24 de Setembro de 2018
I
Conceito e problemas fundamentais do Direito
• ‘Estar direito’ e ‘estar torto’: ‘direito’ no sentido de ‘reto’, de ‘linha reta’, ‘sem desvios’; num
sentido um pouco mais amplo, é o que está certo ou correto, que não é errático (com erro); é o
mesmo sentido originário de ‘régua’ e de ‘regra’.
• O sentido de ‘direito’ que nos interessa não é este, embora seja aparentado; aliás, o sentido
que nos interessa evoluiu a partir deste (etimologia); mas este é um sentido muito mais geral,
que engloba realidades não-normativas como andar direito e andar torto.
• Como demonstram os vocábulos ‘jurista’ e ‘jurídico’, que têm origem no termo ‘justiça’,
‘Direito’ pode ser usado no mesmo sentido de ‘justiça’. Este também não é um sentido que
nos interesse.
• Falamos em direitos e deveres. Falamos no direito à vida ou no direito a ser indemnizado, por
exemplo. Este é outro sentido de ‘direito’ que não é aquele de que estamos a falar, embora
interesse, obviamente, ao Direito.
Observações
• ‘Entrei no curso de Direito’; ‘estudar Direito não é mais difícil do que estudar Sociologia’. Eis
duas frases que usam o termo ‘Direito’ num sentido que ainda não é aquele que nos interessa
verdadeiramente, embora já estejamos lá perto.
• É certo que, em ambas, se usa a palavra com ‘d’ maiúsculo. Mas está a falar- se, não do Direito
em si, mas do estudo do Direito, chamado de ‘ciência do Direito’ (também há a filosofia do
Direito’). É esta distinção que está na base, por exemplo, da distinção entre legislador – o que
produz o Direito – e jurista – o que estuda o Direito.
• Esta tese está de acordo com o entendimento e a prática quotidianos. Pois pensamos no
Direito como proibindo práticas como o homicídio ou o furto, cuja violação acarreta a
possibilidade de vir a sofrer penas (sanções). Também sentimos que existe uma ligação
entre o Direito e, por exemplo, a moral, constituindo ambos um sistema de normas.
• O argumento mais forte a favor desta tese é o de que nos guiamos pelo Direito para fazer o
que fazemos tal como nos guiamos pelas normas. A nossa relação com o Direito é idêntica
à relação que temos com as normas: sentimo-nos pressionados por ele, como algo que tem
de ser mas que, ainda assim, deixa uma margem de liberdade para desobedecer, e agimos
em função do que é determinado pelo Direito.
• Nem todos os autores concordam que há dever no Direito: Holmes, em The Path of The Law,
defende que só abusivamente utilizamos linguagem normativa, emprestada da moral, no
Direito. Como diz:
The law is full of phraseology drawn from morals, and by the mere force of language continually
invites us to pass from one domain to the other without perceiving it. Se tomarmos essas palavras
pelo seu significado normativo, incorremos numa falácia: the law talks about rights, and duties,
and malice, and intent, and negligence, and so forth, and nothing is easier, or, I may say, more
common in legal reasoning, than to take these words in their moral sense, at some state of the
argument, and so to drop into fallacy.
• Na verdade, ‘Direito’ significará outra coisa: the prophecies of what the courts will do in fact,
and nothing more pretentious, are what I mean by the law.
✓ Portanto, para Holmes, o que está nos códigos não são normas; os preceitos aí contidos não
determinam o que devemos fazer mas, antes, o que os juízes irão fazer de facto (sob certas
condições). Esta posição pode parecer estranha mas encontra fundamento, por exemplo, no
nosso Código Penal. Veja-se o art. 131.º, relativo ao homicídio:
• É de notar que Holmes estava a pensar nos sistemas jurídicos de raiz anglo- saxónica, que se
baseiam na actividade dos tribunais (decisão do caso particular e concreto) e não em padrões
gerais e abstratos prévios (códigos, etc.). As decisões prévias dos tribunais servem como sinal
do que irão decidir nos novos casos, e as pessoas comportam-se em função da expectativa
criada por essas decisões passadas.
• Por isso, poder-se-ia argumentar, desde logo, que não se pode transpor essa lógica, sem
mais, para sistemas como o português, que se apoiam, não nas decisões dos tribunais, mas
em artigos e códigos. Indo mais longe, até se poderia defender que Holmes tem razão, mas
só para os sistemas anglo- saxónicos: aí, o Direito não é constituído por normas.
• Contra a última pretensão, dir-se-á que, se estamos a falar de ‘Direito’ num e só num
sentido (e já fizemos a desambiguação), então não há mais do que um ‘Direito’. Há um só
tipo de Direito, que tanto vigora nos países anglo- saxónicos como em Portugal. E este está
ou não está relacionado com normas. Contra a inadequação da transposição, dir-se-á que
nada impede de considerar que os artigos e os códigos são ainda previsões, baseadas, não
em decisões anteriores dos tribunais, mas em estudos sociológicos, por exemplo.
• Mas há um facto que contradiz esta última hipótese: o art. 131.º do CP foi aprovado pela
Assembleia da República e não declarado por um grupo de cientistas (sociais). A letra deste
artigo pode induzir em erro, ao parecer relacionar antecedente (homicídio) e consequente (pena
de prisão) em termos puramente causais-sociológicos. Mas não foi isso que a AR fez: o intuito
das normas do Código Penal é o de regular as relações sociais, não de as descrever: houve
intenção normativa por parte dos deputados. Estar-se-á a dizer, aí, que é obrigatório punir com
pena de prisão de 8 a 16 anos quem cometer um homicídio. E isto pressupõe que seja proibido
cometer homicídios.
• Esta objeção também acaba por se aplicar aos sistemas como o português. Artigos como o
artigo 131.º do CP servem como critério de decisão dos juízes: eles guiam-se por esse artigo
para decidir; primeiro vem o art. 131.º e só depois a decisão, não se dando o caso de primeiro
virem as decisões e só depois o art. 131.º (como constatação do que geralmente os juízes
decidem e consequente previsão de decisões futuras).
• Para fazer face a esta objeção, surgiu uma versão diferente da tese de Holmes. Relembrando,
se seguirmos Holmes, nos sistemas como o português, os artigos e os códigos são Direito mas
que, porque o Direito nada tem quer com normas, aqueles também nada têm que ver com
normas. Só que Holmes está errado porque os artigos e os códigos contêm normas dizer. Ora,
podemos simplesmente dizer que os artigos e códigos não são Direito. Como tal, já podem ser
normas (não-jurídicas; serão normas morais ou políticas), sendo que os juízes já se podem
conduzir por eles nas suas decisões.
• E o Direito, o que será então? Serão as próprias decisões dos juízes ou, mais extensivamente,
toda a prática social em torno dessas normas, abrangendo a atividade de todos os funcionários
judiciais, de todas as entidades administrativas e, até, os comportamentos do cidadão comum.
É o Direito vivido, como é na prática (pragmatismo). Nesta perspetiva, os realistas focam a
eficácia das normas quando definem o Direito, contrariamente aos idealistas, que procuram
uma utópica validade das normas para definir o Direito.
1 de Outubro de 2018
I
Conceito e problemas fundamentais do Direito
• O realismo jurídico apoia-se na distinção entre Direito e moral, remetendo a normatividade para
esta última: se há normas, então elas são morais; se há algo que é jurídico, então não é
normativo. Acontece que parece que há algo de muito específico em algumas normas e que faz
com as mesmas não possam ser qualificadas de ‘normas morais’. Parece que há normas que
têm um conteúdo que interessa especificamente ao Direito, que tem relevância jurídica.
• Veja-se a norma ‘Não se deve ofender a dignidade das pessoas’ (por exemplo, tratando-as
como se trata um animal). O conteúdo da norma – que faz referência à ‘dignidade das pessoas’
– parece ser do foro moral. Agora pense-se na norma ‘Não se deve causar prejuízo à
sociedade’ (por exemplo, fazendo explodir uma bomba no centro de Lisboa). O conteúdo desta
norma– que faz referência à sociedade – já parece ter uma relevância distinta, algo que
interessa ao Direito. Ou, usando outros exemplos, pense-se numa eventual proibição de andar
nu em casa e na proibição de andar nu na rua: a primeira, a existir (a ter sentido), será uma
proibição do foro da vida privada e, portanto, não terá relevância jurídica (poderá ter relevância
moral, porventura); a segunda será uma proibição do foro público e, portanto, tem relevância
jurídica.
✓ Portanto, se formos ao conteúdo das normas, elas parecem confirmar a distinção entre Direito
e moral mas ainda dentro do conceito de ‘norma’, contrariamente ao defendido pelos realistas.
Se há normas que possuem um conteúdo intrinsecamente jurídico, então nem todas as normas
são morais: há normas que são normas jurídicas. A divisão entre Direito e moral não coincidirá
com a divisão ente facto e norma. O idealismo jurídico terá razão.
• Mas o realista pode responder. Dirá que o idealista está a pressupor que as normas possuem
um conteúdo intrínseco. Isto é: está a pressupor a verdade da tese da vinculação, de acordo
com a qual as normas possuem um conteúdo intrínseco, nomeadamente, um conteúdo bom/
valioso; se não o tiverem, não são verdadeiramente normas (não obrigam).
• Porém, há quem defenda que isso é falso: há quem defenda que as normas podem ter
qualquer conteúdo, bom/valioso ou mau/desvalioso, sem deixarem de ser normas e, como
tal, sem deixar de existir o dever de as cumprir. Esta é a tese da separação (entre norma e
valor, entre ser devido e ser bom).
• Quem defende a tese da vinculação (como Radbruch e Alexy) está imediatamente a pensar nas
ditas “leis injustas” e, mais particularmente, em sistemas jurídicos como o da Alemanha nazi.
Diz-se que é impensável um Direito que contenha normas com um tal conteúdo, pelo que as
mesmas não podem ser Direito (normas jurídicas) de todo. Consequentemente, não se está
obrigado a cumprir tais normas.
• Para já, vamos deixar esta discussão em stand-by. Ainda não temos as ferramentas para a
resolver. Só adiante, quando se aflorar a distinção entre imperativos categórico e imperativos
hipotéticos – deveres incondicionais e deveres condicionais –, podemos chegar a uma
conclusão. Mas, para podermos continuar, vou assumir o que todos os manuais de Introdução
do Direito assumem: que a tese da vinculação está certa (há normas com um conteúdo
intrinsecamente jurídico, que são as normas jurídicas) e, portanto, que o idealismo jurídico
também está certo (o Direito é um conjunto de normas).
• Assim, tradicionalmente, a discussão é acerca da origem das normas jurídicas: e dá-se entre
positivismo jurídico (ou juspositivismo; ou tese do Direito positivo) e naturalismo jurídico (ou
jusnaturalismo; ou tese do Direito natural). Para o positivismo jurídico, as normas jurídicas vêm
da sociedade; para o naturalismo jurídico, as normas jurídicas vêm da natureza. Centremo- nos,
para já, no naturalismo jurídico.
• Já desde os antigos gregos que se ponderou a possibilidade de existirem leis que não sejam as
leis humanas (as que são postas pela vontade arbitrária de um legislador). Seriam leis sem
legislador, leis da natureza. Os estoicos, por exemplo, pensaram nestes termos: as normas são
manifestação da ordem ou harmonia da natureza, pelo que uma norma é cumprida quando há
conformidade com essa ordem natural e incumprida quando inovamos relativamente à
natureza.
• A doutrina da lei (norma) natural foi desenvolvida na Idade Média, especialmente por
pensadores como Tomás de Aquino. Porém, Tomás de Aquino associou a lei natural à vontade
divina, pelo que sempre se pode especular se ainda não estamos perante uma tese jus-
positivista.
• Este desenvolvimento foi importante para desligar a noção de ‘lei (norma) natural’ da noção de
‘natureza’. As normas naturais não precisam de ser coisas verdes que estão no campo. A ideia
é a de que estamos a falar, antes de mais, do modo como surgiram as normas jurídicas: estas
surgiram espontaneamente, naturalmente; não foram feitas, criadas, produzidas. É assim que
se deve entender o jusnaturalismo.
• Claro que surge logo uma pergunta: e o que são, então, as normas (jurídicas)? Se não vêm de
um legislador, se não são criadas pela vontade de alguém, o que poderão ser? Nomeadamente,
se não são coisas verdes que estão no campo, o que serão? Esta é a principal dificuldade que
encontra o juspositivismo.
• Outro argumento contra o jusnaturalismo é o de que qualquer pessoa chama ‘Direito’ a normas
que provêm da sociedade. Em Portugal, chamamos ‘Direito’ ao que está nos Códigos (como o
Código Penal), que tem origem numa decisão da Assembleia da República. Aliás, o que fazer
com este sistema montado, caso não seja Direito? Seria inútil? Tanto trabalho para quê?
• Também é argumentado contra que, caso as normas jurídicas fossem naturais, existiriam vários
entendimentos diferentes do que é juridicamente devido. Cada pessoa teria a sua opinião e não
haveria estabilidade social. Aliás, qualquer pessoa poderia alegar, para proveito próprio numa
determinada situação, desconhecimento do Direito, dada a dificuldade em saber o que será
este Direito natural. Há, aqui, um problema de previsibilidade e cognoscibilidade.
• Mas há um argumento forte a favor do jusnaturalismo: pela nossa vontade, não temos
capacidade para criar normas. É feito um paralelo com os factos: tal como não temos
capacidade para criar factos (bem podemos decidir que é um facto que hoje está a chover em
Lisboa, que tal não será um facto), não conseguimos criar obrigações e proibições.
8 de Outubro de 2018
I
Conceito e problemas fundamentais do Direito
• Podemos dizer que o positivismo jurídico é a tese paradigmática: ser-se jusnaturalista é que
parece estranho. Para o juspositivismo, as normas jurídicas não passam a existir
espontaneamente ou naturalmente, sendo antes criadas ou produzidas numa determinada
sociedade. Mais especificamente, defende-se que o Direito, não sendo ele próprio um conjunto
de factos sociais, tem a sua origem em factos sociais. Ainda mais especificamente, a doutrina
juspositivista mais tradicional defende que as normas jurídicas provêm da vontade de alguém,
que será o legislador.
• Mas, em rigor, há vários tipos de juspositivismo. Haverá tantos quantas as fontes de Direito
imagináveis. Podemos reduzir a dois tipos: 1) a tese legal; 2) a tese consuetudinária. Por sua
vez, 1) comporta dois subtipos: i) o imperativismo ou teoria dos comandos, que reduz as
normas a ordens de alguém; ii) o construtivismo, de acordo com o qual as normas jurídicas
resultam de uma decisão de que as mesmas existam.
• O imperativismo é também uma tese quanto ao que seja uma norma jurídica, o que veremos
adiante. Foi pensado para dar conta de sistemas nos quais há um soberano (nomeadamente,
um monarca) que emite ordens, às quais os súbditos têm de obedecer. Tem dificuldade em dar
conta de sistemas diferentes, nos quais as normas jurídicas derivem de assembleias
representativas do povo.
• O construtivismo é puramente uma tese quanto à origem das normas jurídicas, sem se
pronunciar relativamente ao que estas sejam. Encontra-se totalmente apto a dar conta tanto de
sistemas de um único soberano como de sistemas de assembleias legislativas.
• Ainda podemos acrescentar um quarto tipo de juspositivismo: as normas jurídicas têm origem
nas decisões dos tribunais. Estas, em si mesmas, não são normas, pois constituem aplicação
de normas. Mas delas podem resultar normas, dir-se-á. Este pensamento adapta-se
perfeitamente aos sistemas anglo-saxónicos.
• Estas teses são incompatíveis: quem defenda uma está a colocar de lado as outras. Como
veremos relativamente à matéria das fontes do Direito, quando se aceita a coexistência (pelo
menos em abstracto) de todas elas ou mesmo só de algumas delas, já não se está a defender
um juspositivismo ortodoxo mas uma versão alterada.
Observações
• O Direito não pode vir dos Homens, porque seria arbitrário. É na natureza que surge o Direito-
visão Jusnaturalista. (Direito Juspositivista- Hobbes // Direito Jusnaturalista- Estoicos /
Antifonte.)
• Estoicos: A lei é viver de acordo com a natureza. Para um Jusnaturalista, o direito vem da
natureza e de forma espontânea. Logo, segundo esta linha de pensamento, o código/normas
impostas pela AR não são Direito. Surge o problema da dupla validação desnecessária. O
Direito imposto pela AR é Direito positivo. Tanto que, a Tese do Juspositivismo é a mais aceite
pelos juristas na medida em que não dá aso a conflitos.
Juspositivismo
↓ ↓ ↓
zada no espaço e no
• Argumento face ao Juspositivismo: Nós temos capacidade para criar normas? A partir dos
nossos comportamentos/ necessidades/ atitudes? O Jusnaturalismo argumenta que a
sociedade não tem capacidade natural para criar normas, exemplo: “Não é por um grupo de
indivíduos se juntar e decidir que é proibido matar alguém que isso se torna verdade”.
• A sociedade caracteriza-se por ser uma situação de cooperação entre indivíduos, isto é, a
realização do interesse de indivíduo x, pressupõe a realização do interesse de indivíduo y, isto
é: a realização do interesse de x implica a realização do interesse de y.
• Deste modo, a situação oposta de sociedade é conflito. Uma situação de conflito caracteriza-
se pela incompatibilidade de realização de interesses. A realização de interesses de x é
incompatível com a realização de interesses de y. Logo, x entra em conflito com y.
• Este argumento é um mau argumento, pois está a confundir naturalismo jurídico com tese da
vinculação. Em rigor, nem é um argumento: afirma-se que, por a tese da vinculação estar certa,
então o juspositivismo está certo. Mas são coisas diferentes: a tese da vinculação é uma tese
quanto ao conteúdo das normas, nomeadamente, quanto à relação entre norma (o que é
devido) e valor (o que é bom); o jusnaturalismo é uma tese quanto à origem ou fonte das
normas.
• Pode ser-se juspositivista e defender-se a tese da vinculação: é o que faz Radbruch. Veja-se
que Radbruch diz que “o direito positivo” deixa de o ser quando “a lei positiva contradiga a
justiça em uma medida (...) insuportável”. Radbruch nunca deixou de defender que as
normas vêm de um legislador (têm origem em factos sociais); com o advento do regime
nazi, acrescentou outra condição, a de que tenham um bom conteúdo.
✓ Portanto, as leis dos homens não têm de ser arbitrárias: se a tese da vinculação estiver certa, o
Direito positivo só é Direito quando está de acordo com valores (com os valores
intrinsecamente jurídicos). O juspositivista pode responder ao argumento clássico a favor do
jusnaturalismo precisamente desta forma.
• Esta confusão pode ter alguma justificação porque, usualmente, quando os defensores da tese
da vinculação falam em valores, estão a pensar em valores eles próprios naturais. É o caso de
Radbruch: o Direito vem das instituições sociais e só é mesmo Direito se respeitar os valores,
que transcendem o plano das instituições sociais. Mas os valores podem ser naturais sem que
as normas o sejam; o próprio Radbruch aceita isso.
• Porém, também se pode pensar em valores positivos. Isto é: pode defender- se que também os
valores jurídicos são instituídos por uma vontade, por um “legislador”. É para isso que servem
as declarações de direitos humanos e, em grande parte, as Constituições: avança-se com um
conteúdo valorativo que não pode ser contrariado pelas normas jurídicas (sob pena de
inconstitucionalidade). E, pensando nos valores como valores positivos, a grande maioria dos
juspositivistas acaba por defender a tese da vinculação.
