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Licenciatura em Direito
Parte I
Períodos da História do Direito Peninsular
Capítulo I
Período Primitivo, Ibérico ou Pré-romano
A característica básica a pôr em evidência a respeito do período primitivo, ibérico ou pré-romano é
a de que a Península estava longe de oferecer uma unidade étnica, linguística, cultural, religiosa,
política, económica ou jurídica. Sob qualquer dos ângulos indicados, constituía um conjunto bastante
diversificado.
Acrescenta-se que existe uma reconstituição muito fragmentária e insegura das instituições desse
período. As fontes disponíveis para o seu estudo mostram-se escassas. Entre as mais importantes, cabe
destacar os restos epigráficos e arqueológicos. Assinalam-se, também, os dados que se recolhem nas
obras de escritores da Antiguidade.
Considerações gerais sobre o período primitivo (fontes de conhecimento, pluralidade de povos,
organização política e social):
Capítulo II
Período Romano
O período romano teve início em 202 a.C. com a vitória na II Guerra Púnica e a expulsão dos
cartagineses da Península, ainda que sem ocupação imediata de toda a Península, e terminou com as
invasões germânicas no séc. V.
Os Romanos tiveram uma longa e muito significativa presença na nossa península. É corrente
cindi-la em duas fases distintas: uma fase de conquista, que termia em 19 a.C., com o domínio dos
territórios cantábricos e astures; e uma fase de romanização, quer dizer, de progressivo conhecimento e
assimilação, pelos povos autóctones, das formas de vida, da cultura e do direito dos Romanos. Durante
a fase de conquista, assinala-se aos Romanos finalidade dupla de subjugar os povos locais e de extrair
o máximo possível de riqueza das sucessivas regiões anexadas. Na fase da romanização, pelo contrário,
tiveram a preocupação de fazer participar os habitantes da Península da sua civilização, das suas
instituições políticas e administrativas e, de um modo geral, do seu direito;
a) A romanização jurídica – a concessão da latinidade e a concessão da cidadania aos habitantes
livres da Península pelo Imperador Vespasiano (em 73/74 d.C):
1) Como latinos coloniais (ou coloniários) os habitantes da Península passaram a ter, no âmbito do
direito privado, o ius commercii ou commercium, regendo-se pelo direito romano em matérias de
natureza patrimonial (obrigações, direitos reais, direito sucessório); mas não o ius connubii ou
Capítulo III
Período Germânico ou Visigótico
Passamos a um novo ciclo na história do direito peninsular: o da dominação germânica.
Designa-se por período germânico ou período visigótico, em virtude do contributo de longe mais
relevante devido aos Visigóticos.
a) Direito vigente na Península ao tempo das invasões germânicas (no séc. V, com início em 409):
1) O Direito romano vulgar (resultante da decadência e adulteração do direito romano da época
clássica), que vigorou no Império Romano do Ocidente, a partir da divisão definitiva do império
(em 395);
2) A conjugação desse direito com aspetos dos direitos dos povos indígenas (o que contribuiu para
acentuar a decadência do direito romano).
É opinião generalizada que os Germanos, durante o ciclo de migração através do Império,
conservaram os seus costumes jurídicos. Mas por outro lado, também se sustenta que não os tenham
imposto às populações romanizadas, muito mais numerosas, em que se enquadram. A situação
correspondia, pois, ao princípio da personalidade ou da nacionalidade do direito, quer dizer, à
coexistência de sistemas jurídicos diversos dentro do mesmo território.
A fixação dos germanos dentro das fronteiras do Império não implicou, via de regra, na esfera
do direito público, mudanças significativas da organização vigente. Assim aconteceu, sobretudo,
Capítulo IV
Período do Domínio Muçulmano e da Reconquista Cristã
A vinda dos Árabes para a Península ocasionou a quebra da unidade estadual que o Reino
Visigótico conseguira após a expulsão dos últimos redutos bizantinos. Durante séculos, passam a existir
no território hispânico dois blocos diferenciados, embora com fronteiras mais ou menos instáveis: o
cristão e o islâmico.
