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A roupa do SIM e do Não: discutindo a relação roupa e estupro na UEG-

Jaraguá

Lúcia Gonçalves de Freitas (PQ); Eliana de Fátima Toledo Pereira (IC)


luciadefreitas@hotmail.com
Universidade Estadual de Goiás, Campus-Jaraguá. Av. Diva de Freitas, s/n. Jaraguá-GO.

Resumo: A pesquisa da qual resulta este artigo foi realizada durante o trabalho de Iniciação Científica
(IC), cujo título era “A roupa do sim e do não: uma análise da relação violência de gênero e vestuário”,
apoiado pelo edital CCB 01/2017. A proposta se vinculou ao projeto “Linguagem, gênero e direito:
diálogos interdisciplinares”, coordenado pela Professora Lúcia Freitas, que orientou o estudo aqui
relatado. O tema surgiu a partir da inquietação dentro do curso de Design de Moda da UEG-Jaraguá
sobre os dados de uma pesquisa Datafolha encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança
Pública (Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 2016 ), segundo a qual, um terço dos brasileiros
concordavam que a mulher que usa roupas “provocativas” não pode reclamar de estupro. Nossa
investida, como orientadora interessada em questões de gênero e como estudante de moda, foi
discutir a relação entre vestuário e estupro a partir da perspectiva de gênero e sua relação com
linguagem e direito. A contribuição específica do projeto de IC, relatada neste texto foi: 1- apresentar
um levantamento bibliográfico sobre o tema do estupro como uma violência de gênero; 2- levantar
dados sobre o discurso da comunidade acadêmica da UEG-Jaraguá sobre a relação estupro e
vestuário.

Palavras-chave: estupro. vestuário. gênero. linguagem

Introdução

O tema deste estudo surgiu a partir da inquietação dentro do curso de Design


de Moda da UEG-Jaraguá sobre os dados de uma pesquisa Datafolha
encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (Anuário Brasileiro de
Segurança Pública, 2016), segundo a qual, um terço dos brasileiros concordavam
que a mulher que usa roupas “provocativas” não pode reclamar de estupro. Nossa
investida, como orientadora interessada em questões de gênero e como estudante
de moda, foi discutir a relação entre vestuário e estupro a partir da perspectiva de
gênero e sua relação com o campo da linguagem e o do direito. Nosso interesse
sobre o tema restringe-se ao estupro praticado por homens contra mulheres
(adultas). Embora o problema seja mais amplo, decidimos por esse recorte, pois
quisemos avaliar a extensão dos resultados da pesquisa Datafolha em nossa
instituição, a UEG-Jaraguá.
Além desse interesse, também justificamos a escolha em função de que,
atualmente, o Brasil testemunha a ascensão de um movimento conservador de viés
fundamentalista. Cresce um seguimento em nossa sociedade que tem demonizado a
palavra “gênero” e que está impondo barreiras ao debate sobre temas que têm
nessa categoria um ponto de ancoragem, como sexismo, homofobia, lesbofobia,
transfobia etc. Como nosso Campus comporta um curso de Design de Moda, no qual
tanto o corpo docente como discente é formado por uma maioria de mulheres,
pareceu-nos necessário discutir questões sobre vestuário para além de uma
perspectiva meramente estética, técnica ou de moda, mas dentro do enquadre
político atual. Além disso, tal discussão ainda perpassa o debate das políticas
públicas implementadas nas últimas décadas como o Plano Nacional de Políticas
para as Mulheres e o Plano Nacional para a Igualdade de Gênero. Como também
sediamos um curso de Pedagogia, acreditamos que a pesquisa gera informação o
alcance das metas educativas desses planos.
Com esse direcionamento, elaboramos um projeto de IC e lançamos os
seguintes objetivos:
1. Fazer um levantamento bibliográfico sobre estupro em textos da área do
direito, dos estudos feministas e dos estudos de linguagem/semiótica com
foco em moda.
2. Coletar dados de questionários, aplicados a estudantes e docentes dos três
cursos da UEG-Jaraguá, sobre as representações discursivas da relação
vestuário e estupro;
3. Coletar, na delegacia e no Fórum de Jaraguá, registros de casos de estupro.
4. Criar uma discussão com base na literatura adquirida em torno da relação
estupro e tipo de roupa usada pelas vítimas;
A pesquisa conseguiu contemplar todos os objetivos com a exceção do
levantamento documental de dados da Delegacia Civil de Jaraguá e do Cartório do
Crime do Fórum local, pois não conseguimos acesso a essas instituições. A seguir,
descrevemos nossos procedimentos, resultados e discussão.