• Realismo jurídico (ou jusrealismo): tese de acordo com a qual o Direito não é um conjunto de
normas mas, sim, um conjunto de factos; para um tal entendimento, não existem normas
jurídicas (se há normas, elas são morais); o Direito será, então, ou previsões das decisões dos
tribunais (Holmes) ou as próprias decisões dos tribunais (Frank).
Observação
• Direito ≠ Norma:
3. Segundo Holmes, se o artigo 131.º do Código Penal é direito, então não é uma norma.
4. Reestruturação da versão de Holmes: se o artigo 131.º do Código Penal é uma norma, então
não é Direito.
• Idealismo jurídico (ou jus-idealismo): tese de acordo com a qual o Direito é mesmo um
conjunto de normas, não um conjunto de factos; para um tal entendimento, existe um conjunto
de normas que são as normas jurídicas (nem todas as normas são morais).
Observações
• Idealismo Jurídico: colocam os códigos como as decisões passadas dos tribunais, isto é, são
critério de decisões futuras.
Leis Vs Jurisprudência
↓ ↓
Moral
↓ ↓
de diferentes ações.
• Tese da vinculação: tese de acordo com a qual as normas estão vinculadas a valores; para um
tal entendimento, uma norma só o é mesmo se tiver um conteúdo valioso, bom; mais
especificamente, as normas jurídicas só o são mesmo se tutelarem a vida em sociedade; se o
seu conteúdo for irrelevante para ou mesmo atentatório da vida em sociedade, então não são
verdadeiramente normas (não obrigam).
Observações
• Idealismo Jurídico: nem todas as normas são morais, há aquelas que têm um conteúdo
intrinsecamente jurídico- proteger a vida em sociedade (ligação conceptual entre Direito e
Sociedade).
• Tese da separação: tese de acordo com a qual as normas estão separadas de valores; para
um tal entendimento, uma norma é uma norma mesmo se tiver um conteúdo desvalioso, mau;
mais especificamente, as normas jurídicas obrigam mesmo se não tutelarem a vida em
sociedade, isto é, se o seu conteúdo for irrelevante para ou mesmo atentatório da vida em
sociedade.
• Juspositivismo (ou positivismo jurídico; ou tese do Direito positivo; ou tese da fonte social):
tese de acordo com a qual as normas jurídicas (o Direito) têm origem na (vêm da) sociedade;
isto é, há certos factos sociais que são os criadores das (a partir dos quais surgem as) normas
jurídicas; segundo este entendimento, as normas jurídicas têm por fonte ou a lei (uma decisão
da comunidade, paradigmaticamente através de uma assembleia representativa), ou o costume
(os hábitos enraizados numa sociedade e aos quais é associada uma convicção de
obrigatoriedade jurídica) ou a jurisprudência (as decisões dos tribunais).
• Jusnaturalismo (ou naturalismo jurídico; ou tese do Direito natural; ou tese da fonte não-
social): tese de acordo com a qual as normas jurídicas (o Direito) não têm origem na (não vêm
da) sociedade mas de algo que lhe é exterior (paradigmaticamente, da natureza); segundo este
entendimento, as normas jurídicas surgem espontaneamente ou naturalmente, não constituindo
produtos da cultura (artefactos).
Combinações possíveis
• Realismo jurídico + tese da separação = tese de acordo com a qual o Direito é um conjunto
de factos e as normas (que são todas morais) podem ter qualquer conteúdo; os juízes decidem
com base em normas, sendo que estas não têm um conteúdo especificamente jurídico.
• Idealismo jurídico + tese da vinculação = tese de acordo com a qual o Direito é um conjunto
de normas e as normas, tanto as jurídicas como as morais, têm o seu conteúdo próprio (jurídico
e moral, respetivamente); os juízes decidem com base em normas que têm um conteúdo
especificamente jurídico.
15 de Outubro de 2018
I
Conceito e problemas fundamentais do Direito
• Já falámos em ‘sociedade’, nomeadamente, para referir que, para algumas teses, há uma
relação íntima entre Direito e sociedade. Diz-se, a este respeito, que não há Direito sem
sociedade (e que, portanto, se há Direito, então há sociedade). Como vimos, são duas as
relações que possivelmente existem entre Direito e sociedade: i) para a tese da vinculação, o
Direito tem por função tutelar ou proteger a vida em sociedade – está a dizer-se que o conceito
de Direito implica o conceito de sociedade, como parte da sua definição (não conseguimos
pensar em Direito sem pensar em sociedade) –; ii) para o juspositivismo, o Direito tem origem
na sociedade – está a dizer-se que a existência de Direito implica a existência de sociedade,
como sua fonte (sem uma sociedade, não existe Direito).
• Mas o que é uma sociedade? Antes de mais, é de referir que usar-se-á o termo ‘sociedade’
como sinónimo de ‘comunidade’ ou ‘grupo’. Por outro lado, pretende abranger-se realidades
tão diversas como a família, o clã, a tribo, a aldeia/vila, a cidade, a região, o país, a federação, a
comunidade europeia, a (suposta) comunidade internacional, etc..
• Mas também temos, aí, situações de conflito. É só lembrar o que levou o André a matar a
Beatriz e a Catarina a matar o Dinis: o André tinha interesse em ser o pescador daquela
comunidade mas tal era incompatível com o interesse da própria Beatriz; a Catarina tinha
interesse em fazer os barcos de pesca mas tal era incompatível com o interesse do
próprio Dinis.
• Para além de dizer que a noção de ‘sociedade’ remete para a noção de ‘colaboração’ ou
‘cooperação’, que mais se pode dizer? Aceita-se que mais duas coisas caracterizam qualquer
sociedade. Primeiro, que a colaboração tem caráter duradouro: se a colaboração se esgota
numa atividade de curta duração, não há sociedade. A colaboração não é suposto extinguir-se,
é pensada como um projeto de longo (longuíssimo) prazo (talvez sem prazo). Segundo, que a
própria noção de ‘colaboração’ implica a de ‘coordenação’ e esta, principalmente nas
sociedades mais complexas, a de ‘organização’.
• A partir daqui, há divergência. Para os individualistas, esta colaboração não passa da mera
ocorrência de trocas/transações entre pessoas: a sociedade é um mercado, isto é, o ponto de
encontro para trocas/transações. Para os coletivistas, esta colaboração é algo mais do que
isso, pois forma-se uma nova entidade: a sociedade é uma pessoa coletiva, isto é, uma coleção
de pessoas que funciona por si mesma como uma pessoa (como um todo unitário).
i) quanto ao poder: os individualistas não aceitam um poder para além e/ou acima dos
indivíduos, um suposto poder pertencente à própria sociedade; já os coletivistas
defendem que há um poder que existe para além e/ou acima, que pertence à pessoa
coletiva
ii) quanto às decisões: para os individualistas, as decisões são todas tomadas por acordo,
pelo que tem de haver unanimidade; para os coletivistas, as decisões, que são tomadas
em assembleia, seguem a regra da maioria
‣ Neste último traço distintivo, os individualistas defendem que a riqueza gerada pertence ao
indivíduo que a gerou – quem produz mais, recebe mais –, enquanto os coletivistas defendem
que a riqueza gerada pertence à coletividade, que depois a distribui de maneira igualitária (ou
para alcançar uma situação de igualdade). Podemos dizer que, para os individualistas, a
sociedade opera como o regime da separação de bens no casamento e que, para os
coletivistas, a sociedade opera como o regime de comunhão de adquiridos.
• Pensemos, mais uma vez, no exemplo do caso prático. Para os individualistas, Beatriz, que era
quem pescava naquela sociedade, era a legítima proprietária do peixe e só depois o levaria
para o mercado que era a aquela mini-sociedade, de maneira a trocá-lo por outras coisas
(como sapatos) ou serviços (comida cozinhada). Para os coletivistas, o pescado de Beatriz
pertence à comunidade, e esta última, depois, distribui por todos os membros. Aquela
comunidade adotou um sistema de divisão/especialização do trabalho, e isto é que dá a
aparência de que chega a haver trocas, quando estas não se dão verdadeiramente. Se, por
exemplo, um dos membros da comunidade tiver uma especial carência de algo, ela deve prover
aquilo de que carece.
• Portanto, em rigor, os coletivistas defendem que a sociedade acaba por ser mais do que
uma colaboração: os seus membros trabalham para realizar, não o seu interesse individual,
mas o interesse do novo organismo que surgiu. Os coletivistas operam uma clara
demarcação entre os interesses privados e o interesse público (podendo haver,
inclusivamente, conflito de interesses).
O barco de Teseu
Conta a lenda que Teseu, um grande marinheiro da Grécia antiga, construiu um barco de madeira
que usou durante décadas nas suas expedições. Porém, como seria de esperar, tinha de efetuar
algumas reparações de vez em quando. Ao longo dos anos, foi substituindo tábua a tábua até
que, um dia, o barco de Teseu não tinha sequer uma das tábuas originais. Pergunta-se: é ainda o
mesmo barco? Algo semelhante passa-se com o nosso corpo: ao fim de um determinado número
de anos, todas as células originais acabam por ser substituídas por outras. Isso faz com que o
nosso corpo deixe de ser o mesmo corpo (e nós deixemos de sermos nós)? Ou pensemos em
duas empresas que são constituídas exatamente pelas mesmas pessoas: isso faz com que as
duas empresas sejam, afinal, a mesma empresa? A mesma pergunta coloca-se ao coletivismo: se
duas sociedades forem constituídas pelas mesmas pessoas, são, afinal, uma ou duas
sociedades? E se uma delas for mudando de membros, até não sobrar algum dos membros
originais, ela passa a ser outra sociedade?
• A opção por uma das teses tem consequências. Imaginemos um individualista que também
defenda a tese da vinculação. Já vimos que, de acordo com esta, na definição de ‘Direito’,
surge o conceito de sociedade. Isto é: quando pensamos em Direito, necessariamente
pensamos em sociedade. É isto que se tem em mente quando usualmente se diz que não há
Direito sem sociedade. O Direito serve a sociedade, tem uma “função” social; tudo o que há de
especialmente bom e útil na vida em sociedade é tutelado pelo Direito.
• Já para um coletivista, o Direito tem por função proteger uma pessoa autónoma dos indivíduos:
os direitos conferidos pelo Direito serão, essencialmente, direitos dessa pessoa coletiva (do
setor público, como dizem os juristas). E as normas jurídicas irão proibir o que ofenda ou lese
essa pessoa coletiva (ainda que por intermédio das suas células, os indivíduos que a
compõem).
• É verdade que o Direito precisa de uma sociedade para existir? Isto também já foi analisado.
Para o chamado ‘positivismo jurídico’, é verdade que o Direito tem origem na sociedade e,
mesmo que não baste a sociedade para que exista Direito, é preciso que exista uma. Já para o
chamado ‘naturalismo jurídico’, isso não é verdade: o Direito surge espontaneamente, não
sendo preciso que exista uma sociedade. A origem do Direito será outra, não-social. Isto é:
para o juspositivismo, toda a lei tem legislador; para o jusnaturalismo, para haver lei não tem de
haver legislador.
• Se um individualista for, também, positivista, dirá que o Direito resulta de um contrato. Como
disse atrás, os individualistas não aceitam um poder para além e/ou acima dos indivíduos e
defendem que as decisões conjuntas são todas tomadas por unanimidade: cada um de nós
decide, em conjunto, o que vai ser juridicamente obrigatório ou proibido. O mesmo acontece
relativamente à criação das normas jurídicas. Este é o chamado contratualismo jurídico. É de
notar que o contratualismo jurídico – as normas jurídicas resultam de um contrato entre todos
os membros da sociedade – não se confunde com o contratualismo sociológico – a própria
sociedade resulta de um contrato.
• Ao contratualismo jurídico têm sido apontadas algumas objeções. Desde logo, que nenhum de
nós assinou qualquer contrato. Mas há resposta: se não nos opusermos explicitamente,
estamos a concordar implicitamente. Outra é a de não contemplar outras fontes sociais de
Direito que não a lei, como o costume. Mas o contrato de que se fala é entendido num sentido
amplo: não tem de haver negociações e um aperto de mão no final; relativamente ao costume,
basta que todos os indivíduos associem a convicção de obrigatoriedade jurídica a um
determinado hábito social.
• Os coletivistas (que sejam, também, juspositivistas) escapam a estas objeções, pois, para eles,
o Direito é imposto pela pessoa coletiva ‘sociedade’ aos indivíduos que a compõem. Eles não
têm de concordar com o Direito: este resulta de uma decisão da coletividade, não dos
indivíduos, sendo que as decisões da coletividade são tomadas por maioria. Os indivíduos são
meros destinatários das normas jurídicas. Portanto, são protegidos pelo Direito mesmo que, em
assembleia, tenham “votado” contra. E o não-cumprimento do Direito não é o incumprimento
de um contrato, pelo que não acarreta a exceção de não-cumprimento.
↓ ↓
Sociedade: Natureza:
visto Jurídico//
- Fontes de Direito:
Todos os processos
de criação de normas
- Positivismo:
Republica (Estado).
• Para além das duas possíveis relações existentes entre Direito e sociedade – a defendida pela
tese da vinculação e a defendida pelo juspositivismo –, há mais duas maneiras possíveis de
ambos se relacionarem. Basta que se inverta o “lema” mais tradicional ‘Não há Direito sem
sociedade’ por outro menos comum, ‘Não há sociedade sem Direito’.
• Ora, também a pergunta ‘Não há sociedade sem Direito?’ pode ser interpretada de duas
maneiras: iii) está a dizer-se que o conceito de sociedade implica o conceito de Direito, como
parte da sua definição (sem o conceito de Direito, não se consegue definir ‘sociedade’); iv) está
a dizer-se que a existência de uma sociedade implica a existência de Direito, como sua origem
(sem Direito, não existe qualquer sociedade).
• Quanto a iv): para Locke, por exemplo, as sociedades só existem porque a elas pré-existe o
Direito. De acordo com esse pensador, antes de viverem em sociedade, os homens viviam num
estado de natureza, governados pelo Direito natural. Para que os seus direitos naturais
(nomeadamente, o direito de propriedade) fossem respeitados, eles passaram a viver num
estado civil (a sociedade). É este último que se encarrega de tutelar os direitos individuais,
através de um sistema administrativo-judicial de execução da “lei” natural.
• A tese específica de Locke é individualista: o poder para policiar e punir reside, em rigor, em
cada indivíduo. Esse poder é “emprestado” a alguém que passa a ter a competência para
executar as normas de Direito natural mas pode ser “recuperado” a qualquer momento. Há,
aqui, uma troca: cada contraente abdica da sua liberdade para “fazer justiça pelas próprias
mãos” em troca da mesma dispensa por parte de todos os restantes contraentes (para Locke, a
sociedade resulta de um contrato – contratualismo sociológico). Mas pode ser-se coletivista e
também defender que a sociedade vem do Direito.
• Talvez o principal problema na tese de Locke seja o de afirmar que o Direito (natural) não regula
a vida em sociedade mas as relações no estado de natureza. É que isso é o que parece estar
reservado para a moral. Por isso, e porque Locke está a falar de um aparelho montado para
garantir o cumprimento de um sistema de normas prévio, creio que Locke está a falar
realmente, não da formação da sociedade, mas, sim, da formação do Estado (Estado-aparelho).
• Para além disso, mesmo que o Direito (natural) pré-exista à sociedade, isso não é o mesmo que
dizer que ele é condição desta. A alternativa a Locke, mas mantendo o espírito da sua
perspetiva, é dizer que, sem o cumprimento do Direito, não subiste qualquer sociedade. Não é
o próprio Direito que é condição de existência da sociedade: é o seu cumprimento que constitui
uma tal condição.
• Mas este é, apenas, um dos sentidos da palavra ‘Estado’, aquele que, no fundo, se reduz ao
conceito de sociedade (daí falar-se em ‘Estado- sociedade/colectividade/comunidade’). A
diferença é subtil: quando se fala em ‘sociedade’, pode omitir-se a referência ao poder; quando
se fala em ‘Estado’, tem de se falar do poder que uma determinada colectividade possui e
exerce. Mas há outro sentido, que é o usado quando se diz, por exemplo, que o Estado só
começou a surgir na modernidade, com a prossecução pública da satisfação (de algumas) das
necessidades sociais (começando pela segurança, numa fase inicial, e estendendo-se à
educação e saúde, entre outras) e a avocação definitiva da função legislativa por uma
assembleia representativa.
• É de notar que, quando se fala em ‘Estado’, está a assumir-se o colectivismo como tese certa.
Assim, qualquer que seja o sentido de ‘Estado’ em que esteja a ser usada essa palavra, estar-
se-á sempre a falar de uma pessoa colectiva, de uma pessoa autónoma das pessoas que a
constituem.
Observações
• Coletivismo: Segundo Rosseau, a sociedade está acima dos indivíduos- que são a sua base- e
por isso, a sociedade é uma pessoa coletiva. Existe sociedade quando da relação entre 2
indivíduos, surge um terceiro indivíduo autónomo. Os poderes pertencem à sociedade e não
aos indivíduos, assim como, as decisões da sociedade são tomadas pela regra da maioria.
(Enquanto que no Individualiso, todos os membros têm de estar de acordo para se poder tomar
determinada decisão)
(Individualismo) (Coletivismo)
não à sociedade. Ou seja, cada indivíduo mas à sociedade. Ou seja, a riqueza que é
recebe na medida do serviço que presta. gerada em sociedade, não pertence aos
=> Para haver normas jurídicas, Ex: as crianças não têm capacidade de parti-
Indivíduos concordam.
- Contratualismo Jurídico:
Ia Ib
• Direito: a criação do Direito surge de forma horizontal, forma igual, cada indivíduo
participa na “construção” do Direito.
Ia Ib
• Direito: a criação do Direito surge de forma vertical, do coletivismo para os indivíduos. (Estes
não participam na sua criação, mas usufruem dele)
• A ideia de Estado está penas associada ao Coletivismo. Ex: x não tem dinheiro suficiente para
pagar a sua medicação, então o estado tem a obrigação de o ajudar a adquirir essa mesma
medicação.
Individualismo Vs Coletivismo
↓ ↓
B. Não existe Direito sem existir uma sociedade. Então, o Direito é criado pela sociedade.
(Juspositivismo)
B. Não existe sociedade sem existir Direito (Locke). (A sociedade como juiz, ouve a
violação dos direitos humanos, então, a sociedade protege o ser humano, tal como,
garantir que o Direito Natural funciona// A sociedade é uma forma de garantir que o
direto à vida é respeitado)
• O Estado é uma pessoa coletiva: poder exercido por um povo num determinado território. A
noção de Estado tem três elementos: povo, território, poder.
• O Estado é uma sociedade com poder (político, jurídico, etc). Em sentido estrito, o Estado é o
aparelho representativo do povo que desenvolve as funções que lhe são atribuídas.
B. O Direito Natural regula a vida dos indivíduos mesmo antes de estes viverem em sociedade. A
sociedade garante a eficácia do Direito Natural (salvaguardar os Direitos Humanos).
22 de Outubro de 2018
I
Conceito e problemas fundamentais do Direito
• Tal como relativamente à relação entre Direito e sociedade, também há uma opinião
generalizada de que há uma relação íntima entre Direito e Estado. Dir-se-á, agora, que não há
Direito sem Estado. Mais uma vez, há duas interpretações possíveis: i) está a dizer-se que o
conceito de Direito implica o conceito de Estado, como parte da sua definição; ii) está a dizer-
se que a existência de Direito implica a existência do Estado, como sua origem.
