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subjectivista-relativista metaético
Giuseppe Meloni
Doutor, Instituto Superior Dom Bosco
meloniscj@gmail.com
elvischipe@gmail.com
Resumo
Abstract
The article critically analyzes the proposal put forward by the ethicist John Mackie in
the book "Ethics: Inventing Right and Wrong" with which the Oxford’s professor
polemically entered the great debate about the epistemological and ontological status of
moral values. Mackie's subjectivist-relativistic anti-realism pushes the empiric-scientific
method into ethics, wanting to prove the effective consistency of moral values, finding the
proclamation of its objectivity not as an undeniable axiom but as a scientific hypothesis
that needs to be proven. The result of this reflection is that we are constantly relegated to
a personal responsibility to build ethical standards of reference, emancipating ourselves
from the ethically pre-established.
Introdução
A 12 de Janeiro de 1981, pouco antes de publicar a sua última obra, “The Miracle of
Theism”, um dos mais conhecidos andersonianos foi vencido por um cancer. Estamos a
falar de John Mackie que em 1977 tinha publicado “Ethics: Inventing Right and Wrong”,
uma obra destinada a fomentar grandes debates nas décadas a seguir, dando novo
impulso, por assim dizer, à secular luta entre realistas e anti-realistas no âmbito da ética
fundamental, que hoje em dia é também chamada (problematicamente) de metaética.
“Ethics: Inventing Right and Wrong” é uma obra na qual John Mackie analisa o
estatuto epistemológico e ontológico dos valores morais. Com a sua reflexão ele desce
até aos fundamentos da ética, aqueles que foram postos pelos primeiros grandes
filósofos eticistas (Platão e Aristóteles), obrigando a uma confrontação árdua o
pensamento dos que acham objectivos e realistas os valores morais.
Com este artigo espera-se tomar a sua proposta em séria consideração e, embora
de maneira extremamente sintética e fragmentária, apresentar um mapa de leitura da
obra de John Mackie “Ethics: Inventing Right and Wrong” que não sempre é de imediata
compreensão, não tanto pela linguagem as vezes necessariamente exposta ao
desperdício hermenêutico (dado ou não o unívoco entendimento dos termos próprios
entre os filósofos eticistas), mas pelo facto de constranger a mente, já acostumada ao
sentido ético comum, a uma mudança estrutural, a uma viragem epistemológica, a uma
conversão radical dos padrões de referência habitual.
Esta questão remete-nos ao mais amplo debate inaugurado por Kant1 e ainda
grávido de consequências: a pergunta ética fundamental (o que devo fazer?) pode ser
elaborada coerentemente, se a resposta já dada à pergunta teórica (o que posso saber?)
exclui um alicerce metafísico? Será possível sair do empasse sem elaborar uma filosofia
da consciência prática? Para isso, depois de ter falado do naturalismo ético, é preciso
aprender a aula do anti-naturalismo ético. Será John Mackie a nos acompanhar neste
troço da longa caminhada que ainda nos espera. Só depois é que será possível proceder.
1. O cepticismo moral
“Ethics: Inventing Right and Wrong” começa com uma tese, dura e perentória: “Não
existem valores objectivos” (MACKIE, 1977, p. 15). Segundo Makie, “embora a maior
parte das pessoas, formulando os próprios juízos morais considere implicitamente, entre
outras coisas, de fazer referência a algo de objectivamente prescritivo, estas pretensões
são todas falsas. É este facto que torna apropriada a denominação de cepticismo moral”
(MACKIE, 1977, p. 35).
Dizendo que não existem valores objectivos, logo Mackie declara a sua posição
subjectivista anti-realista na vertente ontológica do discurso ético, e o relativo cepticismo
moral na vertente lógico-epistemológica em ética.
O que Mackie recusa, como erro, é o que a posição realista declara desde sempre:
a existência de valores objectivos. Ele, com o cepticismo, faz penetrar na ética o método
empirista-científico, querendo experimentar a efectiva consistência dos valores morais,
achando a proclamação da sua objectividade não como um axioma indubitável, mas
como uma hipótese científica que precisa de ser comprovada.
1
Cf., Kant, I. (2001). Crítica da Razão Pura, B 833.
Mackie examina o sistema ético realista pelo método céptico que para ele é um
método de pesquisa moderado, semelhante ao de Abelardo, Cartesio ou Hume e, por
certas vertentes também próximo à epoquê de Husserl, longe da dúvida extrema que
conduziria a um êxito estéril ou nihilista. Portanto, não há nada de estranho para o
Mackie no ser cépticos perante o modo comum de perceber os valores morais e, ao
mesmo tempo, continuar a defender as próprias convicções éticas.
Nas primeiras páginas do seu livro, Mackie faz notar que o seu cepticismo é de
segundo nível – ou metaético – e não de primeiro nível (isto faria dele uma pessoa que
não tomaria à sério o discurso moral na sua inteireza). Portanto “é possível ser cépticos
morais de segundo nível sem ser cépticos morais de primeiro nível, ou também o
contrário” (MACKIE, 1977, p. 18).
