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No conclave após a morte de Pio XII, o cardeal Ângelo Giuseppe Roncalli, patriarca de
Veneza, foi eleito Soberano Pontífice e tomou o nome de João XXIII. O novo Papa tinha
Na época de seus estudos eclesiásticos, o jovem Ângelo Giuseppe Roncalli tinha se tornado
amigo de certos condiscípulos já ligados ao modernismo e que deviam depois se tornar seus
célebres representantes: Dom Ernesto Buonaiuti, Dom Alfonso Manaresi e Dom Giulio
Belvederi, que ele encontrava todas as noites na igreja do Gesú em Roma para a visita ao
Isso, evidentemente, não permite deduzir automaticamente uma adesão de Ângelo Giuseppe
Roncalli ao movimento modernista, até porque naquela época ele era jovem e inexperiente.
Mas pode-se legitimamente pensar que as ideias debatidas naquela época tiveram uma
influência, nem que fosse indireta, sobre certos comportamentos desconcertantes que ele
Beauduin, monge beneditino e famoso liturgista, censurado mais tarde devido a seu
desenfreado ecumenismo irenista que dissolvia o dogma católico, e cujas ideias falsas em
matéria de ecumenismo e de eclesiologia foram claramente adotadas pelo futuro João XXIII,
Dessa influência, nós já encontramos vários traços nos escritos e sermões de Roncalli da
época em que era delegado apostólico na Bulgária, na Grécia e na Turquia. Em 1926, por
exemplo, a um jovem seminarista búlgaro, da igreja cismática dita “ortodoxa”, que lhe
ortodoxos não são inimigos, mas sim irmãos. Eles têm a mesma fé, participam dos
constituição divina da Igreja de Jesus Cristo nos separaram [...]. Deixemos de lado as velhas
controvérsias [...]. Mais tarde, apesar de passar por caminhos diferentes, nos encontraremos
na união das igrejas para formar todos juntos a verdadeira e única Igreja de Nossa Senhor
Jesus Cristo”[1].
Visando a uma futura e hipotética união — mas fundada na recusa de distinção entre
seria mais católica — Mons. Roncalli rejeitava sistematicamente (“como eu sempre fiz —
escrevia ele — com todos os jovens ortodoxos”) as almas que a graça de Deus levava a se
completamente oposta de grandes figuras como São Josafá, bispo de Polock, ou Santo André
Bobola, martirizados exatamente por causa de seus caridosos esforços para conversão dos
cismáticos orientais.
Uma atitude tão inusitada que mesmo o autor da biografia em questão, vendo ali em germe,
Vaticano II e da atual “pastoral conciliar” neo-modernista, não pôde deixar de fazer enfático
“A novidade explosiva das afirmações (de Mons. Roncalli) — comenta F. della Salda — é que
oposição aberta com a doutrina católica, o futuro João XXIII e os outros inovadores fizeram
voar pelos ares, uma após a outra, as verdades de fé, a começar justamente pelo dogma
que define a Igreja católica romana como a única e verdadeira Igreja de Cristo.
seria rapidamente condenado com clareza pelo Soberano Pontífice Pio XI com a
escrevia Pio XI — que quando se trata de favorecer a unidade entre todos os cristãos,
certos espíritos ficam logo seduzidos por uma aparência de bem. Não é justo,
repete-se, não é até mesmo um dever para todos aqueles que invocam o nome de
“Quem então ousaria afirmar que ama a Cristo se não busca com todas as suas forças
realizar o voto do próprio Cristo, pedindo ao Pai que seus discípulos sejam ‘um’ (Jo. XVII.
