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Apresenta o
D
esde os anos 50, Guilherme Peres vem participando
da vida cultural da nossa Baixada. Naqueles anos
assessorou Barboza Leite na “Escolinha de Artes”
da pioneira Escola Regional de Meriti (1957) e integrou a
equipe de reportagem de “Tópico” (1958), jornal que marcou
época no jornalismo de Duque de Caxias, pela postura crítica
e defesa de uma sociedade justa e democrática. Assim já em
sua mocidade, conviviam em seu interior, a inclinação pelas
artes e o engajamento na causa socialista - valores que o
acompanham pela vida afora.
Com o tempo, seus interesses culturais e sua
criatividade diversificaram-se: jornalismo, poesia, artes
plásticas, artes gráficas... Em todos esses campos, seu talento
se manifestou, armonizando pincéis, tintas, desenhos,
xilogravuras, óleos sobre tela...com diagramação paginação
e arte-final de textos. Além desse vigor artístico, ao longo
das últimas décadas respondeu presente nas lutas pelo
desenvolvimento das artes e das letras na Baixada.
Uma inquietação, porém, destacou-se em suas buscas
culturais, canalizando energias: a pesquisa histórica. Sim,
em seu espírito, sobressai o desbravador de arquivos,
documentos, mapas, raridades bibliográficas com
depoimentos de viajantes ao recôncavo da Guanabara, ainda
nos promórdios do Brasil colonial... Com aguçada
capacidade de observação e rigor metodológico, percorre
caminhos novos, enriquecendo nossa historiografia.
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Como historiador nos contemplou, entre outros
trabalhos, com dois preciosos ensaios: “Baixada Fluminense
- Caminhos do Ouro” (1993) e “Tropeiros e Viajantes na
Baixada Fluminense” (2000). Nesses estudos, contribuiu
para revelar uma outra Baixada - desconhecida por grande
parte de seus moradores. Mostrou que, por seus caminhos e
rios ocorria intenso fluxo comercial - ligando o Rio de janeiro
às áreas mineradoras - empreendido por tropas de muares,
viajantes, aventureiros.
Agora, com pesquisa criteriosa, Guilherme Peres nos
proporciona mais um ensaio, vocacionado a ocupar um lugar
de destaque em nossa historiografia. Essa é, sem dúvida, a
destinação de “Senzalas e Liberdade na Baixada
Fluminense”. Nele, o mundo de senhores e escravos, em
terras da Baixada é estudado em profundidade. Fica assim,
o convite ao leitor para penetrar - em companhia do autor -
nas senzalas, casas grandes, engenhos engenhocas,
plantações, quilombos, olarias... da Baixada, em tempos de
sociedade escravista e patriarcal.
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Pref cio
D
eve-se, em grande parte, ao estudo das
sobrevivências religiosas, ou às culturas que a elas
se vieram integrar, a bibliografia do negro no
Brasil. A escassez de documentação histórica sobre as
consequencias da escravidão no Brasil, tendo por objetivo
o cativo, relega ao negro um papel passivo de personagem
que, sem ter deixado um registro histórico de seus conflitos,
fica à mercê do pesquisador, obrigado a valer-se de jornais
e documentação da época, gerados pelo opressor.
Embora o resultado alcançado neste setor constitua
hoje um acervo considerável, é impossível negar que esse
unilateralismo tem prejudicado a avaliação da pesquisa. A
condição de escravo nunca ofereceu, ao negro, a
oportunidade de registrar sua experiência de oprimido nas
senzalas.
Não só os negros que fugiam ao rigor do cativeiro,
mas também os crioulos (negros nascidos no Brasil ), mais
adaptados aos costumes do branco e do indígena, no trabalho
diário dos engenhos e na casa do senhor, não deixaram
registrados, de alguma forma, seu sofrimento.
A sociedade definida em duas classes, mantinha entre
si, grande distância social, e mesmo entre os componentes
da classe dominante, eram raros os conhecimentos mais
elementares, como ler e escrever, privilégio monopolizado
pelas ordens religiosas.
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Seria de esperar que ao menos nos quilombos
pudessem ser recuperados, através de alguns valores de sua
cultura, denúncias dessa forma de relacionamento.
Entretanto, o exame dessa amostragem, garimpada em
pacientes trabalhos arqueológicos, demostra que alguns dos
aspectos primitivos foram reconstituidos, mas revela
também, uma etapa avançada no processo de aculturação.
Ao estudar o negro integrado na economia fluminense,
vamos encontrá-lo na Baixada, fazendo parte de pequenos
plantéis em torno de engenhos ou engenhocas, que se
espalhavam por toda a baia de Guanabara ou em seu interior.
Mercadorias socialmente baratas durante a segunda metade
do século XVIII, constatamos o aparecimento de uma
camada social entre o senhor de engenho e os cativos, no
processo das relações pré-capitalistas: a pequena
burguesia.
A maioria dos homens livres era proprietária de pelo
menos um escravo, não só pelo baixo preço, mas a condição
de ser “senhor de escravos”, mesmo que fosse para a
ocupação de pequenas tarefas domésticas.
Ao contribuir com este pequeno trabalho para o estudo
de uma economia escravista, que durante mais de trezentos
anos dominou esta região fluminense e relegou ao negro sua
condição passiva de escravo, queremos abrir um caminho
para os futuros pesquisadores se apoiarem em alguns
documentos inéditos publicados neste ensaio.
Guilherme Peres
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BaixadaFluminense
PrimeirosEngenhos
Escravos-OAmbiente
Vis oParadis acadosViajantes
A
economia canavieira escravocrata no Brasil foi, a
partir do século XVI, o ciclo econômico mais longo
de nossa história. Percorreu toda a faixa litorânea
iniciada no nordeste em direção ao sudeste, acompanhando
a distribuição de sesmarias e sobejos no recôncavo da baía
de Guanabara, logo após a expulsão dos franceses e o
massacre dos Tupinambás.
Com a divisão do território em capitanias hereditárias
em 1534, seguiu-se sua transformação em Governo Geral
em 1548, criando-se nas vilas, então fundadas, os juizados e
as câmaras, de acordo com as ordenações manuelinas.
O latifúndio e a monocultura trouxeram o escravo, e
com ele a sua cultura: colaboração étnica na formação
antropológica do povo brasileiro.
Ao situarmos o estudo do negro antes de sua introdução
no Brasil, diz-nos Manoel Diegues Junior “que ele desfrutava
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na África, situação de liberdade, de cultura em pleno
desenvolvimento; situação também que representava um
momento de cultura traduzido pelos graus diversos
manifestados pelos vários grupos de negros. Esta situação é
que sofreu o impacto da escravidão, e conseqüentemente
foi perturbada ou modificada. Quando eles, os negros
africanos, manifestavam seus valores culturais autênticos e
puros, foram surpreendidos pela caça escravagista”.
Diversos grupos étnicos foram trazidos para o Brasil:
da região de Moçambique na costa oriental, Sudão e Guiné,
Congo e Angola e com eles suas culturas: Nagôs, Iorubás,
Axantis, Jejes, Peuls, Afantis, Hauçás, Bantos, Cambindas,
Monjolos, Rebolos etc.
“Ao alvorecer daquele século – o XVI – sofreu o
africano as primeiras modificações em suas estruturas. Pois
a escravidão não trazia para o Brasil os africanos por grupos
ou tribos, nem mesmo por famílias, isto é, respeitando seu
agrupamento étnico ou familiar, ou sua condição cultural;
essa vinda se fazia através dos grupos diversos que se
misturavam nos portos de embarque, nos navios negreiros,
e igualmente no território brasileiro, ao se distribuírem para
as fazendas, os engenhos, as casas urbanas. Esta mistura de
grupos, por vezes de culturas diversas, fez com que não se
pudesse isolar nitidamente cada um deles; nem sempre foi
possível reconhecer os valores característicos de cada um.
Além disso, entre eles próprios permutaram elementos
culturais”.
O negro foi, na economia brasileira, uma das suas
colunas básicas. Com ele venceram-se dificuldades como a
falta de braços e o clima, onde o homem europeu dificilmente
superaria a fadiga dos grandes e pesados trabalhos braçais
sob o sol escaldante dos trópicos.
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Artur Ramos nos conta que “quando os primeiros
contingentes negros chegaram ao Brasil com o tráfico de
escravos, muitos desses negros foram utilizados na defesa
das capitanias recentemente estabelecidas. O negro, no
começo, não fez parte do Exército regular. Só mais tarde,
com a formação de regimentos especiais, o negro foi
incorporado às forças armadas regulares da nação, embora
ainda se mantivesse a segregação. Mais tarde ainda, o negro
foi recrutado sem distinção de raça, embora os brancos
tendessem a ocupar os postos militares de maior
responsabilidade”.
O negro foi essencialmente, um elemento estabilizador
na sociedade brasileira. Os índios, apenas condicionados à
cultura de sobrevivência, não podiam ser utilizados em
empreendimentos produtivos. Ligou-se ao solo e foi o fator
inicial da nossa economia agrícola. Nos primeiros engenhos
e plantações, o negro foi a espinha dorsal da produção e a
linha principal de defesa para a proteção dessas terras contra
a agressão dos invasores.
Com o desaparecimento das capitanias hereditárias,
foi criado um governo central. O primeiro governador Tomé
de Souza, em 1549 tratou de organizar o serviço militar
obrigatório em todo o Brasil. Corpos de tropas foram
instituídos, sob estrita disciplina e treinamento. Para servir
em terra, foram organizados regimentos de infantaria,
armados com arcabuzes, mosquetes e espadas. A frota
consistia em caravelas e brigues. As fortificações eram,
naturalmente, primitivas; as trincheiras, simples estacadas
com paredes de barro.
Se as armas eram rudimentares e inadequadas, o
pessoal era excelente. As lutas com os índios e com o invasor
estrangeiro provaram, além de qualquer dúvida, o valor do
soldado brasileiro. O negro foi gradualmente incorporado
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aos regimentos que mais tarde desempenharam papel tão
significativo na guerra contra os holandeses.
Salpicada de engenhos, a Baixada Fluminense
reclamava a incorporação de escravos. Em 1583 Salvador
Correia de Sá obrigava João Gutierrez Valério, fornecedor
de escravos aos colonos do Rio de Janeiro, a pagar uma
taxa por “peça” que trouxesse da África.
D. Manoel de Menezes, em visita ao Rio de Janeiro
no inicio do século XVII, descreve a Baía da Guanabara e
nos dá este relato: “Todo o circuito desta baía está hoje
povoada de moradores de fazendas grossas, entre as quais
avultam mais as dos engenhos de açúcar, que passam de
cem”.
Na “Relação da Província do Brasil” escrita pelo padre
Jácome Monteiro em 1610, podemos avaliar a opulência da
produção agrícola que já se iniciava, aproveitando a
fertilidade do solo, da qual se enviava para a África em troca
de escravos.
“A baía desta povoação é muito fermosa e aprazível, a
cujas ribeiras estão as Fazendas e Engenhos dos moradores...
Vêm nela cair do Sertão muitos rios caudais. O mais
famoso é o do Macuco, que dizem ser maior que o Tejo.
Pelo sertão dentro está povoado obra de 14 léguas, abundante
de mantimentos da terra, arroz, farinha, da qual se carregam
para Angola todos os anos, a troco de peças, quarenta mil
alqueires. Nas madeiras é famoso, por se acharem, justo às
suas águas, paus que têm 40 e 50 palmos em roda, dos quais
fazem embarcações cavadas nos troncos destas árvores, e
inteiriças, de comprimento de 60 e mais palmos, e de largura
que recebem pipas atravessadas, e meneiam com remeiros e
vela. Em uma destas viemos de S. Vicente, remada por 50 e
mais remeiros: e são tão ligeiras que furtam a vista os olhos
com muito correr.
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E assim é muito para ver cento e mais canoas
esquipadas, arremedando uma batalha naval, correndo umas
contra as outras, com os remeiros nus, que igualmente
despedem a frecha e remam sem se enxergar a falta em uma
e outra ocupação; a isto se ajunta uma grita medonha que os
índios de quando em quando alevantam nesta escaramuça
que mete notável horror. Nesta forma nos receberam em
algumas partes, em que temos aldeias vizinhas ao mar”.
