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Lição 2 - As relações entre textos Profª Claudia

Observe os trechos que seguem:

Do que a terra mais garrida


Teus risonhos lindos campos têm mais flores;
Nossos bosques têm mais vida’
Nossa vida no teu seio, mais amores
(Hino Nacional Brasileiro)

Nossas flores são mais bonitas


nossas frutas mais gostosas
mas custam cem mil réis a dúzia.
(MENDES. Murilo. Canção do exílio.)

Nosso céu tem mais estrelas,


Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.
(DIAS, Gonçalves. Canção do exílio.)

Os três textos são semelhantes. Como o de Gonçalves Dias é anterior aos dois primeiros, o que ocorre é que
estes fazem alusão àquele. Os dois primeiros citam o texto de Gonçalves Dias. Com muita freqüência um texto
retoma passagens de outro. Quando um texto de caráter científico cita outros textos, isso é feito de maneira
explícita. O texto citado vem entre aspas e em nota indica-se o autor e o livro donde se extraiu a citação.
Num texto literário, a citação de outros textos é implícita, ou seja, um poeta ou romancista não indica o
autor e a obra donde retira as passagens citadas, pois pressupõe que o leitor compartilhe com ele um mesmo
conjunto de informações a respeito das obras que compõem um determinado universo cultural. Os dados a
respeito dos textos literários, mitológicos, históricos são necessários, muitas vezes, para compreensão global de um
texto.
A essa citação de um texto por outro, a esse diálogo entre textos dá-se o nome de intertextualidade.
Voltemos aos três textos Colocados no Princípio desta lição. O poema de Gonçalves Dias Possui muitas
virtualidades de sentido. Entre elas, a exaltação ufanista da natureza brasileira. Para ele, nossa pátria é sempre mais
e melhor do que os outros lugares. Os versos do Hino Nacional retomam o texto de Gonçalves Dias para reafirmar
esse sentido de exaltação da natureza brasileira. Já os versos de Murilo Mendes citam Gonçalves Dias com intenção
oposta, pois pretendem ridicularizar o nacionalismo exaltado que pode ser lido no poema de Gonçalves Dias. Um
texto cita outro com, basicamente, duas finalidades distintas:
a) para reafirmar alguns dos sentidos do texto Citado;
b) para inverter, Contestar e deformar alguns dos sentidos do texto Citado; para polemizar com ele.

Em relação ao texto de Gonçalves Dias, o Hino Nacional enquadra-se no primeiro caso, enquanto o de Murilo
Mendes encaixa-se no segundo. Quando um texto cita outro invertendo seu sentido, temos uma paródia. Os versos
do Hino Nacional, colocados no princípio desta lição, parafraseiam versos de Gonçalves Dias; os de Murilo Mendes
parodiam.
A percepção das relações intertextuais das referências de um texto a outro, depende do repertório do leitor,
do seu acervo de conhecimentos literários e de outras manifestações culturais. Daí a importância da leitura,
principalmente daquelas obras que Constituem as grandes fontes da literatura universal. Quanto mais se lê, mais se
amplia a competência para apreender o diálogo que os textos travam entre si por meio de referências, citações e
alusões. Por isso cada livro que se lê torna maior a capacidade de apreender, de maneira mais completa, o sentido
dos textos.

Canção do exílio

Minha terra tem macieiras da Califórnia


Onde cantam gaturanos de Veneza
Os poetas da minha terra
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Lição 2 - As relações entre textos Profª Claudia
são pretos que Vivem em torres de ametista,
os sargentos do exército são monistas Cubistas
Os filósofos são polacos vendendo a prestações
A gente não pode dormir
com os oradores e os pernilongos
Os sururus em família têm por testemunha a Gioconda
Eu morro sufocado
em terra estrangeira.
Nossas flores são mais bonitas
nossas frutas mais gostosas
mas custam cem mil réis a dúzia.
Ai quem me dera chupar uma carambola de verdade
e ouvir um sabiá com certidão de idade
MENDES. Murilo. Poemas. In: -. Poesias (1925-
-1955). Rio de Janeiro, J. Olympio, 1959. p. 5.

