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DOSSIÊ DO PROFESSOR PALAVRAS 6

EDUCAÇÃO LITERARIA: OUTRAS LEITURAS

FICHA 4 António Mota, Pedro Alecrim

Memórias de infância
À noite, depois do jantar, eu, a minha mãe e meus
irmãos sentámo-nos à porta de casa a comer as
cerejas que fomos apanhar a uma cerdeira1 muito alta.
De repente, o Jacinto apareceu com o cavaquinho.
5 – Ah, maroto! Vai lá arrumar isso!
– Mas eu que-que-quero tocar!
– Quando cresceres…
Jacinto começou a choramingar e foi arrumar o cavaquinho que o pai
costumava guardar em cima do guarda-fato, dentro de uma saca de pano.
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– Que-que-quero o pai! – disse o Jacinto a chorar.
– Não chores, amanhã ele está aqui.
Mas não era verdade.
Nas noites de calor, às vezes, meu pai pegava no cavaquinho, afinava-lhe as
cordas e começava a tocar músicas. Pouco tempo depois, atraído pelos sons,
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aparecia o tio Trindade, com a viola braguesa 2 debaixo do braço. E começava a
festa.
Nas noites de inverno, sobretudo nas semanas de
Carnaval, iam tocar a bailes. Distraíam-se e ganhavam
20 algum dinheiro, o suficiente para a mãe não barafustar. É
que ela detesta que o pai se deite tão tarde – muitas
vezes quando começa a raiar um novo dia. Entra em
casa cansado mas contente. E logo a sala fica a cheirar a
perfume, tabaco e suor.
25 No inverno passado fui com o meu pai a um baile,
depois de ter vencido os protestos da mãe, que achava
que eu ainda não tinha idade para andar fora de casa até
de madrugada. Era Carnaval, não havia aulas e eu no dia
seguinte podia dormir até mais tarde. E lá fomos.

1
cerdeira – cerejeira.
2
viola braguesa – viola típica da região do Minho.

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EDUCAÇÃO LITERARIA: OUTRAS LEITURAS

30 A sala para onde entrámos era um alpendre 3 espaçoso, com uma mesa
comprida no topo. Meu pai, o Trindade, que é ferreiro, e os outros músicos
subiram para a mesa e sentaram-se nos bancos que lá tinham posto. E o baile
começou com muitas serpentinas e confetti espalhados pelo chão.
A meio da noite, já eu tinha aberto a boca não sei quantas vezes, dois grupos de
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rapazes começaram a discutir a um canto da sala. De repente, um velho levantou a
bengala do lódão4 e bateu com ela na lâmpada. Ouviram-se pedacinhos de vidros
a cair no chão e a sala ficou às escuras. Gritavam mulheres, gritavam raparigas
e crianças de colo de repente despertas, ouvia-se pancadaria, as portas não
abriam e eu, cheio de medo, não fosse uma bengalada cair-me em cima da
40 cabeça, escondi-me debaixo da mesa! Mas não tinha sido ideia só minha, porque
me dei conta de que estava lá mais gente, sentia-lhes respiração…
Mas as portas abriram, a sala ficou de repente vazia. Puseram outra lâmpada.
E eu reparei que os músicos, indiferentes ao que se tinha passado, afinavam os
instrumentos com muita atenção.
45 Daí a nada, o baile recomeçou sem se saber ao certo o que tinha acontecido.
Ah, que noite! Nunca lho disse, mas eu gostava tanto que o meu pai me
ensinasse a tocar cavaquinho. Ou então a viola braguesa do tio Trindade.
Na escola há aulas de música, mas não me entusiasmam. A professora
queixa-se que há falta de instrumentos. Não sei se estou a ser injusto, mas nunca
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vi ninguém interessado naquelas aulas de bater palminhas a compasso: um-dois-
três-quatro-um-dois-três-quatro…
António Mota, Pedro Alecrim, 28.ª edição, ASA,
Porto, 2014, págs. 61-63.

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alpendre – espaço coberto por um telhado, mas sem paredes.
4
lódão – árvore de folhas oblíquas e de frutos de cor púrpura; chão feito da madeira dessa árvore.

1. Transcreve a frase que permite situar a ação deste texto narrativo no verão, justificando a
tua resposta.
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2. Indica o que fazia o pai nas noites de inverno e nas noites de verão, completando o quadro
com elementos do texto.
Noites de inverno
Noites de verão

3. Classifica o narrador do texto que acabas de ler quanto à sua participação na ação, justificando.
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4. Transcreve uma expressão do texto que mostre que o narrador sabia mais sobre os
acontecimentos do que algumas personagens.
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5. Escreve por palavras tuas a afirmação seguinte:

O pai deitava-se tarde, muitas vezes quando começava a raiar um novo dia.
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6. Por que razão se deitava o pai tão tarde?

Seleciona a opção que completa a afirmação seguinte, de acordo com o sentido do texto.

O pai deitava-se tarde, porque

a festa se prolongava até ao fim da noite.

havia sempre zaragata.

era necessário afinar os instrumentos.

o alpendre onde decorria o baile se situava longe do Pragal.

7. “A meio da noite, já eu tinha aberto a boca não sei quantas vezes […].” (linha 35)
7.1. Explicita o que levava o narrador a abrir várias vezes a boca.
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8. Expõe por palavras tuas o que aconteceu a meio da noite.


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9. Distingue a reação dos músicos da reação do público, transcrevendo duas sequências


textuais.

Músicos
Público

10. Completa a afirmação seguinte com a opção adequada, de acordo com o sentido do texto.
A frase “Ah, que noite!” (linha 47) sugere que o narrador recorda aquela noite com

medo. saudade.

tristeza. angústia.

11. Que idade terá o narrador no momento em que relata os acontecimentos? Justifica a tua
resposta com elementos do último parágrafo do texto.
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