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EMMANUEL MOUNIER
As terceiras vias
Posições extremistas que talvez exijam o bom senso de terceiras vias que
consideram o homem como pessoa, como entidade portadora tanto de
uma dimensão individual, como de uma dimensão social. (719 Ou, como
dizia Fernando Pessoa, à consideração que "cada homem é, ao mesmo
tempo, um ente individual e um ente social. Como indivíduo, distingue-se
de todos os outros homens; e porque se distingue, opõe-se-lhes. Como
sociável, parece-se com todos os outros homens; e porque se parece,
agrega-se-lhes"
E isto sem nos esquecermos, conforme Jacques Maritain, que "o mundo é
o domínio ao mesmo tempo do homem, de Deus e do diabo", um campo
fechado que "pertence a Deus por direito de criação " e ao diabo "por
direito de conquista, por causa do pecado". (721 E que, apesar de tudo,
neste contexto, o "indivíduo" humano é "não mera inutilidade num
mundo feito, mas obreiro num mundo a fazer", segundo as poéticas
palavras de Leonardo Coimbra.
Para Aristóteles, por exemplo, "a polis é por natureza anterior à família, a
cada um de nós individualmente considerado. O todo é considerado como
necessariamente anterior às partes" e "o homem que é incapaz de ser
membro de uma comunidade, ou que não sente absolutamente nada esta
necessidade porque se basta a si mesmo, não faz em nada parte de uma
polis e, por conseguinte, ou é um bruto ou um Deus".
Atomicismo e monadismo
Nestes termos, Cabral de Moncada observa que "não existe o povo como
unidade absoluta, mas como agregado de unidades dotadas, não de uma
vida completa, mas sim de uma vida própria, não pode reclamar a
soberania que, considerada como direito é una e indivisível, porque não é
uno e indivisível como ela" e "para reclamá-la deveria começar por
destruir todas as individualidades, mas destruídas estas, fica destruído o
agregado e, por conseguinte, fica suprimido o povo. Daqui resulta que o
povo, no estado normal das sociedades, não adquire o direito de
soberania senão por meio do suicídio"
Para ele, portanto, "no estado normal das sociedades não existe o povo,
só existem interesses que vencem e interesses que sucumbem, opiniões
que lutam e opiniões que se amalgamam, partidos que se combatem e
que se reconciliam".
Considera, pois, que a sociedade não pode ser considerada do "ponto de
vista panteísta" como "um organismo que existe com uma existência
individual, concreta e necessária", mas sim do "ponto de vista católico",
como " a reunião de uma multidão de homens que vivem todos debaixo
da obediëncia e sob o amparo de umas mesmas leis e de umas mesmas
instituições". Assim, "nada pode estar na sociedade que não esteja antes
nos indivíduos", pelo que "o mal e o bem que nela há vem do homem" e "
a intenção de extirpar o mal na sociedade" constitui, por isso, algo de
absurdo.
Pluralismo e monismo
Pluralismo e monismo
A conceitualização do fenómeno societário constitui a fundamental matriz
das concepções do mundo e da vida e consequentemente do político e do
jurídico. Com efeito, ainda hoje se confrontam as perspectivas monistas e
as pluralistas. Nas primeiras, considera-se que o Estado absorve a
sociedade; nas segundas, proclama-se que o Estado não passa de um
simples instrumento da sociedade, de uma parcela da mesma, apenas
especializada nos interesses do todo.
Classificação de Radbruch
Individualismo
Segundo o mesmo autor, o individualismo considera a liberdade como fim
último, o contrato como concepção de Estado, e a sociedade como forma
de vida em comum, tendo, como tipos de valores, tanto a personalidade
humana individual como uma ética de convicção ou de consciência.
Supra-individualismo
Transpersonalismo
Individualismo
Supra-individualismo
Transpersonalismo
Concepção do Estado
Contrato
Organismo
Construção
Sociedade
Totalidade unitária
Comunidade
Fim último
Liberdade
Nação
Cultura
Cosmopolitismo
Soberanismo
Homo
É evidente que nesta dialéctica do homem e do Estado, ou da polis, a
primeira das dificuldades está precisamente na qualificação que o autor, e
actor, do processo dá de si mesmo. Vê-se ele como indivíduo - como
átomo, susceptível de integrar uma soma - ou como pessoa -, como
entidade detentora de uma dimensão individual e de uma dimensão
social? Como homem ou como cidadão? Como súbdito de um soberano -
entendido como aquele ponto no espaço que se julga superior à
sociedade - ou como cidadão activo de uma comunidade que o mobiliza
simbolicamente?