Tomando-se os dois versos iniciais isolados do contexto, pode-se pensar que o poema de Murilo vai fazer
uma apologia do caráter universalista e cosmopolita da brasilidade, seguindo a linha de glorificação da terra pátria,
que pode ser lida no poema homônimo de Gonçalves Dias, que começa com a seguinte estrofe:
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.
Essa hipótese interpretativa pode parecer plausível, já que “macieiras” e “gaturanos” representam,
respectivamente, a vegetação e o reino animal, e “Califórnia” e “Veneza”, os elementos estrangeiros presentes em
“minha terra”. O solo pátrio abriga elementos provindos de outras terras.
No entanto a leitura dos outros versos do texto desautoriza essa hipótese de leitura. As contradições
presentes no solo pátrio não têm um valor positivo. Ao contrário, o que se repete ao longo do texto são contradições
que não concorrem para enaltecer ufanisticamente a brasilidade, mas para ridicularizá-la. Analisando os diferentes
versos, percebe-se que a cultura brasileira é postiça e abriga uma série de contradições:
-“os poetas são pretos” (elementos de condição social inferiorizada e oprimida);
- “que vivem em torres de ametista” (alienados num mundo idealizado, que não apresenta as mazelas do
mundo real; trata-se de uma referência irônica ao Simbolismo e, principalmente, a Cruz e Souza);
- “os sargentos do exército são monistas, cubistas” (os que têm a função de garantir a segurança do
território têm pretensões de incursionar por teorias filosóficas e estéticas);
- “os filósofos são polacos vendendo a prestações” (os amigos da sabedoria são prostituídos – polaca é
termo designativo de prostituta - pela venalidade barata).
O poeta critica com mordacidade a invasão da pátria por elementos estrangeiros, representados por “Califórnia”,
“Veneza”, “monistas’’, ‘‘cubistas”, “Gioconda’’. O poeta mostra que nem a natureza (v. 1-2) nem a cultura (v. 3-9)
têm um caráter genuinamente brasileiro. O Brasil é uma miscelânea, uma mistura de elementos advindos de vários
países.
Ao identificar oradores e pernilongos como os que atrapalham o sono, ridiculariza a oratória repetitiva dos políticos.
O poeta admite que alguma verdade há nas afirmações românticas (v. 12-13), mas mostra que a prodigalidade da
natureza brasileira não é acessível à maioria da população (v. 14). Termina o poema desejando ter contato com
coisas genuinamente brasileiras. Seu desejo é, ao mesmo tempo, um lamento, pois o poeta sabe que ele não se
tornará realidade. O texto de Murilo cita Gonçalves Dias com intenções paródicas. Seu texto, diferentemente do
poema gonçalvino, não celebra ufanisticamente a pátria, mas ironiza-a, vê-a de maneira crítica. Seu texto não
parafraseia o texto de Gonçalves Dias, mas instaura uma visão oposta à dele, estabelece uma polêmica com ele.
Essas diferenças manifestam-se a partir da constituição do espaço do exílio. Em Gonçalves Dias, a terra do exílio,
espaço desvalorizado, é um país estrangeiro; em Murilo, o exílio é sua própria terra, desnaturada a ponto de parecer
estrangeira.

Sampa

alguma coisa acontece no meu Coração


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que só quando cruza a ipiranga e a avenida são João
é que quando eu cheguei por aqui eu nada entendi
da dura poesia Concreta de tuas esquinas
da deselegância discreta de tuas meninas
ainda não havia para mim rita lee
a tua mais completa tradução
alguma coisa acontece no meu coração
que só quando cruza a ipiranga e a avenida são joão
quando eu te encarei frente a frente não vi o meu rosto
chamei de mau gosto o que vi de mau gosto o mau gosto
é que narciso acha feio o que não é espelho
e à mente apavora o que ainda não é mesmo velho
nada do que não era antes quando não somos mutantes
e foste um difícil começo afasto o que não conheço
e quem vem de outro sonho feliz de cidade
aprende depressa a chamar-te de realidade
porque és o avesso do avesso do avesso do avesso
do povo oprimido nas filas nas vilas favelas
da força da grana que ergue e destrói coisas belas
da feia fumaça que sobe apagando as estrelas
eu vejo surgir teus poetas de campos e espaços
tuas oficinas de florestas teus deuses da chuva
panaméricas de áfricas utópicas túmulo do samba mais possível
novo quilombo de zumbi
e os novos baianos passeiam na tua garoa
e os novos baianos te podem curtir numa boa
VELOSO. Caetano. Caetano Veloso. Sei. de textos por Paulo Franchetti e Alcyr Pécora. São Paulo,Abril Educação, 1981. p. 79-80

Questão 1 - Sampa refere-se à cidade de São Paulo. O texto relaciona lugares de São Paulo, bem como poetas,
músicos e movimentos culturais que agitavam essa cidade na época em que foi escrito. Lendo o texto, veja se
consegue identificar três dessas referências.