• Quanto a i), está a pressupor-se, novamente, que o Direito tem um determinado conteúdo
por definição. Mas já sabemos que, para a tese da separação, não tem sentido algum dizer
que o Direito regula, por natureza, isto ou aquilo. Portanto, só a tese da vinculação pode
defender que existe uma relação concetual entre ‘Direito’ e ‘Estado’.
• Mas há que saber, mesmo assumindo a tese da vinculação, se podemos ir mais longe do
que defender que o Direito regula qualquer atividade social e chegar mesmo a defender que
o Direito também regula qualquer atividade estadual. Isto é: há que saber se, mesmo
assumindo a tese da vinculação, tem sentido conceber um Direito que regula a atividade do
Estado. A este Direito dá-se o nome de ‘Direito Público’.
• Só se pode perceber a resposta não esquecendo que se está a pressupor uma noção
coletivista de ‘sociedade’. Num tal modelo, não existe iniciativa privada: esta visa a troca do
produto fornecido ou do serviço prestado por uma remuneração, e a sociedade não é isso.
As necessidades das pessoas só vão ser satisfeitas de outro modo.
• De acordo com o modelo coletivista, todos os produtos são fornecidos pela coletividade e
todos os serviços são prestados pela comunidade. Como tal, surgem atividades socais que são
atividades públicas, como quem diz, atividades da própria coletividade, do Estado. Por isso,
num tal modelo, há que falar em profissões públicas e em funcionários públicos: os médicos
trabalham em hospitais públicos, os professores trabalham em escolas públicas, os seguranças
são seguranças públicos, etc.. O modelo coletivista considera que prestar tudo isso é uma
tarefa ou função do Estado: é a ele quem cabe satisfazer as necessidades das pessoas
(satisfação, esta, que é vista como um autêntico direito social, o direito a prestações sociais).
• Essa é a chamada ‘tarefa ou função administrativa (ou executiva) do Estado’. Mas há outras
funções, como a legislativa (jurídica): será tarefa do Estado criar o Direito. E há a função
judicial: também será tarefa do Estado aplicar o Direito. Quanto a estas, o individualismo
também aceita que existam: não lhes chama ‘funções do Estado’ porque, na sua
perspetiva, não há Estado, só um espaço para serem feitos acordos e trocas. Na perspetiva
individualista, o Direito será feito através de um contrato e será aplicado através de
decisões por acordo entre todos os indivíduos. Agora, quanto a suprir as necessidades das
pessoas, o individualismo defende que é “cada um por si”.
• Ora, neste modelo coletivista, podemos ir mais longe do que defender que o Direito regula
qualquer atividade social e defender que o Direito também regula qualquer atividade estadual.
Isto é: assumindo a tese da vinculação, tem sentido conceber um Direito que regula a atividade
do Estado, um Direito Público. Assim, será verdade que o conceito de Direito implica o conceito
de Estado, se estivermos só a pensar no Direito Público.
• Para o modelo individualista, não tem sentido falar em ‘Direito Público’. Neste modelo, não
podemos defender que o Direito regula a atividade estadual, mesmo assumindo a tese da
vinculação: o Direito só regula a atividade dos indivíduos (no mercado) ou, como os juristas
chamam, a atividade dos privados (ou particulares). Assim, não será verdade que o conceito de
Direito implica o conceito de Estado (apenas será verdade que o conceito de Direito implica o
conceito de sociedade). Ao Direito que regula a atividade dos indivíduos dá-se o nome de
‘Direito Privado’.
Notas
• Por um lado, a moral não tutela a vida em sociedade, contrariamente ao Direito Privado: há que
não confundir a vida social dos privados (domínio do Direito) com a vida privada (domínio da
moral). O Direito Privado ainda tutela a vida em sociedade (o interesse público – coletivismo –
ou o mercado – individualismo) porque proíbe que a atividade dos indivíduos afete
negativamente a vida em sociedade. Já as normas morais tutelam o próprio espaço individual,
independentemente de haver sociedade ou não.
• Por outro lado, as normas morais nem sempre se dirigem só a indivíduos: tem sentido que
haja uma proibição moral de uma sociedade (coletividade/mercado), por exemplo, matar
uma pessoa. É o indivíduo, na sua dignidade pessoal, que está a ser tutelado. Quando a
proibição se funda num tal valor, então não temos uma proibição jurídica.
• Quanto a ii), é habitual autores socorrerem-se do lema ‘Não existe Direito sem Estado’ para
afirmar que, como não existe um Estado internacional (uma coletividade composta pelos
Estados do mundo), então não existe Direito Internacional. Como quem diz: aquilo a que,
usualmente, se chama ‘Direito Internacional’ não é verdadeiramente Direito.
• Há quem discorde que não exista Direito Internacional: se, não obstante isso, tais pensadores
aceitarem que não existe um Estado internacional, estarão a defender que não é preciso existir
Estado para existir Direito (pelo menos, no plano internacional). Esta é uma via aberta para o
jusnaturalismo.
• Mas, se não pretendemos seguir esta via, temos de procurar uma alternativa para continuar
a defender que, de facto, existe Direito internacional.
• Que outra via há? Para “salvar” a existência de Direito Internacional, bastará defender que,
é verdade, não há um Estado-aparelho internacional (os órgãos da ONU têm esse estatuto),
mas existe um Estado-coletividade internacional. A ser assim, contrariamente ao Direito
interno, que é criado por um aparelho especialmente formado para o efeito, o Direito
Internacional será criado de um modo desorganizado e espontâneo, através de costumes
(os costumes da comunidade internacional). Será essa a sua particularidade.
• Acontece que tais costumes são costumes quanto a trocas, não são costumes internos
típicos de uma comunidade. Aliás, mesmo a existência de um Estado- coletividade
internacional tem de ser posta em causa. O que observamos é que as relações
internacionais não passam de ou baseiam-se em contratos e acordos (os tratados ou as
convenções internacionais). Na perspetiva coletivista, já sabemos, isso não é o mesmo que
existir uma sociedade/comunidade. Mas podemos mudar de perspetiva (pelo menos, no
plano internacional): para o individualismo, basta que os Estados celebrem entre si acordos
para existir uma comunidade internacional3. E, assim, já pode existir Direito Internacional.
Agora, teremos de negar que é preciso existir um Estado para existir Direito, embora
continuemos a admitir que é preciso existir uma sociedade para existir Direito.
• Também há discussão relativamente ao Direito infra-estatal (como o que provém das regiões
autónomas – em Portugal, Madeira e Açores – e das autarquias – municípios, freguesias):
também se poderá, porventura, defender que, como não existem Estados infra-estatuais – no
caso português, não existem os Estados da Madeira e dos Açores nem os Estados de Lisboa e
do Porto –, então não existe Direito infra-estadual – Direito regional e Direito local.
• Aqui, torna-se mais difícil negar que exista Direito: os chamados (pela Constituição
portuguesa) ‘decretos legislativos regionais’ e também, por exemplo, os regulamentos
municipais têm todas as características que o Direito nacional tem. Portanto, parece ser
particularmente legítimo afirmar que pode existir Direito sem Estado: existe mesmo Direito
infra-estadual – Direito regional e local –, não obstante não existirem Estados infra-estaduais
– Estados regionais e locais.
• Mas os decretos legislativos regionais e os regulamentos municipais (por exemplo) têm uma
fonte bem determinada na sociedade: os decretos legislativos regionais provêm das
assembleias legislativas da Madeira e dos Açores e os regulamentos municipais provêm de
assembleias municipais. A serem Direito, serão Direito positivo.
• Isto leva-nos ao ponto essencial: as regiões autónomas (entre nós, Madeira e Açores;
Espanha, por exemplo, é toda ela constituída por regiões autónomas) têm tudo o que um
Estado tem, inclusivamente um aparelho administrativo- legislativo-judicial. E os municípios
(e, já agora, as freguesias) também.
• Não nos podemos esquecer que, antes dos Estados-nação, existiam as cidades-Estado e
os Estados-região, que faziam o seu Direito. O Estado- nação absorveu os tipos mais
pequenos mas, possivelmente, estes nunca deixaram de existir verdadeiramente (daí
continuarem a fazer o seu Direito, aplicável ao território respetivo).
• Por isso, Madeira e Açores são Estados, embora não sejam Estados independentes. Isto é:
possuem autonomia (têm soberania dentro do seu território) mas não possuem
independência (pois estão “incorporados” no Estado português). O mesmo se diga dos
municípios (e das freguesias). Não os designamos de ‘Estados’ simplesmente porque, com
o advento do Estado- nação, reservámos esse nome para os países.
Conclusão
✓ Continua a ser verdade, agora ao nível infra-estadual, que não existe Direito se não existir
Estado.
• Mesmo relativamente ao Direito interno, há discussão: há quem afirme que se pode ser
juspositivista e negar que o Direito venha do Estado. Quem defenda isto, pergunta o seguinte:
antes de haver Estado, não havia Direito? E não há Direito nas ditas sociedades “primitivas”? E
responde que sim. Mas como? Do seguinte modo: sem Estado, o Direito é criado através do
costume, isto é, através das práticas sociais generalizadas e habituais.
• Já se vê que, com esta resposta, não se está a discordar de que só existe Direito se existir
Estado. Está a discordar-se de que só existe Direito se existir Estado-aparelho. Mas não se está
a negar que o Direito tem origem no Estado-coletividade: o Direito é diretamente pelo povo, de
uma maneira desorganizada e espontânea, através dos seus costumes. Já vimos esta hipótese
no plano internacional.
• Já os legalistas negam isso e afirmam mesmo que só existe Direito se existir Estado-aparelho:
o Direito só provém do Estado-aparelho, sendo criado por lei (entre nós, a lei da Assembleia da
República, que é a assembleia representativa do povo). Tudo o que provenha de outras fontes,
como comportamentos generalizados e reiterados na comunidade, não contam como Direito.
Este é o problema de saber qual é a fonte social do Direito, se a lei ou o costume.
• Também esta pergunta pode ser interpretada de duas maneiras: iii) está a dizer-se que o
conceito de Estado implica o conceito de Direito, como parte da sua definição; iv) está a dizer-
se que a existência de um Estado implica a existência de Direito, como sua origem.
• Quanto a iii), parece evidente que podemos definir ‘Estado’ sem falar em Direito (em normas
jurídicas). Mas, por exemplo, a chamada ‘Escola Pura do Direito’, cujo maior representante
é Kelsen, defendeu a identidade entre Estado e Direito: o Estado é o sistema das normas
jurídicas (legais). Tudo o que já foi dito relativamente ao normativismo é aplicável, com as
devidas alterações, à tese de Kelsen.
• Quanto a iv), há que saber se o Estado, nomeadamente, o Estado-aparelho, surgiu por força
do Direito. Efectivamente, há Direito (o Constitucional) que determina as funções e
competências dos órgãos representativos do povo (por exemplo, relativamente à
Assembleia da República, veja-se os arts. 161.o, 164.o e 165.o da CRP). Mas não são os
artigos da Constituição, por si, que criam ou são condição causal da existência desses
órgãos: é o “cumprimento” desses artigos.
Observações
= Estado de aparelho
• Individualismo= mercado.
• Direito Público: o Direito regula qualquer atividade social/estadual (Tese da Vinculação// modelo
coletivista).
• O Direito privado regula o mercado que é a sociedade, que só existe na ótica do Individualismo.
• Segundo a Tese da Vinculação, o Direito pode ser público ou privado consoante as normas a
que acode (morais ou jurídicas).
• Direito Internacional:
2
1. Direito Interno
2. Direito Internacional
1 1
• O costume em causa passa da perspetiva coletivista para a individualista porque admite que
não existe costume do povo, mas dos indivíduos que constituem o Estado.
Conclusão céptica:
2. Negar toda a perspetiva por ser coletivista (“O Direito vem dos Estados”) => Vem de uma
colectividade. O Direito vem de uma sociedade, no entanto, uma sociedade não é uma
coletividade. Logo, para existir Direito Internacional, basta existir uma sociedade
internacional.
=> Por uma questão de coerência, admite-se que a sociedade é um conjunto de indivíduos que
estabelecem relações entre si, que por sua vez, são reguladas pelo Direito. (na perspetiva
coletivista é quase impossível defender o plano internacional- para se aceitar o plano
internacional é necessário que não exista plano interno e para o individualista, aceitar a existência
do plano internacional pressupõe aceitar o plano interno).
Conclusão céptica
• Legalismo: o Direito é criado por um aparelho constituído pela sociedade que tem por função,
especificamente, criar Direito, através das decisões de uma assembleia, isto é, através da lei.
(não há Direito sem Estado-aparelho)
• Tese Consuatudinária: não é necessário existir um tal aparelho para que exista Direito, este
pode ser espontaneamente criado pela comunidade através dos seus costumes, ou seja, há
Direito sem Estado-Aparelho, mas não há Direito sem Estado-Coletividade.
29 de Outubro de 2018
II
A norma jurídica
Os conceitos normativos
B. Obrigação e proibição
E. Normas permissivas?
A. Obrigação e proibição
• As normas têm uma de duas configurações: ou são obrigações ou são proibições. Não são
dois tipos de norma; é o próprio conceito de norma que pode assumir duas “caras” (ou duas
“tonalidades”). Falar em ‘norma’ é já falar em ‘obrigação’ ou em ‘proibição’: não tem sentido
falar em ‘norma prescritiva’ (“obrigativa”), como fazem os juristas usualmente, porque tal ou é
redundante (obrigação “obrigativa”), ou é incoerente (proibição “obrigativa”), nem tem sentido
falar em ‘norma proibitiva’, expressão igualmente usual, porque também ou é redundante
(proibição proibitiva), ou é incoerente (obrigação proibitiva). Pode dizer-se, sim, que o conceito
de obrigação e o conceito de proibição são dois conceitos normativos. O que interessa reter é
que, sempre que se fala em ‘normativo’, está a falar-se, ou de uma obrigação, ou de uma
proibição.
‘É obrigatório p’ = obrigação
‘É proibido p’ = proibição
• Por exemplo:
‘Deve-se p’ = obrigação
• Por exemplo:
• Dada esta unidade entre os conceitos de obrigação e de proibição fornecida pela noção de
‘norma’, há quem afirme que, em rigor, só há um conceito, o de obrigação, e que as proibições
nada mais são que casos de obrigação: as obrigações em sentido estrito são obrigações de
ação (de fazer) e as proibições são obrigações de omissão (de não-fazer).
‘É obrigatório p’ = obrigação
• Por exemplo:
• De acordo com este entendimento, falar em ‘norma’ e falar em ‘obrigação’ é falar na mesma
coisa: a normatividade é a obrigatoriedade, podendo ser uma obrigatoriedade positiva ou de
ação ou uma obrigatoriedade negativa ou de omissão.
• Contra, dir-se-á que o converso também pode ser dito. As obrigações nada mais são que
casos de proibição: as proibições em sentido estrito são proibições de ação (de fazer) e as
obrigações são proibições de omissão (de não-fazer).
‘É proibido p’ = proibição
• Por exemplo:
• Muito provavelmente, estamos perante um mesmo conceito que se deixa captar por intermédio
de duas linguagens diferentes. É como se tivéssemos a “língua das obrigações” e a “língua das
proibições” para falar da mesma coisa, sendo que podemos sempre traduzir o que se diz numa
das línguas para a outra.
• Note-se que p faz parte da norma (da obrigação/proibição) mas não é a norma propriamente
dita: é o conteúdo da norma (o conteúdo normativo). No caso da obrigação de prestar auxílio, a
norma propriamente dita é uma obrigação e o conteúdo é ‘prestar auxílio’. No caso da
proibição de matar, a norma propriamente dita é uma proibição e o conteúdo é ‘matar’.
↓ ↓
‘É proibido matar’
↓ ↓
• Esta distinção entre a norma propriamente dita e o seu conteúdo é muito importante. Desde
logo, porque só se vai saber se uma norma é cumprida ou incumprida por comparação entre o
que acontece na realidade e o conteúdo da norma (o que deve acontecer).
↑ (cumprimento)
Prestou-se auxílio
‘É proibido matar’
↑ (incumprimento)
Matou-se
↑ (incumprimento)
‘É proibido matar’
↑ (cumprimento)
Não se matou
Observação
• O que acontece na realidade corresponde ao inverso da proibição: não existe subsunção nos
factos na realidade (há cumprimento)-> se existe subsunção, as proibições não foram
cumpridas.
• A distinção entre norma propriamente dita e conteúdo da norma também é importante por uma
razão já vista em aulas anteriores: há quem diga que o conteúdo das normas é fixo/imutável
(em ‘É obrigatório p’/’É proibido p’, ‘p’ é uma constante) – tese da vinculação – e há quem diga
que o conteúdo das normas é solto/mutável (em ‘É obrigatório p’/’É proibido p’, ‘p’ é uma
variável) – Tese da Separação.
• Já que falamos no conteúdo das normas, é de referir que o mesmo estado de coisas (a mesma
situação, o mesmo acontecimento) não pode ser, simultaneamente e sob o mesmo ponto de
vista, o conteúdo de uma obrigação e o conteúdo de uma proibição (não pode ser obrigatório e
proibido): se é obrigatório, então não é proibido, e, se é proibido, então não é obrigatório.
Obrigação e proibição são conceitos incompatíveis.
• Mas não são contraditórios. Porquê? Porque o mesmo estado de coisas (a mesma situação, o
mesmo acontecimento) pode ser, simultaneamente e sob o mesmo ponto de vista, não-
obrigatório e não-proibido: se não é obrigatório, pode não ser proibido também, e, se não é
proibido, pode não ser obrigatório também. Se houvesse contradição, não ser obrigatório
implicaria ser proibido e não ser proibido implicaria ser obrigatório.
• Como se vê, para além de obrigação e proibição, há que conceber a não- obrigação (a
desobrigação) e a não-proibição (a permissão). A desobrigação é a ausência de uma obrigação
e a permissão é a ausência de uma proibição.
Observação
• É certo que se pode dizer que a desobrigação é a permissão de não-fazer. Mas, ao falar-se em
‘permissão de não-fazer’, está a adotar-se a linguagem das proibições: a obrigação é a
proibição de não-fazer e a ausência desta é a permissão de não- fazer. Mas, se nos
mantivermos na linguagem das obrigações, temos de conceber uma coisa que não é uma
permissão, isto é, que não é a ausência de proibição mas a ausência de obrigação.
• Por que razão há quatro figuras? Por que razão não há apenas algo do género ‘é ou não é’?
Porque as frases normativas não são frases “normais”: são frases cujo conteúdo são outras
frases.
• As frases “normais” são frases simples e, nestas, sim, há algo do género ‘é ou não é’: é o que
se passa, por exemplo, entre as frases ‘O João é simpático’ e ‘O João não é simpático’. De
uma maneira geral, é o que se passa entre ‘p’ e ‘não-p’.
• Mas nas frases normativas passa-se algo de mais complexo. Por exemplo, a frase ‘É
obrigatório que o João seja simpático’ tem por conteúdo o facto de o João ser simpático. Se
‘Ob’ simbolizar a obrigação propriamente dita, há uma obrigação de p quando se acrescenta
‘Ob’ a ‘p’: ficamos com ‘Ob(p)’. O que está dentro dos parêntesis é o conteúdo da norma.
• E se o conteúdo da obrigação for ‘não-p’? Ficamos com ‘Ob(não-p)’. Por exemplo, juntamos a
qualidade de ser obrigatório à frase ‘O João não é simpático’ e ficamos com ‘É obrigatório que
o João não seja simpático’. Já vimos que isto é o mesmo que ser proibido o João ser
simpático.
