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DOMEZI, Maria Cecilia. Religiões na história do Brasil.

São Paulo: Paulinas,


2015.

Apresentação

“Aqui se apresenta uma busca de compreensão da trajetória religiosa que acompanha a


História do Brasil” (p. 7).

“A divisão do tempo em duas partes tem em conta a imposição da racionalidade iluminista e a


mudança de estratégia econômica a partir dos ventos modernos” (p. 8).

Posição da autora: “preservar as identidades e somar forças no engajamento que objetiva uma
sociedade fraterna” (p. 13).

Primeira parte – Religiões na luso-cristandade

I. Religião dos povos nativos


Este capítulo reúne aspectos conhecidos do universo religioso dos povos nativos do território
em que hoje é o Brasil, confrontando sua alteridade para com os “cristãos portugueses
colonizadores”.

Uma antiguidade plural e complexa

Sobre a antiguidade, a autora separa: Primeiro, povos da África. Segundo, povos indígenas.

Primeiro, Domezi percorre pesquisas arqueológicas em busca de “uma antiguidade plural e


complexa”. Delimita que “os habitantes mais primitivos sobreviveram até cerca de 9500 anos”
atrás (p. 21), referindo que “os povos autóctones tinham sua história e antiguidade.
Formaram-se através de processos migratórios desde a África, origem comum da humanidade
que conhecemos” (p. 18).

Segundo, vieram “os esqueletos datados a partir de oito mil a sete mil anos atrás têm uma
morfologia de traços mongóis, semelhante à dos indígenas que os europeus encontraram no
século XVI e que nós conhecemos” (p. 21).

Dos povos, que provavelmente decorreram de um corredor migratório da região andina e do


Caribe, Domezi destaca que “ali na região amazônica, ao menos duas culturas alcançaram um
avançado desenvolvimento: a Marajoara e a de Santarém” (p. 22), destacando sua cultura com
cerâmica, dentre outros aspectos.

O acesso a dados fica prejudicado pela “ótica eurocêntrica”, pois foram os colonos “que
fizeram breves descrições de festas, ritos religiosos, guerras e diversos aspectos da vida
cotidiana das aldeias” (p. 23). As pretensões dos colonizadores não aparecem nos relatos, mas
seus resultados foram notáveis:

“É impossível um levantamento exato dos habitantes que, no alvorecer do século XVI,


povoavam o território que viria a ser o Brasil. Eram mais de mil povos com sua grande
diversidade e também parentescos. A população toda, que ultrapassava 3 milhões de
indivíduos, poderia chegar a 5 milhões. A dizimação foi tamanh que os números da atualidade
nos assustam. Em 2010 havia em todo o Brasil 305 povos ou etnias indígenas, perfazendo um
total de 896,9 mil pessoas, das quais 63,8 por cento viviam em áreas rurais e 36,2 por centro
em áreas urbanas. Os idiomas falados somavam 274. E as terras indígenas correspondiam a
12,5 por cento do território nacional” (DOMEZI, 2015, p. 23-24).

Os povos Tupi encontrados pelos portugueses, bem como os povos do tronco Jê haviam
migrado para o literal “movidos por uma vivência religiosa” (p. 24), em “suas tradições de
nomadismo, na transição para uma incipiente atividade agrícola, que era exercida pelas
mulheres” (p. 25).

“Geralmente os pesquisadores têm entendido os indígenas do Brasil em quatro grandes


grupos linguísticos: Arawak, Karib, Macro-Tupi e Macro-Jê”. Diante da pluralidade, “não se
pode falar de modos de vida estáticos e imutáveis” que entraram em contato com o
exclusivismo cristão dos colonizadores que “entenderam como barbárie esse mundo que lhes
era estranho. No entanto, tratava-se de uma ‘alteridade’. Ali estavam povos diferentes e com
diferentes cosmovisões” (p. 26).