Material e Métodos

A pesquisa buscou suporte teórico eminentemente nos Estudos de Gênero e


Linguagem com Perspectiva Feminista (FREITAS e MENDES, 2017). Já a base
metodológica apoiou-se na pesquisa bibliográfica (GIL, 2002) e de intervenção
(BARROS e PASSOS, 2009; LOURAU, 2004). O levantamento bibliográfico foi feito
em sites de conteúdos acadêmico-científicos como o Portal Scielo, Periódicos
CAPES e em demais sites que disponibilizam livros acadêmicos em pdf. Durante o
levantamento fichamos material sobre o tema do estupro nos estudos de gênero, de
direito e na área de linguagem/semiótica com foco em moda. Neste tópico, fazemos
uma pequeno recorte do levantamento teórico e apresentamos os procedimentos da
intervenção.
Segundo Castilho (2008) a violência de gênero é aquela que capta os
símbolos e significados construídos sobre a percepção da diferença sexual, ou seja,
do fato de se ser homem ou mulher. Historicamente, embora homens, especialmente
homossexuais, também possam ser vítimas dessa violência, ela se manifestada
maciçamente contra as mulheres. Isso porque tal violência se baseia em
mecanismos legitimadores de dominação e exclusão que incidem sobre a dicotomia
homem/mulher, que em nossa sociedade patriarcal, reservou à ultima uma posição
submetida ao poder masculino.
São considerados como violência de gênero todos os atos e palavras que
constranjam uma pessoa em razão do seu gênero, como um homem agredir uma
mulher por considerar que ser homem lhe dá direito de submeter mulheres ao seu
domínio. Ou quando gays, lésbicas, travestis são agredidas pelo simples fato de
serem gays, lésbicas, travestis. A categoria gênero também é atravessada por outras
marcas sociais que podem ativar mais desprestígios, como classe, raça, geração,
regionalidade etc. Nessa perspectiva, violências que se perpetram por razão de
machismo, homo/lesbofobia são ainda atravessadas por racismo, miséria, etnia,
região etc.
O Direito apenas recentemente tem-se apropriado dessas noções. No Brasil,
a lei 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha, adota a categoria gênero
como ponto de apoio para a definição de violência doméstica e familiar contra a
mulher nos seguintes termos: “Para os efeitos desta Lei, configura violência
doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero
que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou
patrimonial” (Lei Maria da Penha, 2006). De forma análoga, a lei 13.104/2015,
conhecida como Lei do Feminicídio, altera o código penal para prever o feminicídio,
ou seja, o homicídio praticado contra a mulher em razão de menosprezo e
discriminação da condição de ser mulher. Ambas as leis são fruto de lutas
feministas, dentro do Direito, para fazer com que a instituição incorpore o paradigma
de gênero em sua prática.
O crime de estupro, que é foco desta pesquisa, é também uma violência que
tem na categoria gênero um ponto essencial. Até recentemente, nosso Código Penal
considerava estupro um crime praticado apenas contra pessoas do sexo feminino
(no caso masculino o termo seria violação ou abuso sexual). Em 2009, uma
mudança legislativa alterou o art. 213 do mesmo diploma e o estupro passou a ser
entendido como uma violência sexual contra mulher ou homem. O artigo que
anteriormente utilizava o termo "mulher" agora usa “alguém” e o texto legal passou a
considerar estupro o ato de “constranger alguém, mediante violência ou grave
ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique
outro ato libidinoso”. O texto ampliou a gama de atos que configuram estupro, antes
restritos à conjunção carnal entre pênis e vagina e que agora, sob a definição de
“atos libidinosos”, abarca sexo oral, anal e outras práticas que independem de
penetração.
A mudança na lei teve entre seus objetivos alcançar as limitações que
cercavam a compreensão sobre o estupro e que afetavam seu tratamento legal.
Ainda hoje, em nossa sociedade, tal compreensão é formada por um discurso
centrado na ideia de que o poder sexual está no homem. Segundo Sousa (2017),
este tem o direito de realizar esse poder sobre a mulher ou sobre outros homens,
que dentro da sociedade binária, não reproduzem os estereótipos de masculinidade
e virilidade, como quiser e sempre que julgar necessário. Nessa medida, a lei
buscou operar sobre os dispositivos que incidem na chamada “cultura do estupro”.
Determinadas práticas são consideradas como uma cultura quando deixam
de ser raras e se tornam corriqueiras na atividade humana. Assim, machismo e
misoginia informam um conjunto de crenças e práticas que incentivam o estupro de
uma forma capciosa, dentro do que se chama de “cultura do estupro”. Essa cultura
demanda, entre uma série de práticas, que os homens devem aproveitar toda e
qualquer oportunidade de consumação sexual, e, que, muitas vezes, as mulheres
que dizem não, apenas o dizem porque são ensinadas a não dizer sim na primeira
vez, e que cabe a eles „transformar‟ aquele não em um sim (Ibid.). Também faz parte
de tal cultura, conforme observa Sousa (2017 p.13):
[...] valores que são reforçados por regras de conduta inseridas na
socialização da mulher desde o momento do nascimento,
ensinando-a que tipo e tamanho de roupas vestir, que tipo de
maquiagem usar, como se comportar na rua, quando e como beber,
quais os horários pode sair de casa, e, assim, sucessivamente,
depositando na mulher a responsabilidade sobre os atos dos
terceiros contra a sua integridade sexual.