Esta separação política conduziu a uma paralela dualidade jurídica básica. Os invasores trazem
para a Península o direito muçulmano, que continuam a adotar. Enquanto, por outro lado, a
desorganização político-administrativa provocada pela queda do Estado Visigótico faz com que, entre
os Cristãos, o ordenamento jurídico tradicional fique entregue ao seu próprio destino. Verifica-se a
rutura do plano de fundo romanístico que existira ao longo do período anterior.
É na sequência da Reconquista Cristã que a Península se divide em vários Estados. Daí que
surjam correspondentes sistemas jurídicos que a marcha do tempo inidvualizaria.
a) Início – 711 d.C (vitória sobre o rei Rodrigo); até 713 (invasores ocuparam praticamente toda a
Península, com exceção de algumas zonas montanhosas, dos Pirenéus e dos montes Cantábricos, donde
partiu logo a reconquista cristã); Termo, no que aqui nos interessa – com a independência de Portugal
e o alargamento do seu território em luta com os muçulmanos;
b) Direito muçulmano:
O direito que os invasores trouxeram consigo tinha natureza confessional. Não havia uma
distinção entre a religião e o direito, ou melhor, este ia buscar àquela o conteúdo dos seus critérios
normativos. Portanto, afirmava-se como um sistema jurídico personalista, que apenas abrangia a
comunidade de crentes que integrava o mundo islâmico. Não era a raça que definia o direito aplicável,
mas sim o credo religioso.
c) Fontes de direito:
o Alcorão (revelações de Alá a Maomé);
o Sunna (conduta pessoal de Maomé);
o Consenso unânime da comunidade («Ijma»).
d) Posição dos cristãos e dos judeus («gentes do livro») submetidos ao domínio muçulmano:
o Podiam conservar as respectivas religiões, mediante o pagamento de um imposto («jiyzia») –
contrariamente aos idólatras ou pagãos, que eram obrigados a converter-se ao islamismo;
o Os que mantiveram a fé cristã eram os moçárabes, cuja situação dependia de terem feito acordos
de capitulação ou tratados de paz;
o Os moçárabes que celebraram tratados de paz com os muçulmanos continuaram divididos em
«territórios» ou «condados», conservavam os seus juízes próprios e, nas relações privadas,
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continuaram a reger-se pelo direito que vinha da monarquia visigótica – em especial, pelo
Código Visigótico (Liber Iudiciorum), que foi até traduzido para árabe;
o Nas relações mistas (entre moçárabes e muçulmanos) e em matéria penal aplicava-se o direito
islâmico;
o Os judeus continuaram também a reger-se pelo seu próprio direito e a ter os seus próprios juízes.
e) A reconquista cristã e a formação dos Estados cristãos:
o O nascimento da 1.ª monarquia cristã nas Astúrias – a monarquia asturiense ou monarquia de
Oviedo;
o A formação de outros reinos – nomeadamente, o Reino de Leão, depois Leão e Castela, e o
Reino de Portugal;
o A unificação da Espanha só em 1492, com a conquista do Reino de Granada (Fernando de
Aragão e Isabel de Castela);
o Os muçulmanos que se mantiveram em território reconquistado pelos cristãos (os mudéjares)
continuaram a reger-se pelo seu direito e a ter juízes próprios (e assim foi até serem expulsos
ou obrigados a converter-se);
o A separação de Portugal do Reino de Leão (era rei leonês D. Afonso VI);
f) As dúvidas sobre a natureza da concessão da terra portugalense a D. Teresa e D. Henrique (por
não se conhecer o ato que a formalizou):
1) Tese dominante até Alexandre Herculano: doação de senhorio hereditário (dote de D. Teresa), o que
equivalia ao reconhecimento de a existência de um título jurídico válido na origem de Portugal.
2) Tese de Alexandre Herculano – D. Afonso VI apenas confiou a D. Henrique e D. Teresa o governo
da terra portugalense como cargo temporário (exercido em nome dje D. Afonso VI, com a autoridade
por este delegada), livremente revogável, segundo o arbítrio do monarca (simples tenência amovível,
como a dos distritos); o nascimento do novo reino teria sido um simples episódio da luta contra os
mouros, sem qualquer outra base jurídica que o fundamentasse; as propriedades regalengas (património
do rei e da coroa) passaram a ser possuídas como bens próprios e hereditários por D. Teresa e D.