• Ora, entre ‘p’ e ‘não-p’ há algo do género ‘é ou não é’ (há uma relação de contradição) mas
entre ‘Ob(p)’ e ‘Ob(não-p)’ já não há algo do género ‘é ou não é’ (não há uma relação de
contradição). O facto de estarmos perante frases que têm outras frases no seu conteúdo faz
com que tudo seja diferente relativamente às frases “normais”.
• Mas, assim como ‘p’ tem a sua negação, ‘não-p’, também ‘Ob’ tem a sua negação, ‘não-Ob’.
Peguemos em ‘Ob(p)’; por exemplo, ‘É obrigatório que o João seja simpático’: a sua negação é
‘não-Ob(p)’, no caso, ‘Não é obrigatório que o João seja simpático’.
• E o mesmo acontece com ‘Ob(não-p)’, ‘É obrigatório que o João não seja simpático’: a sua
negação é ‘não-Ob(não-p)’, no caso, ‘Não é obrigatório que o João não seja simpático’.
• Como se vê, já há algo do género ‘é ou não é’ entre obrigação e não-obrigação – entre ‘Ob(p)’ e
‘não-Ob(p)’ – e entre proibição e não-proibição – entre ‘Ob(não-p)’ e ‘não-Ob(não-p)’.
• Por existirem estas quatro hipóteses, há mais do que uma relação existente: enquanto entre ‘p’
e ‘não-p’ só há a relação de contradição, entre as frases normativas há outras. O chamado
‘quadrado da oposição’ serve para ilustrar essas relações (tornando-as mais visuais).
Ob(p)_________Ob(não-p)
• Depois, desenha-se outra linha, abaixo, entre não-proibição (permissão) e não- obrigação
(desobrigação):
Não-Ob(não-p)_________Não-Ob(p)
• Por fim, unem-se os extremos de ambas as linhas, com duas linhas verticais:
• As linhas verticais representam relações de implicação: por exemplo, ser obrigatório prestar
auxílio implica que seja pelo menos permitido prestar auxílio. No fundo, estar-se-á a dizer que,
para ser obrigatório, não pode ser proibido (ainda a incompatibilidade).
• Assim, por exemplo, uma coisa é ser obrigatório não-prestar auxílio e outra coisa é não ser
obrigatório prestar auxílio: no primeiro caso, temos uma proibição, que é (apenas) incompatível
com a obrigação de prestar auxílio (não podem existir ambas simultaneamente); no segundo
caso, temos uma desobrigação, que é contraditória com a obrigação de prestar auxílio (não
podem existir nem podem inexistir ambas simultaneamente). No primeiro caso, ainda há norma;
no segundo, já não há.
Observação
E. Normas permissivas?
• Como disse, a permissão constitui a mera ausência de proibição. Por exemplo: se não é
proibido andar na rua, então tal constituirá uma permissão. E não é preciso norma para isso.
Aliás, as normas são cumpridas ou incumpridas mas não tem sentido dizer que uma permissão
foi cumprida ou incumprida.
• O problema surge quando, supostamente, é mesmo preciso emitir uma tal permissão,
nomeadamente, para que deixe de existir uma proibição. Quem defenda que existem normas
permissivas, está a pensar nesses casos. Por exemplo, nas normas revogatórias (que são as
que fazem com que deixem de existir normas): sabemos que existe a norma ‘É proibido matar
pessoas’ e, para que a mesma deixe de existir, é preciso que exista a norma ‘É revogada a
proibição de matar pessoas’. Temos aqui uma norma e que é, diz-se, uma permissão.
• Mas pergunto se ‘É revogada a proibição de matar pessoas’ é o mesmo que ‘É permitido matar
pessoas’. A minha resposta é negativa: a permissão de matar pessoas é a consequência de ter
sido revogada a proibição de matar pessoas. Uma vez eliminada a norma proibitiva do
homicídio, a situação resultante é a de ausência da proibição do homicídio.
• Mas e quando se estabelece, por exemplo, que é permitido que os cães entrem em parques e
jardins com trela? Este ‘estabelecer a permissão’ é o quê? Só pode ser uma norma permissiva,
dir-se-á.
• Há nova defesa. Para isso, há que começar por notar que, daquela permissão, infere-se, a
contrario, que é proibido que os cães entrem em parques e jardins sem trela. Aliás, a norma
originária será, precisamente, ‘É proibido que os cães entrem em parques e jardins’, sendo
aposta uma exceção para o caso de entrarem com trela. Por isso, no fundo, ao estabelecer-se
que é permitido que os cães entrem em parques e jardins com trela, está a proibir-se a entrada
de cães em parques e jardins exceto se tiverem trela. Estamos perante uma norma porque
estamos perante uma proibição, não uma permissão.
Observação
• Normas revogatórias (normas de extinção): fazer com que deixem de existir outras normas
(elimina obrigações ou proibições).
• Há normas que conferem poder- permitem fazer- logo, os juristas admitem que são
permissivas. Ou seja, não são permissões, mas normas potestativas: normas que atribuem
poderes:
• Obrigações ou proibições.
• Atribuição de poder. (em rigor, não é uma norma, mas um mecanismo, tal como as
normas revogatórias)
• Há mais uma razão para os juristas, habitualmente, considerarem que existem normas
permissivas (que as permissões – pelo menos algumas – não são uma mera ausência de
norma). O raciocínio é mais ou menos este: há normas que atribuem poder; poder fazer algo é
ter uma permissão; logo, há normas que atribuem permissões.
Esta última categoria [a das normas ou regras permissivas] é a mais contestada. Para alguns só
aparentemente há regras permissivas. Estas mais não seriam que uma outra face, ou um
subproduto, das categorias anteriormente referidas [obrigações e proibições], ou pelo menos uma
restrição a uma proibição preexistente.
Mas não é assim. As permissões não são necessariamente recíprocas de proibições, e mesmo
quando o sejam a regra permissiva é independente da outra (...).
Como modalidade das regras permissivas temos as regras permissivas/subordinantes, que são
aquelas em que a permissão dada a uma pessoa tem como contrapartida necessária a sujeição,
imposta a outra, das consequências daquele agir. É o que se passa nas regras que atribuem os
chamados direitos potestativos (…).
• No mesmo sentido vai Baptista Machado:
Mas a ordem jurídica, além de ordenar e proibir, também permite ou autoriza certos
comportamentos. Não se trata apenas da atitude negativa de não ordenar nem proibir, por forma a
justificar a conclusão de que tudo o que não é proibido é permitido; trata-se de positivamente
conceder poderes ou faculdades, de pôr o exercício de um poder jurídico nas mãos dos
particulares, ou de conferir direitos. Por isso também se poderiam designar as correspondentes
normas como normas dispositivas, normas de autorização ou normas concessivas.
• Estes autores estão a tomar as “normas” que atribuem poderes – as normas potestativas – por
supostas normas que atribuem permissões. Esta confusão tem origem na ambiguidade da
palavra ‘poder’: esta palavra tanto pode designar a liberdade para agir (o poder agir, poder
fazer) como pode designar um título de autoridade (ter o poder, ter poder sobre outrem). A
mesma palavra designa coisas diferentes. Relativamente a isto, é de ver as páginas 186 e 187
do livro de Bobbio O Positivismo Jurídico.
- Por exemplo: Se não é proibido andar na rua, então tal é permitido: como não foi criada
nenhuma proibição de sair à rua, podemos sair à rua. Algo diferente é conferir à Assembleia da
República o poder para legislar; ou aos tribunais o poder para julgar; ou aos indivíduos o poder
para celebrar contratos. Sem esse poder (direito potestativo, dirão alguns), a lei da AR, os
julgamentos dos tribunais e os contratos celebrados entre os indivíduos não teriam qualquer
validade: mais do que permitir legislar, julgar ou contratar, as normas potestativas em questão
fazem com que tais atos sejam mesmo atos de legislar, de julgar e de contratar (com as
respetivas sujeições que acarretam) – sem poder, não se está a legislar, a julgar ou a contratar
(estar-se-á, apenas, a gesticular, a falar, a dar apertos de mão, etc.). Não são apenas
comportamentos permitidos: são comportamentos válidos. Pelo menos, é isto que defendem
os teóricos do poder.
• Por isso, quando os Professores Ascensão e Baptista Machado se referem às normas que
colocam outra pessoa numa posição de sujeição (Ascensão) ou que positivamente concedem
poderes ou faculdades (Baptista Machado), não se estão a referir à atribuição de uma
permissão mas a dispositivos de atribuição de poder, isto é, de atribuição de autoridade sobre
outrem. Estão, incorretamente, a chamar as normas potestativas de ‘normas permissivas’ e,
com isto, estão, também incorretamente, a inserir no conceito de permissão o conceito de
poder (autoridade).
• Assim já se pode ver qual é o problema existente no raciocínio atrás apresentado: é verdade
que há normas que atribuem poder (poder sobre outrem) mas este ‘poder’ não é o poder fazer
algo (não é o ‘poder’ das permissões), pelo que não se pode concluir que tais normas estão a
atribuir permissões. Continua a ser verdade que não há normas permissivas.
• É de notar que estas normas potestativas não são mesmo normas, pois não obrigam nem
proíbem. Usa-se o termo ‘norma’ apenas por hábito, pois os juristas chamam ‘norma’ a tudo o
que venha em artigos de códigos e leis avulsas, mesmo que não contenham obrigações nem
proibições. São, em verdade, dispositivos ou mecanismos, como o são as “normas”
revogatórias e tantas outras. E isto é importante: nem tudo o que vem em artigos de códigos e
leis avulsas são normas (as genuínas). Isto levanta o problema de saber se o Direito é só um
conjunto de normas.
5 de Novembro de 2018
II
A norma jurídica
“Normas” que não são normas
• Os juristas designam de ‘norma’ várias coisas que não são genuínas normas. De uma maneira
geral, consideram que tudo o que aparece em diplomas legais (códigos e diplomas legais
avulsos)1 são normas. Esta é uma ideia pré- concebida que não tem justificação: nem tudo o
que aparece em diplomas legais são normas porque nem tudo são obrigações ou proibições.
São disposições, dispositivos, mecanismos, determinações, estipulações, o que se quiser
chamar.
A – Qualificações legais
• A primeira categoria de entidades que não são normas mas aparecem em diplomas legais de
que iremos falar são as qualificações legais. Sem preocupação de exaustão, vamos dividir esta
categoria em duas subcategorias: as definições legais e as classificações legais.
Artigo 14.º
Dolo
1. Age com dolo quem, representando um facto que preenche um tipo de crime, atuar
a) Valor elevado: aquele que exceder 50 unidades de conta avaliadas no momento da prática
do facto;
b) Valor consideravelmente elevado: aquele que exceder 200 unidades de conta avaliadas
no momento da prática do facto;
c) Valor diminuto: aquele que não exceder uma unidade de conta avaliada no momento da
prática do facto;
f) Chaves falsas:
III) As gazuas ou quaisquer instrumentos que possam servir para abrir fechaduras
ou outros dispositivos de segurança;
• O nosso Código Civil está cheio de definições. Veja-se, por exemplo, a definição de ‘contrato
de compra e venda’:
Compra e venda
SECÇÃO I Disposições gerais
Artigo 874.º
(Noção)
• Compra e venda é o contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro
direito, mediante um preço. Ou de ‘usucapião’:
Usucapião
SECÇÃO I Disposições gerais
Artigo 1287.º
(Noção)
• A posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso
de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo
exercício corresponde a sua atuação: é o que se chama usucapião.
• A questão que se coloca é a da validade das definições legais. O significado das palavras, tal
como a linguagem em geral, já se encontra pré-determinado por convenções sociais: estar-se-
á, agora, a alterar esse significado? Qual é a validade das estipulações linguísticas efetuadas
por via da lei? Em rigor, há duas questões diferentes a analisar:
- Portanto, o diploma legal vale como convenção linguística e não, apenas, como dicionário
jurídico (isto é, a definição não é meramente informativa, é vinculativa).
• Mas não nos podemos esquecer que estamos a falar de definições estabelecidas pela lei e que
há quem defenda que o costume é a fonte das estipulações sociais. Portanto, para já, não
coloco de parte a hipótese de ser através da prática jurídica (a prática de quem lida com o
Direito: juízes, advogados, funcionários judiciais, professores, os próprios cidadãos) que fica
estabelecido o significado (e, até, a referência) da linguagem jurídica (é habitual ouvir-se dizer ‘a
interpretação que costumamos dar é esta, é assim que deve ser entendida tal palavra’). Aliás, o
mesmo deve ser dito relativamente à linguagem em geral: há quem defenda que o significado
das palavras surge, não através de decisões em assembleia, mas do modo como as usamos
em concreto (da pragmática, como se diz).
• A outra subcategoria dentro das qualificações legais é a das classificações legais. Veja-se, por
exemplo, o artigo 203.º do nosso Código Civil:
Artigo 203.º
(Classificação das coisas)
• As coisas são imóveis ou móveis, simples ou compostas, fungíveis ou não fungíveis,
consumíveis ou não-consumíveis, divisíveis ou indivisíveis, principais ou acessórias, presentes
ou futuras.
Observação
• Classificação das coisas: as coisas são imóveis ou móveis, simples ou compostas, fungíveis ou
não-fungíveis, consumíveis ou não-consumíveis, divisíveis ou indivisíveis, principais ou
acessórias, presentes ou futuras.
• “Normas” que não são normas (diplomas legais, preleitos, disposições, estipulações).
B – Presunções legais
Acontece que, em qualquer uma das hipóteses, estar-se-á a efetuar uma presunção: uma
presunção de culpa, no primeiro caso; uma presunção de inocência, no segundo caso. Presumir
é, aqui, não sabendo quem matou o Sebastião, dar como sabido (atuar como se se soubesse)
que a Sara matou o Sebastião (presunção de culpa) ou que a Sara não matou o Sebastião
(presunção de inocência). Presumir é, de um modo geral, dar como sabido (atuar como se se
soubesse) aquilo que não se sabe.
• As presunções fazem parte do mundo jurídico, como mostra o exemplo apresentado. Estão
relacionadas com o desconhecimento da realidade e com a necessidade de tomar opções
mesmo numa tal situação de desconhecimento (isto é, sem se estar devidamente informado): o
que se optar fazer irá depender do que se presumir, e o que se vai presumir é um problema que
é resolvido pela lei. Entre nós, ficou estabelecida a presunção de inocência (na Constituição):
Artigo 32.º
Garantias de processo criminal
1. (...)
(…)
• Mas a presunção de culpa e a presunção de inocência são presunções que admitem prova em
contrário. Isto é: para interesse daquele sobre quem recai a presunção de culpa (a Sara), pode
mostrar-se que não foi essa pessoa quem cometeu o homicídio; ou, para interesse da
comunidade, pode mostrar-se que uma determinada pessoa (a Sara) matou o Sebastião. Diz-se
que, no primeiro caso, foi ilidida a presunção de culpa, e que, no segundo caso, foi ilidida a
presunção de inocência. Por isso, estas presunções, as que admitem prova em contrário,
chamam-se ‘presunções ilidíveis’. Elas vêm acompanhadas de um ‘ónus da prova’: o
interessado em ilidir a presunção tem o ónus (o encargo) de provar o contrário daquilo que é
presumido.
Artigo 1260.º
(Posse de boa fé)
1. A posse diz-se de boa fé, quando o possuidor ignorava, ao adquiri-la, que lesava o direito
de outrem.
3. A posse adquirida por violência é sempre considerada de má fé, mesmo quando seja titulada.
• Nas presunções inilidíveis, não faz diferença saber como é mesmo a realidade. É o que
acontece aqui: se alguém ficar na posse de uma coisa (que seja, por exemplo, propriedade de
outra pessoa) de um modo violento (arrancando-a das mãos, por exemplo), presume-se, sem
possibilidade de prova em contrário, que há má fé nessa posse (isto é, que se sabe que se está
a lesar o direito de outrem).
• Das presunções inilidíveis distinguem-se as ficções legais. Nestas, também não há prova em
contrário mas, diferentemente, sabe-se como é a realidade: sabe- se que aconteceu p mas
ficciona-se que não aconteceu p.
Observação
• Presunções: mecanismo que permite tomar como conhecido aquilo que é desconhecido.
Segundo o Direito português, presume-se sempre uma presunção de inocência (preferível não
punir um culpado a punir um inocente- art. 32.º, nº2, C Portuguesa: Enquanto não se encontra
o culpado, presume-se que ninguém cometeu o crime).
• O Código Civil admite que todo o ato violento é de má-fé e por isso, exige um maior período de
tempo para se assumir o usucapião- inilidível.
• Ficções legais: a lei ficciona situações que não aconteceram e reconhece a sua existência
(fictícia).
• A terceira categoria de entidades que não são normas mas aparecem em diplomas legais são
os preceitos relativos a aquisições, transmissões ou extinções de certas qualidades
juridicamente relevantes. Também dividirei esta categoria em duas subcategorias: a categoria
respeitante à aquisição, transmissão ou extinção de um determinado estatuto jurídico; a
categoria respeitante à aquisição, transmissão ou extinção de direitos.
Artigo 68.º
(Termo da personalidade)
2. (...)
3. (…)
TÍTULO II
Presidente da República
CAPÍTULO I
Estatuto e eleição
Artigo 120.º
(…)
Artigo 121.º
Eleição
1. O Presidente da República é eleito por sufrágio universal, direto e secreto dos cidadãos
portugueses eleitores recenseados no território nacional, bem como dos cidadãos
2. (...)
3. (…)
CAPÍTULO II
Aquisição da propriedade
SECÇÃO I Disposições gerais
Artigo 1316.º
(Modos de aquisição)
• O direito de propriedade adquire-se por contrato, sucessão por morte, usucapião, ocupação,
acessão e demais modos previstos na lei.
• A aquisição por contrato e por sucessão (por morte) são, em rigor, casos de transmissão: há
alguém que perde o direito de propriedade porque o transmite para outrem, que o adquire. Já a
aquisição por ocupação (de coisa sem dono) é uma aquisição propriamente dita (aquisição
originária).
• As normas possuem um âmbito de aplicação, isto é, visam incidir sobre alguma coisa. A
proibição de matar, por exemplo, aplica-se a todos os casos nos quais há oportunidade de
matar alguém. Há quatro “tipos” de âmbito de aplicação: o pessoal (a quem se dirige a norma),
o material (sobre que situações incide a norma), o espacial (em que lugares tais situações
ocorrem) e o temporal (em que momentos tais situações ocorrem).
• Mais uma vez, vamos dividir esta categoria em duas: a dos preceitos que determinam o âmbito
de aplicação; a dos preceitos que estendem ou reduzem (manipulam) esse âmbito pré-
determinado.
Artigo 11.º
Responsabilidade das pessoas singulares e coletivas
• Determina-se, aqui, que as normas criminais só se dirigem às pessoas singulares. Mas, logo a
seguir, há uma extensão às pessoas colectivas (grosso modo, empresas) do âmbito pessoal de
aplicação antes determinado:
a) Em seu nome e no interesse coletivo por pessoas que nelas ocupem uma posição de
liderança; ou
b) Por quem aja sob a autoridade das pessoas referidas na alínea anterior em virtude de
uma violação dos deveres de vigilância ou controlo que lhes incumbem.
Artigo 939.º
(Aplicabilidade das normas relativas à compra e venda)
• As normas da compra e venda são aplicáveis aos outros contratos onerosos pelos quais se
alienem bens ou se estabeleçam encargos sobre eles, na medida em que sejam conformes
com a sua natureza e não estejam em contradição com as disposições legais respetivas. Uma
dessas normas é a que está contida no art. 908.º do Código Civil:
Artigo 908.º
(Indemnização em caso de dolo)
prejuízo que este não sofreria se a compra e venda não tivesse sido celebrada.