21)?” “Tais são — continuava o Papa — entre outros do mesmo gênero, os argumentos que
é, alias, tão ativo que obtém em muitos lugares o acolhimento de pessoas de todos os tipos
e seduz até muitos católicos. [...] Mas de fato, sob a sedução e a simpatia desse
fundamentos da fé católica”[3].
na “estupidez” da ideia de uma “igreja dividida”: o que não passa de uma heresia, pois a
Igreja, que se identifica exclusivamente com a Igreja Católica romana é, por promessa
divina, indefectível, isto é, ela não poderá jamais nem desaparecer nem se dividir (“as portas
O erro escondido sob “palavras tão atraentes” dos partidários do movimento ecumênico —
denunciava o Papa — consistia em considerar a unidade da Igreja como ainda não realizada:
coisa que não se pode afirmar senão negando à Igreja Católica romana o atributo de única e
verdadeira Igreja de Cristo, isto é, negando um dogma de fé definido. A porta aberta pelos
“ecumenistas” aos protestantes e aos “ortodoxos” acabava sendo, para os católicos, uma
porta de saída da verdadeira Igreja (o que precisamente está se realizando hoje na Igreja
Mas em 1935 — isto é, sete anos depois da condenação papal do “movimento ecumênico” —
Roncalli, sem se preocupar ao mínimo com a doutrina católica lembrada pelo Magistério do
“Jesus não fundou as diversas igrejas cristãs, mas a sua Igreja [...] Esta sociedade divino-
humana que deveria ser sobre a terra a imagem da sociedade celeste se dissolvera à
medida que aqui e ali os interesses humanos, locais, nacionais, impuseram-se ao desígnio de
Cristo [...]. Meus caros amigos... olhemos o futuro à luz do desígnio de Cristo. A unidade
A Igreja Católica romana, para Roncalli, não era senão um ”pedaço” da verdadeira Igreja de
Cristo, que se dissolveu ao longo da história; o que equivale a dizer “que Jesus não foi
capaz de fazer o que quis, ou se enganou quando disse que as portas do inferno
Não, o Papa Pio XI tinha afirmado o contrário em Mortalium animos: “não é permitido buscar a
reunião dos cristãos de outra forma senão impulsionando a volta dos dissidentes à única
A maçonaria e Roncalli
Enfim, depois de ter chegado à Nunciatura Apostólica de Paris, Mons. Roncalli foi nomeado
excelente instrumento entre suas mãos para fazer passar lentamente a Igreja de suas
transição".
Não é por acaso que nas vésperas do conclave que ia elegê-lo Papa, seu amigo, o padre
"Se elegessem Roncalli [...] tudo estaria salvo: ele seria capaz de convocar um
Bouyer, seu discípulo, que conta o fato — e depois ele continuou com malícia e um lampejo
no olhar: "Tenho confiança — disse ele —, temos nossa chance; os cardeais, em sua
maioria, não sabem o que devem fazer. Eles são capazes de votar nele"[7].
Os neo-modernistas não foram os únicos a perceber no "papabile" Roncalli o nome ideal para
"Em outubro de 1958 — testemunha o conde Paolo Sella di Monteluce, economista e homem
político — cerca de sete ou oito dias antes do Conclave, eu estava no santuário de Oropa,
numa das refeições habituais do grupo Attilio Botto, industrial de Bielle que gostava de reunir
Naquele dia tinha sido convidado um personagem que eu conhecia como uma alta
autoridade maçônica em contato com o Vaticano. Ele me disse, ao me levar para casa
de carro: "... o próximo Papa não será Siri, como estão murmurando em certos círculos
cortês acompanhante.
"Então quem manda na Igreja"? Após um breve silêncio, a voz de meu acompanhante
Como seu amigo Beauduin tinha previsto, alguns meses depois, em 25 de janeiro de 1959, o
Quando, por exemplo, por ocasião do Consistório secreto de 23 de maio de 1923, Pio XI
"Enfim, eis a razão mais grave, aquela que me parece bradar absolutamente pela
Igreja para fazer a revolução, o novo 1789, objeto de seus sonhos e suas
esperanças. Inútil dizer que eles não conseguirão, mas veremos novamente os dias tão
tristes do final do pontificado de Leão XIII e do início de Pio X; veremos coisas piores, e
silêncio"[8].
Pio XII também tinha pensado em convocar um concílio, mas tinha sido dissuadido pelas
mesmas razões.
O novo Papa, ao contrário, não quis levar em conta nenhuma dessas razões e instituiu
imediatamente uma comissão central preparatória cujo dever seria o de recolher as diversas
proposições dos episcopados e dos teólogos do mundo inteiro, para redigir as primeiras
provas dos textos sobre os assuntos que deveriam ser tratados ao longo de Concílio.