Henrique.
3) Tese de Paulo Merêa (para que se inclina Almeida Costa) – tratou-se de uma doação de senhorio
hereditário, mas com vínculo de vassalagem (representando, pois, uma doação alodial, a título de
apanágio, para compensar D. Teresa, filha segunda, por não compartilhar a herança da coroa); a natureza
hereditária da concessão não oferece dúvidas (na Crónica do Imperador Afonso alude-se a concessão
«iure hereditário» e num documento do ano 1100 emprega-se a expressão «pro hereditas»).
Nota: No senhorio há uma transformação do domínio: os habitantes estão isentos do pagamento de
tributos à corte (tem de pagar ao senhor da terra); há uma delegação da administração da justiça nos
senhores; a coroa abdica da quota estabelecida nas coimas ou penas pecuniárias aplicadas aos delitos.
4) Tese de Verlinden – foi uma concessão hereditária de tipo feudal (que resultaria da existência do
vínculo de vassalagem).
5) Tese de Sánchez-Albornoz e (entre nós) de Nuno Espinosa Gomes da Silva – tratou-se de uma
tenência hereditária (como Alexandre Herculano chegou a admitir). Independentemente da natureza da
concessão, de jure ou de facto, D. Henrique e D. Teresa (ou, depois, só esta) exerceram poderes
soberanos na terra portugalense, designadamente:
Parte II
Elementos de História do Direito Português
Capítulo I
Periodização da história do direito português
1) Dificuldades inerentes ao estabelecimento da periodização
A divisão da história do direito português em períodos tem sido encarada a partir de critérios
diversos. Cada um deles salienta os aspetos que os seus autores consideram predominantes ou decisivos
na evolução jurídica, ou que mais perfeitamente a traduzem. As opções relacionam-se também com as
áreas que constituem objeto de estudo. É que não se mostra fácil, por exemplo, uma divisão cronológica
igualmente adequada à história do direito político e do direito privado, assim como se verificam
dissemelhanças na evolução das fontes, das instituições e do pensamento jurídico. Aliás, acabam por
existir nexos de complementaridade entre alguns desses critérios. E, de qualquer modo, tais diferenças
de pontos de vista apresentam o incontestável interesse da compreensão da mesma realidade sob
ângulos diversos, o que contribui, sem dúvida, para o seu melhor conhecimento.
2) Períodos considerados
Afigura-se pertinente reduzir o processo evolutivo do direito português, desde os alvores da
nacionalidade, pouco antes dos meados do século XII, até à época presente, a três ciclos básicos, bem
distintos, com duração, perspetiva, e significado muito diversos. São eles: a) o período da
individualização do direito português; b) o período do direito português de inspiração romano-
canónica; c) o período da formação do direito português moderno.
Capítulo II
Período da individualização do direito português
O período da individualização do direito português inicia-se com a da fundação da
nacionalidade (ano em que Afonso Henriques passa a intitular-se rei) e vai até ao momento em que D.
Afonso III inicia o seu reinado, situando-se, pois, entre 1140 e 1248.
Capítulo III
Período do direito português de inspiração romano-canónica
Este período do direito português teve início em meados do século XIII e terminou na
segunda metade do século XVIII. É marcado pela forte presença do direito comum (romano-
canónico) na esfera jurídica nacional.
Podem considerar-se dois subperíodos: época da receção do direito romano renascido e do
direito canónico renovado (direito comum) e época das Ordenações.
Embora na segunda destas fases permaneçam as influências romanísticas e canonísticas, em
meados do século XV verifica-se o início da vigência das Ordenações Afonsinas, que constituem um
marco importante na evolução do nosso direito, na medida em que o nosso ordenamento jurídico se
autonomiza formalmente dos ordenamentos romano e canónico (reduzidos a fontes subsidiárias, por
determinação do monarca).
1.