Questão 2 - A mitologia grega apresenta o mito de Narciso. Conta a narrativa mítica que Narciso, rapaz dotado de
grande beleza, um dia, ao curvar-se sobre as águas cristalinas de uma fonte, para matar a sede, viu sua imagem
refletida no espelho d’água e apaixonou-se por ela. Suas tentativas frustradas de aproximar-se dessa bela imagem
levaram-no ao desespero e à morte. Transformou-se então na flor que tem o seu nome. Freud, ao estudar esse mito,
considera-o uma explicação da existência de personalidades que só amam a própria imagem.
a) Indique uma passagem do texto que faz referência ao mito de Narciso. b) Qual é o sentido dessa passagem,
tomando como referência o mito de Narciso?

Questão 3 - É um clichê muito difundido a afirmação de que São Paulo, ao contrário do Rio, nunca produziu samba.
Indique a passagem do texto em que se faz alusão a isso.

Questão 4 - Todas as coisas têm um avesso e um direito, O Poeta Considera a realidade o avesso do sonho (“e quem
vem de outro sonho feliz de cidade / aprende depressa a chamarte de realidade”) Pode-se dizer que o poeta julga
que em São Paulo não há lugar para o sonho, a poesia?

Questão 5 - O quilombo de Palmares, um dos maiores redutos de escravos foragidos do Brasil Colonial, estava
organizado como um verdadeiro Estado, sob a chefia de Ganga-zum. Quando começaram as lutas para destruir o
quilombo, os negros, liderados por Zumbi, resistiram a guerra. Que significa a passagem “mais Possível novo
quilombo de zumbi”?

Questão 6 - Há no texto uma referência a uma particularidade climática de São Paulo, que serviu durante muito
tempo de designativa da cidade. Qual é ela?

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Questão 7 - O sentido global construído pelo poema autoriza Concluir que:
(a) São Paulo não inspira amor à primeira vista, mas aos Poucos começas a perceber seus encantos e
termina-se por gostar dela,
(b) São Paulo é uma cidade feia, que inspira aversão.
(c) São Paulo é uma cidade que inspira amor à primeira vista.
(d) São Paulo deixa as pessoas indiferentes, não inspira amor nem aversão.
(e) São Paulo inspira ao mesmo tempo ódio e amor.

PROPOSTA DE REDAÇÃO

“Canção do exílio”, de Gonçalves Dias.

Minha terra tem palmeiras


Onde canta o Sabiá:
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.

Nosso céu tem mais estrelas,


Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores,

Em cismar, sozinho, à noite.


Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Minha terra tem primores,


Que tais não encontro eu cá;
Em cismar - sozinho, à noite -
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Não permita Deus que eu morra.


Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por Cá;
Sem qu’inda aviste as palmeiras.
Onde canta o Sabiá.

DIAs, Gonçalves. Gonçalves Dias; poesia. Por Manuel Bandeira. Rio de Janeiro, Agir, 1975. p. 11-2.

Você leu duas canções do exílio diferentes. A de Gonçalves Dias enaltece a pátria, considera-a superior à
terra do exílio. Murilo critica, com mordacidade, o Brasil e julga-se exilado em sua própria terra por não compartilhar
dos valores nela vigentes. Cada texto é um pronunciamento sobre dada realidade; cada texto revela a visão de
mundo de quem o produz.
Quando você redige um texto, você elabora seu pronunciamento sobre uma determinada realidade.
Por isso, num texto, você deve fazer uma reflexão pessoal e não repetir lugares-comuns.

Escreva agora sua canção do exílio mostrando como você vê sua pátria. Seu texto pode ser em verso ou em prosa. O
importante é que nele você arrole imagens que indiquem a concepção que você tem de seu país.

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