Esse raciocínio revitimiza a mulher, principalmente por colocá-la nas


chamadas situações de risco, nas quais ela é culpada por não seguir determinadas
regras de conduta. Nessa medida, a cultura do estupro tem um cunho regulatório,
cerceando a liberdade feminina tanto pelo estigma que recai sobre a mulher que não
compre as normas de conduta de recato, quanto pelo terror do próprio estupro como
punição por esse descumprimento. Tal regulação se faz presente na resposta dada à
pesquisa Datafolha, por um terço dos brasileiros, que concordaram com a afirmação
de que a mulher que usa roupas “provocativas” não pode reclamar de estupro. Tal
assertiva, pragmaticamente, tem o efeito de ameaça que, em outras palavras, seria:
“comporte-se mal (use saia curta, decote, rebole, liberte-se social e sexualmente),
mas não reclame depois do corretivo que lhe cabe, ou seja, o estupro”.
Com o objetivo de fomentar uma discussão sobre esse tema e avaliar como o
debate se dá dentro de nossa instituição de pesquisa, a UEG-Jaraguá, realizamos
uma intervenção (LOURAU, 2004), no nosso Campus. A noção de “intervenção”
pressupõe uma reversão do sentido tradicional de método de pesquisa – “a direção
de que se trata nesse método é aquela que busca aceder aos processos, ao que se
passa entre os estados ou formas instituídas, ao que está cheio de energia
potencial.” (BARROS e PASSOS, 2009 p. 17).
Assim, montamos, no hall de
entrada do prédio da UEG-Jaraguá,
uma instalação, composta por um
painel, que incitava uma análise
visual sobre três cumprimentos de
roupas da cintura para baixo.
Também instalamos uma caixa com
um questionário impresso em folhas
de papel, que as pessoas podiam
preencher, sem se identificar.
Apesar de considerarmos, segundo
os estudos de gênero, que sexo é
Imagem do painel instalado na uma categoria arbitrária do ponto de
entrada do prédio da
UEG-Jaraguá vista sociológico, nós utilizamos o
termo “sexo” no questionário e as pessoas assinalaram “masculino” e “feminino” por
autodeterminação. Também tivemos interesse em separar docentes e estudantes.
Assim, as pessoas que entravam no Campus eram interpeladas pela imagem
e respondiam as seguintes perguntas: 1- Você concorda que o estupro pode ser
condicionado pelo tipo de roupa usada pelas mulheres? 2- Observe a figura e
escreva um comentário que classifique o tipo de mulher de acordo com o
comprimento da roupa que ela usa (olhe os números de 1 a 3 na figura e comente);
3- Você concorda com a frase: “A mulher que usa roupas provocativas não pode
reclamar de ser estuprada”. Sim, Não, Parcialmente; 4- Para você está correto
afirmar que: “Mulheres que se dão ao respeito não são estupradas”. Sim, Não,
Parcialmente. Juntamente com o painel e a caixa com as perguntas, ainda havia
canetas e uma urna para depositar as respostas.
A intervenção aconteceu durante os meses de agosto e setembro de 2017.
Por esse período, as pessoas que passavam pelo hall de entrada do Campus,
paravam diante do cartaz, conversavam com a bolsista de iniciação Científica
envolvida no projeto, que explicava o intuito da instalação e comentava sobre a
pesquisa. Ao todo, sessenta e seis pessoas responderam as perguntas que fizemos.
Dessas, trinta e oito eram estudantes mulheres, dezesseis eram estudantes homens,
quatro professores homens e quatro professoras (mulheres). A seguir, apresentamos
as respostas e discussões separadas por discentes e docentes.