Ainda em 1584 menciona Anchieta: “Muitas fazendas
pela baía a dentro”, e no ano seguinte diz ele ser “terra rica
e abastada de dados, farinhas e outros mantimentos”.
A partir de 1566, os colonizadores foram ocupando os
vales do Meriti, do Sarapuí, do Saracuruna, do Pilar, do
Iguaçu do Inhomirim e do Magé, “cuja importância se
destacou nos primeiros tempos do Brasil colônia nesta
região”. “Só em Magé” diz ainda Matoso Maia Forte
“Cristóvão de Barros o comandante da frota de três naus
que a metrópole enviára em auxílio de Mem de Sá, e foi
depois governador da cidade do Rio de Janeiro, obteve 500
braças de testada ao longo do mar e 7500 para o sertão”.
Imensidão de terras que se limitavam em torno da Serra
do Mar, reclamando com seu solo humoso e prenhe de
riquezas, a ocupação humana. “O propósito de colonizar tão
extensas terras nas vizinhanças da cidade ainda despovoadas
para as culturas que a nascente São Sebastião do Rio de
Janeiro exigia como essenciais à vida. A cidade reclamava
víveres: cereais, legumes, hortaliças, frutas, cana para o
assucar e a aguardente assim como madeiras e o mais que
primitivamente, era indispensável.”
Frei Vicente do Salvador em sua narrativa “De como
El Rei Sebastião mandou Cristóvão de Barros por Capitão
Mor a governar o Rio de Janeiro” nos fala da ocupação deste
às terras juntas ao Rio Magé, e da fartura do pescado em
suas águas.
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“Era Cristóvão de Barros homem sagaz e prudente e
bem afortunado em as guerras, e assim, depois que chegou
ao Rio de Janeiro, em todas as que teve com os tamoios
ficou vitorioso e pacificou de modo o recôncavo e rios
daquela baía que, tornados os ferros das lanças em fouces e
as espadas em machados e enxadas, tratavam os homens de
fazer suas lavouras e fazendas, e ele fez também um engenho
de açúcar junto a um rio chamado Magé, onde se faz uma
pescaria de fataças e chama-se piraiqué, que quer dizer
entrada de peixe, tão notável que não é bem passá-la em
silêncio.
É este rio de água doce, mas entra por ele a maré uma
légua e pouco mais ou menos. Nas águas vivas do mês de
junho, que é ali a força do inverno, entram por ele tantas
fataças ou corimãs (como os índios brasis lhes chamam),
que para as puderem vencer se juntam duzentas canoas de
gente e, lançando muito barbasco machucado arriba donde
chega a maré, quando está preamar se tapa a boca ou barra
do rio com uma rede dobrada. Vai o peixe a sair com a
vazante, não pode com a rede, nem menos esconder-se em o
fundo, porque a água o embasbaca e embebeda de maneira
que, viradas de barriga, as fataças andam sobre ela meias
mortas, donde com um redofoles as tiram como colher de
caldeira, aos pares, até encher as canoas. Saem-se logo fora
e, cortadas as cabeças, lhes escalam os corpos e salgados os
põem a secar em os penedos, que há ali muitos; e das cabeças
cozidas fazem azeite para se alumiarem todo o ano.
Nas águas seguintes de julho se faz outra piraiqué ou
pescaria da mesma maneira que a passada, mas não são já
tão gordas as fataças, porque estão todas ovadas de ovas
grandes e saborosas, as quais salgam, prensam e secam para
comerem e levaram a vender à Baía e a outras partes.
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Contei isso porque esta pescaria se faz em aquele rio
de Magé, onde Cristóvão de Barros fez o seu engenho, e no
seu tempo e ainda depois alguns anos se mandava lançar
público pregão na cidade do dia em que se havia de fazer a
pescaria, para que fossem a ela todos os que quisessem e
poucos deixavam de ir, assim pelo proveito como pela
recreação”.
Ainda no início do século XVII, os movimentos de
rebeldia iam surgindo no bojo do intenso movimento de
escravos que chegavam aos mercados do Rio de Janeiro.
Distribuídos pelos engenhos do recôncavo e recolhidos às
senzalas, onde só saiam de madrugada para a rudeza do
trabalho, submetidos a castigos cruéis por qualquer falta,
muitos desses escravos não queriam se sujeitar ao cativeiro
e fugiam dos engenhos para regressar à vida semi-selvagem
nas matas. Reunindo-se em bandos, construindo quilombos
e mocambos em lugares ermos, estes negros fugidos
tornaram-se perigo público, pois entregavam-se a atos de
banditismo, atacando e roubando os viajantes nas estradas,
assassinando os que lhes ofereciam resistência, assaltando
mesmo pequenas propriedades agrícolas isoladas e
procurando seduzir outros escravos para que a eles viessem
reunir-se.
A situação apresentava gravidade bastante para motivar
medidas repressivas e o governador decidiu mandar perseguir
com intensidade os quilombolas, enviando gente armada
contra eles, com a incumbência de destruir todos os
quilombos e mocambos que fossem encontrados.
D. Manoel de Meneses, acompanhando uma frota
portuguesa, enviada ao Rio de Janeiro em 1564, nos dá em
sua “Crônica do muito alto e muito esclarecido príncipe D.
Sebastião, Décimo Sexto Rei de Portugal, que contém os
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sucessos deste reino e conquistas em sua menoridade”.
Também nos mostra mais uma vez, a abundância do pescado
e a quantidade de fazendas que já produziam, rodeando a
Baía de Guanabara.
“Pelo terreno vai rodeando toda a baía e recôncavo do
Rio de Janeiro aquela espantosa serrania, que já por vezes
temos dito corre a costa toda, e com a parte dela mais áspera,
chamada as Montanhas dos Órgãos; porque em forma destes
instrumentos vão levantando em ordem desigual montes
sobre montes, fazendo altura imensa, que excede as nuvens,
e parece chega à segunda região do ar; representam aqueles
grandes montes muralhas ou torres formidáveis, postas entre
nós e os Bárbaros, que habitam a outra parte; porque ali
fulmina a natureza em tempos tormentosos tais raios, coriscos
e estrondos de disforme trovões, que assombram a terra; e
chegaram a suspeitar as nações agrestes que estavam armados
de propósito para defesa dos portugueses. São contudo
alegres em tempos de bonança aqueles picos inacessíveis,
por sua forma, altura e formosura, revestidos de arvoredo
mui verde, e arrebentando em ribeiras de água que,
despenhadas dos altos cumes, vêm a pagar tributo ao mar, e
alegram os olhos dos moradores. É o alagamar da Barra para
dentro uma estendida e formosa baía, êmula da de Todos-
os-Santos, formada nas enchentes do oceano, que,
embocando pela barra a dentro, chegam quase a lavar os pés
daqueles montes, a que chamamos Órgãos. Tem este
alagamar ou baía como cousa de oito léguas de diâmetro e
vinte e quatro de circunferência; está entressachada de ilhas,
boqueirões e esteiros; estes, ornados da verdura dos mangues
e vermelho dos pássaros, a que chamam Goarases, fazem a
vista aprazível; as ilhas fazem número de quarenta, entre
maiores e menores, com grossas fazendas e moradores.
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Desembocam nela vários e caudalosos rios, uns do
Sertão, outros das serras circunvizinhas, que com o doce de
suas águas fazem contínua guerra às do mar, querendo
prevalecer cada qual delas.
É abundantíssima de pescado, em tanta quantidade que
houve tempo em que era necessário navegar com cautela
em embarcações rasas, para evitar o perigo dos peixes,
que saltando de uma a outra parte caíam dentro; e sucedia
ser talvez com prejuízo do rosto e olhos dos que navegam.
É facílimo o meneio e serviço dos arredores; porque
são muitas as embarcações, maiores e menores, que cortam
estas águas de dia e de noite, fazendo alegre vista, e suave o
comércio.Todo o circuito desta baía está hoje povoado de
moradores de fazendas grossas, entre as quais avultam mais
as dos engenhos de açúcar, que passam de cem, suposto que
com menos máquinas que as da Baía”.
Apoiada em uma manufatura pouco desenvolvida, e
sem nenhuma técnica agrícola, a indústria açucareira
utilizava a mão de obra escrava em larga escala, para quase
todos os serviços do engenho. Dessas tarefas, as que exigiam
maior responsabilidade eram o tacheiro purgador e o mestre
de açúcar, atividades que eram destinadas a brancos ou
negros alforriados, cuja experiência havia suplantado os
demais.
Um dos primeiros relatos de um viajante ao interior
da orla da baía de Guanabara, descrevendo a maneira de
locomoção e um engenho de cana, é do poeta inglês Richard
Flecknoe, que aqui chegou em janeiro de 1649 e permaneceu
durante 8 meses.
“Mas voltando aos selvagens domesticados, durante a
minha estada na cidade, aluguei quatro deles para uma
viagem ao interior do país. Enquanto dois me carregavam
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na rede, os outros corriam ao lado. Essa rede é feita de
algodão e tem o tamanho de um lençol; suas pontas são
franzidas e amarradas por uma corda forte a uma grande
vara, que os homens levam no ombro. Aquele que vai no
seu interior pode, servindo-se de uma almofada, sentar-se
ou deitar-se em qualquer posição.
Os portugueses, quando utilizam tal meio de transporte,
fazem-se acompanhar de um negro carregando um guarda
sol aberto para abrigá-los do calor. As mulheres, sempre
acompanhadas de duas aias negras que as ajudam a subir e
descer, protegem-se dos olhares do vulgo servindo-se de uma
rica colcha colocada sobre a rede.
Fiz uma viagem de mais ou menos 20 milhas,
transportado numa dessa redes. Por esse transporte, os meus
selvagens receberam uma pequena remuneração, além é claro
da comida, que consistia num punhado de farinha de pau –
uma farinha fabricada com a raiz de uma certa árvore. Quanto
a mim, tive de contentar-me em comer a tal farinha e algum
peixe que os meus criados pescavam nos rios da região. O
pescado era cozido numa fogueira e, depois de temperado
com alguns limões selvagens que apanhávamos nas
redondezas, era saboreado por todos.
À noite, amarrávamos nossas redes em duas árvores e
dormíamos até o amanhecer. Mais ou menos de dois em dois
dias, era possível encontrar, ao longo da estrada, uma roça
(propriedade campestre) de algum português, onde, em troca
de algum dinheiro, obtinham-se hospedagem e alimentação.
Um dos maiores prazeres que tive durante essa
excursão foi contemplar, no meio da floresta, árvores inteiras
cobertas por macacos e papagaios. Os primeiros caçavam
os últimos e ambos produziam um alarido ensurdecedor.
Também dignas de serem vistas eram as macacas com
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seus filhotes dependurados no pescoço ou montados nas
costas. Os indígenas, quando querem apanhar um desses
filhotes, costumam flechar as macacas, pois, quando elas
tombam, os filhotes, ainda inaptos para usar as próprias
pernas, deixam-se capturar facilmente.
No referente ao açúcar, seu fabrico segue os seguintes
passos: Os canaviais, que crescem tão alto quanto o trigo e
possuem uma folhagem de um verde suave, não necessitam
de outro cuidado senão o de serem cortados de dois em dois
anos pela raiz, a fim de que o broto volte com pujança. A
colheita é realizada em junho e as canas transportadas para
o engenho em molhos de alguns pés de altura.
O engenho, tocado por juntas de bois ou por água, é
formado por dois cilindros chapeados de ferro, cujo
movimento esmaga a cana e cospe fora o bagaço. A garapa,
que tem a cor de âmbar, escorre até os caldeirões através de
umas calhas e, uma vez fervida, é transvasada para tinas de
esfriar, recebendo aí o tratamento que a torna branca.
Na época da colheita, o trabalho nessas propriedades
é incessante. O oficio mais perigoso é, sem dúvida, aquele
de colocar as canas no moinho, se por descuido um dedo é
apanhado pela engrenagem, todo o corpo é puxado para
dentro e esmagado. Por essa razão, os negros têm sempre ao
seu lado um machado e estão prontos para sacrificar uma
mão ou um braço se o pior lhes suceder”.
Quanto aos engenhos de farinha, sabemos o quanto
multiplicou-se pela baixada, com a plantação de mandioca
em grande escala, pois servia de base alimentar para a
população.