Época da receção do direito romano renascido e do direito canónico renovado
1) O direito romano justinianeu e pré-renascimento do direito romano
Sentido atribuído à expressão «renascimento do direito romano» - dá-se essa designação ao
renovado interesse teórico e prático do direito romano justinianeu, contido nas coletâneas do Corpus
Iuris Civilis, que teve o seu início em Bolonha (Itália) em finais do séc. XI (a Universidade de Bolonha
apresenta como ano da sua fundação o ano de 1088), mas que se desenvolveu, sobretudo, a partir do
séc. XII, com a chamada Escola dos Glosadores.
Não significa isso que o direito romano justinianeu tenha deixado de ser conhecido, estudado e
aplicado entre o séc. VI e o séc. XII. No Oriente, as fontes justinianeias sobreviveram até à queda de
Constantinopla (1453), ainda que com alterações substanciais (destinadas a fazer face aos novos
problemas) e com a elaboração de resumos, traduções e novas coletâneas.
No Ocidente, em meados do séc. VI (pragmatica sanctio de 554), foi determinada a aplicação
das coletâneas justinianeias na Itália, então sob domínio bizantino, mas a conquista dos Lombardos
(568) fez com que o direito justinianeu ficasse confinado a algumas cidades, como Roma e Ravena, que
conservaram alguma autonomia; no Sul da Península Ibérica, que também chegou a ser ocupado pela
tropas bizantinas, não se encontram vestígios de presença significativa desse direito (nessa altura).
Embora conhecidas no Ocidente, as coletâneas justinianeias não alcançaram grande divulgação
nesse período (foram conservadas e analisadas em centros de cultura eclesiástica, mas sem grande
divulgação e aplicação prática), tendo caído sobre elas a «lei da morte» (o esquecimento). Alude-se,
1) Ordenações Afonsinas
Disponíveis em: http://www1.ci.uc.pt/ihti/proj/afonsinas/
a) Elaboração
Os elementos essenciais relativos à história das Ordenações Afonsinas constam do proémio do
seu livro 1. Aí se referem os pedidos insistentes pedidos insistentes, formulados em Cortes, no sentido
de ser elaborada uma coletânea do direito vigente que evitasse as incertezas derivadas da grande
dispersão e confusão das normas, com graves prejuízos para a vida jurídica e a administração da justiça.
A razão da necessidade dessa compilação é a de que havia um grande número de leis e de
preceitos de outras fontes e era muito difícil determinar o direito aplicável na resolução dos casos
concretos.
D. João I encarregou João Mendes, corregedor da Corte, de preparar a obra pretendida. Falecidos
ambos, D. Duarte (1433-1438), confiou a continuação dos trabalhos preparatórios ao Doutor Rui
Fernandes, outro importante jurista, que pertencia ao conselho do rei.
Após a morte de D. Duarte, o Infante D. Pedro, regente na menoridade de D. Afonso V (e
grande impulsionador da obra), insistiu com o compilador no sentido de ultimar a tarefa, o que viria a
acontecer em 28 de Julho de 1446.
O projeto foi seguidamente submetido a uma comissão composta pelo mesmo Rui Fernandes e
por outros três juristas, o Doutor Lopo Vasques, corregedor da cidade de Lisboa, Luís Martins e Fernão
Rodrigues, do desembargo do rei e, após algumas pequenas alterações, procedeu-se à sua publicação
com o título de Ordenações, em nome de D. Afonso V, pelos fins de 1446, ou já em 1447, (em qualquer
caso, ainda antes de D. Pedro abandonar a regência).
b) Início da vigência
É difícil determinar da data da entrada em vigor das Ordenações Afonsinas. Por um lado, não
havia ainda regras sobre a forma de dar publicidade aos diplomas legais e sobre a sua entrada em vigor.