Resultados e Discussão

Neste tópico, apresentamos os resultados, nossa análise e discussão, tendo


como norte central a seguinte pergunta de pesquisa: o que pensam alunas/alunos;
professoras/professores da UEG de Jaraguá sobre a relação roupa e estupro?
Entre as discentes mulheres, 38 ao todo, 34 discordam que o estupro pode
ser condicionado pelo tipo de roupa utilizada pelas vítimas. Dentre a maioria que
discorda, ao justificarem suas respostas, houve algumas que se contradisseram,
respondendo SIM para a afirmativa de que “a mulher que usa roupas provocativas
não pode reclamar de ser estuprada”. As quatro 4 estudantes restantes afirmaram
que o estupro pode SIM ser condicionado pelo tipo de roupa usada pela mulher,
argumentando que a exposição do corpo muitas vezes é: exagerada, “é preciso ter
pudor,” “precisa ter senso do ridículo”, “a mulher tem que se preservar”.
Dentre as classificações apresentadas do painel que representam os
comprimentos de roupas utilizadas por mulheres, essas mesmas estudantes que
não concordam que existe uma influência do vestuário nos casos de estupro,
avaliaram os comprimentos mais curtos das roupas com os seguintes adjetivos e
expressões: normal, livre, à gosto; mulheres normais; provocativas, dentro das
normas, descente; direito de escolha; bela, poderosa, maravilhosa; livre e feliz;
mulher comum, independente, forte e decidida; todas são dignas de respeito;
mulher livre, elegante e sutil; à vontade, vulgar, confortável, provocativa, encalorada
e “não é porque é bonito que se deve mostrar”.
Já entre os dezesseis estudantes homens, percebemos algumas
ambivalências. A maioria dos comentários sobre a relação roupa e estupro podem
ser resumidos em: “as mulheres usam o que quiserem, mas precisam rever o que
vestir, pois cada vez mais estão se vestindo de forma provocante”. Durante a
intervenção, anotamos em um diário um resumo das discussões geradas em alguns
momentos. Pudemos perceber que existe uma compreensão, conforme comentaram
alguns alunos, de que “o escondido (ou seja, uma roupa mais comprida) gera
curiosidade e aumenta o desejo sexual”. Contudo, esses mesmos alunos, afirmaram,
nas discussões, que isso não dá espaço para que o estupro seja justificado por
quem quer que seja.
Observa-se que existe uma contradição nas respostas dos estudantes, na
medida em que eles afirmam que as mulheres devem usar as roupas que quiserem,
mas, ao mesmo tempo, manifestam uma desaprovação com a forma “cada vez mais
provocante” pela qual elas se vestem. Está presente aí, uma noção essencialista de
que os homens são seres naturalmente ávidos por sexo, e que o menor estímulo
“provoca” seus instintos irracionais. Embora os estudantes afirmem que a
“provocação” das mulheres ao se vestirem não pode justificar o estupro, ao
reforçarem o estereótipo do homem sexualmente irracional, eles acabam por
reforçar a cultura regulatória que cerceia a liberdade das mulheres pelo medo do
abuso, do estupro.
Sobre os comprimentos das roupas usadas pelas mulheres, as avaliações dos
16 estudantes homens incluem os seguintes itens para roupas longa e média:
normal, conservadora; “usa o que quer”, comportada, religiosa. Para a roupa curta:
“gosta de provocar”, livre; provocativa. Dentre esses estudantes homens, um
respondeu SIM, as roupas (curtas, sensuais) estimulam os estupradores, mas
ressaltou que isso não quer dizer que eles estejam certos. Além do rapaz que
concorda que as roupas estimulam os estupradores, dois afirmaram concordar
parcialmente com essa assertiva.
De acordo Stefani, (2005) o que vestimos, muitas vezes é reduzido ao simples
substantivo que chamamos de roupa, mas na realidade vai muito além, através do
que vestimos comunicamos de forma voluntária e involuntária o que somos e
também o que não pretendemos ser com ou sem um objetivo definido, muitas vezes,
através do ato de vestir nos inserimos em um determinado grupo, ao qual
almejamos ou mesmo ao qual somos inseridos pela sociedade. Roupas curtas,
coladas ao corpo, decotes fundos, transparências são elementos estéticos que
adquirem significados particulares dentro de uma perspectiva de gênero. Nas
vestimentas masculinas tais elementos não necessariamente se associam a
sedução e sensualidade, já nas roupas femininas, os mesmos elementos adquirem
conotações, como as que foram mencionadas pelas estudantes: provocante, vulgar.
Esse último adjetivo dificilmente é associado a homens cuja vestimenta possua
decotes, transparências etc. Os movimentos de luta pela equidade de gênero
buscam desfazer tais diferenças e a educação tem um papel fundamental nessa
tarefa.
Se entre alunas e alunos não houve unanimidade nas respostas, entre as
professoras mulheres, oito ao todo, foram enfáticas em afirmar que NÃO, não
concordam que a mulher não pode reclamar de ser estuprada se usar roupas
provocantes, e a maioria das justificativas são que as mulheres são livres para
escolher o que vestir. Contudo, houve uma professora que relatou haver uma
mudança de opinião, se o ângulo for de uma visão mais conservadora, a roupa e o
local podem sim influenciar a atitude de um provável estuprador. Já na análise
imagética dos comprimentos curtos, as avaliações foram as seguintes: provocante,
normal; ousada, moderna. Sobre as roupas mais compridas foi: clássica,
conservadora, discreta e elegante. Houve, porém, uma participante que concordou
parcialmente que a mulher que usa roupas provocativas não pode reclamar de ser
estuprada.
Já sobre os docentes homens, que foram apenas 4, traçamos algumas
reflexões prévias. Nosso Campus possui professores homens nos três cursos,
embora haja uma maior concentração deles no curso de Ciências Contábeis que nos
de Pedagogia e de design de Moda. Essa divisão já é indicativa da própria divisão
do trabalho em função do gênero que prevalece em nossa sociedade e distribui as
profissões de acordo com os papéis que são atribuídos a cada sexo, como as
profissões que exigem cálculo, raciocínio lógico aos homens; cuidado, costura às
mulheres, como é exigido na Pedagogia e no Design de Moda. O fato de apenas 4
docentes homens terem se interessado em colaborar, faz-nos suspeitar do pouco
interesse por partes desses atores sobre a questão em tela. Os quatro que
responderam a nossa interpelação foram unânimes em afirmar que SIM, roupas
curtas são provocativas e incitam estupradores, embora isso não justifique o crime.
Esses professores não quiseram traçar associações sobre o cumprimento das
roupas e as possíveis usuárias, mas, assim como alguns alunos homens, trouxeram
a questão do estereótipo masculino da sexualidade descontrolada.