• Assim, por exemplo, se, num contrato de troca, uma das partes anular dolosamente o contrato,
deve indemnizar a outra parte: a obrigação constante no art. 908.º aplica-se, por alargamento
do seu âmbito material de aplicação, a contratos como o contrato de troca.
• Quanto ao âmbito espacial de aplicação, temos disposições legais que o determinam, como o
art. 4.º do CP:
Artigo 4.º
Aplicação no espaço: princípio geral
factos praticados:
Artigo 5.º
Factos praticados fora do território português
a) Quando constituírem os crimes previstos nos artigos 221.º, 262.º a 271.º, 308.º a 321.º e 325.º
a 345.º;
b) Contra portugueses, por portugueses que viverem habitualmente em Portugal ao tempo da sua
prática e aqui forem encontrados;
c) Quando constituírem os crimes previstos nos artigos 144.º -A, 154.º -B e 154.º -C, 159.º a
161.º, 171.º, 172.º, 175.º, 176.º e 278.º a 280.º, desde que o agente seja encontrado em Portugal
e não possa ser extraditado ou entregue em resultado de execução de mandado de detenção
europeu ou de outro instrumento de cooperação internacional que vincule o Estado Português;
d) Quando constituírem os crimes previstos nos artigos 144.º, 163.º e 164.º, sendo a vítima
menor, desde que o agente seja encontrado em Portugal e não possa ser extraditado ou entregue
em resultado de execução de mandado de detenção europeu ou de outro instrumento de
cooperação internacional que vincule o Estado Português;
ii) Forem também puníveis pela legislação do lugar em que tiverem sido praticados, salvo
quando nesse lugar não se exercer poder punitivo; e
iii) Constituírem crime que admita extradição e esta não possa ser concedida ou seja
decidida a não entrega do agente em execução de mandado de detenção europeu ou de
outro instrumento de cooperação internacional que vincule o Estado Português;
f)Por estrangeiros que forem encontrados em Portugal e cuja extradição haja sido requerida,
quando constituírem crimes que admitam a extradição e esta não possa ser concedida ou seja
decidida a não entrega do agente em execução de mandado de detenção europeu ou de outro
instrumento de cooperação internacional que vincule o Estado Português;
g) Por pessoa coletiva ou contra pessoa coletiva que tenha sede em território português.
2. A lei penal portuguesa é ainda aplicável a factos cometidos fora do território nacional que o
Estado Português se tenha obrigado a julgar por tratado ou convenção internacional.
• Como se vê, em certas circunstâncias, as normas criminais portuguesas são aplicáveis mesmo
fora do território português.
• Relativamente ao âmbito temporal, temos disposições legais que o determinam, como o art.
2.º, n.º1, do CP:
Artigo 2.º
Aplicação no tempo
• Em geral, as normas jurídicas só se aplicam aos factos ocorridos durante a vigência daquelas
(quando existirem tais normas). E também temos disposições que estendem o âmbito temporal,
como o número 4 do mesmo artigo:
Artigo 2.º
Aplicação no tempo
1.(…)
2.(…)
3.(…)
• Neste último caso, estamos perante aquilo que se designa de ‘retroatividade da norma penal
mais favorável’: a norma pode aplicar-se a factos ocorridos antes da sua entrada em vigor
(antes de existir), se for uma norma penal de conteúdo mais favorável para a pessoa
condenada.
Observação
1. Âmbito pessoal: aplicado a caso particulares. (ex: art. 136.º, Código Civil- Infanticídio)
2. Âmbito de aplicação material: situações que dão aso a que se aplique a norma. (ex:
art. 131.º, Código Penal- Homicídio-> aplicação)
• Artigo 11.º, nº1, Código Penal: Só a pessoas singulares são aplicadas as normas de direito
penal. (1)
• Artigo 11, nº2, Código Penal: Em certas condições, as normas também se aplicam a
pessoas coletivas (empresas). (1)
• Artigo 939.º, Código Civil: extensão das normas aplicadas aos contratos de compra e venda
aos contratos de troca.
• Artigo 4.º, Código Penal: salvo tratado ou convenção internacional em contrário, a Lei Penal
portuguesa é aplicada em território português ou a bordo de navios ou aeronaves
portuguesas. (3)
• Artigo 5.º, Código Penal: manipulação da aplicação da Lei Penal portuguesa a nível
territorial (ex: extradição). (3)
• Artigo 2.º, nº1, Código Penal: as normas aplicam-se aos factos que existem em simultâneo
com a aplicação dessa mesma norma. (4)
• Artigo 2.º, nº4, Código Penal: é possível, sobre determinadas circunstâncias, que se as
normas forem favoráveis, é possível que estas sejam aplicadas para além do seu tempo
vigente- aplicação retroativa da norma mais favorável- neste caso, ao passado. (4)
12 de Novembro de 2018
II
A norma jurídica
“Normas” que não são normas (continuação)
E – “Normas” revogatórias
• Já vimos que as chamadas “normas revogatórias” não são normas permissivas. Remeto para o
que já foi dito (aula de 29 de Outubro). Agora, quero apenas referir que as mesmas não são
sequer normas.
• Mas este é um caso diferente dos vistos na aula anterior de “normas” que não são normas.
Aqui, não temos, sequer, uma disposição não-normativa. Para se perceber o que está a ser
dito, veja-se o art. 1.º do decreto-lei que institui o atual Código Civil:
• O que temos aqui? Apenas a expressão escrita do facto de ter sido aprovado o Código Civil.
Não surge aquilo que foi aprovado, pois esse é o próprio Código Civil (com as suas normas).
Isto é totalmente diferente de tudo aquilo que analisámos até agora, mesmo das disposições
não-normativas: neste artigo, nem sequer está uma disposição não-normativa. Dito de outra
maneira: nos artigos do Código Civil, do Código Penal, etc., surge aquilo que foi decidido pelo
legislador, isto é, normas e, também, disposições legais não- normativas (o efeito); no artigo em
apreço, surge o próprio ato de decidir do legislador, aquilo que originou aquelas normas e
disposições legais não- normativas (a causa). Em suma: naquele art. 1.º, temos a decisão, não
o que foi decidido; temos a causa do Direito, não o Direito1.
Artigo 2.º
Começo da vigência
1. O Código Civil entra em vigor no continente e ilhas subjacentes no dia 1 de Junho de 1967 (...)
2. (…)
- É habitual diferir o momento a partir do qual as disposições legais aprovadas passam a existir
(a vigorar, diz-se) do momento da aprovação, de maneira a permitir uma adaptação por parte
dos destinatários: é o que se designa de vacatio legis (há sempre um mínimo, art. 5.º do
Código Civil). É isso que faz este artigo 2.º. Mas ainda estamos ao nível da decisão, não
daquilo que foi decidido.
Artigo 3.º
Revogação do direito anterior
• Desde que principie a vigorar o novo Código Civil, fica revogada toda a legislação civil relativa
às matérias que esse diploma abrange (…).
- Também aqui, não temos nada acerca de disposições normativas e não- normativas mas,
somente, acerca da sua causa. Mais propriamente, temos algo acerca da causa do
desaparecimento de normas jurídicas (e disposições não- normativas) – neste caso, do Código
Civil anterior. As “normas” revogatórias são como um desfazer: tal como as normas são
criadas, também são eliminadas.
• Portanto, as “normas” revogatórias não são mesmo normas e, mais do que isso, não são,
sequer, disposições não-normativas. Artigos como aquele artigo 3.o são acerca do ato de
decidir do legislador – no caso, decidir, não criar, mas eliminar normas jurídicas (e disposições
não-normativas) – e não acerca daquilo que é decidido pelo legislador – as próprias normas
jurídicas e as disposições legais não-normativas.
Artigo 1.º
Obrigação de p
Artigo 2.º
Presunção de q
↑
Artigo 1.º
Decisão do legislador
Artigo 1.º
Decisão revogatória do legislador
• Perguntar-se-á pela razão de ser ou utilidade de artigos como estes últimos. Esta pergunta é
ambígua: pode-se estar a perguntar ‘Qual é a razão de ser ou utilidade das decisões do
legislador?’ ou pode-se estar a perguntar ‘Qual é a razão de ser ou utilidade de publicitar isso
através do Diário da República?’. A resposta à primeira pergunta é expectável (se adotada a
perspetiva juspositivista): sem decisões do legislador, não há Direito. A resposta à segunda
também é expectável conhecendo-se a função do Diário da República: para informação dos
cidadãos de que passa a existir ou deixa de existir uma norma ou conjunto de normas (e
disposições não-normativas) – e a partir de quando passa a existir ou deixa de existir.
• Isto significa o seguinte: que “normas” como as “normas” revogatórias fazem parte de
diplomas legais se entendermos ‘diploma legal’ por ‘texto publicado no Diário da República’
mas não fazem parte de diplomas legais se entendermos ‘diploma legal’ por ‘conjunto daquilo
que foi decidido pelo legislador’.
F – “Normas” potestativas
• Havíamos falado das normas potestativas para distingui-las das permissões, pois a grande
maioria dos juristas defende que existem normas permissivas porque as confunde com as
normas potestativas. Questão diferente é a de saber se essas normas potestativas são mesmo
normas.
• O que são normas potestativas? São mecanismos de atribuição de poder. Este poder é um
poder normativo, não um poder de facto: não se trata de se ser mais poderoso, isto é, mais
forte (fisicamente, economicamente, socialmente, mentalmente, etc.), mas de ter um título de
autoridade. Por isso, há quem o designe de ‘direito potestativo’.
• O exemplo típico de um tal poder é o poder para criar Direito (que se considera pertencer ao
povo, sendo que povo + poder = Estado). Os seguintes artigos da Constituição são
manifestações da atribuição de um tal poder:
Artigo 3.º
Soberania e legalidade
1. A soberania, una e indivisível, reside no povo, que a exerce segundo as formas previstas
na Constituição.
2. (...)
3. (…)
Competência
Artigo 161.o Competência política e legislativa
Compete à Assembleia da República:
a) (...)
b) (...)
c) Fazer leis sobre todas as matérias, salvo as reservadas pela Constituição ao Governo; (…).
• O Código Civil também tem algumas normas potestativas, como a constante no art. 405.º, n.º1:
SECÇÃO I Contratos
SUBSECÇÃO I Disposições gerais
Artigo 405.o
(Liberdade contratual)
1. Dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos
contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste código ou incluir nestes as
2. (…)
- A favor da sua causa, dizem que há uma clara analogia entre as normas deônticas e as normas
potestativas.
- Primeiro, assim como às normas deônticas estão associados direitos, às normas potestativas
estão associados direitos potestativos (os poderes). E, assim como o correlato dos direitos são
os deveres, o correlato dos direitos potestativos (dos poderes) são as sujeições.
• Dizendo o mesmo de outra maneira: os direitos são suscetíveis de respeito ou desrespeito mas
os poderes não. Por exemplo: ao cumprir-se o dever de não-matar alguém, estar-se-á a
respeitar o direito à vida dessa pessoa; mas não tem sentido dizer que o poder da Assembleia
da República para criar Direito é respeitado ou desrespeitado (por aqueles que estão sujeitos
ao que ela decidir criar). Ela limita-se a ter tal poder, que o exerce ou não. Já os direitos,
exercem-se ou não se exercem e, para além (antes) disso, são ou não são respeitados. Com os
direitos potestativos e as sujeições, “é tudo muito mais automático”. Com os direitos “normais”
e os deveres, “é tudo muito mais normativo”.
• Por outro lado, quem cumpre a norma deôntica é quem tem o dever, não quem tem o direito
(mesmo quando se exerce o direito à vida, não se está a cumprir a proibição de matar, embora
se esteja a forçar um tal cumprimento), enquanto quem “cumpre” a norma potestativa é quem
tem o poder, não quem tem a sujeição (exercer o poder é, precisamente, “cumprir” a norma
potestativa). Isto é: o “cumprimento” de uma norma potestativa resulta, sempre, do exercício
do poder, enquanto nem todo o cumprimento de uma norma deôntica resulta do exercício de
um direito, pois esse cumprimento pode ser voluntário (pode não ser preciso forçar o respeito
pelo direito).
• Segundo, é verdade que se pode falar em subsunção também para as normas potestativas
porque estas têm, igualmente, conteúdo: por exemplo, a “norma” que atribui poder ao povo
para criar Direito – ‘O povo tem o poder (a autoridade) para criar Direito’ (na redação da nossa
Constituição, ‘O poder político [público] pertence ao povo’) – tem por conteúdo ‘criação do
Direito’. Há subsunção quando, de facto, é criado Direito.
• Mas há (grandes) diferenças. Desde logo, não há o equivalente da ‘proibição’. Embora haja
obrigações de não-fazer, as proibições, não tem sentido falar em poder para não-fazer: é
atribuído poder, precisamente, para fazer (o que não se consegue fazer sem esse poder). É
certo que podemos falar em normas potestativas, não de criação, mas de eliminação
(revogação) do Direito: mas eliminar Direito não é um não-fazer, é desfazer o que se fez.
• Por isso, enquanto, relativamente às normas deônticas, há casos (as proibições) nos quais a
subsunção não está ligada ao cumprimento da normas mas, sim, ao seu incumprimento,
relativamente às normas potestativas, a subsunção está sempre ligada à correspondência com
a norma.
• Por outro lado, não há verdadeiramente aplicação das normas potestativas. Não há âmbito
pessoal de aplicação porque o “destinatário” da norma já está previsto no próprio conteúdo da
norma. E não há âmbito material de aplicação porque não faz sentido depender a suposta
aplicação da norma da “oportunidade para criar Direito”. Pode estar instituída uma
circunstância para legislar (as reuniões plenárias da nossa Assembleia da República, por
exemplo) mas isso não é o mesmo que existir circunstâncias que “pedem” naturalmente pela
aplicação da norma potestativa.
• Muitos autores avançam com uma terceira manifestação da analogia existente entre normas de
dever e normas de poder: assim como o incumprimento de uma norma deôntica acarreta uma
sanção, que é a reação devida a esse incumprimento, a não-correspondência com uma norma
potestativa acarreta uma “sanção”, a invalidade.
• Mas estar-se-á a dizer que, assim como às normas deônticas estão associadas sanções como
reações à ilicitude, às normas potestativas está associada a invalidade como reação à
invalidade e isto simplesmente não tem sentido. A sanção é distinta da ilicitude (é a reação
devida à ilicitude) mas a invalidade não é a reação devida à não-correspondência, pois é a
própria não- correspondência.
(incumprimento/ilicitude)
‘É atribuído poder ao povo (mas exercido pela AR) para fazer Direito’ (norma potestativa)
• Portanto, as normas potestativas não são verdadeiras normas, pelo que não temos de estender
a noção de ‘norma’ para além das obrigações e proibições. Elas são, inclusivamente, pré-
normativas, pois estabelecem as condições (extra) para que existam obrigações e proibições.
• Para que servem as “normas” potestativas? Não são suficientes as verdadeiras normas, as
obrigações e proibições? Qual é a sua função? A resposta imediata é: para conferir poder. Mas
a pergunta mantém-se: afinal, por que razão é atribuído poder? Qual é a necessidade de uma
tal atribuição?
• A resposta só pode ser esta: porque, sem tal, não se produz o efeito desejado, a existência de
Direito (de normas jurídicas). Mas, então, perguntar-se-á: não basta querer que seja proibido
matar para ser proibido matar? Não temos nós, afinal, a capacidade para criar normas? Não
somos nós criadores do mundo normativo? Não é isso que diz o juspositivismo?
• De onde vem esta perspetiva? Pois bem, é o juspositivismo a admitir as suas próprias
insuficiências: aceita-se que o homem não consegue, pelos seus próprios meios, criar
obrigações, definições, presunções, ficções, atribuições de estatuto e de direitos, etc. – não
somos deuses, com capacidade de criar a partir do nada. A nossa capacidade limita-se à de
intervir no que já existe, operando alterações ou transformações: não conseguimos constituir
coisa alguma.
• Mas o juspositivismo não precisa de desistir a favor do jusnaturalismo. E é aqui que “entram em
cena” a noção de ‘poder’ e a noção a ela associada de ‘norma potestativa’: são recursos
daquilo que podemos designar de ‘neo- juspositivismo’ ou ‘juspositivismo reformulado’. Trata-
se de salvar a perspetiva juspositivista, não obstante o reconhecimento das insuficiências do
juspositivismo tradicional (dado o reconhecimento da incapacidade de criar normas). De acordo
com este juspositivismo reformulado, é ainda o homem quem cria o Direito; o Direito ainda vem
da sociedade, não da natureza. Mas precisa de algo mais para além das suas capacidades:
precisa de poder (de um direito potestativo).
• Portanto, para esta nova perspetiva juspositivista, às fontes sociais do Direito (lei, costume ou
jurisprudência) há que acrescentar a fonte do poder jurídico, uma norma potestativa.
• Assim, de acordo com o juspositivismo tradicional, a fonte social é suficiente para causar
normas jurídicas:
• Mas surge um dos principais problemas com esta perspectiva: a norma potestativa é, ela
própria, positiva ou natural? A sua fonte é social? Autores como Kant só concebem que a
criação do Direito assente numa norma potestativa natural, que não é, ela mesmo, criada. É
que, se tiver origem na sociedade, coloca-se o mesmo problema que o juspositivismo
reformulado enfrentou: para criar a norma potestativa, é preciso ter poder.
• É este problema que se coloca relativamente ao poder constituinte, isto é, ao poder para criar a
Constituição, nomeadamente, para criar as normas potestativas que estão na Constituição: é
preciso que uma norma potestativa pré-constitucional confira esse poder. E esta norma
potestativa pré- constitucional é, ela própria, criada? Há uma resposta habitual: sim, através de
um contrato social (é mais ou menos isto que defende Rousseau em O Contrato Social). Mas,
para celebrar um contrato que possa produzir os seus efeitos, há que ter o poder para isso.
Voltamos ao mesmo sítio.
• Portanto, parece haver uma certa contradição: por um lado, mantém-se a perspetiva
juspositivista, não se deixando que o reconhecimento da incapacidade para criar normas
descambe no jusnaturalismo; por outro lado, ter-se-á de se admitir que a fonte do poder é,
afinal, natural.
• Mas há, creio, um problema maior. Tentemos perceber a natureza deste poder: o que é ele?
Conseguimos definir este ‘poder’ sem ser por referência àquilo que se pretende com a sua
atribuição, que é a de legitimar certas fontes? Na minha opinião, não. O poder de facto, físico
ou mental, económico ou meramente social, conseguimos identificá-lo onde quer que exista.
Mas este suposto poder normativo não é “palpável”; aliás, tudo o que sabemos dele é que está
aí para conferir legitimidade. Por isso, não posso deixar de ver neste poder normativo a mera
transposição do poder de facto para o domínio normativo, uma legitimação das relações de
domínio que existem dentro de uma sociedade.
• Julgo (acompanhando, em grande parte, o que diz Michel Foucault em Vigiar e Punir) que há
uma história das relações sociais de poder: é a história de como quem quer ter um ascendente
sobre os outros avança com estratégias para conseguir isso.
• Se, algures nos alvores da humanidade (ou da civilização), os mais fortes dominavam os mais
fracos, passou a ser necessário, a partir de um certo estágio civilizacional, ser-se mais
engenhoso para alcançar a mesma situação de domínio ou controlo.