Cidadão
Em Roma, o cives não era o homo, dado que este último era identificado
com o escravo, com aquela pessoa que não tinha direitos. Isto é, os
escravos eram homens, mas não eram cidadãos. Como na polis grega,
onde a maioria era idiot, pelo que a minoria dos cidadãos quase se
identificava com o próprio governo, havendo assim uma democracia
directa, onde o cidadão se assumia inequivocamente como aquele que
participa nas decisões da comunidade.
Com efeito, o cidadão de hoje já não dispõe daquele ócio que lhe permitia
participar existencialmente na decisão política da democracia directa.
Delegámos tais funções em representantes e é através deles que surgem
os principais inputs que alimentam o sistema político, sejam as
reivindicações, ou exigências (demand), sejam os apoios (support). Além
disso, o próprio conceito de justiça passou a exigir que todos devêssemos
trabalhar. Isto é, todos tivemos de assumir o nec-otium. Acontece apenas
que, na prática quotidiana, vivemos num crescente regime de indiferença,
contribuindo para que o sistema político não tenha suficiente abertura
face ao respectivo ambiente e viva quase em regime de pilotagem
automática.
Pessoa
No mundo antigo, a pessoa não era uma realidade, mas uma máscara
(persona) que os actores afivelavam, no decorrer dos espectáculos, para
representarem e falarem pelas personagens, que, só por acaso, podiam
ser eles próprios. Hoje, pelo contrário, dizemos que a pessoa é o homem
inteiro, aquele que resulta da soma da dimensão individual com a
dimensão social de cada um, num indiviso que é mais total que o átomo
individualístico.
Indivíduo
Por seu lado, o indivíduo, que começou por ser o tal indiviso, o átomo
insusceptível de decomposição, serviu para dizermos que o todo era
apenas adição de mónadas sem a pluralidade dos corpos intermediários e
sem a possibilidade de fins, para onde tenderia todo o movimento.
Cidadão
Sujeito
Diremos, a este respeito, que os indivíduos só começaram a ser vistos
como sujeitos activos a partir do século XII, com o desenvolvimento da
Escola dos Glosadores e com o proto-individualismo franciscano. Só a
partir de então é que a teoria e a prática começaram a distinguir-nos do
grupo, principalmente quando se iniciou o processo de conquista da
primeira das liberdades: o direito à segurança, o direito de cada um à
apropriação do seu próprio corpo. Porque até então havia um poder do
todo sobre o corpo de cada um, havia o ius vitae necisque, um poder de
vida ou de morte, que o paterfamilias havia transmitido ao princeps.
Foi então que começámos a deixar de ser escravos, quando nos passámos
a distinguir das coisas. Quando o homem passou a ser mais que um
simples ter e, por isso, não pôde continuar a ser um simples tido. Quando
o homem passou a exigir um direito penal humanista, onde a definição
dos crimes deixou de ser retroactiva, onde o processo proibiu a tortura,
onde as penas cruéis foram abolidas e a própria pena de morte começou
a ser posta em causa. Quando os homens começaram a ser humanos,
pensados à imagem e semelhança de um Deus em figura humana.
Sociedade perfeita
Não aceitam, pois, que a sociedade civil, enquanto sociedade política, seja
uma societas civilis sine imperio, de que trata um direito privado, em
oposição a um direito público, especializado no Estado, dotado de ius
imperii. Aliás, dizer direito político, o direito da polis, etimologicamente, é
quase o mesmo que dizer direito civil, o direito dos cidadãos.
Repartição originária do poder político Para o humanismo cristão de
raiz tomista, existe assim uma repartição originária do poder político pelos
vários corpos sociais, dado que o poder não está apenas concentrado na
cabeça de um Estado, circulando pelas várias e diferentes partes do corpo
social. Isto é, não faz coincidir-se o político com o estadual, admitindo-se
um político infra-estadual e até supra-estadual.
Organismo moral
Unidade de fim
A pluralidade de estatutos
Neste sentido, Giorgio La Pira (n. 1904) refere que cada indivíduo possui
uma série de estados, tantos quantos as comunidades essenciais de que
faz parte. A pessoa humana não tem apenas um status libertatis, o
homem enquanto realidade individual, e um status civitatis, o homem
enquanto membro de uma comunidade estadual.
O centro e a periferia
Posição similar é assumida por Henri Bergson (1859-1941), para quem
temos uma família, exercemos um ofício ou uma profissão; pertencemos à
nossa comuna, ao nosso “arrondissement” e ao nosso “département”; e
aí, onde a inserção do grupo na sociedade é perfeita basta-nos com rigor
cumprir as nossas obrigações para com o grupo para cumprirmos o nosso
dever para com a sociedade. A sociedade ocupa a periferia; o indivíduo
está no centro. Do centro à periferia estão dispostos, como que em
círculos concêntricos cada vez maiores, os diversos agrupamentos a que o
indivíduo pertence. Da periferia para o centro, à medida que o círculo se
restringe, as obrigações acrescem e o indivíduo encontra-se finalmente
perante o seu conjunto[11].