Sem fé, nem rei e nem lei

A autora reúne aqui documentos da Carta de Caminha, relatos de Américo Vespúcio, dos
religiosos André Thavet (franciscano) e Jean de Léry (pastor), padre Manuel da Nóbrega e
outros viajantes entre agentes da coroa portuguesa e jesuítas que mostram a visão portuguesa
sobre os índios: povos sem fé, nem rei e nem lei, diante do quê instaurou-se a visão
civilizadora e catequética.

Domezi destaca que cada grupo cultural ali presente resultava de múltiplas e longas
trajetórias. “Amadureceram formas específicas de invocar a proteção de seres sobrenaturais e
de conviver em paz com eles, o que incidiu em convicções profundas, signos e significados,
comportamentos. À semelhança de uma canoa, construída para atravessar o rio, eles
construíram o seu modo religioso, para atravessar o tempo e a história e viajar até o além. /
Essa construção chegou a elaborações religiosas mais complexas, como hoje se pode, por
exemplo, nos povos Borun, Wayana e Aparaí” (p. 30).

A autora descreve algo do povo Borun (Botocudo), que tinha crença nas almas dos adultos que
quando morrem viram fantasmas em um mundo similar ou no céu em contato com seres
superiores, e dos Wayana e Aparaí, que creem na permanência de uma subdivisão do ser que
morre que permanece nocivamente nas proximidades motivando mudança e até migração.

“Esses dois povos mantêm o xamanismo como um espaço importante, apesar do número
reduzido dos seus pajés”. “Aliás, o xamanismo dos povos da terra do Brasil, chamado
pajelança, é a base da sua religião. Diferentemente do xamanismo típico latino-americano, que
intensifica o emprego de ervas alucinógenas, é mais parecido com o xamanismo asiático
originário (...). Seus pajés, homens ou mulheres, fazem a viagem ao mundo dos espíritos da
natureza através do exercício do transe extático. Apossam-se dos espíritos, fazem curas,
dirigem preces, aconselham. Às vezes, acreditando que a enfermidade foi causada porque a
alma do enfermo o abandonou, saem em busca dessa alma e a fazem retornar ao corpo da
pessoa doente para, assim restituir-lhe a saúde” (p. 31-32).
“Também no que se classificou como tronco Macro-Jê pode-se ver o caso dos Bororo, com a
centralidade do bari, que é o pajé dos espíritos. Respeitado e temido por toda a comunidade, o
bari conhece os segredos da natureza. Cura as doenças, acompanha as caçadas rituais e benza
a caça, afasta os maus espíritos, prevê o futuro” (p. 32).

“Os pajés foram vistos como demônios perigosos pelos missionários e colonizadores em geral,
que os combateram” (p. 32), por exemplo na prática antropofágica, cometendo atos muito
mais violentos e muito mais mortes físicas e culturais. A autora descreve os relatos mais
detalhados da prática antropofágica com olhos que não pela perspectiva europeia, como uma
prática cultural que silencia um silêncio que incomodou o discurso racional europeu, marcado
no cristianismo por Platão (e Santo Agostinho no rompimento entre mundo natural e
cultura/espírito) e Aristóteles (e Santo Tomás de Aquino na partição do mundo em superiores
e inferiores dependentes).

O mesmo ocorreu não só com os povos indígenas, mas com outros povos. Dos africanos que
vieram depois, sobrevivendo muito de sua cultura atualmente: “Os bantos chegaram com seu
culto da ancestralidade, os eguns (espíritos dos mortos) e os nkices (divindades da natureza).
Os sudaneses trouxeram diversas tradições religiosas e cultos que foram muito assimilados.
Dos iorubas herdamos o culto aos orixás e dos jejes herdamos os voduns” (p. 36). “Não
faltaram seguidores do monoteísmo. Eram principalmente os malês, que pertenciam a
civilizações islamizadas, originárias do Tchad. (...) costumes árabes, inclusive o uso de
vestimentas cujos resquícios ficaram no povo brasileiro até hoje, como os turbantes, as saias
rendadas, as chinelas e os panos nas costas das baianas” (p. 37).

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