O primeiro nível, para Mackie, é dado pela tarefa prática da ética que “discerne se
uma particular acção é justa ou errada [...]; oferece a distinção entre boas ou más
características ou disposições; ou propõe alguns princípios fundamentais dos quais
dependem os juízos no detalhe. Todos esses estatutos exprimem a primeira ordem dos
juízos éticos de diferentes graus de generalidades” (MACKIE, 1977, p. 9). Não é a esse
nível que John Mackie exerce o seu método céptico que depois o conduz a criticar a
posição do realismo ético.
Mackie endereça o seu esforço céptico a um segundo nível, que remete às razões
do primeiro nível, o qual seria a expressão de uma descoberta ou decisão feita antes, “o
ponto a partir do qual nós pensamos e raciocinamos acerca dos problemas morais ou a
partir do qual olhamos ao significado dos vários termos éticos” (MACKIE, 1977, p. 9).
Trata-se do nível metaético, da fundação ontológica da ética, do pressuposto a partir do
qual todo o exercício prático vem a depender.
Portanto o cepticismo moral proposto por Mackie, aparece de um lado como a não
aceitação da existência de valores morais objectivos, mas devido ao facto que os juízos
morais têm pretensa de objectividade, o cepticismo “deve prender a forma de uma teoria
do erro, admitindo que a crença em valores objectivos seja ínsita na linguagem e no
pensamento moral comum, mas achando que essa profunda convicção seja falsa”
(MACKIE, 1977, p.12).
John Mackie, para mostrar o erro no qual é detido o realismo ético, remonta à
experiência comum. Quando as pessoas dizem que uma coisa é boa, não entendem
somente que para com ela têm um certo sentimento de prazer, de aprovação, de gosto
mas que “em contextos morais “bom” é usado como se fosse o nome de uma
pressuposta qualidade não-natural” (MACKIE, 1977, pp. 31-32).
O pensamento moral ordinário não passa portanto de mera e pura projeção. Por
isso tal pensamento moral ordinário
Dito isto, Mackie liga directamente a negação da existência dos valores objectivos
com a recusação da noção mesma de imperativo categórico: “A minha tese que não há
valores objectivos é, de modo específico, a negação que um qualquer elemento
categoricamente imperativo seja válido objectivamente. A tipologia de valores objectivos
que estou a negar seria ‘guia para a acção’ absolutamente, não simplesmente [...] em
relação aos desejos e às inclinações do agente moral” (MACKIE, 1977, p. 29).
Este é o erro no qual caiu a tradição filosófica que elaborou uma ética realista. Este
erro opera uma reviravolta pela qual “nós adquirimos a noção de algo como
objectivamente bom e dotado de valor em si mesmo, pela reviravolta da direção de
dependência, tornando o desejo dependente da bondade antes de tornar a bondade
dependente do desejo”. (MACKIE, 1977, p. 43). Estamos perante um processo no qual a
experiência subjectiva do gosto e aprovação é objectivada na linguagem como qualidade
que atribuímos a um objecto.
A linguagem depois estrutura a cultura na qual uma pessoa nasce e cresce, funda
aquele conjunto de certezas necessárias ao viver social, estabelece normas de
comportamento e referentes de juízo prático, ao ponto que na educação somos
conduzidos a considerar algo bom e de valor, portanto desejável, pelo ambiente no qual
entramos ao entrar na vida (e o discurso engloba também o que não é bom, não é
virtuoso, e portanto deve ser evitado).
Para Mackie, no campo moral, somos todos vítimas de uma persistente ilusão pela
qual os dados psicológicos do nosso pensamento e comportamento moral, constituídos
exclusivamente pelas nossas emoções de aprovação e desaprovação, receberiam
licença de existência por uma moral instituída que orienta e permite, dotada de força
imperativa e de autoridade.
Mas para Mackie, a raiz das diferenças culturais no campo ético não está no facto
que há diferentes modos de perceber uma única verdade igual para todos (posição do
realismo), mas é pelo facto que existem diferentes verdades que depois temos a adesão
a diferentes interpretações da realidade e a constituição de diferentes estilos ou modelos
de vida, até encontrarmos entre os homens juízos morais discordantes e diferentes
modos de enfrentar as mesmas questões da vida (MACKIE, 1977).
Segundo Mackie já não temos boas razões para acreditar que de facto existem
valores morais objectivos. Certamente experimentamos e pensamos ainda que uma
acção é objectivamente justa ou errada, que sermos felizes é melhor do que sermos
miseráveis, mas estas são simplesmente as nossas preferências subjectivas, mesmo
quando os outros aprovam, sendo que a aprovação intersubjectiva é sempre ainda a
base subjectiva. Mackie aplica um microscópico filosófico aos nossos juízos morais e nos
força a concluir que a objectividade moral é simplesmente falsa. Mesmo que fosse
sempre belo ter uma autoridade moral objectiva (até útil para regular a nossa existência
em sociedade), não há razão para acreditar na sua real existência. Praticamente não há
verdades morais objectivas e o fundamento da ética é simplesmente relativo e
dependente da “invenção do justo e do errado” que constantemente devemos negociar
com os nossos semelhantes.