Numas poucas mais curiosas páginas, deixadas escritas
pelo marinheiro inglês Edward Barlow, que aqui chegou em
julho de 1663, a bordo de um návio de 400 toneladas, 34
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canhões e carregado de mercadorias, chamado “Queen
Catherine”, lamenta o desembarque de 50 pipas de vinho,
avariados na viagem, e registra o uso da farinha: “durante
todo esse tempo em que estivemos no Rio de Janeiro, não
nos foi possível comer pão. Tivemos, antes, de contentar-
nos com farinha, uma substância que os habitantes locais
produzem a partir da raiz de uma planta. O processo de
preparação dessa tal farinha é o seguinte: dois ou três anos
após o plantio, a raiz é arrancada da terra e espremida até
liberar todo o líquido venenoso que possui; feito isso, ela é
colocada para secar e depois moída, adquirindo a aparência
de uma serragem de madeira branca. O sabor dessa
substância é semelhante ao de um pedaço de pau seco, o
que, no entanto, não nos impediu de a comermos durante os
cinco meses em que ficamos no Rio de Janeiro e durante os
quatro meses que duraram a nossa viagem de volta para casa.
Essa dieta era complementada com carne de vaca, que, uma
vez por semana, era distribuída entre a tripulação. Para beber,
satisfizemo-nos com água.”
O número de visitantes estrangeiros que deixaram
narrativas de viagens ao Brasil durante os primeiros 300 anos
após o descobrimento é raríssimo, comparado ao século XIX.
Após a chegada do príncipe D. João e a “Abertura dos
Portos”, passou a receber dezenas de artistas, botânicos,
comerciantes, cientistas e aventureiros, ávidos em conhecer
um exuberante e misterioso país, que durante este período
ficou oculto aos olhos do mundo, principalmente durante o
século XVIII, a “centúria do ouro”, que a coroa portuguesa
proibiu com rigor, referindo-se ao Rio de Janeiro, portal de
entrada e saída dos caminhos, em direção às Gerais.
Um dos últimos a testemunhar esta “corrida” foi um
ilustre desconhecido francês quando aqui esteve em julho
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de 1703, registrando em seu diário o qual denominou
“Journal d’un Voyage”.
“O Rio de Janeiro, tal como se encontra, é uma das
mais importantes colônias portuguesas e, talvez, a mais bem
localizada. Contudo, a cidade seria muito diferente caso as
minas não tivessem sido descobertas. Depois de tal
acontecimento, que teve lugar em 1696, mais de 10 mil
homens abandonaram a cidade. Tal deserção trouxe a fome
para a região, pois boa parte dos que partiram se dedicavam
ao cultivo da terra. Quando abandonaram a região, esses
homens deixaram as suas plantações desertas e as suas terras
incultas. Daí a atual escassez de gêneros que atinge o Brasil,
pois, além do Rio de Janeiro, as minas despovoaram
igualmente a Bahia de Todos os Santos, Pernambuco e todas
as outras colônias da costa. É bem provável que, este ano,
elas enviem para Portugal açúcar e tabaco em menor
quantidade. Há carência de tudo no país, tanto para a
população negra como para a branca. Até mesmo a mandioca,
que faz ás vezes de pão nessa plagas, está em falta. Quando
estávamos na Bahia, a farinha era vendida a um preço
bastante elevado e mesmo assim era difícil encontrá-la. No
Rio de Janeiro, a situação é ainda pior: a escassez do produto
é maior e os preços mais elevados. Três dias depois da nossa
chegada, pagamos três escudos a fanga, o que corresponde
mais ou menos a quatro alqueires de Paris”.
No inicio do século XVII já era freqüente a fuga de
escravos das senzalas do Rio de Janeiro. Em atividades
diversas na agricultura, os “negros do campo” cultivavam
para a exportação e consumo interno, nas diversas lavouras
e engenhos de cana e farinha que cercavam a baía de
Guanabara. Aprendiam um ofício para atividades domésticas
e urbanas.
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Além do trabalho, obediência, respeito ás leis e dispositivos
disciplinares, os senhores exigiam dos escravos fidelidade,
humildade e aceitação dos valores brancos. Os negros deviam
aprender a língua portuguesa e a religião católica.
O tipógrafo amador alemão de nome Jonas Finck, que
aportou nesta cidade à caminho da Índia, em agosto de 1711,
registrou: “Há cerca de oito mil escravos negros na cidade,
todos vivendo em condições miseráveis. Esses cativos, desde
que aprendam o Pai Nosso e sejam borrifados com água
benta, são facilmente aceitos na igreja católica. Todos trazem,
pendurados no pescoço, como sinal da sua fé cristã, imagens
de Santo Antonio, de São Francisco, etc...”
Depois de batizados, recebiam nomes cristãos, sendo
perseguida a prática de cultos africanos.
Aos negros, restava a resistência impetuosa que
sofriam ou a adaptação tática às regras do jogo. A primeira
representada pela sabotagem ao trabalho, abort os
provocados, assassinatos de senhores e feitores, fugas,
feitiçarias, suicídios, formação de quilombos e insurreição.
Vivaldo Coaracy nos dá uma visão deste conflito ainda
no começo do século XVII.
“Já era muito numerosa a escravatura africana. Entre
os negros importados da costa da África, muitos não queriam
se sujeitar ao cativeiro e fugiam dos engenhos para regressar
à vida semi-selvagem nas matas. Reunindo-se em bandos,
construindo quilombos e mocambos em lugares ermos, estes
negros fugidos tornaram-se perigo público, pois entregavam-
se a atos de banditismo, atacando e roubando os viajantes
nas estradas, assassinando os que lhes ofereciam resistência,
assaltando mesmo pequenas propriedades agrícolas isoladas
e procurando seduzir outros escravos para que a eles viessem
reunir-se.
20
A situação apresentava gravidade bastante para motivar
medidas repressivas e o governador decidiu mandar perseguir
com intensidade os quilombolas, enviando gente armada
contra eles, com a incumbência de destruir todos os
quilombos e mocambos que fossem encontrados.
Eram freqüentes as fugas de escravos africanos dos
estabelecimentos rurais. Com a miséria que se derramou
pelos engenhos, essas fugas se avolumaram e assumiram
proporções alarmantes, tomando quase o aspecto de
verdadeiro êxodo. Os negros abandonavam as lavouras e
homiziavam-se nas matas do sertão, indo estabelecer
quilombos às margens do Paraíba, onde se aliavam aos índios
bravos de que ainda por ali havia número considerável.
Promoviam os quilombos grandes desordens nas zonas
rurais, entregando-se a atos de banditismo. Freqüentes vezes
desciam dos seus mocambos para assaltar viajantes nas
estradas e, reunindo-se em bandos, atacavam os engenhos
para roubar e a sua ousadia chegou ao ponto de levarem
esses assaltos a pequenas povoações do interior. Para
remediar a estes males já havia a Câmara instituído prêmios
pecuniários para a prisão de escravos fugidos, fixando taxas
variáveis com a zona em que fossem capturados, as quais
deviam ser pagas pelos respectivos senhores. Com o engodo
dessas recompensas, haviam surgidos numerosos “capitães-
do-mato”, nova profissão que se formava na colônia. A sua
atividade, porém, não se mostrou suficiente para enfrentar a
situação acentuada em resultado do desmantelo econômico
da lavoura”.
Desses capitães-do-mato, o mais famoso pela audácia
e conhecimento das regiões dos quilombos era Manuel
Jordão da Silva. A câmara resolveu criar uma companhia
militar para o fim especial de caçar os negros fugidos e
21
destruir-lhes os quilombos, confiando o comando da nova
organização a Jordão da Silva, a quem seriam dados em
recompensa dois terços do valor de cada negro capturado,
além das crias que apanhassem nos mocambos. Apenas eram
executados os africanos que, por crimes cometidos, devessem
responder perante a justiça.
Apesar das providências anteriormente tomadas,
continuavam a fugir dos engenhos escravos africanos que
se refugiavam nas matas da Serra dos Órgãos. Mudando o
campo das suas tropelias, estes quilombos passaram a praticar
furtos e assaltos nas regiões de Inhaúma, descendo muitas
vezes em seu atrevimento até a entrada de São Cristóvão.
Para coibir esses atos e policiar as estradas daquelas
bandas, a Câmara nomeou capitão-do-mato a Anastásio
Pereira, para quem mandou construir uma casa de residência,
donde melhor pudesse exercer a sua ação. Esta casa foi
levantada na fazenda dos jesuítas, a quem a Municipalidade
pagava foro pelo respectivo terreno.
22
André Jo o Antonil
N
ascido na Itália em 1649, chegou ao Brasil com 32
anos de idade na qualidade de visit ador da
Companhia de Jesus, a convite do padre Antonio
Vieira.
No início do século XVIII, visitou a região sudeste do
Brasil, a partir do Rio de Janeiro, e deixou-nos um relato
destes caminhos através da baixada Fluminense, no livro
Cultura e Opulência do Brasil por suas drogas e minas “em
que ensinar” o modo de fazer açúcar, plantar e beneficiar
tabaco, tirar ouro das minas e descobrir as da prata”.
Com tais ensinamentos, sua edição editada em Lisboa,
foi recolhida por Ordem Régia de 1711 e queimada, sobrando
apenas alguns poucos exemplares.
“Cultura e Opulência do Brasil é, sem duvida alguma,
uma das maiores contribuições à nossa literatura histórica
colonial, indispensável para o conhecimento da situação da
economia nacional ao raiar do século XVIII.”
Em seu capítulo dedicado a escravaria: “Como se
há de haver o senhor do engenho com seus escravos,” o
padre Antonil aconselha a esses senhores, o melhor modo
de garantirem o retorno do seu investimento, escolhendo
e cuidando das “peças” chegadas da África:
“Os escravos são as mãos e os pés do senhor do
engenho, porque sem eles no Brasil não é possível fazer,
conservar e aumentar fazenda, nem ter engenho corrente. E
do modo com que se há com eles, depende tê-los bons ou
23
maus para o serviço. Por isso, é necessário comprar cada
ano algumas peças e reparti-las pelos partidos, roças, serrarias
e barcas. E porque comumente são de nações diversas, e uns
mais boçais que outros e de forças muito diferentes, se há de
fazer a repartição com reparo e escolha, e não ás cegas.
Os que vem para o Brasil são ardas, minas, congos, de
São Tomé, de Angola, de Cabo Verde e alguns de
Moçambique, que vêm nas naus da Índia. Os ardas e os
minas são robustos. Os de Cabo Verde e de São Tomé são
mais fracos. Os de Angola, criados em Luanda, são mais
capazes de aprender ofícios mecânicos que os das outras
partes já nomeadas. Entre os congos, há também alguns
bastantemente industriosos e bons não somente para o serviço
da cana, mas para as oficinas e para o meneio da casa.
Uns chegam ao Brasil muito rudes e muito fechados e
assim continuam por toda a vida. Outros, em poucos anos
saem ladinos e espertos, assim para aprenderem a doutrina
cristã, como para buscarem modo de passar a vida e para se
lhes encomendar um barco, para levarem recados e fazerem
qualquer diligência das que costumam ordinariamente
ocorrer. As mulheres usam de foice e de enxada, como os
homens; porém, nos matos, somente os escravos usam de
machado. Dos ladinos, se faz escolha para caldeireiros,
carapinas, calafates, tacheiros, barqueiros e marinheiros,
porque estas ocupações querem maior advertência. Os que
desde novatos se meteram em alguma fazenda, não é bem
que se tirem dela contra sua vontade, porque facilmente se
amofinam e morrem. Os que nasceram no Brasil, ou se
criaram desde pequenos em casa dos brancos, afeiçoando-
se a seus senhores, dão boa conta de si; e levando bom
cativeiro, qualquer deles vale por quatro boçais”.