• Várias críticas foram feitas ao imperativismo. Desde logo se pergunta pela razão de só as
ordens do rei serem normas (jurídicas). Se a pessoa que “ocupa” esse “cargo” não é mais
especial do que as restantes (e houve quem tentasse demonstrar que é: é de lembrar as
noções de ‘rei-Deus’ e ‘rei-Sol’), então as ordens de qualquer pessoa são normas jurídicas. Se
não o são, então algo está errado com o imperativismo.
• A segunda grande estratégia consistiu em associar uma concessão especial ao autor das
normas jurídicas. De início, esta foi uma estratégia ainda usada para justificar as monarquias
absolutistas: o rei tem o poder, que é um seu privilégio, de fazer aparecer e desaparecer as
normas jurídicas. Num primeiro momento,defendeu-se que a fonte dessa concessão era divina:
o poder para legislar teria sido concedido por Deus. Num segundo momento, e de modo a ir ao
encontro das reivindicações de democracia então emergentes, defendeu-se que o poder era
transmitido pelo povo (titular originário) ao rei (veja-se Hobbes). Mas o titular do poder ainda
seria o monarca (quando morre, passa para os seus herdeiros).
• Esta segunda estratégia foi “aproveitada” pela classe que quis acabar com os privilégios de reis
e nobres, a burguesia. Mas tornou-se mais sofisticada. Lembrando, a burguesia era constituída
pelos membros abastados do povo: era a burguesia quem detinha o poder (domínio)
económico na comunidade. Faltava concretizar esse ascendente económico num ascendente
político- jurídico. Para isso, a burguesia assumiu-se como o paladino da democracia, contra o
velho paradigma aristocrático: a recuperação do antigo ideal grego a ela se deveu. Porém, o
que quis foi apropriar-se dos privilégios da nobreza.
• O que a estratégia burguesa trouxe de novo foi a cisão entre titularidade e exercício do poder. É
aqui que está o engenho. O povo é o titular originário do poder e este é intransmissível (para
não ir parar ao monarca). Mas o exercício do poder cabe, não ao povo, mas a apenas alguns. E
o exercício noutras “mãos” que não as do povo está quase tão indisponível à liberdade do povo
como estava a transmissão do poder para o monarca em Hobbes. Agora, no máximo, deixa- se
que se escolha quem vai “exercer” o poder por nós (há liberdade de estipulação, não de
celebração).
• Mas, ainda aqui, há uma ilusão de liberdade: a burguesia erigiu o sistema de maneira a que só
as elites burguesas pudessem fazer parte dos “representantes” do povo. Só quem reunia certos
requisitos poderia ser eleito. Com novos movimentos de reivindicação democrática, estes
grupos de elite abriram-se às massas e converteram-se naquilo que hoje são os partidos
políticos. Mas o princípio elitista mantém-se, se bem que descaracterizado (até os anti-
burgueses – leia-se, os comunistas – entraram no “jogo” dos partidos e das eleições, isto é, no
“jogo” do poder).
• Em suma: o sistema implementado tem a aparência de uma democracia mas continua a ser
aristocrático. Aliás, esta “democracia representativa” – também conhecida por ‘democracia
liberal’ (ou burguesa, é o mesmo) – sempre foi historicamente chamada de ‘aristocracia eletiva’:
no fundo, as eleições constituem uma mera formalidade para “confirmar” os pré-escolhidos. E
continua a ser a noção de ‘poder’ (e de ‘norma potestativa’, que faz dispensar o recurso a uma
fonte divina do poder) aquilo que “alimenta” esse sistema.
• Com o que disse, não me estou a aliar a Rousseau, que se opôs veemente a que pudesse
haver representação do povo. Podemos levar a sério a ideia de ‘representação’ mas sem
aceitar a ideia de ‘exercício do poder’. À perspetiva do poder, que é a do domínio, opõe-se a
perspetiva do dever: podemos ver na assunção de cargos representativos apenas uma tarefa
ou um ministério (no sentido originário da palavra), sendo que a representação político-jurídica
decorrerá de uma divisão de tarefas, mais especificamente, da divisão entre trabalho privado e
trabalho público.
• Portanto, não me oponho ao entendimento de acordo com o qual, para haver coordenação,
tem de haver um coordenador, isto é, alguém que fixe as referências (comuns, partilhadas) de
comportamento. O “legislador” não passa disso mesmo, de um coordenador. Apenas nego que
o coordenador esteja a exercer um poder.
Observações
• Código Civil: Artigo 1: é aprovado o código civil que faz parte do presente decreto (Aprovação
do Código Civil)
↓ ↓
Direito Fonte
Jurídico Direito
• O artigo 1º do Código Civil é a informação da decisão de praticar Direito (em rigor, o Código
Civil não é vigorado instantaneamente, mas sim, um pouco depois- vacatio legis).
↓ ↓
• Artigo 3º, Código Civil: (Revogação do direito anterior) Desde que principie a vigorar o novo
Código Civil, fica revogada toda a legislação civil relativa às matérias que esse diploma
abrange, com ressalva da legislação especial a que se faça expressa referência.
• Revogação tácita ou implícita: quando a nova norma vigente entra em vigor e é incompatível
com a anterior (Naturalismo: a incompatibilidade não permite a coexistência). Ex: “a pena
máxima para homicídio é 20 anos.” E “a pena máxima para homicídio é de 16 anos.”; “é
proibido matar” e “ é obrigatório matar”. (um conjunto de normas é incompatível com outro
conjunto de normas).
• O artigo 1.º e o artigo 3.º funcionam como publicidade: algo muito solene passou a existir ou
deixou de existir. Funciona como um anúncio do Diário da República.
• Os juristas defendem que para além de normas de dever (proibição e obrigação), existem
normas que atribuem poder.
Norma
↓ ↓
(capacidade/autoridade
para fazer Direito- normas)
• A titularidades poder pertence ao povo, mas quem o exerce são os deputados da AR (elegidos
pelo povo). Os deputados representam o povo no exercício do poder.
Constituição
↓ ↓ ↓
↓
- Normas Potestativas
- Valores Jurídicos
• É o capítulo jurídico da Constituição portuguesa que confere o poder necessário para se fazer
Direito.
• Os valores jurídicos definem que as normas potestativas que estão em desacordo com o
catálogo de direitos, liberdades e garantias não são válidas (Tese da Vinculação)
Proibição de matar
↓ ↓
- Direitos: - Deveres:
(Reivindicação ou - Dever de não matar por parte
exercício do Direito) de B.
- Direito à vida de A.
Norma Potestativa
↓ ↓ ↓
de poderes) - Sujeição de
Quem cumpre
as normas po-
tentativas
• Para além do desejo de criar normas, é necessário também a existência do poder. Para criar
uma norma é necessário decisão e poder.
Código Civil
Artigo 23.º
1. A lei estrangeira é interpretada dentro do sistema a que pertence e de acordo com as regras
interpretativas nele fixadas.
Artigo 348.º
(Direito consuetudinário, local, ou estrangeiro)
1. Àquele que invocar direito consuetudinário, local, ou estrangeiro compete fazer a prova da
sua existência e conteúdo; mas o tribunal deve procurar, oficiosamente, obter o respetivo
conhecimento.
2. O conhecimento oficioso incumbe também ao tribunal, sempre que este tenha de decidir com
base no direito consuetudinário, local, ou estrangeiro e nenhuma das partes o tenha invocado, ou
a parte contrária tenha reconhecido a sua existência e conteúdo ou não haja deduzido oposição.
Normas:
• Deônticas
• Potestativas
Correspondência/não-correspondência
• Direitos e deveres
• Poderes e sujeições
Sanções:
• Reação ao ilícito
• Invalidade
19 de Novembro de 2018
II
A norma jurídica
Observação
• Sabendo que só obrigações e proibições podem ser normas, há que saber o que é uma norma.
Para isso, há que saber quais são as características comuns a todas as normas.
Violabilidade
Imperatividade
Generalidade
Abstração
• O que é a generalidade? A generalidade refere-se aos destinatários das normas, como quem
diz, ao seu âmbito pessoal de aplicação. Podemos dizer que se trata da aplicação igual da
norma: se não há razão para descriminar, não se descrimina (princípio da igualdade). A
generalidade é a aplicação da norma a todos os indivíduos que possuem uma determinada
característica relevante para essa mesma aplicação. Por isso, fala-se em ‘todos os x’s’ e não
em ‘fulano tal’. Como quem diz: há generalidade quando se refere uma categoria ou uma classe
de pessoas e não o nome de uma pessoa (o João, a Maria, etc.).
- Exemplo de uma norma geral: ‘Ninguém deve matar’. Exemplo de uma norma
individual: ‘O João não deve matar’.
Geral:
Individual:
• Por outro lado, a redação do texto legal pode induzir em erro: pode ser usada uma
expressão como ‘todos os x’s’ para querer referir indivíduos concretos (por exemplo: ‘Todos os
ex-administradores do Banco Espírito Santo deveriam ser punidos’) ou pode ser usado um
nome de uma pessoa para querer referir uma categoria indiferenciada de pessoas (por
exemplo: ‘Marcelo Rebelo de Sousa deve cumprir o protocolo quando se encontrar com
Donald Trump’). A linguagem permite estes “jogos”.
Observação
• Ex: Marcelo Rebelo de Sousa deve cumprir o protocolo quando se encontrar com
Donald Trump. = O Presidente português deve cumprir o protocolo quando se
encontrar com o Presidente americano.
• Responsabilidade Civil: quando uma pessoa causa prejuízo a outra, o sujeito deverá
indemnizar o lesado. Refere-se a determinadas pessoas, uma classe e não a um indivíduo.
(todas as pessoas que causam prejuízo a outras).
1. Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer
disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado
2. (…)
• O âmbito material de aplicação das normas consiste nas situações nas quais há a
oportunidade para cumprir/incumprir a norma. O termo ‘oportunidade’ significa mais do que
‘possibilidade’. Por um lado, é uma possibilidade dadas as circunstâncias, não apenas uma
possibilidade em abstrato.
Geral:
Individual:
• De qualquer modo, tanto a generalidade como a abstração não são características das
normas mas, sim, da aplicação das normas à realidade concreta. As normas aplicam-se a uma
classe de indivíduos (não a indivíduos determinados) e aplicam-se a uma classe de situações
(não a situações determinadas). Os juristas tomam a generalidade e a abstração por
características das normas porque tomam, mal, o esquema de aplicação da norma – a estrutura
‘previsão-estatuição’– como sendo a própria norma – afirmam que essa estrutura ‘previsão-
estatuição’ é a estrutura da norma.
Proposições condicionais
p →q
Se p Então q
• Condição = • Resultado =
Antecedente Consequente
Ɐx [O(x) → D(x)]
Ɐx [O(x) → D(x)]
Ɐx [O(x) → não-D(x)]
Ɐx [O(x) → D(x)]
Silogismo Judiciário
• Ɐx = a, b, c, etc.
• Premissa maior: Se a Vânia tiver a oportunidade de prestar auxílio, então a Vânia deve prestar
auxílio.
Normas Derivadas
Ɐx [não-p(x) → S(x)]
Ɐx [não-p(x) → S(x)]
Ɐx [p(x) → S(x)]
Ɐx[p(x)→S(x)]
Ɐx[p(x)→S(x)]
II
A norma jurídica
Características gerais das normas Necessidade e violabilidade
1. Introdução
• Na aula anterior, vimos que a generalidade e a abstração não são características das normas
mas, sim, do seu âmbito de aplicação: não são as normas que são gerais e abstratas ou
individuais e concretas mas, sim, a sua aplicação a pessoas e situações. Também vimos que a
abstração é a generalidade para o âmbito material de aplicação – para a aplicação da norma a
situações de facto (àquilo que acontece na realidade).
• Pois bem, com isso ficámos a saber quais é que não são as características das normas. Mas
falta-nos saber o que realmente queremos saber: o que são as normas, através enunciação das
suas características essenciais. Pois bem, elas são duas: a necessidade e a violabilidade. As
normas caracterizam-se por haver nelas tanto necessidade1 como violabilidade. Aliás, a chave
para perceber o que são as normas consiste em perceber como é que essas duas
características coexistem naquelas. Isto, porque, as normas são casos de necessidade violável:
no fundo, esta é a sua grande característica.
2. Necessidade
• A palavra ‘necessidade’ é ambígua: tem vários significados. Aristóteles, num livro chamado
Metafísica, alerta-nos para isso:“Chama-se ‘necessário’:
1. àquilo sem o qual, por ser condição, não se pode viver (por exemplo, respirar e comer
são necessários para um animal, pois sem elas é impossível que exista).
2. e também àquelas coisas sem as quais o bem não pode existir ou produzir-se, ou o mal
não pode suprimir-se ou desaparecer (por exemplo, tomar o remédio é necessário para não estar
doente, e o viajar a Egina para cobrar o dinheiro).
3.(…)
4. Para além disso, o que não pode ser de outro modo do que é, dizemos que é
necessário que seja assim”.
• Por exemplo: não se pode dizer que ‘Comer é necessário para viver’ significa o mesmo
que ‘Comer é inevitável’ – pois sempre é possível não comer. Nem que ‘Todos morremos
necessariamente’ significa o mesmo que ‘É indispensável morrer’ – por que razão seria
preciso morrer?
3. Obrigatório= necessário
• Em qual dos dois sentidos é a necessidade uma característica das normas? Vai ser aquele que
for compatível com a segunda característica das normas, a violabilidade.
• Antes de prosseguir analisando o que seja isso da violabilidade, há que dizer que, quando se
afirma que a necessidade é uma característica das normas, está a afirmar-se que, nas frases da
forma ‘É obrigatório p’, se pode substituir ‘obrigatório’ por ‘necessário’, ficando-se com ‘É
necessário p’: ser obrigatório p’ = ser necessário p. Se p é obrigatório, então tem de acontecer
p, não há alternativa a p.
4. Violabilidade
• Suponhamos que é obrigatório prestar auxílio (em certas circunstâncias). Desde logo, isso é o
mesmo que ser necessário prestar auxílio. Ou seja: tem de se prestar auxílio, não há alternativa
a isso.
• Mas isso significa que é inevitável prestar auxílio? É certo que se presta auxílio? Não: mesmo
sendo obrigatório prestar auxílio, pode não ser verdade que se presta auxílio – isso pode não
acontecer. Há pessoas que não prestam auxílio quando devem.
• E suponhamos que é proibido matar. Já sabemos que isso é o mesmo que ser obrigatório não-
matar e que isto significa que é necessário não-matar. Mas isto, por sua vez, significa que é
inevitável não-matar? É certo que não se mata? Não: mesmo sendo obrigatório não-matar,
pode ser verdade que se mata – isso pode acontecer. Há pessoas que cometem homicídios
quando não o devem fazer.
• Pode dizer-se que a violabilidade consiste no seguinte: os factos podem não estar de acordo
com as normas. Ou que a realidade nem sempre é como deve ser. Ou que as normas podem
ser incumpridas.
5. Obrigatório= indispensável
• Portanto, a necessidade que é característica das normas não pode ser a necessidade enquanto
inevitabilidade: a inevitabilidade é incompatível com a violabilidade. Por exemplo, se ‘É
obrigatório prestar auxílio’ significasse o mesmo que ‘É inevitável prestar auxílio’, então seria
certo que se presta auxílio, o que não é verdade. E se ‘É obrigatório não-matar’ significasse o
mesmo que ‘É inevitável não-matar’, então jamais seriam cometidos homicídios, o que não é
verdade.
• Assim, a necessidade que é característica das normas tem de ser a necessidade enquanto
indispensabilidade: ‘ser obrigatório’ significa o mesmo que ‘ser indispensável’, ‘ser preciso’ ou
‘ser imprescindível’. Só a indispensabilidade é compatível com a violabilidade.
• Por exemplo, ‘É obrigatório prestar auxílio’ significa o mesmo que ‘É indispensável prestar
auxílio’. Temos, aqui, necessidade e violabilidade: esta necessidade de prestar auxílio é
compatível com a possibilidade de, de facto, não ser prestado auxílio – mesmo sendo
preciso prestar auxílio, ainda assim as pessoas podem não prestar auxílio.
• Podemos, agora, desenvolver o que seja este ‘ser preciso’. Basicamente, trata- se de uma
condição necessária (daí falar-se em ‘necessidade’). Uma condição necessária é algo que, se
não existir, faz com que não exista outra coisa2: p é uma condição necessária de x se, sem p,
não se dá x. Por exemplo: comer é uma condição necessária de viver porque, se não
comermos, não vivemos.
Ob(p) = ¬p→¬x
• A fórmula ‘¬p→¬x’ é a fórmula das obrigações. Aí está contido o que é ser uma norma.
1. àquilo sem o qual, por ser condição, não se pode viver (por exemplo, respirar e
comer são necessários para um animal, pois sem elas é impossível que exista).
2. e também àquelas coisas sem as quais o bem não pode existir ou produzir-se,
ou o mal não pode suprimir-se ou desaparecer (por exemplo, tomar o remédio é necessário para
não estar doente, e o viajar a Egina para cobrar o dinheiro).
• Em 1), temos a indispensabilidade técnica, que tem que ver com os meios necessários para
alcançar os fins. Se queremos algo, então os meios necessários para obter aquilo que
queremos são indispensáveis. Usar esses meios surge como indispensável no sentido de que
faz parte da estratégia para obter o que queremos. Temos, aqui, aquilo que os juristas
designam de ‘norma técnica’ (Kant designou de ‘imperativo hipotético’). Por exemplo, ‘É
preciso comer para viver’ é uma norma técnica.
• Em 2), temos a indispensabilidade normativa, que não tem que ver com uma mera relação
meios-fins mas com a realização de valores. Enquanto que, na indispensabilidade técnica, o ‘x’
de ‘é preciso p para x’ é um objetivo qualquer que tenhamos, na indispensabilidade normativa,
o ‘x’ é a realização do bem (ou seja, de tudo o que é bom). É aqui que temos verdadeiramente
obrigações e proibições (Kant designou-as de ‘imperativos categóricos’). A obrigação de
prestar auxílio e a proibição de homicídio são casos de indispensabilidade normativa.
• Como se observa, para distinguir as normas técnicas das verdadeiras normas, é preciso
recorrer à tese da vinculação: as últimas estão vinculadas ao bem.
Lembrando, a tese da vinculação defende que as normas têm um conteúdo bom: se p não for
bom, então p não é obrigatório. Portanto, as normas possuem um conteúdo fixo, rígido, que lhes
é intrínseco: ser uma norma é já ter um certo conteúdo, ligado a valores3. Ora, isto corresponde
exatamente à noção de ‘indispensabilidade normativa’, isto é, àquilo que são as verdadeiras
normas. Se é concebível um tipo de indispensabilidade distinto da mera indispensabilidade
técnica, então a tese da vinculação está certa.
• Mas, se a tese da vinculação está certa, então a existência de diferentes “tipos” de valor
determina a existência de diferentes “tipos” de norma. Nomeadamente, se, para além dos
valores morais, que dizem respeito à dignidade de cada pessoa individualmente considerada,
existem os valores jurídicos, que dizem respeito à vida em sociedade, então, para além das
normas morais, que tutelam os valores morais, isto é, a dignidade de cada pessoa
individualmente considerada, existem as normas jurídicas, que tutelam os valores jurídicos, isto
é, a vida em sociedade.
• Bom, mas se existem normas jurídicas, então o idealismo jurídico também está certo: tal tese
defende que o Direito constitui um conjunto de normas, que são, precisamente, as normas
jurídicas.