Considerações Finais

A pesquisa à qual se liga este artigo realizou um levantamento teórico sobre a


relação violência de gênero, cultura do estupro e moda feminina que excede em
muito o espaço deste texto. O estudo cumpriu seus objetivos de colaborar com o
projeto principal, “Linguagem, gênero, direito: diálogos interdisciplinares”, possibilitou
justamente o diálogo expresso no título, uma vez que provocou debate dentro do
Campus da UEG-Jaraguá, entre membros dos três cursos de graduação, mantendo
um diálogo interdisciplinar, como também pedia a pesquisa original.
Quanto aos resultados aqui levantados, pareceu-nos claro que, embora os
processos de modernização da cidade de Jaraguá, dentre eles a própria instalação
de um Campus universitário, permanecem ainda em vigor dentro da comunidade
local, à qual essa mesma Universidade faz parte, resquícios de uma visão patriarcal,
marcada por estereótipos masculinos de sexualidade incontrolável. Tais estereótipos
estiveram presentes em algumas avaliações de mulheres, mas nas avaliações dos
homens, se fizeram ainda mais fortes, mesmo tendo um número mais reduzido de
participantes.
Esses estereótipos dão sustentação à cultura do estupro, que procuramos
abordar aqui, de modo que esses resultados nos mostram que é urgente campanhas
educativas que possam trazer uma mudança que consiga diminuir as desigualdades
de gênero que atingem as mulheres de forma capciosa, dissimulada, travestida de
moralidade, mas também de forma contundente, como é o caso do estupro.
Agradecimentos

Agradecemos aos Programas de Iniciação Científica e Bolsa de Incentivo ao


Pesquisador (PROBIP/UEG) da Universidade Estadual de Goiás, à Fundação de
Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás-FAPEG e ao Ministério da Ciência,
Tecnologia, Inovações e Comunicações-CNPq.

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