Quanto aos castigos, Antonil recomenda “açoites
moderados”. 24
“Não castigar os excessos que eles cometem seria culpa
não leve, porém estes se hão de averiguar antes, para não
castigar inocentes, e se hão de ouvir os delatados e,
convencidos, castigar-se-ão com açoites moderados ou com
os meter em uma corrente de ferro por algum tempo ou
tronco. Castigar com ímpeto, com ânimo vingativo, por mão
própria e com instrumentos terríveis e chegar talvez aos
pobres com fogo ou lacre ardente, ou marcá-los na cara, não
seria para se sofrer entre bárbaros, muito menos entre cristãos
católicos. O certo é que, se o senhor se houver com os
escravos como pai, dando-lhes o necessário para o sustento
e vestido, e algum descanso no trabalho, se poderá também
depois haver como senhor, e não estranharão, sendo
convencidos das culpas que cometeram, de receberem com
misericórdia o justo e merecido castigo. E se, depois de
errarem como fracos, vierem por si mesmos a pedir perdão
ao senhor ou buscarem padrinhos que os acompanhem, em
tal caso é costume, no Brasil, perdoar-lhes. E bem é que
saibam que isto lhes há de valer, porque, de outra sorte,
fugirão por uma vez para algum mocambo no mato, e se
forem apanhados, poderá ser que se matem a si mesmos,
antes que o senhor chegue a açoitá-los ou que algum seu
parente tome à sua conta a vingança, ou com feitiço, ou com
veneno”.
Antonil também incentiva a multiplicação das “crias”,
aconselhando aos senhores de escravos a dar os restos de
sua mesa, para a alimentação de seus filhos:
“Ver que os senhores têm cuidado de dar alguma coisa
dos sobejos da mesa aos seus filhos pequenos é causa de
que os escravos os sirvam de boa vontade e que se alegrem
de lhes multiplicar servos e servas. Pelo contrário, algumas
escravas procuram de propósito aborto, só para que não
25
cheguem os filhos de suas entranhas a padecer o que elas
padecem”.
A bebida alcoólica causava prejuízos à produção dos
engenhos, pôr isso era combatida no meio da escravaria:
“O que se há de evitar nos engenhos é o
emborracharem-se com garapa azeda, ou água ardente,
bastando conceder-lhes a garapa doce, que lhes não faz dano,
e com ela fazem seus resgates com os que a troco, lhes dão
farinha, feijões, aipins e batatas”.
Antonil também se refere à fornalha, com que se fervia
o caldo da cana, como a “boca do inferno”. Ali se espiava as
faltas cometidos pelos escravos, acorrentados e obrigados a
trabalharem sob o calor abrasador das labaredas. Também
os doentes de pele como boubas e fístulas “curavam” suas
feridas trabalhando sob intenso calor.
“Junto à casa da moenda, que chamam casa do
engenho, segue-se á casa das fornalhas, bocas
verdadeiramente tragadoras de matos, cárcere de fogo e fumo
perpétuo e viva imagem dos vulcões, Vesúvios e Etnas e
quase disse, do Purgatório ou do Inferno. Nem faltam perto
destas fornalhas seus condenados, que são os escravos
boubentos e os que têm corrimentos, obrigados a esta penosa
assistência para purgarem com suor violento os humores
gálicos de que têm cheios seus corpos. Vêem-se aí, também,
outros escravos, facinorosos, que, presos em compridas e
grossas correntes de ferro, pagam neste trabalhoso exercício
os repetidos excessos da sua extraordinária maldade, com
pouca ou nenhuma esperança da emenda”.
Às mulheres escravas, eram destinado o trabalho de
abastecimento das moendas, lavar as canas e retirar o
bagaço, recomendando ter ao alcance, um facão para cortar
o braço daquela que por qualquer distração, cansadas ou
26
embriagadas, tiverem seu membro esmagado pelos cilindros
da moenda.
“As escravas de que necessita a moenda, ao menos,
são sete ou oito, a saber: três para trazer cana, uma para a
meter, outra para passar o bagaço, outra para consertar e
acender as candeias, que na moenda são cinco, e para limpar
o cocho do caldo (a quem chamam cocheira ou calumbá) e
os aguilhões da moenda e refrescá-los com água para que
não ardam, servindo-se para isso do paiol da água, que tem
debaixo do rodete, tomada da que cai no aguilhão, como
também para lavar a cana enlodada, e outra, finalmente, para
botar fora o bagaço, ou no rio, ou na bagaceira, para se
queimar a seu tempo. E, se for necessário botá-lo em parte
mais distante, não bastará uma só escrava, mas haverá mister
outra que a ajude, porque, de outra sorte, não se daria vazão
a tempo, e ficaria embaraçada a moenda.
O lugar de maior perigo que há no engenho é o da
moenda, porque, se por desgraça a escrava que mete a cana
entre os eixos, ou por força do sono, ou por cansada, ou por
qualquer outro descuido, meteu desatentadamente a mão
mais adiante do que devia, arrisca-se a passar moída entre
os eixos, se lhe não cortarem logo a mão ou o braço apanhado,
tendo para isso junto da moenda um facão, ou não forem tão
ligeiros em fazer parar a moenda, divertindo com o pejador
a água que fere os cubos da roda, de sorte que dêem depressa
a quem padece, de algum modo, o remédio. E este perigo é
ainda maior no tempo da noite, em que se mói igualmente
como de dia, posto que se revezem as que metem a cana por
suas esquipações, particularmente se as que andam nesta
ocupação forem boçais ou costumadas a se emborracharem”.
27
Os Engenhos
R
aros registros históricos, arqueológicos e
iconográficos, nos impedem de ter uma visão ampla,
sobre os conjuntos arquitetônicos que formavam os
engenhos de cana, nos primeiros séculos de ocupação em
torno da baía de Guanabara.
Sabe-se apenas que um dos fatores mais importantes
para sua localização era próximo aos rios ou braços de mar,
facilitando o transporte de sua produção. Portos e barcos
são freqüentemente citados em documentação testamentária.
“Não estavam ainda obstruídos seus rios, e por eles a
navegação dos pequenos barcos se fazia francamente em
muitas léguas pelo sertão a dentro, onde o braço escravo
tornava rendosa a exploração agrícola”.
Nos diz Mattoso Maia Forte, citando ainda a estatística
publicada durante o governo do Marques de Lavradio entre
os anos de 1769 e 1779, que somente entre os rios Meriti e o
Sarapuí, haviam 14 portos “para o seu comércio e serviços
das fazendas e dos engenhos”.
Apesar do pouco rendimento, foram os engenhos
movidos à tração animal, que proliferaram no recôncavo da
Guanabara, graças ao menor investimento em sua construção,
ao contrário dos engenhos d’água, que além do alto custo,
dependia das condições hidrográficas para seu
funcionamento.
Utilizadas desde os primeiros anos da colonização, as
almanjarras, ou seja, pequenos engenhos movidos a besta,
28
um pouco mais veloz do que o tocado a boi, atravessou quatro
séculos de produção, principalmente aqueles destinados a
fabricação de aguardente também chamados de engenhocas.
Segundo a primeira estatística realizada no Rio de
Janeiro, durante o governo do Marquês de Lavradio, entre
1769 e 1779, vemos que, só nas freguesias que viriam mais
tarde fazer parte da Vila de Iguaçu, existiam 21 engenhos e
7 engenhocas, no qual eram empregados 880 escravos “com
uma produção anual de 459 caixas de açúcar e 268 pipas de
aguardente”.
Sobre este número de escravos, eram apenas os que
estavam ligados ao trabalho dos engenho de cana, não
incluindo os restantes ligados às lavouras, portos, engenhos
de farinha, domésticos, etc., e que segundo a mesma
estatística, revela a existência de 7.122 escravos registrados.
Com a vinda da família imperial para o Brasil e a
conseqüente abertura dos portos brasileiros ao comércio
mundial, apesar de certas restrições impostas pela coroa, os
engenhos foram recebendo melhores equipamentos,
aumentando o número de peças de ferro e de cobre.
“Os moinhos são movidos por água, vapor, animais
ou vento. Os primeiros são os melhores, e sempre, quando a
localidade o permite, devem ser preferidas. Os de vapor são
de alta e baixa pressão; aqueles são melhores, e mais
econômicos; além do seu custo menor, ocupam menos
espaço, exigem menos água e combustível, são mais leves
e, pela sua construção menos complicada, são mais fáceis a
se conservarem”.
Os engenhos a vapor, a principio, sofreram sérias
restrições, motivadas pelo medo de explosão. A verdade é
que algumas vezes explodiam pelo excesso de pressão a que
eram submetidos, provocando mortes e destruição.
29
Maria Graham, ilustre viajante inglesa, que nos visitou em
1822, deixou este depoimento em seu livro “Diário de uma
visita ao Brasil” no passeio que fez a “Mata da Paciência”,
região de Santa Cruz, cuja fazenda tinha três feitorias que
lhe eram subordinadas: a de Peri-peri, a de Bom Jardim e a
da Serra ou Santarém. “A 1a. achava-se estabelecida na
Baixada, o Peri-peri, no distrito de Marapicú, foi aldeia de
índios. Em 10 de março de 1824, meses portanto, após a
visita de Maria Graham, foi nomeado administrador desta
feitoria Felício Pinto Coelho de Mendonça, nada menos que
o marido da Marquesa de Santos.
“Logo que nossos cavalos ficaram prontos, cavalgamos
para a Mata da Paciência, engenho de D. Mariana, a filha
mais velha da Baronesa de Campos, e para a qual tínhamos
uma carta de apresentação. Tivemos aqui, uma recepção das
mais polidas por parte de uma bela mulher, de tom senhoril,
que encontramos na direção de seu engenho, o que é de fato
interessante. Fomos recebidos primeiro pelo capelão, pessoa
polida e bem informada; com ele estava o capelão de Santa
Cruz que, por ter sido antes professor no colégio do Rio, é
geralmente conhecido pelo nome de padre-mestre.
D. Mariana conduziu-nos ao engenho, onde nos deram
bancos colocados perto da máquina de espremer, que são
movidos por um motor a vapor, da força de oito cavalos,
uma das primeiras, senão exatamente a primeira instalada
no Brasil. Há aqui 200 escravos, e outros tantos bois, em
pleno emprego. A máquina a vapor além dos rolos
compressores no engenho, move diversas serras, de modo
que ela tem a vantagem de ter a sua madeira aparelhada quase
sem despesa. Enquanto estávamos sentados junto à máquina,
D. Mariana quis que as mulheres que estavam fornecendo
as canas, cantassem, e elas começaram primeiro com algumas
30
de suas selvagens canções africanas, com palavras adotadas
no momento, adequadas à ocasião. Ela lhes disse então que
cantassem os hinos à Virgem. Cantaram, então, com tom e
ritmo regular com algumas vozes doces, a saudação angélica
e outras canções. Acompanhamos D. Mariana dentro de casa
onde verificamos que, enquanto nos ocupávamos em
observar a maquinaria, as caldeiras e a destilaria, preparava-
se o jantar para nós, apesar de já estar passada há muito, a
hora da família. A nossa partida fomos instados amavelmente
a voltar, em nossa viagem de retorno ao Rio, coisa que nós,
sem nenhuma repugnância, prometemos fazer.”
No livro da matriz da freguesia de Sto. Antonio de
Jacutinga, em testamento deixado por Thimotheo Pereira da
Costa, encontramos esta declaração datada de 23 de abril de
1797: “Sou devedor ao ferreiro que me fez a ferramenta para
o meu engenho de água a quantia de sessenta e cinco mil e
tantos réis”.
31
Rela o do Marques de Lavradio
S
egundo as relações parciais, entregues ao Marquês de
Lavradio no ano de 1779, pelos mestres de campo,
responsáveis pelos distritos milicianos das freguesias
do recôncavo da Guanabara, podemos avaliar interessante
informações estatísticas sobre a situação administrativa e
econômica nesta região da colônia, próxima da capital do
Vice Reinado.
Publicada pela revista do “Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro”, tomo 76, ano de 1915, encontramos
- Distrito de Guaratiba
Neste distrito “há sete freguesias”: São Salvador do Mundo
da Guaratiba, São Francisco Xavier de Itaguaí, N. Sra. do
Desterro de Campo Grande, N.Sra. do Loreto de Jacarepaguá,
Santo Antonio de Jacutinga, N.Sra. da Piedade de Iguassú,
N.Sra. da Conceição de Marapicú.
- Freguesia de Itaguay
com 35 fogos – não cita números de escravos nem de
engenhos
Produziam: farinha, feijão, milho, “mendubis”, arroz e
“serram-se 300 caixões”
34
- Freguesia de Jacutinga
com 253 fogos – 7 engenhos de açúcar, assim chamados:
Madureira, com 70 escravos – Posse, com 25 escravos –
Macham Bomba, com 12 escravos – Brejo, com 35 escravos
– Cachoeira, com 80 escravos – Sto. Antonio do Mª, com 70
escravos.