II
A norma jurídica
A
Características gerais das normas
Coercibilidade
1. Introdução
• Há uma tese muito difundida no meio jurídico e, até, no senso comum não- jurídico de que as
normas se caracterizam pela coercibilidade. A coercibilidade é (definição tradicional) a
suscetibilidade de sancionar quem incumpriu (ilicitamente) uma norma. De um modo mais
rigoroso, trata-se de o incumprimento ilícito de uma norma (primária) causar o aparecimento de
uma norma sancionatória: por exemplo, se for cometido o crime de homicídio, então deve
punir-se o homicida.
• A tese da coercibilidade defende, então, o seguinte: uma norma é a relação pela qual o
incumprimento ilícito de uma norma (primária) causa o aparecimento de uma norma
sancionatória. Uma norma será a própria relação entre incumprimento de uma norma e dever
de sancionar. Daí que os seus defensores digam que as normas possuem a seguinte estrutura:
há o antecedente, que “prevê” (coloca como hipótese) o incumprimento de uma norma (mais
uma vez, dá-se o nome de ‘previsão’), e há o consequente, que “estatui” (determina) uma
sanção (mais uma vez, dá-se o nome de ‘estatuição’). Por exemplo, quanto ao homicídio:
(p → S)
• O problema com esta caracterização de norma é que aquilo que queremos definir, a palavra
‘norma’, já está na própria definição, o que não pode acontecer. Veja-se que se está a dizer que
uma norma é uma relação entre normas (norma primária, a que é violada, e norma
sancionatória) quando, precisamente, queremos saber o que são as normas (tanto as primárias
como as sancionatórias).
• Dito ainda de outro modo. De acordo com a tese da coercibilidade, ‘norma’ é ‘a suscetibilidade
de sancionar’ e ‘sancionar’ é ‘censurar o incumprimento de uma norma’: e isto é um círculo
vicioso.
4. Tese da Coação
• Diferente da tese da coercibilidade é a tese da coação. Aqui, defende-se que uma norma
consiste em a ameaçar b com um mal para o caso de b não fazer algo (coação relativa1).
Eliminou-se, no interior da definição, a referência a normas, tanto a referência ao
incumprimento de uma norma primária como a referência ao aparecimento de uma norma
sancionatória. Por esta razão, a tese da coação tem vantagem sobre a tese da coercibilidade.
• Hart, em O Conceito de Direito, alertou que uma coisa é ser obrigado a fazer alguma coisa, no
sentido de se ser forçado, e outra é estar obrigado a fazer alguma coisa, no sentido de se ter
um dever. A palavra ‘obrigado’ é ambígua, e não devemos confundir um dos seus significados
com o outro. Portanto, as normas, isto é, as obrigações, também não são casos de coação.
• Para além disso, a força das normas (a tal necessidade) não consiste no medo gerado por uma
ameaça. Aliás, uma tal força existe independentemente do que se passa na “cabeça” dos seus
destinatários: as normas obrigam mesmo quando não nos sentimos obrigados. Já uma coação
nenhuma força tem se o destinatário não se sentir coagido.
B
Características particulares das normas jurídicas
Ainda a coercibilidade
• O que estamos a querer saber, nesta parte da matéria, é o que são as normas jurídicas. Esta
inquirição tem duas partes: i) primeiro, queremos saber o que são as normas em geral (que
características essenciais têm); ii) depois, queremos saber como se distinguem as normas
jurídicas (o Direito) de outros “tipos” de norma, nomeadamente, das normas morais. Em suma:
relativamente ao significado da expressão ‘norma jurídica’, em i), queremos saber o que
significa a parte ‘norma’ e, em ii), queremos saber o que significa a parte ‘jurídica’.
• A tese da coercibilidade atrás vista é uma tese relativa ao que sejam as normas em geral, ou
seja, relativa a i). Mas também há uma tese da coercibilidade relativa a ii), isto é, para distinguir
o Direito da moral. De acordo com esta, só às normas jurídicas se encontra associada a
coercibilidade, ou seja, a suscetibilidade de sancionar incumprimentos. Dito de outra maneira: a
violação das normas morais não comporta sanção.
• Assim, agora, o esquema ‘p → S’ (por exemplo, ‘Se alguém matar outrem, então deve ser
punido’) não é o esquema das normas mas, sim, do Direito: o Direito caracteriza-se por, caso
seja violada uma das suas normas, logo surgir uma norma sancionatória. Esta tese é compatível
com a defesa de que as normas são casos de indispensabilidade, precisamente por não ser
uma tese quanto ao que sejam as normas em geral.
• Como se observa, esta tese acrescenta algo à definição de ‘Direito’ dada pelo idealismo
jurídico: o Direito é um conjunto de normas (idealismo) assistidas de sanção (tese da
coercibilidade).
6. Objeções
• Primeiro, para se saber que normas é que merecem estar associadas a sanções, temos de
saber de antemão que essas são normas jurídicas. Ou seja: precisamos de um critério para
aferir que normas estão associadas a sanções, e este critério parece ser o da própria
juridicidade dessas normas. Como tal, já estamos a distinguir as normas jurídicas das normas
morais antes sequer de falarmos em coercibilidade. Mais uma vez, temos circularidade.
• Segundo, se, por ‘sanção’, se entende ‘a censura ao incumprimento (ilícito) de uma norma’,
então qualquer “tipo” de norma merece ser assistido de coercibilidade: também tem sentido
censurar o incumprimento de normas morais. A censura é uma reação à violação das normas,
que visa fazer repercutir (de alguma maneira) no incumpridor o que este fez de errado. E isto
serve tanto para a moral como para o Direito.
• Quarto, é suficiente, para distinguir o Direito da moral, distinguir os valores que se referem à
vida em sociedade dos valores que se referem à dignidade de cada indivíduo.
• Sempre se pode dizer que temos um aparelho montado para sancionar os ilícitos jurídicos mas
não temos um para sancionar os ilícitos morais. Bem, talvez até haja: há um ambiente de
censura social “preparada” a pensar somente nos ilícitos morais. Por outro lado, o tal aparelho
montado para sancionar os ilícitos jurídicos também pode servir para sancionar os ilícitos
morais. E, mesmo que não exista, de facto, um aparelho montado para sancionar os ilícitos
morais, pode defender-se que deveria existir.
7. Também a coação para caracterizar o Direito (não foi falado nas aulas)
• Por fim, resta referir que também é habitual recorrer à noção de ‘coação’ para distinguir o
Direito da moral. Aqui, dir-se-á que o Direito se caracteriza por se associar a ameaça de um mal
à violação das normas jurídicas. Já não se está a dizer que essa violação gera o dever de
sancionar, pois não se fala em sanções nem em normas sancionatórias. Defende-se, sim, que o
Direito tem pretensões de eficácia, que a moral não tem.
• A ideia é esta. Qualquer norma é violável. Porém, de nada nos serve normas que sejam, de
facto, violadas. E isto é especialmente relevante para as normas jurídicas. Portanto, tem de se
forçar o cumprimento das normas jurídicas, nomeadamente, através de coação relativa.
• Primeiro, mais uma vez, para se saber que normas é que merecem estar associadas à
coação, temos de saber de antemão que essas são normas jurídicas. Novamente, já
estamos a distinguir as normas jurídicas das normas morais antes sequer de falarmos em
coação.
• Segundo, a própria coação pode ser vista como juridicamente má/errada: trata-se de uma
limitação injustificada da liberdade. Aliás, de acordo com o artigo 154.o do nosso Código
Penal, trata-se de um crime (“Quem, por meio de violência ou de ameaça com mal
importante, constranger outra pessoa a uma ação ou omissão, ou a suportar uma atividade,
é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa”).
3 de Dezembro de 2018
1. Introdução
• Para o jusnaturalismo, as normas jurídicas vêm da natureza ou, se não se quiser arriscar tanto,
simplesmente dir-se-á que não são criadas artificialmente por alguém. Para o juspositivismo,
pelo contrário, as normas jurídicas vêm da sociedade, sendo criadas pelos homens.
• Mas há vários tipos de juspositivismo. Como quem diz: se perguntarmos que tipo de factos
sociais produzem normas jurídicas (qual é, especificamente, a fonte social do Direito), autores
diferentes darão respostas diferentes.
a) a lei
b) o costume
c) a jurisprudência
• Os juristas designam de ‘lei’, não as próprias normas jurídicas, mas uma (hipótese de) fonte de
normas jurídicas. Estamos a falar de um tipo específico de facto social que é, potencialmente,
gerador de normas jurídicas. Que tipo de facto social é esse? São decisões de criar normas.
Isto é: há um querer intencional de fazer aparecer uma norma jurídica. Será algo da forma geral
‘A partir de agora, passa a ser obrigatório p’. Alguém decretou isso.
• Isto não acontece no costume. Aqui, não estamos perante decisões mas, sim,
comportamentos. Por isso, não há um querer com a intenção expressa de criar uma norma: ela
simplesmente vai surgindo com a prática, que se “estica” ao longo do tempo. Será algo da
forma geral ‘Tem-se feito sempre p, pelo que passa a ser obrigatório p’. Ninguém decreta isso.
I. um comportamento;
IV. que os seus participantes consideram que deve ser mantido (é a chamada ‘convicção de
obrigatoriedade).
• O requisito ii) surge por exigência do princípio democrático. O requisito iv) é que opera o “salto”
do mero hábito social para o aparecimento de uma norma jurídica.
• A terceira hipótese de fonte do Direito é a jurisprudência, isto é, a atividade dos tribunais. Pode
dizer-se que tem algo da lei e do costume. Por um lado, os tribunais “são chamados” a decidir
se sancionam ou não sancionam, se quem reivindica um direito o tem ou não, etc.. Portanto, a
jurisprudência partilha com a lei o facto de haver uma decisão. Mas essa decisão não é a de
criar uma norma jurídica. É a de resolver os casos que chegam a tribunal. Só por “extração” do
critério que orientou a decisão é que resulta a norma. Por isso, a norma jurídica surge
espontaneamente, tal como no costume.
2. Juspositivismo reformulado
• Como foi dito numa aula anterior, o juspositivismo que temos de considerar é o reformulado,
não o tradicional. Aquele admite as insuficiências deste último (aceita-se que o homem não
consegue, pelos seus próprios meios, criar normas jurídicas: não somos deuses, com
capacidade de criar a partir do nada). De acordo com este juspositivismo reformulado, é ainda
o homem quem cria o Direito: mas, para além disso, precisa de poder.
• Portanto, para esta nova perspetiva juspositivista, para que surja o Direito, à fonte social (seja
ela a lei, o costume ou a jurisprudência), há que acrescentar o poder jurídico:
• Se não existir a fonte social, não existe a norma jurídica. Mas, se não existir um poder
atribuído, também não existe a norma jurídica. Ambos – fonte e poder – são necessários para
que exista Direito. Juntos, são suficientes.
• Em Portugal, um tal poder é atribuído (ao povo) pelos artigos 3.º e 108.º da Constituição. Estes
artigos têm de ser conjugados com os artigos 147.º e 161.º, que reserva o exercício desse
poder aos representantes do povo (à Assembleia da República).
3. Factos normativo-jurídicos
• Uma das primeiras coisas que se fez nas aulas foi distinguir norma (como deve ser a realidade)
de facto (como é a realidade). Fez-se isso para caracterizar o Idealismo Jurídico (o Direito é
um conjunto de normas) e o Realismo Jurídico (o Direito é um conjunto de factos).
• Dos factos que originam normas distinguem-se os factos que estão conforme com normas.
Como quem diz: dos factos normativos (eficazes) distinguem-se os factos lícitos. A
conformidade é outra relação que os factos sociais têm com as normas jurídicas: o Direito visa
regular a vida em sociedade e, se aquilo que acontece em sociedade está de acordo com essa
regulação, então os factos sociais estão conformes com as normas jurídicas.
• A Assembleia da República decidiu que é proibido matar: facto normativo. A Manuela não
matou a Joaquina (quando tinha a oportunidade para isso): facto lícito.
• Os contratos também são factos normativos: num contrato de compra e venda, por exemplo,
gera-se o dever de entregar uma coisa e o dever de entregar o dinheiro correspondente. Não
podem, porém, ser considerados factos produtores de normas jurídicas, pois não são
celebrados ao abrigo do poder legislativo (mas, sim, da chamada ‘autonomia privada’).
• Pode ser ineficaz, isto é, pode não produzir os efeitos desejados, que é o aparecimento de uma
norma. Isto acontecerá, segundo o juspositivismo reformulado, se não houver poder/
legitimidade para fazer normas. Houve uma mera tentativa.
4. Lei ou costume?
- Os legalistas (os que defendem que só a lei é fonte do Direito) recorrem a um forte
argumento.
- Uma “boa” fonte do Direito é a que pode ser facilmente conhecida. Aliás, a
“função” das fontes é a de tornar previsíveis ou expectáveis acusações de
incumprimento de normas e consequentes aplicações de sanções (de maneira a
poder dizer-se que há uma justificação para a acusação e sanção).
- Ninguém quer ser surpreendido com a acusação de que violou uma norma jurídica
que não conhecia (nem poderia conhecer); nem ninguém quer ir para a prisão sem
estar à espera disso (por não contar que esse comportamento fosse punível).
- Todos nós temos de saber com o que contamos; temos de saber quais são as
“regras do jogo”. De outra maneira, tornar-se-ia insuportável ou mesmo
insustentável viver em sociedade. Este é o chamado ‘princípio da tutela da
confiança’.
- Ora, dizem os legalistas que é a lei, das fontes potenciais, a que (melhor) cumpre
essa função. O costume é de difícil conhecimento. Nem tem a finura da lei, no
sentido de que esta consegue definir ao pormenor, por exemplo, os critérios de
punição dos crimes (se com dolo ou com negligência, se por ação ou por omissão,
quais as causas de exclusão da ilicitude, a avaliação do grau de culpa, etc.). E isto
tudo tem de estar definido a priori. Por isso, não pode haver sanção que não esteja
instituída por lei (isso é por demais saliente no domínio penal: nulla poena sine
praevia lege). Nem pode haver ilícito que não seja consagrado através da lei (nullum
crimen sine praevia lege). O princípio da tutela da confiança converte-se no chamado
Princípio da Legalidade.
• Porque o recurso ao costume para criar normas jurídicas é típico de sistemas de democracia
direta (isto é, sistemas nos quais é o povo quem exerce o poder de que é titular) e o recurso à
lei para criar normas jurídicas é típico de sistemas de democracia indireta ou representativa
(isto é, sistemas nos quais o povo não exerce o poder de que é titular).
• Quando muito, a lei pode “reconhecer” o costume como fonte de normas jurídicas (ou mesmo
como eliminador de normas jurídicas, como no caso dos touros de morte). Mas, nestes casos,
o costume não será fonte de Direito por Lei n.º 92/95, de 12 de Setembro (com as alterações da
Lei n.º 19/2002 de 31 de Julho), determina, no seu artigo 3.º, n.º 3, que são proibidos os touros
de morte (“São proibidas, salvo os casos excepcionais cujo regime se fixa nos números
seguintes, as touradas, ou qualquer espectáculo, com touros de morte, bem como o acto de
provocar a morte do touro na arena e a sorte de varas”), sendo que, no n.º 4, prevê uma
exceção a essa proibição caso haja um costume de touros de morte (“A realização de qualquer
espectáculo com touros de morte é excepcionalmente autorizada no caso em que sejam de
atender tradições locais que se tenham mantido de forma ininterrupta, pelo menos, nos 50 anos
anteriores à entrada em vigor do presente diploma, como expressão de cultura popular, nos
dias em que o evento histórico se realize”). Portanto, aqui, a lei admite que costumes
permitam aquilo que a própria lei proíbe.
• Neste caso, o costume não será fonte de Direito por “mérito” próprio mas, somente, porque a
lei assim o determina. Diz-se, por isso, que o costume é uma fonte indireta ou mediata.
5. Jurisprudência
Artigo 110.º
Órgãos de soberania
1. São órgãos de soberania o Presidente da República, a Assembleia da República, o
Governo e
2. (…) os Tribunais.
Artigo 111.º
Separação e interdependência
1. Os órgãos de soberania devem observar a separação e a interdependência
estabelecidas na Constituição.
2. (…)
Artigo 202.º
Função jurisdicional
1. Os tribunais são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em
nome do povo.
- Se o Estado tem como tarefas principais i) criar Direito (função ou poder “legislativo”), ii)
atender às necessidades dos membros da sociedade (função ou poder político-
administrativo) e iii) julgar (função ou poder judicial), considera-se que, porém, cada uma
dessas tarefas cabe a órgãos diferentes, de maneira a evitar abusos de poder e garantindo
que cada órgão controla os outros: à Assembleia da República cabe “legislar”, ao Governo
cabe administrar e aos tribunais cabe julgar. Aos tribunais cabe tão só julgar, não criar
normas jurídicas. Portanto, não são fonte do Direito.
• Sempre se pode discutir se o princípio da separação de poderes pode ser aplicado tão
rigidamente. De facto, os tribunais não se limitam a seguir a lei, pois, quase sempre, também se
guiam pelas decisões anteriores, pelo menos dentro da mesma comarca. Há uma tendência
para respeitar os critérios a que se chegou em casos anteriores e para uniformizar a
jurisprudência. Por isso, muitos juristas admitem que a jurisprudência é uma fonte material (ou
seja, pelo que acontece de facto), não formal, do Direito.
• A palavra ‘lei’, como foi dito, refere uma maneira de produzir normas jurídicas. Também foi dito
que a função de criar Direito ficou remetida, em Portugal, para a Assembleia da República. Por
isso, em Portugal, a palavra ‘lei’ deve ser usada estritamente para referir as decisões da
Assembleia da República.
• Porém, há matérias que a Assembleia da República pode autorizar o Governo a “legislar”, nos
termos do artigo 165.o da CRP. Por isso, nestas condições, o Governo também “legisla”: em
sentido amplo, também o faz através da lei; mas reserva-se a expressão ‘decreto-lei’ para
designar a lei do Governo.
• As regiões autónomas também “legislam” para os respetivos territórios. Por isso, também
fazem normas jurídicas através da lei. Reserva-se a expressão ‘decreto legislativo regional’ para
a lei das Assembleias Legislativas Regionais.
Isto quer dizer que há decisões de certas entidades que são fonte de normas mas não de normas
jurídicas, pois não são emitidas ao abrigo da função “legislativa” do Estado. Estas são chamadas
de ‘lei em sentido material’.
• Desde logo, todas as decisões que são emitidas ao abrigo da função administrativa do Estado
são ‘lei’ em sentido material. São elas os regulamentos do governo (decretos regulamentares,
portarias e despachos normativos) e os decretos regulamentares regionais. Estas decisões não
possuem caráter jurídico: são orientações político-administrativas, definindo as necessidades a
suprir e os meios para tal. Pode dizer-se que qualquer ‘lei’ em sentido material é um
regulamento: a Constituição (112.º) distingue, precisamente, dentro dos atos normativos, os
atos legislativos dos atos regulamentares – ambos originam normas, só os primeiros originam
normas jurídicas.
• Também as posturas e regulamentos das autarquias locais (municípios e freguesias) são tidos
apenas por ‘lei’ em sentido material. Não porque deles não saiam normas jurídicas – em muitos
casos, isso acontece –, mas porque não são emitidos ao abrigo da função “legislativa” do
Estado, pois são emitidos, se produzirem normas jurídicas, ao abrigo de um poder “legislativo”
local. A CRP não considera que as autarquias sejam órgãos do Estado.
10 de Dezembro de 2018
IV Posições jurídicas
• O Direito (pelo menos, o português) faz uma distinção fundamental entre pessoas e coisas. Não
estamos a falar de pessoas biológicas nem de coisas físicas. Estamos a falar de pessoas
jurídicas e coisas jurídicas. As pessoas jurídicas caracterizam-se por poderem ser titulares de
direitos e deveres. As coisas caracterizam-se por não serem suscetíveis de ser titulares de
direitos e deveres. A ideia central é a de que as pessoas não podem ser meros instrumentos
(meios para alcançar fins) mas que as coisas sim.