Por outro lado, ainda não tinha sido introduzida a imprensa em Portugal, pelo a realização das cópias
manuscritas (que eram muito caras) necessárias à sua difusão pelo território era muito demorada. A sua
divulgação generalizada (se chegou a ser realizada…) não deve ter ocorrido antes de 1450.
c) Fontes utilizadas na sua elaboração
Com as Ordenações Afonsinas procurou-se, essencialmente, sistematizar e atualizar o direito
vigente. Assim, utilizaram-se na sua elaboração as várias fontes anteriores de direito português:
o Leis gerais;
o Resoluções régias;
o Concórdias, concordatas e bulas pontifícias;
o Inquirições;
o Costumes gerais e locais;
o Estilos da Corte e dos tribunais superiores (ou seja, jurisprudência, praxes ou costumes aí
formados).
o Outras fontes (antes utilizadas a título subsidiário):
o Normas extraídas das Siete Partidas;
o Preceitos de direito romano e de direito canónico, designados, respetivamente, por leis
imperiais ou direito imperial e por santos cânones ou decretal, empregando-se igualmente a
expressão direito comum.
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d) Técnica legislativa
Empregou-se geralmente, o chamado estilo compilatório, ou seja, transcreviam-se na íntegra as
fontes anteriores, declarando-se depois os termos em que esses preceitos eram confirmados, alterados
ou (até) afastados.
Todavia, utilizou-se em quase todo o livro I o estilo decretório, que consiste na formulação
direta das normas sem referência a eventuais fontes precedentes, talvez por ser, em larga medida,
matéria disciplinada pela primeira vez (ou autoria de João Mendes).
Estilo compilatório (exemplo):
Livro IV, Título XXXVIII – Da Ley da Avoengua
«EL REY Dom Affonso o Quarto de grande memoria em seu tempo fez humma Ley em esta forma, que
se segue.
1 (…)
(…)
14 E vista por Nós a dita Ley, Mandamos que se guarde como em ella he conteúdo, porque fomos
certamente enformado, que assy foi sempre em estes Regnos guardada, e usada. (…)».
Estilo decretório (exemplo):
Livro I, Título II – Do Chanceller Moor
«O Chanceller Moor he o segundo Officio de Nossa Casa, daquelles, que teem officio de puridade,
(…)».
e) Sistematização e conteúdo
As Ordenações Afonsinas estão divididas em cinco livros. Estes estão subdivididos em títulos,
com rubricas indicativas do seu conteúdo; e os títulos estão quase sempre divididos em parágrafos.
Todos os livros são precedidos de um proémio, que no primeiro é mais extenso:
o O livro I contém 72 títulos e ocupa-se dos regimentos dos diversos cargos públicos, tanto régios
como municipais, compreendendo o governo, a justiça, a fazenda e o exército;
o O livro II é composto por 123 títulos, nos quais se disciplinam matérias muito diversas –
relações do «Estado» com a Igreja e privilégios da Igreja e dos eclesiásticos, direitos reais (isto
é, do Rei) e sua cobrança, prerrogativas da nobreza e jurisdição dos donatários régios, assim
como a legislação especial para os Judeus (títulos LXVI-XCVIII) e para os Mouros (títulos
XCIX-CXXI) (Princípio da personalidade do direito); contém, pois, providências de natureza
política ou constitucional;
o O livro III, com 128 títulos, trata do processo civil, disciplinando tanto o processo declarativo
(com a sua tramitação) como o processo executivo, e dedica particular atenção aos recursos,
que são regulados nos títulos LXXI a LXXXVI;
o O livro IV, com 112 títulos, ocupa-se do direito civil substantivo, designadamente de temas de
direito das obrigações, direito das coisas, direito da família e direito das sucessões, embora sem
grande ordem sistemática e com a inclusão de alguns temas estranhos ao seu conteúdo básico
[por ex., no Título LXVI, a lei de D. João I, de 1460 que determinou a substituição da datação
pela Era de César pelo «Ano do Nacimento de Nosso Senhor Jesu Christo» (passou a ser 1422;
no Título XXIV, sobre a assinatura das cartas enviadas pelos concelhos, que devia ser efetuada
nas respetivas Câmaras];
o O livro V contém 121 títulos sobre direito criminal e processo criminal [«Legislação
inconsequente, injusta e cruel», como ainda era qualificada por MELLO FREIRE a propósito
do Livro V das Ordenações Filipinas – com punição de factos puramente religiosos, com penas
cruéis, infamantes, indeterminadas e desproporcionadas aos delitos, e caracterizada pela
Capítulo IV
Período da Formação do Direito Português Moderno
1.