As engenhocas: Casa de Marapicú – Lavradores – Piranga e
Matogrosso (não cita o número de escravos)
35
Quilombolas
A
o desarticular as sólidas estruturas sociais da “casa
grande” com a fuga para o interior das matas, os
quilombolas foram aos poucos desestruturando a
base escravocrata, de uma estrutura latifundiária que trazia
em seu corpo, o gérmen da decomposição.
Defendidos pela selva quase inexpugnável e um
sentimento de liberdade, os negros encontraram nos
quilombos, a solução para sua desdita, seu ideal de
independência.
Result ado de uma conseqüência histórica, na
desarticulação dessa aristocracia rural, cujo único objetivo
era o lucro, formigava em seu bojo um exército de miseráveis
e cujas únicas opções eram, ser submetidos a submissão
resignada das senzalas ou, com a fuga, explodirem no peito
um grito de liberdade.
Todo quilombo questionava, efetivamente, a sociedade
oficial. E isto em distintos níveis. Por um lado, rompia de
fato a estrutura monopólista da terra quando a ocupava pela
36
força. Esta própria ocupação terminava valorizando-a. A
produção excedente dos quilombos era, também, muitas
vezes vendida nas próprias aglomerações. O quilombo não
pagava, é lógico, nenhum tipo de imposto e, não raro,
chegava a cobra-los dos fazendeiros da região, para não os
importunar. Constituía, objetivamente, um outro “Estado”.
Outro elemento pesava na desestabilização da situação
quilombola. O escravo era, não esqueçamos valor. As
concentrações de ex-escravos, principalmente se eram
significativas, constituíam, assim, um eterno atrativo para
toda sorte de aventureiros à procura de um rápido
enriquecimento. Raras são as monografias sobre os
quilombos, pois não existem trabalhos arqueológicos sobre
povoações quilombolas, sendo, por isso, desconhecido o
“tipo”, a origem, a cultura do escravo que habitava em dado
quilombo. Não se pode negar, contudo, ter sido o quilombo,
como afirma Clovis Moura em Rebeliões da senzala. A
unidade básica de resistência do escravo. Pequeno ou
grande, estável ou de vida precária, em qualquer região em
que existia a escravidão, lá se encontrava ele como elemento
de desgaste do regime servil. O fenômeno não era atomizado,
circunscrito a determinada área geográfica, como dizer que
somente em determinados locais, por circunstancias
mesologicas favoráveis, ele podia afirmar-se. Não. O
quilombo aparecia onde quer que a escravidão surgisse. Não
era simples manifestação tópica. Muitas vezes surpreende
pela capacidade de organização, pela resistência que oferece;
destruído parcialmente dezenas de vezes e novamente
aparecendo, em outros locais, plantando a sua roça,
constituindo suas casas, reorganizando a sua vida social e
estabelecendo novos sistemas de defesa. O quilombo não
foi, portanto, apenas um fenômeno esporádico. Constituía-
37
se em fato normal dentro da sociedade escravista. Era reação
organizada de combate a uma forma de trabalho contra a
qual se voltava o próprio sujeito que a sustentava.
Jean Baptiste Debret chegou ao Brasil em 1816, com
a missão artística francesa, a fim de fundar a Academia de
Belas Artes no Rio de Janeiro, aqui permanecendo durante
15 anos. Como pintor, seu material iconográfico constitui
um dos melhores documentos da vida brasileira,
acompanhados de textos precisos e de boa qualidade.
Em seu livro “viagem pitoresca e histórica ao Brasil”
impresso em dois volumes, ele descreve o que presenciou
durante a seção de tortura a que os escravos eram submetidos,
detendo-se na narração da morte de um chefe quilombola.
“Embora seja o Brasil seguramente a parte do novo
mundo onde o escravo é tratado com maior humanidade, a
necessidade de manter a disciplina entre uma numerosa
população negra levou o legislador português a mencionar
no código penal a pena do açoite, aplicável a todo o escravo
negro culpado de falta grave: deserção, roubo, ferimentos
recebidos em briga, etc.
Nessa circunstancia o senhor requer a aplicação da lei
e obtém uma autorização do intendente da policia, que lhe
dá o direito de determinar, de acordo com a natureza do delito,
o número de chibatadas que exige, de 50 até 200. O máximo
da pena é administrado em duas vezes com um dia de
intervalo; o termo médio é o mais empregado. É por
conseguinte, de uso no Rio de Janeiro e nas grandes cidades
do Império, que o senhor que deseja castigar o negro o faça
conduzir por um soldado de policia ao calabouço, para ser
preso com a apresentação da autorização legal em que se
inscrevem o nome do delinqüente e o número de chicotadas
que deverá receber.
36
Por isso, todos os dias, entre 9 de 10 horas da manhã,
pode-se ver sair a fila de negros a serem punidos; vão eles
presos pelo braço, de dois em dois, e conduzidos sob escolta
da policia até o local designado para o castigo, pois existem
em todas as praças mais freqüentadas da cidade pelourinhos
erguidos com o intuito de exibir os castigados que são em
seguida devolvidos á prisão.
Aí o carrasco recebe o direito de pataca, por 100
chicotadas aplicadas.
De regresso à prisão a vitima é submetida a uma a
uma segunda prova não menos dolorosa: a lavagem das
chagas com vinagre e pimenta, operação sanitária destinada
a evitar a infecção do ferimento. Se o negro é muito nervoso
é preciso sangrá-lo imediatamente, precaução que se toma
sempre em relação as negras.
A lei permite ainda que o senhor deixe o escravo na
prisão mediante o pagamento de uma pensão de dois vinténs
por dia, ou para puni-lo ainda mais ou para esperar o
momento de vendê-lo.
Essas penas são rigorosas, mas há outras bárbaras.
Assim, a que condena à morte pelo açoite o negro
quilombola, fugitivo preso como chefe de quilombo, isto é,
chefe de um grupo de negros que constitui uma pequena
aldeia escondida nas florestas virgens, abastecendo-se por
meio de roubos efetuados em excursões noturnas.
Esse condenado, cuja aparência inspira terror à
multidão que o acompanha, sai da cadeia acorrentado com o
carrasco; carrega um cartaz em que se escreve em letras
grandes “Chefe de Quilombo”. A pena prevista é de 300
chibatadas, dadas durante vários dias com intervalos. No
primeiro dia recebe ele 100 à razão de 30 cada vez em
diferentes praças públicas onde é exibido sucessivamente.
37
Mas, naturalmente, a última execução abre novamente as
chagas já profundas e ataca algumas veias mais importantes,
provocando uma tal hemorragia que, regressando à prisão,
o negro desmaia e sucumbe em meio a ataques de tétano.
Segundo Alípio Goulart, vale a pena reproduzir aqui a
nota publicada no jornal do Comércio, nº 243, de 4 de
setembro de 1868: “A brenha que esconde em seu seio essa
nova e crescente republiqueta, composta de escravos fugidos,
desertores e assassinos, situada à margem direita da foz do
rio Iguaçu, já deve ser bem conhecida das autoridades, pois
este novo Paraguai, terrível flagelo daquelas imediações, é
a terceira ou quarta vez que tenta erguer-se, e que de todas
as tentativas tem caído, desde que a polícia chega as mãos
de quem sabe cumprir a missão de que se encarrega; do novo
e muito digno Sr. Delegado de Polícia de Iguaçu esperam
prontas providencias os habitantes daqueles lugares.”
Quando presidente da Província do rio de Janeiro, o
Conselheiro Francisco Xavier Pinto Lima juntou ao seu
relatório de 22 de outubro de 1876, o do chefe de polícia,
podendo-se ler neste o seguinte: “Quilombos – Quilombo
do Bomba em Iguaçu, e do Gabriel, no Município da Estrela
– O Delegado de polícia do termo da Estrela, Coronel
Joaquim Alves Machado, auxiliado por Faustino Gonçalves
Vieira, administrador da fazenda do Mosquito, efetuou em
dias sucessivos do mês de junho último a prisão de 23
escravos fugidos, que se achavam nos dois quilombos
conhecidos por – Quilombo Grande e Quilombo do Gabriel
– o primeiro também denominado do – Bomba”, e situado
no termo de Iguaçu, escapando, ou fugindo por esta ocasião
dez dos mencionados escravos do quilombo do – Bomba”.
Em continuação à diligência para a captura dos
restantes e para a extinção do citado quilombo, seguiu o
38
mesmo Delegado na noite de 7 de julho, acompanhado do
respectivo escrivão, praças e paisanos para a freguesia do
Pilar, donde desceu o rio na manhã do dia seguinte, a fim de
postar-se no ponto próximo à entrada desse quilombo, e
expediu outra diligência para o rio Inhomirim para o ponto
onde devia ter lugar a diligência de combinação com o preto
Tibúrcio, que se prestou a auxiliá-la”.
“Apesar de certas contrariedades e incidentes que se
deram, e que poderiam ter burlado a diligência, não
desanimou essa autoridade, e tomando todas as precauções
no sentido de evitar que os escravos fossem avisados de
sua presença ali, que era sabida na freguesia do pilar, foco
dos coniventes com os quilombolas, pode no dia 9 levar a
efeito a diligência, fazendo capturar três escravos,
evadindo-se os outros em número de seis, e mesmo assim
com bastante dificuldade foi preso um, internando-se os
outros pelo mangue.” “Em ato continuo, dirigiu-se o
delegado às habitações dos quilombolas, e para isso tomou
prático um dos capturados, visto achar-se ainda em
perseguição dos outros o preto Tibúrcio com os praças.”
“Não obstante a grande distância em que se achavam tais
habitações, dos trilhos estratégicos cheios de estrepes, de
enganos e defesas, puderam chegar ao lugar. Aí foram
encontrados 8 ranchos mais ou menos regulares, cobertos
de palha de coqueiro e paredes de paus juntos, um dos quais
não era habitado, por servir de sepultura ao ex chefe
Joaquim Binga; existia uma insignificante plantação de
cana, e um ponto destinado para cemitério, onde estavam,
onde estavam três sepulturas, uma das quais achava-se
revolvida e descoberta a ossada de um dos cadáveres ali
ent errados, e soube-se que era do pret o Aleixo.”
“Incendiaram-se todas as habitações; e aprendendo-se na
39
boa lenha.”. “Esses quilombos, que eram muito antigos,
achavam-se situados em vastos mangues, que vindo dar
no mar por um dos lados, tinha fácil comunicação para a
cidade do Rio de Janeiro, donde saia muita gente que ali ia
abastecer-se de lenha, e da parte da terra confinavam com
várias fazendas, com poucos moradores, assim somo as dos
frades Bentos, onde os escravos fugidos encontravam guarida
segura em razão das vastas matas e falta de pessoa que se
disponha a habitar tais paragens, para onde, além de tudo,
são difíceis as comunicações.” “A troco de alimentos e
aguardente que lhes eram fornecidos pelos que ali iam
procurar lenha, visto que tais mangues fornece a melhor, de
que se supre a cidade do Rio de Janeiro, prestavam-se esses
escravos a cortar a madeira para carregar os barcos, cujos
proprietários se aproveitavam desse comércio lucrativo e
preveniam-os sempre que havia motivo para supor que a
autoridade empregava meios para os prender.” “Acham-se
pois extintos os dois quilombos da Bomba e do Gabriel, e é
digno de louvor o referido Delegado de Polícia Coronel
Joaquim Alves Machado pelo modo com que se houve e
zelo que empregou, a fim de conseguir tão satisfatório
resultado”.
42
Quilombos
O
s inúmeros Quilombos estabeleceram-se na Baixada
Fluminense no século XIX, sobrevivendo seus
ocupantes de caça, pesca e extração de lenha, com
a qual mantinham estreitas relações com comerciantes locais.
No oficio datado de 18 de outubro de 1859, que
faz parte das fontes primárias por nós consultadas,
pertencentes ao Instituto Histórico e Geográfico de Nova
Iguassú, encontramos estas instruções sobre o quilombo
existente às margens do “Rio Iguassú”:
“Tendo examinado as instruções que V.Sa., tem de
expedir para a dispersão e extinção do quilombo existente
na margem do Rio Iguassú, cabe-me ponderar, que os meios
indicados por V.Sa., ao Delegado do Termo de promover a
captura dos calhambolas que forem encontrados fora do
quilombo, é o mesmo que até o presente se tem empregado
sem resultado, por isso que, mantendo eles relações
constantes com os donos das vendas próximas que lhe
43
compram lenha e fornecem mantimentos e, assim concorrem
para a conservação dos quilombos”.