• As pessoas jurídicas têm, pelo que se disse, pessoalidade (usualmente diz-se ‘personalidade’)
jurídica, que é a tal suscetibilidade de se ser titular de direitos e deveres. Também se pode falar
em capacidade jurídica. Os juristas reservam o termo ‘pessoalidade (personalidade) jurídica’
para falar da suscetibilidade em geral de se ser titular de direitos e deveres e o termos
‘capacidade jurídica’ para a medida exata dessa suscetibilidade.
• Isto, porque há que distinguir entre a capacidade para ter direitos – capacidade reivindicativa –
e a capacidade para se estar vinculado a deveres – capacidade delitual. A primeira tem que ver
com o âmbito de proteção da norma, a segunda com o âmbito de aplicação: a norma só
protege pessoas e só exige de pessoas.
• Ora, pode ser-se capaz quanto a direitos e não se ser capaz quanto a deveres. Por isso, de
maneira a dizer-se que se tem algum tipo de capacidade, sem se discriminar qual, fala-se em
‘personalidade jurídica (pessoalidade jurídica)’. Já quando se descrimina que tipo de
capacidade se tem, fala-se em ‘capacidade jurídica’. Por exemplo, um recém-nascido tem
pessoalidade jurídica mas não tem capacidade delitual. Por não ter capacidade delitual, não se
pode dizer que não tem personalidade jurídica porque, simplesmente, tem capacidade para ter
direitos.
• Por exemplo. As crianças (os menores de idade: ente nós, os menores de 18 anos)
possuem capacidade de gozo – relativamente a eles, há a suscetibilidade de se ser
titular de direitos e deveres – mas não possuem capacidade de exercício –
relativamente a eles, não há a suscetibilidade de se exercer os direitos e deveres de
que se é titular.
• Uma criança pode ser titular de um direito de propriedade (pode ser dona de coisas)
mas, se pretender reivindicar a coisa de que é proprietário em tribunal, tem de fazê-
lo através de representantes (em regra, os seus pais) – arts. 122.o a 124.o do Código
Civil. O mecanismo da representação surge quando, precisamente, existe
capacidade de gozo sem capacidade de exercício. Também para comprar e vender
coisas suas, só por intermédio dos seus representantes.
2. Fatores de capacidade/incapacidade
• Pessoa “a sério” pode ser, antes de mais, a pessoa biológica. É a pessoa em sentido
substancial: corresponde, basicamente, ao ser humano. Esta é a pessoa relevante para a
capacidade reivindicativa: as normas jurídicas protegem os humanos (ou, melhor, as
sociedades humanas), conferindo-lhes direitos (títulos de reivindicação). Neste sentido, basta
um humano nascer para ter capacidade reivindicativa (de gozo). É isto que acaba por dizer o
nosso Código Civil:
2. (...)
- Depois, pessoa “a sério” pode ser a pessoa enquanto agente. É a pessoa em sentido
relacional: aqui, é pessoa quem for capaz de agir (intervir na realidade de um modo voluntário,
isto é, de um modo intencional e livre)3. Esta é a pessoa relevante para a capacidade delitual:
as normas jurídicas aplicam-se a agentes, atribuindo-lhes deveres (e tornando-os responsáveis
por aquilo que fazem).
• Veja-se, por exemplo, o Título I da Parte Especial do nosso Código Penal, que trata dos crimes
contra as pessoas. E, claro, o art. 24.º da Constituição tutela a vida humana.
• Este é o significado tradicional de ‘pessoa’: o vocábulo persona começou por ser usado para
designar quem quer que usasse uma máscara e foi generalizado para designar a personagem
representada, nomeadamente, por um ator.
• A inimputabilidade também pode ser acidental (provisória); é mais comum falar-se em exclusão
da imputabilidade ou da culpa. Tal acontece quando o agente está sob forte influência do
álcool, de drogas ou de emoções violentas, por exemplo. A sua culpa é inexistente ou diminuta
devido à inexistência ou diminuição da liberdade de decisão numa situação concreta.
• É de notar que há, ainda, imputabilidade quando o agente tiver provocado o estado de
inimputabilidade com intenção de praticar o facto (é o que se chama de actio libera in causa, a
ação livre na causa).
• Já vimos, em aulas passadas, que há uma diferença entre norma e aplicação da norma. A
norma é uma obrigação ou uma proibição, isto é, a indispensabilidade de fazer algo para que o
bem (jurídico, o que nos interessa) se realize. Já a aplicação da norma consiste em a norma
visar pessoas e situações concretas, “saindo” da sua “idealidade” e “caindo” sobre a realidade.
• Porque as normas são aplicáveis a pessoas e a situações, têm um âmbito de aplicação pessoal
e material. À partida, não há razões para desconfiar que esse âmbito seja geral: as normas
aplicam-se a todas as pessoas e a todas as situações de um tipo.
• Imagine-se que, num dos automóveis acidentados, seguia uma pessoa que padece de algum
tipo de doença mental grave, que não ficou ferida nem presa no automóvel. Objetivamente,
pode prestar auxílio: não há qualquer impedimento físico. Por isso, ao não prestar auxílio,
comete, objetivamente, um ilícito (criminal). Mas não comete subjetivamente nenhum ilícito,
pois não tem como, mentalmente, cumprir a obrigação em questão.
• As pessoas com capacidade (subjetiva) são as que “deixam” que as normas “caiam” sobre
elas. Estabelecem, portanto, uma relação com as normas, que é a aplicação destas a elas. As
que não têm capacidade – as inimputáveis – não estabelecem essa relação com as normas:
não “deixam” que estas produzam algum efeito nelas.
• Como resultado ou efeito da aplicação da norma a uma pessoa, por ser imputável, esta fica
numa determinada posição jurídica, que é o dever. Por ‘posições normativo-jurídicas’ entendo
‘as posições dos sujeitos jurídicos (das pessoas jurídicas) perante as normas e relativamente a
outros sujeitos jurídicos (outras pessoas jurídicas)’. O dever é o vínculo da pessoa com a
norma, em virtude da sua capacidade para a cumprir. E é por ter um dever que a pessoa
responde no caso de incumprir a norma.
• Atenção: A palavra ‘dever’ tem dois significados jurídicos: i) primeiro, significa o mesmo que
‘obrigação’, ‘norma’, ‘regra’ – é neste sentido que ‘É obrigatório p’ significa o mesmo que
‘Deve-se p’ e ‘É proibido p’ significa o mesmo que ‘Não se deve p’ –; ii) segundo, significa algo
muito mais específico, que é a posição jurídica em que fica alguém por a norma se lhe aplicar.
• Neste último caso, diz-se ‘a deve fazer p’ e não ‘é obrigatório p’. Com a capacidade para
fazer p, gera-se, não a obrigação de fazer p, que já existe (pois é esta mesma obrigação
que está a ser aplicada), mas o dever de alguém fazer p. O ‘dever’ de que se fala agora é,
como foi dito, uma posição normativo- jurídica: há alguém que fica colocado na posição de
dever fazer p.
• Mas as normas, para além de terem um âmbito de aplicação, também possuem um âmbito de
proteção. O âmbito de proteção é dado pelo conteúdo da norma, que revela o valor que está a
ser tutelado pela norma. Por exemplo: a proibição de matar pessoas sustenta-se no valor da
vida humana, pelo que o seu âmbito de proteção é constituído por todos aqueles que possuem
vida humana.
• Pode dizer-se que, pelo seu âmbito de aplicação, as normas “atacam” e que, pelo seu âmbito
de proteção, as normas “defendem”: “atacam” os que têm capacidade para cumprir as normas,
exigindo que as cumpram (para, depois, os responsabilizar pelo incumprimento); “defendem”
os que possuem o valor tutelado pela norma, para, precisamente, proteger o valor em questão.
• Os que são “atacados” pela norma são os que ficam colocados nessa posição jurídica que é o
dever, nos termos já descritos atrás. Os que são “defendidos” pela norma são os que ficam
colocados nessa posição jurídica que é o direito (dito ‘direito subjetivo’, para distinguir do
‘Direito’, conjunto de normas).
• Os direitos e deveres, ambos, são posições normativo-jurídicas, isto é, são posições das
pessoas perante as obrigações e proibições. São o resultado da relação (das duas relações)
que as normas estabelecem connosco: elas deixam de estar na sua “torre de marfim” e
“descem” até à realidade, até nós. E fazem-no para exigir algo (para “atacar”) – deveres – ou
para nos conferir uma proteção (para “defender”) – direitos.
4. Relações normativo-jurídicas
• Por exemplo: Se a tem o dever de não matar b, então b tem o direito sobre a de não ser
morto. E, se b tem o direito sobre a de não ser morto, então a tem o dever de não matar
b. Os dois andam sempre juntos: são dois aspetos da mesma coisa, da relação das
normas com a realidade concreta.
• Os juristas chamam a isto ‘relação jurídica’: há uma relação jurídica entre o dever de não-matar
e o direito de não ser morto; de um modo geral, há uma relação jurídica entre deveres e direitos
(ou, se se preferir, entre direitos e deveres). A relação jurídica relaciona duas posições jurídicas,
uma contraposta à outra.
• Para quem defenda que existem normas potestativas, então há que acrescentar mais duas
posições jurídicas para além dos direitos e dos deveres: os poderes (direitos potestativos) e as
sujeições. E estas estarão, entre si, numa relação jurídica: se a tem uma sujeição relativamente
a b, então b tem um poder sobre a; e, se b tem um poder sobre a, então a tem uma sujeição
relativamente a b.
• O poder e a sujeição seriam as posições dos sujeitos jurídicos (das pessoas jurídicas) perante
as normas potestativas: resultariam da relação que estas estabeleceriam com aqueles. Se isto
for verdade, então há, não apenas direitos e deveres, mas dois grupos de posições jurídicas: os
direitos e os poderes ficam num grupo de posições jurídicas, que os juristas designam de
‘posições ativas’, e os deveres e as sujeições ficam noutro grupo, que os juristas designam de
‘posições passivas’.
• Como tal, a pessoalidade jurídica não será só a suscetibilidade de se ter direitos e deveres: ter-
se-á de redefinir como ‘a suscetibilidade de se possuir posições jurídicas, quer ativas, quer
passivas’. E as distinções atrás efetuadas servirão, também, para a capacidade de ter poderes
e sujeições.
• Por exemplo: A capacidade para ter o poder para criar normas jurídicas pode ser dividia em
capacidade de gozo (quanto à titularidade desse poder) e capacidade de exercício. Ora, a
Constituição opera, precisamente, essa distinção (veja-se, especialmente, os artigos 108.º e
147.º). E opera essa distinção em termos semelhantes ao modo como o Código Civil o faz
relativamente aos menores:
Artigo 124.º
(Suprimento da incapacidade dos menores)
• A incapacidade dos menores é suprida pelo poder paternal e, subsidiariamente, pela tutela
conforme se dispõe nos lugares respetivos.
• A lei determina que os pais representam os filhos no exercício dos seus direitos. A
representação que é determinada por lei (sem que se possa determinar o contrário) é a
representação legal. Distingue-se da representação voluntária: nesta, o representado decide
se é ou não é representado (a representação dá-se por emissão de uma procuração ao
representante).
• Ilícito subjetivo: a pessoa não é imputável- não é punida pois não sabia o que estava a fazer.
Ex: uma criança de 2 anos não é punida por matar outra criança de 2 anos.
• Se uma pessoa não é mentalmente capaz de seguir normas, não é mentalmente capaz de
cumprir qualquer norma, logo não é imputável. Isto é, não tem a capacidade de tomar
consciência dos seus atos.
Observação
- Esquema: deve-se fazer p. -> é obrigatório p = p é indispensável porque existe o bem (sem p,
não há o B) :
• Incapacidade essencial: de caráter duradouro- doenças mentais, idade (em Portugal, uma
pessoa é inimputavél até aos 16 anos), etc. Caráter temporário- efeito de drogas, bebida, etc.
- Comete um ilícito subjectivo salvo se, se colocar nessa posição voluntariamente-
retroação.
• Âmbito de proteção das normas: valores adjacentes à própria norma. Ex: proibição de matar-
valor adjacente: vida humana; logo, está-se protegido pelo direito à vida humana
• Deveres: resultam da aplicação da norma- dever de não fazer determinada coisa. Ex: dever
de não matar- posição jurídica de não matar.
• Direitos: resultam do âmbito de proteção das normas- defesa face às normas- proteção das
normas. Ex: proteger as pessoas de serem mortas por terem o direito à vida.
• Para se ter direitos, também há condições. As condições para se ter direitos é apenas uma:
ser-se pessoa. Tal como para se estar sobre um dever é necessário preencher certas
condições. A capacidade é o conjunto de atribuições para se ter deveres- capacidade delitual-
e o conjunto de atribuições para se ter direitos- capacita reivindicatória.
• Capacidade jurídica: condições para se possuir direitos e deveres (para se estar numa
determinada posição jurídica).
Distinções relevantes
- Capacidade jurídica: condições para se possuir direitos e deveres (para se estar numa
determinada posição jurídica).
- Esfera jurídica: conjunto de direitos e vinculações de que certa pessoa é titular e a que está
adstrita em determinado momento. Na esfera jurídica vamos encontrar aqueles direitos ou
vinculações de que potencialmente certa pessoa era suscetível e que veio efetivamente a
adquirir. (https://dre.pt/lexionario/-/dj/115426675/view )
- Capacidade jurídica: condições para se possuir direitos e deveres (para se estar numa
determinada posição jurídica).
- Ex: Apesar de uma criança de 2 anos não ter capacidade para ter deveres- capacidade
delitual-, não quer dizer que não tenha capacidade de ter direitos, porque tem
personalidade.
Posições Jurídicas
Ativas:
Passivas:
• Direitos
• Deveres
• Poderes • Sujeições
• Quando se diz que o poder para fazer normas jurídicas pertence ao povo, quer se dizer que
quando o povo/ legislador faz uma norma jurídica, a população sujeita-se ao que é decidido.
• Ex: os pais têm poder sobre os filhos, logo os filhos têm de se sujeitar ao que os pais
decidem.
• A Constituição considera que a população não é capaz de criar direito, não tem poder
para tal, isto é, não capacidade de exercício e é representada legalmente, pela
Assembleia da República.
Observações
• Estes factos normativos a que o sistema jurídico imputa o efeito de pôr ou positivar normas
juridicamente vinculantes designam-se por fontes formais- por oposição àqueles factores ou
poderes sociais de facto que casualmente originariam e influíram o processo de produção
normativa e que são designados por fontes materiais- aqueles fatores que se apresentam como
a causa próxima do surgir de certas normas.
• O costume consiste numa prática reiterada no meio social que é tomada por obrigatória pelos
elementos do grupo social não consistindo apenas numa manifestação de cortesia ou rotina.
Divide-se, assim, em dois elementos. O uso, a prática reiterada, e a convicção de
obrigatoriedade. O costume é a fonte de direito muito enaltecida por algumas correntes
jusnaturalistas que consideram que é a mais conforme ao direito natural. Tal conformidade
resultaria, designadamente, de estar por natureza assegurada a normatividade do costume já
que dela depende a sua própria existência. Não haveria, assim, tensão entre o ser e o dever ser,
estando a eficácia da norma costumeira automaticamente assegurada.
• Qual o papel do costume na nossa ordem jurídica? Esta questão suscita dois problemas: o
primeiro consiste em saber se ou em que medida a lei reconhece alguma relevância ao
costume, o segundo em saber se o consumo subsiste mesmo sem esse reconhecimento. Os
costumes podem classificar-se, tendo em conta a sua relação com a lei em costumes contra
legem, pratear legem e secundam legem, ou seja, respetivamente, os que contrariam a lei, vão
para além da lei sem a contrariarem ou são coincidentes com a lei.
• Repare-se que embora possa parecer que todas as leis em sentido formal são também leis em
sentido material, nem sempre assim é, pois a forma de lei é utilizada, em alguns casos, para a
prática de atos que não incorporam normas jurídicas, como a concessão de autorizações
legislativas pela AR ao Governo, que são atos materialmente administrativos.
• Lei: norma jurídica decidida e imposta por uma autoridade com poder para o fazer, na
sociedade política. A lei é assim uma norma jurídica de criação deliberada- é criada para servir
como tal.
• Costume: forma de criação de normas jurídicas que consiste na prática repetida e habitual de
uma conduta, quando chega a ser encarada como obrigatória pela generalidade dos membros.
A este entendimento de que a norma é obrigatória dá-se a denominação latina tradicional de
opinio juris vel necessitatis. Chama-se também costume à norma criada desta maneira.
• Doutrina: atividade de tudo teórico ou dogmático do direito. Também esta atividade põe a
descoberto normas latentes no sistema jurídico.
• Estado-de-direito: significa o mesmo que a sujeição do Estado aos direitos naturais individuais
do homem e a um direito natural anterior ao Estado. Nesta orientação, há quem chegue a exigir
que a ideia dum Estado-de-direito volte a significar, de novo, precisamente, a aplicação duma
determinada ideia de direito, e não já apenas a de um puro conceito formal de direito, às
relações entre o indivíduo e o Estado.
• É justamente por este efeito de auto-regência do jurídico que até as próprias classes inferiores
podem vir a ter interesse na realidade do direito estabelecido pelas classes superiores. É esta a
razão que nos explica por que, tantas vezes, na luta pelo direito, as classes oprimidas se
tenham convertido em defensoras de ordem jurídica estabelecida que as classes superiores
impuseram sobre elas. É que esse direito, apesar de ser de classe, é sempre direito e, sendo
direito, jamais ousará apregoar francamente o interesse da classe dominante. Encobri-lo-á sob
a roupagem duma forma jurídica, redundando assim, qualquer que seja o seu conteúdo, em
benefício de todos os oprimidos.
• Direito público e privado: os conceitos jurídicos a priori devem, porém, poder derivar-se do
próprio conceito apriorístico de direito. A distinção dentre direito público e privado acha-se,
realmente, contida no próprio conceito de direito. No direito complexo de normas, vai já contida
uma entidade que há-de formular essas normas. Se se exige que os preceitos do direito
privado, estabelecidos por essa entidade para tornar possível a vida em comum dos cidadãos,
obedeçam à primeira condição indispensável a todo o direito positivo, qual é a da segurança,
segue-se daí que a própria entidade que os estabelece não pode deixar de se achar também
vinculada por eles. Esta vinculação do poder em face dos destinatários das normas,
representando ao meso tempo uma relação de superordenação e de subordinação, não pode
deixar de ser uma vinculação do direito público. Além disso, não só no conceito de direito, mas
até mesmo na própria ideia de direito, se acha como que enraizada a ideia d distinção entre o
direito público e o direito privado. Com efeito, por isso mesmo que a justiça pode ser
comutativa ou distributiva- isto é: ou uma justiça nas relações entre elementos no mesmo pé de
igualdade, ou uma justiça nas relações de subordinação entre elementos que se acham em pé
de desigualdade- daí se infere que ela envolva já em si, nestas suas duas aplicações e nestes
seus dois substratos, uma referência ao direito público e privado. Os conceitos de direito
privado e de direito público são, portanto, a priori.
• Direito privado: conjunto ou sistema de normas jurídicas que, visando regular a vida privada
das pessoas, não conferem a nenhuma delas poderes de autoridade sobre as outras, mesmo
quando pretendem proteger um interesse público considerado relevante.