 0 principal beneficiério dessa politica de névo estilo. E 0 pré- prio Vargas assumiu tse papel, nov seus exforgs para cons truir o PTB. A alianga de Getalio repousava, portanto, no PSP de Ademar (de crucial i em Sio Paulo), 20 PTB, e no PSD, onde a lealdade déste ultimo fésse negoctivel. Em um Estado, Pernambuco, Vargas encontrou o PSD tei- 106 4 mosamente compprometido com Cristiano Machado, e foi for- ado a se aliag A UDN, o partido cuja raison d'étre era a opo- sigio ao getullsmo. Nao se pode encontrar maior prova do cardter nio-doutrindrio dos partidos nos Estados econdmica- mente atrasados! Getto tinha fortes razSes pessoais para querer recon- quistar a presidéncia, Em seus discursos afirmava nfo guar- dar amargor pela sua deposicio, em 1945, embora se mos- trasse apaixonado, nos contactos pessoais que mantinha, com respeito a sua “reivindicacio” imediata.”® Durante a campa- ha, féz a defesa da sua félha de servicos, de 1930 a 1945, especialmente quanto a politica econdmica. “A minha atuacio obstinada”, explicava éle, fra no sentido de “transformar em nacio industrial” uma nagdo “paralisada pela miopia dos go- vernantes aferrados 4 monocultura extensiva e & exploracéo primaria de matérias-primas”. Os brasil oportunidade de “renovar o impulso perdido em 1945”. Ele biadava: “lutet © lutarei, enauanto tiver alento, contra os empedernidos e miopes anéstolos da involuglo, os apologistas da estagnacio e do marasm ‘Vargas poupou Dutra em seus ataques, mas nfo o Minis- tro da Fazenda, Manuel Guilherme da Silveira Filho, que Getilio denominava “o grande organizador de detrotas™’? Vargas escamnecia das medidas financeiras ortodoxas que ha- viam custado a0 Brasil as suas reservas cambiais em 1946, sem fortalecer suficientemente a sua base industrial. Essencial- mente, advogava um aceleramento na industrializacio — uma politica do tipo que seria mais tarde rotulada coino “desen- yolvimentismo”. Ao mesmo tempo, reclamava para si o mé- rito de haver iniciado o impulso de industrializagio no Brasil Vargas também fazia campanha quanto & necessidade de expandir e fortalecer a legislagio da previdéncia social, ini- ciada na década de 30. Em 1946, pronunciara a sentenca de morte da “velha democracia liberal e capitalista’, a qual tem “fundamento na desigualdade”. Em seu lugar, estava surgin- do, declarava entéo, “a democracia socialista, a democracia dos trabalhadores”. Agora, na campanha de 1950, protegia-se dos *reaciondrios” citando’ a Rerun Nocarum do. Papa ‘Leto XIIT, “que muita gente cita sem conhecer”.” 107 Eis a linguagem do trabalhismo de Vargas, mas 0 velho Maquiavel era demasiado astuto para oferecer a mesma men- sagem em téda parte. No Rio de Janeiro, centro de forga comunista em 1945-47, sentiu que precisava alguma coisa mais forte, e apareceu como populista: “se fr eleito a 3 de outubro, no ato da posse, 0 povo subir comigo as czcadas do Catete. E comigo ficaré’ no govérno’."* Em Minas Gerais, era 0 sébrio estadista; na Bahia, o elogiiente discfpulo do liberalism de Ruy Barbosa; no nordeste, 0 campedo de uma cruzada contra as sécas. Quanto aos adversérios de Getilio, Cristiano Machado no émpreendeu uma campanha nacional séria, concentrando- se, a0 invés, onde a sua férga j@ estava provada. Eduardo Go- mes, a0 contrario, movimentou-se frenéticamente em busca de votos, e seu partido, a UDN, apoiava o seu candidato com ‘uma riqueza de publicidade, sustentada pela maioria des jor- nais ¢ estagdes de radio. Vargas enfrentava os meios de co- ‘municagio de massas com caminhdes equipados com alto-fa- Iantes e volantes impressos. Seu itinerdrio de campanha era um modélo de eficiéncia. Realmente, conhecia mais 0 Brasil, como nem Gomes nem Machado jamais poderiam conhecer.** ‘A.3 de outubro travou-se a disputa eleitoral e Getalio saiu vitorioso. Para grande choque da UDN e surprésa do PSD, obteve quase que a maioria absoluta da votagio para a presidéncia, 1gcebendo 3.649.040, ou seja, 48,7 por eento da votagio total. Gomes chegou em um débil segundo lugar com 29,7 por cento ¢ Machado em terceiro, com 21,5 por cento. Um belo resultado da estratégia eleitoral de Vargas Esta estratégia vitoriosa assinalou, entretanto, um gran- de niimero de débitos eleitorais. A maior divida eleitoral de Getilio era para com Ademar de Barros, governador de Sio Paulo. Aproximadamente, um quarto da votagio nacional veio do reduto ademarista, onde o total de 925.493 votos do pre- sidente eleito foi quase trés vézes 0 de Gomes (357.413) ¢ seis vézes 0 de Machado (153.039). No Distrito Federal, a méquina eleitoral de Ademar funcionou com grande eficién- cia, ajudando Getilio a ganhar 378.015 votos, — mais do que 0 débro dos votos de Gomes, 169.263. O apoio dramatico ¢ altamente eficiente de Ademar, portanto, dava-lhe direito in- discutivel de ter uma voz no novo govérno, mas era a vor 108 i de um ee altamente pessoal, articulada em uum tom populista ¢ deliberadamente ambiguo quanto a pro- blemas de orientagio publica Vargas também estava nitidamente em débito com 0 PSD, 8 organizagio dos “de dentro", que Gle préprio havia fundado em 1945. A despeito da indicacio de Machado pelo partido, 0s lideres locais do PSD tinham estabelecido compromissos com Vargas. Minas Gerais era um bom exemplo. Estado de forte coloragio pessedista, Vargas conseguira neutralizar ali votagio de Machado. Durante a campanha evitou apoiar os candidates, quer da UDN, quer do PSD ao govémo minche Contudo, negociou com Iideres locais do PSD’ em seu proprio beneficio. Como resultado, conseguiu dividir a votagio total de Minas, em partes quase igus entre dle mesmo (118.194 votos), Gomes (441.690) ¢ Machado 409.402). Era um triun- fo no pequeno diante da férga da miquina do PSD em © que devia Vargas ao PTB? Este foi eficiente principal- mente no Rio Grande do Sul ¢ no Distrito Federal as shes ‘mo nestas éreas, a sua importincia era secundéria. © par- tido crescia ripidamente — duplicara a votagdo para o Con. gresso entre 1845 e 1950. Estava longe porém de proclamar ter contribuido de modo decisive para a vitéria de Getilio. Além disso, © PTB tinha sido poderosamente,moldado: pela forma pessoal de Vargas. Em vez de surgir como partido independente, capaz de produzir 0 seu proprio quadio de I deres, foi explorado simplesmente como outro instrumento de ‘Vargas, a reboque de uma coalizio politica de curta duragio. 109

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