Recomendava ainda neste ofício dirigido ao sub
Delegado local, atenção para esses “protet ores de
calhambolas” não dando trégua e efetuar sua prisão,
assinalando que “enquanto existirem estes reconhecidos
asiladores e protetores, serão iludidas e burladas todas as
diligências policiais!”
Reconhece a dificuldade em dar combate ao quilombo,
graças a região pantanosa e o labirinto das trilhas cercadas
de água.
“E porque segundo informa V.Sa. há dificuldades
invencíveis que obstam a que sejam as calhambolas
debeladas, e presos em seus esconderijos, visto estarem
cercados de água, e serem desconhecidos os caminhos por
onde eles fazem as suas excursões.”
Lembro a V.Sa. a conveniência de cercá-los com
canoas por toda a extensão da península onde habitam,
fazendo fechar o cerco na parte em que aquela se liga á terra
firme com força de policia, de pedestres ou da guarda
nacional, devendo com cautela e perseverança ser mantido
o cerco por alguns dias a fim de que compelidos pela fome
procurem entregar-se. Durante esta operação devem estar
vigiados ou presos os indivíduos que os protejem e asilam,
afim de que não fiquem inutilizados os esforços empregados
pelas autoridades policiais.
Escuso recomendar a V.Sa., por ser de intuição, a
necessidade de por previamente, de perfeita inteligência nesta
diligencia importante, todas as autoridades policiais de
Iguaçu, Pilar e Jacutinga, por serem de localidades próximas
ao quilombo, e onde o interesse mais atua dos taberneiros
na manutenção ao dos negros, com quem negociam em
44
grande escala em lenha de mangue, que é muito bem paga
na corte, dando em troco de canoas de lenha, objetos
alimentares de pequeno valor.
Finaliza assinalando que solicitou ao Sr. Ministro da
Justiça “fornecer-lhe força de policia, e alguns escaleres bem
tripulados, armados e providos, para efetuar-se e intentar-se
o cerco ao quilombo por alguns dias, até conseguir-se o fim
desejado.”
Em oficio da secretaria de policia, datado de 26 de
dezembro de 1859, o secretário Mathias Barros,
recomendava a Justiniano Baptista Madureira, Sr. Sub
Delegado de Policia de Jacutinga “muito expressamente”,
que após a última incursão “que se não construam nas matas
dessa freguesia novos ranchos que sirvam para acoitar
quilombolas, e empregando toda a sua atividade faça capturar
os que conseguirão escapar à prisão por ocasião do ultimo
cerco que se lhes fez.
Outrossim, sendo de grande necessidade impedir que
continuem algumas pessoas a negociar com eles, comprando-
lhes os objetos furtados, o que concorre poderosamente para
animá-los a persistir no deplorável estado, chamo a sua
atenção sobre isso, e recomendo-me que contra essas mesmas
pessoas proceda na forma da lei. Deus guarde a V.Sa.”
Pelo visto, o cerco ao Quilombo em outubro, havia
alcançado o objetivo, com sua completa destruição, restando
prender os invasores.
Os ofícios eram constantes. No dia seguinte o mesmo
Sub Delegado daquela freguesia recebia a ordem de captura
dos fugitivos: “tendo-se dado nos quilombos da margem do
rio Iguaçu, e dispersados os quilombos ali existentes, e
podendo acontecer, que os evadidos procurem refugiar-se
no distrito de sua jurisdição com o fim de se arrancharem
45
novamente, cumpre que V.Sa., empregue as precisas
diligências, para que sejam os mesmos capturados e
inutilizados os ranchos, que por ventura ali fizerem. Deus
guarde a V.Sa.
A satisfação do Sub Delegado é descrita neste ofício
datado de 2 de janeiro de 1860, dirigido ao chefe de policia
da Província do Rio de Janeiro, anunciando o fim do
quilombo de Iguaçu: “asseguro a V.Exa., de que o quilombo
do rio Iguaçu acabou, e que serei perseverante em perseguir
os dispersos que por ventura estejam neste distrito. Digne-
se V.Exa., de receber benignamente a fiel exposição que mui
respeitosamente tenho a honra de por em sua presença. Deus
guarde a V.Exa. Sub Delegado da freguesia de Pilar da
Estrela, Francisco Xer Barros.”
Em 4 de janeiro deste ano, a Secretaria de Polícia desta
Província, expediu um ofício recomendando aos Sub
Delegados de Pilar, Iguaçu, Merity e Jacutinga, que entre os
quilombolas fugidos, “acham-se 3 implicados em crime de
morte, de nome Luiz e Albino, escravos de Manoel da
Conceição Castro, e Nicolau, escravo de Constante Ferreira
Panasco, cumpre que V.Sas., empregue todo o seu zelo a
fim de serem os mesmos apreendidos e entregues a ação da
justiça, fazendo também capturar os mais que lograrão
evadir-se, caso ali apareçam, na inteligência de que os crimes
atribuídos àqueles escravos são os da morte de um Ilheo,
que tivera lugar no rio Sarapuhy ou Iguaçu, e o da de um de
seus consórcios de nome Cesário, pertencente a Antonio de
tal, morador à Rua Nova de S. Bento, porque convém a
verificar as épocas em que foram perpetrados os referidos
crimes, deve V.Sas. para isso proceder as precisas indagações,
e exumações, caso também não tenha sido feito o corpo de
delito no português, formando culpa aos criminosos. Para
46
melhor conhecimento do fato e das providências que
recomendo aquele Sub Delegado, remeto-lhe por cópia a
resposta que lhe dou nesta data – Deus guarde a V.Sa.”
A perseguição aos fugitivos continuava pelas matas
com prisões, e tentando impedir novos quilombos.
Das participações hoje recebidas, consta que na noite
de 30 para 31 do mês findo, foram capturados na Freguesia
do Pilar pelo respectivo Sub Delegado Francisco Xavier
Barreiros, 8 escravos dos que se achavam dispersos do
quilombo de Iguaçu, que com 6 já apreendidos perfazem o
numero de 14, restando apenas 5 que espero serão presos
brevemente, à vista das recomendações que tenho feito.
Destes 8 escravos apreendidos são 2 de Manoel Dias
Baptista, 4 de Constante Ferreira Panasco, 1 de Carlos da
Rocha Quintella, e a preta Florinda, cujo senhor ignora-se,
sendo igualmente apreendidas seis armas de caça.
Ainda em janeiro de 1860, a resistência dos negros
era evidente na busca de sua liberdade. A tentativa de formar
novos quilombos com as fugas das fazendas, surgindo outras
lideranças que se formavam na luta contra o cativeiro, se
evidencia neste ofício assinado pelo Sub Delegado do Pilar.
51
“Mas apesar de toda a deligencia que chegou já não
encontrou o preto Nicolau, por ter saído em procura
dos outros, e somente prenderam a preta Florinda, e
apreendendo 4 espingardas carregadas, fazendo o nº de
6, com duas que achou na casa de farinha.”
Não resultando contra os pretos presos outra
criminalidade mais do que o uso das espingardas de
que nunca se serviram, senão para suas caçadas, eu os
confiei a seus senhores por não haver nesta freguesia,
casa pública para os deter, e contra eles proceder como
me for ordenado. Posto não tenham sido presos ainda
o chefe do quilombo Luiz, escravo intitulado Captam.”
52
primeira diligência cinco armas de fogo, duas espadas, dois
machados e duas foices; e nesta uma canoa, uma espingarda
de caça embalada, machados, foices, enxadas, rede de
pescar, algumas ferramentas de carpinteiro, e 64 talhas de
A Fazenda S o Bernadino
Q
uando a Estrada de Ferro Rio d’Ouro alcançou o
vale do Iguaçu em 1883, já encontrou nessa região,
encimado em uma colina, um belo palacete
engalanado por uma alameda de palmeiras que se dirigiam
até a parada dessa Estrada.
Construído por Bernardino José de Souza e Mello,
casado com Cypriana Maria Soares de Mello, filha de
Francisco José Soares, português, patriarca de numerosa
família de iguaçuanos, destacou-se com seu prestígio, no
panorama político e social da Vila de Iguaçu, sendo eleito
presidente da Câmara Municipal, durante cinco legislatura,
à partir de 1837.
Em 1848, quando D. Pedro II fez uma visita a esta
53
Vila, teve condígna acolhida na residência do então Tenente
Francisco José Soares, ocasião em que o Imperador fez um
donativo de “um conto de réis, para as obras do chafariz”.
Bernardino, que sucedeu seu sogro nos negócios,
demonstrou grande operosidade no comércio do café, e
ampliou o patrimônio construindo vários trapiches no porto,
com a firma Soares & Mello.
O Porto dos Saveiros, localizado na parte mais larga
do rio Iguaçu, permitia embarcações de até 40 toneladas, e
concentrava o maior número de tropas que desciam a Estrada
do Comércio, atravessando a Serra do Mar.
A história da Fazenda São Bernardino, começa em
1862 quando Bernardino José de Souza e Mello adquire o
sitio Bananal, que é anexado ao “Sítio Floresta, com
benfeitorias e onze escravos”, anteriormente também
comprado por ele “por três contos de réis”.
Iniciada pouco depois dessa anexação, e terminada em
1875, a construção desse palacete foi efetuada sobre uma
elevação, se estendendo à sua frente em nível inferior uma
alameda de palmeiras imperiais até a estação da estrada de
ferro.
Na entrada, uma escada dupla, protegida por gradil,
era coberta por um pálio em folha de cobre e estrutura
metálica. No beiral, as telhas de louça azul portuguesa,
complementavam o visual.
As janelas, divididas em duas partes, eram
ornamentadas com um rico desenho de vidraçaria colorida
com flores do lótus. À direita do compartimento, diz o prof.
Ney Alberto de Barros, ficava o grande salão de música. A
capela interna (de São Bernardino) ficava à esquerda, vizinha
à “sala dos cachimbos”. Ainda neste primeiro conjunto ficava
a “Alcova Imperial” com enorme cama de metal, para a
estadia de hóspedes ilustres.
54
Nas proximidades da capela, uma rica escadaria em
jacarandá, ia encontrar-se com o “solárium”, tendo sacadas
defendidas por capeamento de chumbo, para evitar
infiltrações. Continua o Prof. Ney Alberto, “na fachada lateral
direita, havia uma porta que dava acesso a área de serviços,
onde ficava o “armazém” (últimas janelas).
Nesse mesmo lado, ladeando um terreirão em nível
mais baixo, via-se cocheiras, garagens para charretes,
senzalas, engenhos de açúcar, de aguardente e de farinha.”
Em 1965, o saudoso Waldick Pereira, Presidente do
Instituto Histórico e Geográfico de Nova Iguaçu, durante
uma visita à fazenda registrava: “algumas peças originais e
outras da época da compra: mobiliário, fogão de ferro (ainda
em uso), um espelho oval enorme e na sala principal,
candelabros e peças da capela.
Na senzala e nas construções do engenho, ainda existe
uma bomba de vapor, peças de carruagem, ferragens, polias,
tonéis, um carro de boi e móveis quebrados”.
O Coronel Alberto de Mello, filho de Bernardino José
de Souza e Mello, visitando a fazenda em 1967, a convite de
Waldick Pereira e que, segundo o Prof. Ney Alberto,
identificou as seguintes dependências instaladas no plano
inferior da fazenda onde ficavam a casa do engenho e a
senzala: cocheiras, “garagem” e guarda de arreios,
carpintarias e ferrarias, casa do feitor, senzalas, tulhas, etc.
Na casa do engenho ainda existia a máquina a vapor, a
moenda, bases das engrenagens que movimentavam as
polias, tudo cercado pelo madeirame de sustentação do
telheiro, que abrigava também a casa de farinha, com seus
instrumentos para a movimentação do moinho de fubá, da
prensa de mandioca, um forno, tanques, etc.