Absolutismo e consensualismo
Pluralismo
A ideia de comunidade
Bonum honestum
Povo e multidão
Santo Agostinho, nesta senda, observa que, para Cícero, povo não é um
qualquer congresso de homens que compõe a multidão, mas uma junta
associada unanimemente e sujeita às mesmas leis e ao bem comum. Com
efeito, Cícero distingue o povo da mera multidão considerando aquele
como a reunião de um número considerável de homens que estão ligados
por um acordo geral a respeito da lei e do direito e que desejam
compartilhar vantagens recíprocas (respublica, res populi, populus autem
non omnis coetus quoquo modo congregatus, sed coetus multitudinis juris
consensu et utilitatis communione sociatus)[15].
A ideia de justiça
Comunidade/ Sociedade
Cultura e civilização
A alma e o espírito
Thomas Mann, por exemplo, num texto de 1915, considera que a cultura
tem a ver com a alma (Seele) enquanto a civilização está mais relacionada
com o intelecto ou o espírito (Geist), dado que a cultura é o princípio
arquitectónico da organização estética, que conserva, protege e
transfigura a vida, enquanto a civilização é o Espírito no seio da razão,
afinamento dos costumes, dúvida, progresso das Luzes, dissolução,
enfim[18].
Mais do que isso: Weber estabelece uma graduação associativa que passa
pelos graus de sociedade, grupo, empresa, instituição, Estado. Na
sociedade os indivíduos calculam os interesses mútuos. E de uma
sociedade pode passar-se ao grupo quando esse entendimento de
interesses passa a contrato explícito, acontecendo uma empresa quando o
fim é determinado de forma racional. Um grau mais elevado de empresa é
a instituição, quando a empresa é habilitada a impor aos respectivos
membros o seu comportamento pela via do decreto ou de textos
regulamentares.
Individualismo e transpersonalismo
A distinção de Maritain
Instinto e inteligência
Solidariedade e co-responsabilidade
Para todos estes autores, como refere Castanheira Neves, há uma ordem
ontologicamente imanente a toda a comunidade real, há a plenitude e
unidade ontológica de uma realidade de sentido, porque cada
comunidade teria a constituir-lhe a sua própria realidade histórica um
sentido espiritual que lhe dá o seu ser específico e lhe incute uma íntima
ordenação.
Solidariedade e caridade
A procura da perfeição
Se não pode existir uma sociedade perfeita, como diz Karl Popper; se a
nossa sociedade é uma péssima sociedade, mas a menos péssima de todas
as sociedades experimentadas, o homem só se aperfeiçoa se puder lutar
por uma boa sociedade, por uma grande sociedade ou por uma sociedade
aberta. Se puder ser norteado por um bom viver, acreditando que mais
vale ser um bom selvagem numa sociedade que não seja selva do que um
lobo do homem, um deus para o homem ou um super-homem.
Contra a perspectiva do mal menor
Moral de convicção
A memória do sofrimento
Determinar qual o além do direito tem sido, aliás, constante tarefa dos
que pensam o direito. Desse direito, conforme a definição de lei dada por
São Tomás de Aquino, como uma ordem elaborada pela razão tendo em
vista o bem comum e promulgada por aquele que tem o encargo da
comunidade[31]. Dessa lei que, conforme Montesquieu, tem de ser a
razão humana enquanto governa todos os povos da terra[32]. Desse
direito que se é verdade além dos Pirinéus não pode ser mentira aquém
ou além de qualquer barreira geográfica ou mítica
Instituições
Da teleocracia à nomocracia
[4] La Tour Du Pin, Vers un Ordre Social Chrétien. Jalons de Route, Paris,
1907, p.421
[5]Enrico Berti, Questões de Filosofia Política. Democracia, Povo,
Autoridade, in Democracia e Liberdade, nº39, Out-Nov., 1986, p.65.
[7] Vittorio Possenti, A Boa Sociedade [1983], trad. port., Lisboa, Instituto
Democracia e Liberdade, 1987, p. 59.
[10] Giorgio La Pira, Para uma Estrutura Cristã do Estado [1945], trad.
port., Lisboa, Morais, 1965, p.225.
[11] Henri Bergson, Les Deux Sources de la Morale et de la Réligion, Paris,
1932, p. 12.
[12] Idem, p. 2.
[15] Santo Agostinho, Civitas Dei, XIX, c. 23, trad. cast., La Ciudad de Dios,
México, Porrúa, 1981, p. 488.
[18] Apud Alain Bénoist, Les Idées à l’Endroit, trad. port. (Nova Direita.
Nova Cultura. Antologia Crítica das Ideias Contemporâneas, Lisboa,
Fernando Ribeiro de Melo/ Edições Afrodite, 1981), p. 238.