Mackie, na sua obra, reconhece que a perspectiva do realismo ético à qual estamos
habituados, a um primeiro nível, pode ser mantida e até lhe reconhece uma certa
utilidade, mesmo examinando o seu erro e a falsidade relativa. Tendo em conta como
somos feitos nós homens, o realismo ético é muito útil na manutenção da eficiência dos
nossos sistemas morais ao ponto que “mesmo se os valores morais não existissem, os
agentes morais deveriam não só supor a sua existência, mas até persistir firmemente
nesta opinião” (MACKIE, 1977, p. 49).
Não temos muitas opções: ou se trata de um acordo sobre base racional, ou já não
seria moral, sendo o raciocinar costume próprio do homem que faz dele um homem e não
um cavalo acidentalmente diferente por andar só com duas pernas!
Não está correcto fazer uma metafísica da ética (pensar numa meta-ética), fazer
dos valores um plano e dos actos-sentimentos outro plano, porque é bastante óbvio que
nenhuma acção pode ser posta a partir do nada, e que toda acção é feita por alguém que
tem em vista um fim, mesmo que fosse “para matar o tempo que passa”. Da sua origem e
do seu fim depende o seu valor. Mas a origem de uma acção não está na acção mesma
(uma acção não se age por si só!) e se o fim da acção estivesse já nela, a mesma acção
não precisaria de ser posta em acto. Todavia, só quando é posta em acto é que se
chama acção e que se revela a sua origem e o seu fim e portanto o seu valor que
consiste na viabilidade do caminho que anda dessa origem até esse fim, entendendo por
“viabilidade” o facto que entre origem e fim não haja contradição.
Neste caso é preciso dizer um sereno mas firme “Não”: porque é dos frutos que se
reconhece a árvore; é a acção posta que revela a sua origem e o seu fim, e portanto o
seu valor. Pode-se aceitar a tendência filosófica de se ocupar com o fundamento e
justificação das nossas afirmações sobre o que é justo e o que é errado. Mas o gesto
reflexivo não pode ser jogado abstraindo-se das acções concretas efectuadas, dos factos
e eventos, e da revelação da sua origem e fim por eles aberta. Portanto, se a ética é
fundamentalmente uma ciência a posteriori, mesmo quando fala de valores objectivos,
fala a posteriori, segundo uma objectividade lógica secundária dependente de uma
objectividade fáctica primária. O resultado é uma log-ôntica ou, como se costuma dizer,
uma ontologia do agir prático, ou mais simplesmente uma ética.
Conclusão
Assim sendo, o pensamento moral ordinário não passa, portanto, de mera e pura
projecão num pano objectivo e universal de algo que, porém, é gerado no campo do
historicamente e culturalmente condicionado e em definitiva no campo do subjectivo. No
campo moral, somos como os acorrentados na caverna de Platão, somos vítimas de uma
persistente ilusão pela qual os dados psicológicos do nosso pensamento e
comportamento moral, constituídos exclusivamente pelas nossas emoções de aprovação
e desaprovação, receberiam licença de existência por uma moral instituída que orienta e
permite, dotada de força imperativa e de autoridade.
Temos, portanto, uma moral convencional e instituída, mas não há verdades morais
objectivas e o fundamento da ética é simplesmente relativo e dependente da “invenção
do justo e do errado” que constantemente devemos negociar com os nossos
semelhantes. Isso conduz o autor a invocar uma responsabilidade pessoal/comunitária
em construirmos os padrões de referência ética, emancipando-nos do eticamente pré-
estabelecido.
Chegamos até a concordar com Mackie que não é preciso remeter a Deus ou a
uma autoridade mundana os valores morais para que sejam normativos e acolhemos o
desafio de inventar de geração em geração as normas morais segundo o acordo entre os
presentes sobre a face da terra. Todavia, criticamente, formulamos a seguinte pergunta:
de que acordo se trata, na base de qual sentimento de gosto ou satisfação deveria ser
ratificado? A pergunta é constrangedora e remete necessariamente à objectiva e tangível
e empiricamente visível racionalidade prática constitutiva daquela forma de existência
que chamamos de humana.
JOYCE, R. & KIRCHI, S. (2010) A World Without Values. Essays on John Mackie’s
Moral Error Theory. London: Springer.
MACKIE, J.L. (1977). Ethics: Inventing Right and Wrong. London: Pelikan Book.
POJMAN, L. P. & FIESER, J. (2012) Ethics. Discovering Right and Wrong. Boston:
Wadsworth.
REALE, G. & ANTISERI, D. (2003). História da filosofia. Filosofia pagã antiga. São
Paulo: Paulus.
WESTERMARCK, E. (1932). Ethical relativity. New York: Harcourt, Brace & Co.