Com a implantação da Estrada de Ferro D. Pedro II,
inaugurada em 1858, e as febres palustres que passaram a
55
dominar também nesta região, o movimento comercial da
Vila foi decrescendo, até acontecer a sua mudança como sede
do município, para o arraial de Machambomba em 1891, à
margem dessa Estrada.O Coronel Alberto de Mello, filho
do Comendador, vendeu em 1917, a propriedade para
Jácomo Gavazzi e seu sócio João Julião, com lavouras de
cana e engenho em plena produção que geravam cerca de
2000 litros de aguardente anuais. Em meio a “febre” da
laranja, tentaram implantação da citricultura, tão rendosa na
época, “iniciou violento cortes nas florestas existentes nos
grotões e às margens dos brejais. Para a passagem dos
caminhões de lenha, acabou por sacrificar algumas palmeiras
imperiais e por solapar as bases de pedra e cal da cocheira”.
Não obtendo porém, o retorno comercial esperado, “acabou
por desistir da citricultura e providenciou o loteamento da
área”, ficando a lavoura e o casarão entregues ao saque e ao
capinzal.
Em 1940, durante o aniversário do Município, foi
encaminhado ao Governo Federal, o pedido de tombamento
do conjunto arquitetônico da Fazenda São Bernardino, o que
só aconteceu em 1951, até que em 1975, a Prefeitura de
Nova Iguaçu ao desapropriá-la, cometeu um crime contra a
história do nosso Estado, deixando-a entregue à própria sorte,
sujeita a continuação do saque e da depredação.
Durante o “governo” Paulo Leone, um incêndio de
origem misteriosa, arrasou o que restava deste importante
acervo histórico de nossa região. Monumento vivo de uma
das mais prósperas Vilas do Estado do Rio de Janeiro, que
hoje em ruínas, junto com a torre sineira da Igreja de N. Sra.
da Piedade, resistem à ação do tempo, insensivelmente
assistido pelos nossos “governantes” até que não reste mais
nada, para mostrarmos à geração vindoura.
56
Santo Antonio de Jacutinga
O
motivo de havermos escolhido esta freguesia para
comentar alguns capítulos de sua história é termos
em mãos alguns documentos inéditos sobre a vida
social de sua comunidade, engenhos, fazendas, escravos,
testamentos, capelas filiais, óbitos, etc., e esta representar
em termos gerais, todo o imenso conjunto de freguesias e
propriedades produtivas que salpicavam a Baixada
Fluminense no final do século XVIII.
Ao exumar os livros de assentamento desta matriz,
através dos inventários coloniais, vamos encontrar escravos
fazendo parte dos bens que eram deixados para os herdeiros,
como gado a ser trocado de curral, e ouvir das entrelinhas
rendadas pelas traças, o grito desses esquecidos.
Textos preciosos nos faz adentrar na casa do senhor
de engenho. Ao ranger do tabuado largo do assoalho, nos
levar aos cômodos sem luz, e a ausência quase total do
57
mobiliário. No quarto, a cama com colchão de lã, ornada
com sobre céu rendado, guarnecidas de franjas empoeiradas.
Ao lado, uma arca de cedro ou jacarandá chapeada de ferro,
que ao abrir-se liberta um leve cheiro de mofo, saindo de
(velhas) camisolas bordadas, baetas coloridas e lençois de
cetim. Na cozinha, pratos e talheres de estanho ornamentam
o fogão a lenha permanentemente aceso, complementado
com panelas de ferro. Alguns talheres de prata fazem parte
desses “trens”, metal nobre que também encontramos na
estrebaria compondo fivelas, adornos de cela, pedais, etc.
Através da janela, vê-se a escravaria que se agita em
torno do velho moinho gemendo sonolento, tangido pela água
que brota da montanha, aninhando canaviais.
Próximo à casa, um conjunto de portas com paredes
de taipa, cobertas de palha, denunciam a senzala.
Diz Milliet de Saint-Adolphe, ainda na primeira metade
do século XIX: “É ao pé desta Igreja Matriz que se acha
assentada a povoação, cujas casas são telhadas, e onde se
vêem alguns mercadores de retalho”.
O Prof. Ney Alberto de Barros, Presidente do Instituto
Histórico e Geográfico de Nova Iguaçu, afirma com muita
propriedade que a freguesia de Santo Antonio de Jacutinga
foi a única do município de Iguassú, a incorporar o nome de
aldeia indígena, a de Jacutinga (da família dos Tupinambás).
O 1o templo, dedicado a Santo Antonio, foi levantado
no lugar chamado Jambuí. Depois, o padroeiro foi transferido
para outra “igrejinha” desta vez levantada no lugar
denominado Calhamaço (2o templo). Depois foi transferido
para um 3o lugar, cuja construção, com algumas alterações,
se conserva até hoje, desde o ano de 1733, com o popular
título de Santo Antonio da Prata. Após a entrega ao tráfego
da Estrada de Ferro de Dom Pedro II (1858), será, mais uma
vez transferido para o arraial de Maxambomba (atual Nova
58
Iguaçu), onde a ferrovia plantou insignificante “parada”. Em
1795 esta Paróquia foi visitada pelo historiador Monsenhor
Pizarro. Limites ao norte: Freguesia de Nossa Senhora da
Piedade de Iguassú (Em cujo território ficava a Vila de
Iguassú, sede do município que, também por causa da
ferrovia, será em 1891, transferida para Maxambomba); Sul:
Freguesia de São João de Miriti; Leste: também com Miriti
e, a Oeste: “separa-se da Freguesia de Nossa Senhora da
Conceição de Marapicu, ou Maripocu (...) no rumo das terras
do Engenho de Madureira, onde principiam as do Engenho
de Cabocu” (Pizarro). Em 1795 possuía “350 fogos e mais
de 3.500 pessoas adultas” (Obs.: a palavra “fogo” significa:
residência, com fogão à lenha).
Filiais: 1o - Capela de Nossa Senhora do Rosário do
Iguassú (Na Fazendo de São Bento, à margem esquerda do
Rio Iguaçu), 2o - de Nossa Senhora da Conceição, em
Sarapuí; 3o - de Nossa Senhora do Livramento; 4o - de Nossa
Senhora da Conceição, no Sítio da Cachoeira (às margens
do rio da Cachoeira, Serra da Cachoeira -que os angolanos
chamavam de Quanza). (Obs.: o rio da Cachoeira é,
atualmente, chamado de Canal Dona Eugenia e, nas terras
da Fazenda da Cachoeira, junto à mesma dita ferrovia, havia
a “parada” Mutambó, atual Mesquita, 5o filial de Nossa
Senhora Madre de Deus, no bairro da Posse; 6o - Nossa
Senhora da Conceição, no lugar denominado Pantanal.
“Onze fábricas de açúcar, uma de aguardente e algumas
de barro” (Pizarro)”. (...) se cultiva a cana, a mandioca, o
café, o milho e legumes. Banham o terreno da Freguesia os
rios Cachoeira de Santo Antonio do Mato, Douro e Riachão
que, engrossados por outros, desde as serras da Cachoeira e
de Tinguá, despejam volumosas águas nos Rio Iguaçu,
Guandu e Sarapuí, pelos quais navegam barcas, lanchas e
canoas carregadas de efeitos do Continente, recebendo-os
59
nos 5 portos dispersos pelo rio Iguaçu e nos 4 espalhados
pelo rio Sarapuí (Pizarro, 1795).
Nas relações parciais entregue ao Márquez do
Lavradio, pelos Mestres de Campo dos Distritos milicianos
em 1779, durante o governo Luiz de Vasconcellos,
compreendendo as diversas freguesias do recôncavo do Rio
de Janeiro, vamos encontrar dados estatísticos que servem
para avaliar o gráu de prosperidade da agricultura das
redondezas da capital do Vice-Reinado do Brasil.
Examinando o número de freguesias pertencentes ao
distrito de Guaratiba, identificamos, arroladas pelo seu
administrador Mestre de Campo Ignº. de Andrade
Soutomayor Rendon a Freguesia de Sto. Antonio de
Jacutinga, juntamente com outras freguesias.
Começa registrando os párocos existentes: Vigário
encomendado; Reverendo Luiz Ignº de Pinna, e dois
sacerdotes anexos; o Reverendo Padre Antonio Maciel da
Costa e o Reverendo Padre Manoel Pinto, Capelão da Posse.
Seria esse o nosso Padre Manoel Pinto de Pinho, que fomos
encontrar nos testamentos registrados nessa paróquia em
1786, e que publicamos nas relações testamentárias em outro
capítulo desse livro? Acreditamos que sim!
Em seguida assinala a existência de 7 engenhos nessa
freguesia: o 1o chamado Madureira, de Manoel Luiz de
Oliveira com 70 escravos, fazia 40 caixas de açúcar e 30
pipas de aguardente; o 2o chamado Posse, dos herdeiros do
Capitão Francisco de Veras Nascentes, com 25 escravos,
fazia 20 caixas de açúcar e 5 pipas de aguardente; o 3o
chamado Machambomba, do Sargento Mor Marinho Corrêa
de Sá, com 12 escravos, fazia 15 caixas de açúcar e 4 pipas
de aguardente; o 4o chamado do Brejo, co Capitão Apolinário
Maciel, e seu irmão o Reverendo Padre Antonio Maciel,
com 35 escravos, fazia 25 caixas de açúcar e 8 pipas de
60
aguardente; o 5o chamado Cachoeira, do Capitão Manoel
Corrêa Vasquez com 80 escravos, fazia 60 caixas de açúcar
e 30 pipas de aguardente; o 6o chamado de Sto. Antonio do
Mte. de Campo Ignácio Soutomayor Rendon com 30
escravos. Assinala o administrador desse distrito, que esse
engenho que pertenceu ao Sto. Mor Francisco Sanchez de
Castilho, faleceu deixando dívidas e por falência “não moeu
mais”, sendo arrematado pelo “dito mestre de campo em
1778, e que se acha fabricando inteiramente para moer nesse
ano de 1779”; o 7o chamado da Conceição dos herdeiros de
Ignácio Gomes, com 14 escravos, fazia 3 caixas de açúcar e
meia pipa de aguardente “porque cuidão mais em mandioca”.
Testamentos
63
Declarava também a “Liberdade por cinco doblas ao pardo
Gaspar”, que recebera de herança de sua mãe, e recomendava
ao testamenteiro, acompanhar o recebimento da venda que
fizera de seis escravos que também recebera como herança
a saber: “Roque e sua mulher, Faustina, Luiz, Francisco,
Xico, Joaquim e mais duas crias, Martinha e Cipriana, filhas
da dita Faustina”.
67
sítios”, freguesia de Sto. Antonio de Jacutinga em novembro
de 1786, pelo vigário Pe. Manoel Pinto de Pinho, “estando
com saúde completa e em meu perfeito juízo”, deixa
transparecer, que este era fazendeiro nesta freguesia, e
possuía além de numerosa escravaria, um valioso patrimônio
considerável para a época: “dezesseis bois de carro, dois
carros ferrados, seis vacas, um engenho, um garrote, três
vitelas” e declarando “que tudo se venderá pelo melhor modo
que for possível”, após a sua morte, naturalmente.
Declara também, que ficará “com o testamenteiro um
rol por mim feito, e assinado com os nomes e clareza do dito
gado, alguns bens e trastes da casa”.
Quanto aos escravos, o padre Manoel deixava para 13
cativos “deste engenho...” “Quatro varas de algodão de Sam
Paulo a cada um que importa em cinqüenta e duas varas” e
nomeava os escolhidos, alguns com o nome das nações de
origem: “Simão Angola, Joana Benguela sua mulher,
Antonio Rebolo, Vicente Joaquim, Thomas Crioulo, José
Crioulo, Gervázio, Basílio Crioulo, Agostinho, Joaquim
Crioulo, Anna Crioula, Izabel Angola, Maria Filha, Miguel
Filho, Joaquim Banguella.”
As cart as de liberdade eram concedidas com
parcimônia. Neste texto o padre Manoel faz referência a dois
escravos, Simão e Antonio Rebolo: “desejando fazer-lhes
algum bem pelo amor de Deus...” “lhes concedo depois do
meu falecimento o prazo de três anos para neste tempo
ganharem cada um a quantia de três doblas” recomendando
ao testamenteiro, que ao receber este valor “que lhe passará
logo as cartas de liberdade”.