Epoca do Jusnaturalismo Racionalista
1) Correntes do pensamento jurídico europeu
Outro período que se inaugura na evolução do direito português com o ciclo pombalino. Antes,
porém, de serem apreciadas as reformas de índole jurídica levadas a efeito nessa época jusnaturalista.,
convém fornecer um breve quadro das orientações filosóficas e jurídicas que marcavam os horizontes
europeus. É que nelas se inspiraram, numa boa medida, tais reformas.
a) Escola Racionalista do Direito Natural
Esta linha de pensamento desenvolveu-se (durante os séculos XVI, XVII e XVIII), sobretudo,
na Holanda, na Inglaterra e na Alemanha. Tal como a Escola Espanhola (ou Peninsular) do Direito
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Natural, versou as áreas da filosofia do direito e da filosofia política, assim como o direito internacional
público.
Como a própria designação da «Escola» logo indica, adotou uma conceção racionalista do
direito natural, que passou a ser considerado como produto ou exigência da razão humana,
desvinculando-se, assim, de quaisquer postulados metafísicos ou religiosos (isto é, transcendentes): os
princípios e as normas de direito natural, comuns a todos os homens, são imanentes à natureza humana
e livremente encontrados pela razão, sem intervenção de postulados teológicos.
Hugo Grócio (1583-1645) é geralmente considerado fundador do jusnaturalismo moderno, mas
ainda está muito influenciado pela Segunda Escolástica; por isso, talvez seja melhor considerá-lo como
A. que realiza a transição das conceções teológicas para o jusnaturalismo racionalista. Com efeito, na
conceção racionalista do direito natural (como vimos) o direito natural desvincula-se completamente de
pressupostos religiosos, radicando na razão humana.
Hugo Grócio, no entanto, define o direito natural como «aquele ditame da reta razão que nos
faz conhecer que uma ação, conforme esteja ou não de acordo com a natureza racional, é moralmente
necessária ou moralmente torpe e, consequentemente, ordenada ou proibida por Deus, que é o autor da
natureza» (cfr. De iure belli ac pacis, Liv. I, Cap. I, § X.1). Ao considerar Deus como o criador da
natureza, ainda conserva pressupostos teológicos (embora afirme que o direito natural existiria mesmo
que Deus não existisse, o que ele não concede – cfr. De iure belli ac pacis, Discurso preliminar, § XI).
Entre outras obras, Hugo Grócio publicou:
o Mare liberum (1609) – em que defendeu a liberdade de navegação dos mares e de comércio
(em oposição à doutrina espanhola e portuguesa do monopólio da navegação e do comércio
com os territórios descobertos ou conquistados), que se afirmou no direito internacional até à
actualidade (apesar de, por ex., o jurista inglês John Selden ter defendido a orientação oposta,
na sua obra Mare clausus, de 1653).
o De iure belli ac pacis (1623) – na qual apresenta uma construção do direito internacional
público fundada no direito natural, vinculativo para todos os homens e, quanto à sua origem,
considerado racionalmente necessário (nos termos acima referidos).
O direito natural racionalista viria a ser criado pelos autores que desenvolveram os postulados
contidos na obra de Grócio, com destaque para:
o Hobbes (1588-1679) e John Locke (1632-1704), na Inglaterra;
o Pufendorf (1632-1691) – o «primeiro grande sistematizador do direito natural» (como se de
direito positivo se tratasse) e autor que representa a «época de transição do jusnaturalismo
grociano para o iluminismo setecentista» –, Christian Thomasius (1655-1728) e Christian Wolff
(1679-1754) na Alemanha.
Estes (e outros) autores ofereceram contributos diferenciados para que a compreensão do direito
natural se desvinculasse de pressupostos metafísico-religiosos e fosse considerado como produto ou
exigência da razão humana.
O direito natural racionalista teve uma larga influência direta sobre a ciência jurídica positiva
(como veremos a propósito das reformas operadas em Portugal no séc. XVIII).