É justamente neste período que é preciso situar a primeira revanche no plano oficial da nova
O Papa João XXIII, inspirado segundo todas as probabilidades pelo inoxidável Giovanni
Battista Montini, chamou para surpresa geral (dos ingênuos, compreenda-se), os célebres e
de preparação do Concílio.
E mesmo que eles não tenham podido fazer muito nesta ocasião — não teria sido prudente
para eles expor-se cedo demais, sobretudo em posição de franca minoria — este gesto de
Cúria. Tratava-se, na verdade, de uma verdadeira reabilitação oficial — se bem que tácita —
da "nova teologia", assim como de uma escandalosa desautorização das condenações de Pio
A esse respeito, o Pe. Congar, numa entrevista concedida há alguns anos à revista "30
Giorni", lembrava:
“Lubac me explicou que a lista dos ‘peritos’ já tinha sido preparada e que ela foi submetida a
João XXIII, para assinatura. O Papa Roncalli a leu, e em seguida acrescentou do seu próprio
Depois de mais ou menos três anos de trabalho, João XXIII pôde abrir solenemente o
segundo Concílio do Vaticano, que veria a tomada de poder pelos adeptos da nova teologia.
pela Igreja, e logo deplorou o pessimismo daqueles que ele chamava de "profetas da
desgraça":
"Nossos ouvidos são ofendidos — afirmava o Papa — pelos que dizem alguns que, apesar de
veem ruínas e calamidades; eles têm o costume de dizer que nossa época piorou
nosso completo desacordo com estes profetas de desgraça, que sempre anunciam
Deveras? Apenas alguns anos antes, o Papa Pio XII tinha descrito a situação da Igreja em
"O mundo de hoje corre em direção à própria ruína [...] é um mundo inteiro que é
Pio XII teria então, segundo o Papa João, sido também um "profeta de desgraça", carecendo
O Papa Roncalli descrevia a seguir a tarefa do novo Concílio, que não devia consistir na
mais abundante do que os Padres e os teólogos antigos e modernos já disseram", para o que
"uma coisa é o próprio deposito da fé, ou seja, as verdades contidas em nossa verdadeira
doutrina, e outra é a forma sob a qual essas verdades são enunciadas, conservando-se,
Assim também a vontade de apresentar e aprofundar a doutrina católica "através das formas
para cobrir com a habitual "folha de parreira" seu evolucionismo dogmático condenado,
assim como o recurso ao "pensamento filosófico moderno", por Pio XII na encíclica Humani
generis.
Enfim, a cereja do bolo: João XXIII anunciou uma nova atitude do Magistério em relação às
"A Igreja — proclamou o Papa João — nunca cessou de se opor a esses erros.
Frequentemente, ela até os condenou, e com muita severidade. “Mas hoje, a esposa de
verdade, é também uma obra de misericórdia. Ela o é tanto em relação àquele que está no
erro (a Igreja sempre contou entre as obras misericórdia espiritual a "admoestação dos
pecadores") como em relação aos fiéis que têm o direito de ser protegidos do erro e do mal.
Inacreditável também a razão dada para justificar esta renúncia ilegítima do exercício do
poder coercitivo:
"Certamente, não faltam doutrinas e "opiniões falsas”, perigos contra os quais é preciso se
pôr em guarda e que se devem afastar; mas tudo isso é tão manifestamente oposto aos
começar a condená-los por si mesmos. É o caso particular desses modos de viver que
desprezam a Deus e suas leis, pondo uma confiança exagerada no progresso técnico,
paix/L’éveque A.G. Roncalli entre Sofia et Rome – 1925-1934, éd. Mariet, 1989, pp. 48-49.
Florença, 1993.
[5] Mortalium animos.
[6] Ibidem.
[7] Louis Bouyer, Dom Lambert Beaudin, homme d’Église, éd. Casterman, 1964, pp. 180-181.
[8] G. Caprile S.J. Le Concile Vatican II, éd. “La Civiltà Catoolica”, Roma, 1969.