Recomendava ainda, a não vender “meus escravos
por empenho nem contra a sua vontade, senão as pessoas
que eles escolherem...” “porque por caridade, desejo que
68
eles acertem um bom cativeiro”. Em seguida, determina ao
testamenteiro que “poderá logo sem mais figura, vender a
quem der mais e melhor cobrir as suas avaliações, o que
poderão fazer em praça, na porta da igreja, ou em sua casa,
amigavelmente, fazendo sempre pelos respeitar sem que
sejam obrigados a levá-los as (...) praças da cidade”.
A “uma escrava velha por nome Graça”, o vigário
deixava-a “forra e liberta”.
Também a “mulatinha Joaquina”, por “gratidão e
piedade”, dava liberdade pedindo ao testamenteiro passar
“sua carta, sem condição alguma.”
Preocupado com algumas dívidas, lembrava procurar
José Fernandes “ao pé da Candelária” onde “costumo
comprar vinho, azeite, e vinagre por bilhetes.” Também a
“João Barboza de Azevedo, na rua Direita, perto dos contos”,
onde “costumo quando vou a cidade pousar.”
Participante das festas na freguesia da Posse, padre
Manoel não se negava a contribuir com “meia arroba de carne
fresca”, ou algum “quarto de carne de porco” que comprava
com crédito “a vários sujeitos” e “se alguém disser que lhe
devo alguma coisa, informando se meu testamenteiro dos
meus escravos, achando ser certo, e o sujeito de boa nota, se
lhe pague tudo sem mais justificação”.
Livrando-se da doença que o acamara, viveu mais seis
anos seis anos depois de ter elaborado este testamento. O
padre Manoel Pinto de Pinho, vigário da dita Freguesia,
estando “doente de cama” nos primeiros dias de setembro
de 1792, ditava um novo testamento conhecido como
codicilo, alterando alguns parágrafos e acrescentando outros
ao texto anterior.
69
Codicilo
71
A Fazenda em S o Bento de Iguass
C
onsiderada a primeira, a maior, e a mais antiga fa-
zenda da Ordem Beneditina no Brasil, a fazenda
São Bento do Iguassú teve seu início com a chegada
de 7 ou 8 frades “brancos franceses, (cujo adjetivo, refere-
se às vestes brancas que usavam como missionários em
países de clima tropical) mandados por Villegaignon, em
1560 ou 1561”.
Após a expulsão dos franceses do Rio de Janeiro,
grandes partes dessas terras foram doadas como sesmarias
a Cristóvão Monteiro, primeiro ouvidor do Rio de Janeiro,
e marido da Marquesa ( nome próprio ) Ferreira, a qual
ofereceu meia légua ao mosteiro de São Bento no Rio de
Janeiro, em 7 de dezembro de 1596 .
Baseando-me em Dom Clemente da Silva Nigra, em
seu trabalho sobre as terras da fazenda de São Bento do
Iguassú, vamos transcrever o resumo das doações e aqui-
sições das sesmarias durante o século XVI.
72
5 de setembro de 1565 - Sesmaria doada por Estácio de Sá
a Cristóvão Monteiro, de uma légua de comprido pelo rio
Iguassú acima, e meia légua de largo de cada parte.
16 de outubro de 1567 - Sesmaria doada pôr Mem de
Sá, confirmando também a anterior, a Cristóvão Monteiro
de mais uma légua de terra, desde o salgado pelo rio acima e
meia de largo para cada parte do rio Iguassú, ficando este no
meio.
8 de janeiro de 1577, a viuva de Cristóvão Monteiro,
dona Marquesa ferreira toma posse dessas terras.
11 de novembro de 1591 - Jorge Ferreira faz doação
ao mosteiro por um codicilo, uma ilha que está no rio
Iguassú, e mais de 300 braças assim ao largo do mesmo rio,
como para o sertão.
23 de novembro de 1591 - O mosteiro do Rio de
Janeiro compra no Iguassú uma légua de terra a Jorge
Ferreira.
12 de outubro de 1593 - O mosteiro do Rio de janeiro
compra no Iguassú mil braças de comprido e meia légua de
largo a Jerônimo Monteiro.
7 de dezembro de 1596 - Dona Marquesa Ferreira
deixa ao mosteiro pôr um codicilo meia légua de terra, “que
começa onde quebra o salgado”
Dessa maneira quase todo o terreno doado pelas
sesmarias de 5 de setembro de 1565, e de 16 de outubro de
1567, Cristóvão Monteiro, passou a ser propriedade do
mosteiro de S. Bento do Rio de Janeiro, a pedido do mesmo
mosteiro , aos 25 de abril de 1602, o Governador Francisco
de Sousa confirmou essa posse, expedindo em seu favor uma
nova carta de sesmaria.
Sem mencionar as aquisições posteriores de menos
importância, durante os séculos XVII e XVIII, são essas as
principais sortes de terras de que se compunha a mais antiga
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fazenda da Ordem de S. Bento do Brasil. Desde os primeiros
tempos, o mosteiro arrendou grandes partes de Iguassú a
particulares, como testemunham os inúmeros terrenos de
arrendamentos.
A ocupação progressiva dessas terras deram motivo a
esses religiosos, o direito de proibir a pesca e mariscos e
caranguejos em seus mangues ao longo do “salgado”, assim
como o corte de lenha e madeira para as construções de casas,
dos quais faziam uso a população mais pobre e a escravaria.
Em 1677 o Padre Barnabé Soares, tornou efetiva essa
ordem aprovando a excomunhão do Administ rador
Eclesiástico, para todo aqueles que violassem suas terras.
“Semelhante medida trazia graves prejuízos à
população e suscitou gerais reclamações. A Câmara protestou
contra a arbitrariedade do prelado que se imiscuía em
assuntos fora de sua competência. Irritado, o Padre Silveira
Dias estendeu a excomunhão com todos os seus efeitos aos
oficiais da Câmara. Esta levantou embargo contra a medida
que, dizia, ameaçava provocar “geral conflagração dos
povos”. Desprezados o embargos pelo administrador
eclesiástico, dirigiam-se os vereadores, em carta de 31 de
agosto, à Coroa, apresentando enérgica denúncia contra os
padres da Companhia de Jesus, acusados de se apoderarem
de terras que excediam da concessão que lhes fora feita, e
contra o prelado que indubitadamente intervinha em assuntos
de ordem temporal.
O Conselho Ultramarino tomou conhecimento da
representação da câmara e no ano seguinte opinou que fossem
os moradores conservados na antiga posse e que ao prelado
se ordenasse que não mais inquietasse o povo com
excomunhões em negócios de competência régia e em
objetos estranhos aos seus ofícios. foi este parecer aceito
pelo rei que em tal sentido enviou instruções ao governador.
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Ao contrário do grande volume de informações que
dariam para preencher “mais de 400 manuscritos” sobre as
terras desta fazenda, confessa Dom Clemente, serem
diminutas as informações deixadas sobre os engenhos de
açúcar, de farinha, da olaria e da casa grande (mosteiro).
O Engenho de A car
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Funcionou o primeiro engenho de Iguassú até o ano de 1646,
quando o abade Frei Mauro das Chagas (1645 a 1648), “con-
certou, e fez de novo o Engenho de Iguassú que o abade Frei
Ruperto de Jesus tinha fundado”.
Os abades que se lhe seguiram também se interessa-
ram muito pelo progresso do engenho. Assim Frei Francis-
co da Madalena, em 1652, “fez plantar de cana toda a ilha
de São Gregório (na fazenda vizinha de S. Bento do
Inhumirim) para aumentar as safras do engenho, fazendo
embarcar para Lisboa muito açúcar para com o seu produto
para a receita do que mandou buscar para o provimento da
casa (do mosteiro)”.
Aos 28 de dezembro de 1659, se fez um contrato
com o fazendeiro vizinho, “e ficaram quase juntas e unidas
as nossas terras de Inhumirim perto de duas mil brasas de-
testada de que constava o engenho, focando desta sorte mais
avultado o patrimônio do Mosteiro. Estas conveniências bre-
vemente se desvanecerá com a experiência das canas que
não fizeram açúcar na safra que se fez imediata,... perdendo
o Mosteiro perto de cinco mil cruzados neste contrato”.
Deste tempo e diante fundaram-se os engenhos de
Campos e, depois de 1667, os de Camorim de Vargem, que
mereceram toda atenção dos abades, sendo Frei Bento da
Cruz, em 1673, ao terminar o seu excelente governo ‘dei-
xou cincoenta e duas caixas de açúcar nos trapiches, coisa
nunca vista naquele tempo”.
Falando dos enérgicos empreendimentos do abade
Frei João de Santana Monteiro (1694 a 1697), filho de “pais
ricos e nobres e das principais do Rio de Janeiro”, o Dietário
continua: “A experiência tinha mostrado a inutilidade do
engenho Iguassú, pouco rendimento que ele dava pela quan-
tidade do terreno alagadiço, e que não correspondia ao tra-
balho, e despesa com que ele se fazia, o mudar-se para outra
parte parecia impossível pelas urgentes dificuldades que
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ocorriam, todos os seus antecessores refletiram nestas
circunstancias, nenhum se resolvia. Este Prelado revestido
de zelo, cuidou seriamente o negócio, compreendendo a di-
ficuldade, e executou o que premeditara. Escolheu a terra
da Vargem Pequena, e nela edificou um engenho dentro do
breve termo de sete meses.
Importante assinalar o inventário transcrito de docu-
mentos “rendados” pelas traças feito pelo mesmo historia-
dor quanto a escravaria do engenho de açúcar desta fazenda
por ocasião de sua entrega: do Padre Francisco da Chagas
ao Padre Rozendo do Rozario em 1685. (Respeitando a grafia
da época,) às mulheres eram destinado o trabalho de enxada
e foice e aos homens, também o machado:
Izabel, de enchada efouce - Maria, de enchada efouce
- Anna mulata de enchada - Suzana, de enchada - Maria
mulata, de enchada - Acenssa, enchada efouce - Bastiana,
enchada efouce - Bárbara, enchada efouce - Luzia, enchada
efouce - Ignez, enchada efoice - Margarida mulata, enchada
efouce - Ignácia, enchada, efouce - Monica mulata, enchada
- Bonifacia, enchada efouce - Mônica, enchada efouce -
Maria, crioula enchada - Leonor, enchada - Scholastica,
enchada - Scholastica, mulata enchada - Izabel, enchada
efouce - Margarida, enchada efouce - Marcela, enchada
efouce - Luzia, enchada - Vicença, enchada efouce - Izabel
de enchada efouce - Marta, enchada efouce - Floriana.
Antonio gr. de machado, efouce - Melchior de ma-
chado - Joaó Bazilio de machado - André, machado efouce -
Bento, machado efouce - Leandro, machado efouce - Tomé,
machado efouce - Joseph, mulato, machado - Baltazar, ma-
chado - Saluoador, machado - Phelipe, machado efouce -
Matheus, machado efouce - Bita, machado - Antonio, ma-
chado - Antonio Catinga, machado - Antonio, machado -
Faustino, machado - Bento, machado - Hieronimo, tem fouce
- Thomas mulato, carpinteiro - Romano, carpinteiro.
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O Engenho de Farinha
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moer mandioca, que trabalha com bestas, e deixou comple-
ta esta nova fábrica. As roças que deixou plantadas, foram
avaliadas em quatro mil alqueires de farinha”.
A F brica da Olaria
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O abade Frei Gaspar da Madre de Deus (1763-1766),
além de ser um grande intelectual e homem de estudos era
também um “provecto administrador das fazendas do
mosteiro”, e como tal “fez na fábrica da Olaria do Iguassú
um terceiro forno, e grande, com o qual se podem cozer mais
de cem milheiro de tijolos todos os anos.
Desse tempo em diante esta olaria trabalhou com
ótimos resultados. E assim foi possível o mosteiro oferecer
todo o tijolo e telha para a construção do grande quartel das
tropas da cidade do Rio de Janeiro. Parece que ese quartel
se achava onde está hoje o dos Bombeiros. Melo Morais
conta a respeito o seguinte: “Havendo aquartelado quatro
companhias na rua Nova de São Bento, em casas dos
Beneditinos, entenderam estes, para se verem livre dos
soldados, oferecer ao governo de D. João VI dar tijolo e
telha para toda a obra do quartel, que se ia levantar no campo
de Santana. Começados os trabalhos em 1810, ainda em 1822
cumpriam os religiosos o compromisso, até que D. Pedro
disso os desobrigou”.
A Igreja da Fazenda
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Refer ncias Bibliogr ficas