Diferentemente dos autores da Segunda Escolástica (que se limitaram a enunciar os princípios
gerais do direito natural), os jusracionalistas organizaram minuciosas exposições sistemáticas do direito
natural, conseguidas por dedução exaustiva de axiomas básicos.
2) Uso moderno (usus modernus pandectarum)
Trata-se de uma nova metodologia do estudo e aplicação do direito romano, relacionada com o
jusracionalismo, surgida na Alemanha no séc. XVII (mas continuando no séc. XVIII), de onde passou
a outros países. Na evolução do direito alemão, constitui um ciclo de passagem da Escola dos
Comentadores para a Escola Histórica do Direito.
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Razão da designação – provém do título de uma obra de Samuel Stryk (intitulada «Specimen
usus moderni Pandectarum»), um dos principais juristas desta corrente.
Pode afirmar-se, de um modo geral, que o uso moderno traduz o reflexo da penetração das ideias
jusracionalistas no campo do direito, que se fez sentir em dois planos, correspondentes a tantas outras
fases:
o Durante a primeira fase as ideias jusracionalistas só se repercutiram indiretamente na vida
jurídica, levando à ampliação do campo da atividade legislativa, para positivação do direito
natural racionalista;
o Na segunda fase (a partir de finais do século XVII) verifica-se a influência do jusracionalismo
ao nível da doutrina e da prática do direito (com Pufendorf, Stryk, Böhmer, Leyser e
Heineccius).
Apesar da diferença assinalada, as duas fases tiveram em comum o modo como se encarava o direito
romano:
o Os juristas procuravam distinguir, no Corpus Iuris Civilis, aquilo que ainda correspondia às
necessidades da época (séculos XVII-XVIII), ou seja, que era suscetível de uso moderno, do
direito que correspondia a circunstâncias peculiares do império romano;
o Apenas se consideravam aplicáveis os preceitos primeiramente referidos, que constituíam
direito vivo.
Modo como se aferia a atualidade dos preceitos romanísticos, na segunda fase:
o Por referência ao direito natural racionalista, considerando-se aplicáveis as normas romanas
que tinham sido formuladas de acordo com o direito natural e por isso tinham em comum com
este a validade intemporal e universal
Tendo em conta o próprio direito pátrio, que integrava o ordenamento vigente, ao lado dessas
normas romanas suscetíveis de prática atualizada – a existência de direito pátrio contrário ao direito
romano constituía prova inequívoca da falta de correspondência do direito romano às realidades da
época.
A atenção conferida ao direito nacional e à respetiva história, incluindo o seu ensino nas
universidades, foi uma das maiores consequências ou advertências do uso moderno.
No que toca à penetração desta corrente no nosso país, parece que apenas se fez sentir (de forma
significativa) durante a segunda fase acima referida – o que explica a tendência para identificar o uso
moderno com a penetração do jusracionalista no universo jurídico português.
3) Jurisprudência Elegante ou Escola dos Jurisconsultos Elegantes
A jurisprudência elegante trata-se de uma corrente do pensamento jurídico que se desenvolveu
na Holanda, a partir do séc. XVII (mantendo-se ainda no séc. XVIII), e continuou a orientação do
humanismo jurídico francês (por lá se terem fixado alguns dos huguenotes eruditos que tiveram de
abandonar a França, devido às lutas religiosas ocorridas neste país).
A designação atribuída a esta Escola resultou da preocupação de rigor das formulações jurídicas
e dos cuidados da expressão escrita dos seus sequazes.
Ainda na primeira metade do séc. XVIII, os juristas desta Escola (como Voet, Noodt e Westenberg)
continuaram a estudar o direito romano através do método histórico-crítico. Todavia, alguns dos seus
representantes (como, por exemplo, Noodt) procuraram combinar essa orientação teórica com a
orientação prática do usus modernus alemão, que (como vimos) se desenvolveu no mesmo período.
4) O Iluminismo
O Iluminismo («Filosofia das Luzes», «Esclarecimento», como o designou Kant, em 1784) –
porque os seus cultores eram «iluminados», em virtude de terem recebido as luzes da razão – foi uma
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corrente do pensamento que influenciou largamente as reformas efetuadas no reinado de D. José (1750-
1777).
Período abrangido pelo iluminismo – na generalidade da Europa, séc. XVIII; em Portugal,
apenas a 2.ª metade do séc. XVIII (reinados de D. José e D. Maria I).
Regime político sob o qual se desenvolve – o «Despotismo Esclarecido» (expressão cunhada
pelo historiador alemão Wilhelm Roscher, em 1847) ou «Despotismo Ilustrado»: nomeadamente, Luís
XIV e Luís XV, em França; Carlos III, na Espanha; Frederico II, na Prússia; Maria Teresa, Francisco I,
José II e Leopoldo II, na Áustria; Pedro I e Catarina II, na Rússia; D. José (e o Marquês de Pombal),
em Portugal.
a) Caracterização do iluminismo (em geral):
o Antropocentrismo – o homem no centro do universo;
o Hipertrofia da razão e do racionalismo – tudo tem a sua validade aferida pela razão do indivíduo
humano (uma razão subjetiva e crítica), que levaria ao progresso e à felicidade;
o Desenvolvimento de um sistema naturalístico das ciências do espírito – tudo se funda na
natureza.
b) Posição teorética do iluminismo a respeito dos problemas da filosofia jurídica e política:
o A compreensão do direito e do Estado assenta numa conceção individualista-liberal (porque
tem na sua base os direitos «originários» e «naturais» do indivíduo – liberdade, igualdade e
propriedade) – John Locke, Rousseau (também Pufendorf);
o Exaltação da lei (porque geral e abstrata, garante a segurança, a liberdade e a igualdade), defesa
da codificação e recusa do costume como fonte de direito;
o Estatismo (com diferentes conceções – absolutismo iluminado ou liberal democrática).
c) A existência de «diferentes iluminismos», e não de um movimento com características
homogéneas:
o Em França, as ideias iluministas originaram o movimento cultural conhecido como
«Enciclopedismo» (Diderot, Jean d’Alembert, Montesquieu, Voltaire, Rousseau) – com a
publicação de 35 volumes da «Encyclopédie ou Dictionnaire raisonné des Sciences, des Arts
et des Métiers», se considerarmos os 28 volumes publicados entre 1751 e 1772 (17 de texto e
11 de estampas) e os 7 suplementos publicados em 1776-1777; o iluminismo francês teve
carácter revolucionário, anti-histórico e contrário à religião;
o Na Alemanha, estão relacionadas com o iluminismo a corrente literária do Classicismo
(Lessing, Herder, Goethe, Schiller) e a fundação de novas universidades (por ex., a de Göttingen
– criada em 1734, abriu as suas portas aos estudantes em 1737); quanto à filosofia jurídica e
política, é patente a influência do jusnaturalismo racionalista (Pufendorf, Thomasius, Wolf);
o Na Itália, o iluminismo (devido à influência do racionalismo e da filosofia moderna)
manifestou-se na renovação da actividade científica, em inovações pedagógicas, a alguma
difusão do espírito laico, na reforma das instituições sociais e políticas – em suma, reformismo
e pedagogismo, mas com respeito dos dogmas da fé católica;
o Na Espanha e em Portugal, o iluminismo teve, igualmente, natureza reformista e pedagogista
(com influência, pelo menos em Portugal, de Muratori, através de Luís António Verney).
5) O Humanitarismo
As correntes humanitaristas, derivadas do Iluminismo, afirmaram-se no âmbito específico do
direito penal, do processo penal e do tratamento penitenciário, tendo como autores mais destacados
Montesquieu e Voltaire, em França, e Beccaria e Filangieri, na Itália.
2.
3)
Época do Direito Social
1) Considerações gerais sobre a época do direito social
A época do direito social teve início, em geral, a partir da I Grande Guerra (1914-1918); em
Portugal, a partir doe finais da década de vinte do século passado.
Bibliografia:
PowerPoints disponibilizados pelo Professor António Alberto Vieira Cura
COSTA, Mário Júlio de Almeida, História do Direito Português, 5ª edição revista e atualizada