O PRESO DE JLO
Relatos sobre o rapto do ativista e rapper Hitler Samussuku, um
dos membros do processo 15 + 2.
Escrita na primeira pessoa.
SIAPR’s
O PRESO DE JLO
A minha mãe, meu tio, ao vizinho que informou sobre o meu sequestro
e aos meus familiares.
Dormi e no dia seguinte as 6h30 da manhã, meu tio que saiu para
trabalhar pediu para eu não sair de casa porque o bairro estava cheio
de gente estranha, que no seu ponto de vista eram agentes dos
serviços de segurança do Estado. Eu achei que ele estava em paranoias,
quando foi sensivelmente 8h30, decidi sair para fazer exame de sangue
numa clínica próximo de casa. Uma vizinha minha disse-me:
Um deles disse:
O outro perguntou-me:
- Não sei de nada, mas podem explicar para mim, quem sóis vós?
- Hoje é o último dia que vejo o sol. O mundo acabou... o MPLA venceu-
me.
- Pelo menos se nos matarem aqui, alguém poderá explicar aos nossos
familiares e amigos.
Depois de 4 horas, o inspetor disse que eu iria ficar preso por ter feito
um vídeo a ameaçar o Presidente da República que aquilo constituía
crime de atentado e ultraje ao Presidente João Lourenço. Eu fiquei a rir
e disse:
Eu disse para ela falar de forma educada e ela toda assustada retorquiu:
Eu disse:
- Vamos só!
E ela toda raivosa:
- Esse processo tem que ficar nas minhas mãos, vais ver só!
- Este é um preso especial, quem lhe tocar vai se ver comigo, estou a
avisar.
Não precisei escrever o meu nome até porque já era bem conhecido,
assim como a idade.
O tempo foi passando até que as 16h apareceu o senhor que tentou
zombar-me no primeiro momento em que estava detido, mas logo
algum tempo o senhor todo humilde pediu o meu nome e eu todo
revanchista disse:
- Você não estava muito armado de manhã? Não vou dar o meu nome.
Liga para o SINSE para dar os meus dados porque eu não darei mesmo.
Os detidos riam até que o chefe da cela chegou e disse que era
necessário entregar os dados. Dei apenas o meu nome e seguimos sem
saber onde estava a ir.
- Se não dizer onde vou pode crer que não irei subir nesta viatura...
ainda mais não tem adesivo da Policia Nacional!
- Não vou subir no carro enquanto não me dizer para aonde vou ser
levado, pois que eu saiba de acordo a constituição tenho direito de ser
informado, ou não sabes?
PARTE IV
Apôs ter dito que não subiria no carro um dos senhores que estava na
reunião, virou para o agente e disse:
- Ouviu o que o cidadão disse? Ele tem direito de ser informado para
onde vai!
O mais velho com vergonha na cara respondeu não ao senhor, mas sim
a mim:
- Não acredito! Outra vez preso? Mas óh Hitler o que é que se passa
contigo, a ttua namorada não te põe na linha?
Enquanto eu ria, os agentes ficaram surpreso com a forma como a chefe
em serviço falava comigo. Daí a AB perguntou pelos outros rapazes.
O agente perguntou:
Um deles disse:
Ela disse:
Disse-me:
- Estás muito achado, você também não é ninguém, vós sóis marionetes
do Ocidente, querem destruir Angola tal como destruíram a Líbia, vão
se dar mal.
Eu disse-lhe para calar a boca porque não sabia o que estava a dizer.
Havia dois blocos, o primeiro por ser mais limpo era chamado de
Kilamba (onde me encontrava) e o segundo de Katambor, onde ficavam
pessoas sem influência na cadeia.
Todos saíram das celas para ver e ouvir o novo detido que estava a
desafiar um agente do SIC que gozava de respeito pelos bandidos por
ter a fama de ter morto muita gente.
- Hitler por favor entra só na cela. Esta é a hora que costumamos a rezar
aqui na caserna e por tua causa parece que já não será possível.
- Só estou a entrar na cela pelos outros presos e não pelas tuas ordens.
- Nunca vi na minha vida uma pessoa que está preso ainda lhe metem
mais preso. (Gargalhadas) Como é que nós que matamos, roubamos
estamos aqui e esse está aí fechado? (Admirado) Quer dizer que ele é
mais perigoso que nós hahahhahahhahahah.
Olhei para ele com certa fatiga, mas com risos na cara e lhe disse:
- Hitler... Hitler... Hitler, podes sair para ficar com outros presos aqui no
corredor!
Tal como em 2015 quando estava detido na "CCL" com o meu amigo
e conterrâneo Dito Dalí, conseguimos influenciar para a libertação de
muitos reclusos que andavam em excesso de prisão preventiva, com os
dados que havíamos enviado ao Rafael Marques e este partilhou ao
jornal português Expresso com o título “ativistas dentro da cadeia
continuam a fazer ativismo”, decidi então voltar a berlinda.
Ainda presos, havia três jovens que por intermédio de uma funcionária
do BPC recebiam mensalmente 400.000 kzs cada sem esforço nenhum.
Apenas participavam num esquema de roubo massivo. Um deles
detinha 6 míni autocarros que faziam serviços de táxi e também*usava
as suas viaturas para apoiar as atividades do MPLA no Benfica.
- Wi você não pode bater nesses putos porque isso é crime! - Disse-lhe.
A partir daí começou a guerra com o Malária. O mesmo parou todo frio,
virou e disse:
- Hitler eu não sou o João Lourenço. Eu sou criminoso, eu mato-te se
meter comigo.
Decidi deitar-me, mas logo comecei com uma febre terrível, voltei a
tomar a ducha e enquanto deitava-me na cama, o senhor sentou
próximo da minha cela e voltou a soltar algumas indiretas.
Outros respondiam:
- É o silêncio obrigatório;
E no final...
Como ele era mesmo um dos meus, convidou todos os detidos para
ouvir a minha mensagem.
Continuei...
Notei que a caserna ficou reanimada e que ninguém mais tinha medo
de ser associado a mim.
Alguns seguiram-me na cela, pediram-me os contactos e prometeram
abraçar à causa quando um dia fora da cadeia. No dia seguinte,
sensivelmente as 6h30, agentes do SIC chamaram-me e pediram para
sair com as minhas coisas e eu disse para os detidos:
- Ontem eu disse que iria sair no dia seguinte e está aqui, estou a ir
embora, por isso mais velho SINFO fique bem com o seu trabalho sujo.
Eram 1000 kzs... chamou os agentes do SIC e disse para que fizessem
a devolução das minhas coisas, mas um deles tentou reclamar:
O Procurador, disse-lhe:
- O caso está nas minhas mãos, ele está livre podem ir.
- Até que nem todo o vídeo está mal, mas sabes que o Presidente é pai
de família e você não pode lhe chamar de wí nem tão pouco dizer que
ele é malandro e que não te dá medo. Você tem tropas? - Questionou
o procurador com bastante tranquilidade.
- Tropa na gíria significa amigo e eles são meus amigos por isso chamei
de tropas. - Disse-lhe com um ar esquisito.
- Lê e assina esse documento, não podes ficar mais de cinco dias fora
de casa e se vires agentes da polícia nos arredores da sua casa, saiba
que estás a ser vigiado porque o processo continuará aberto até o
julgamento.
Nem com isso desci, estava morrendo de vergonha. Pedi para irem no
comando Provincial onde havia deixado algumas coisas e foi lá onde
consegui finalmente perder a timidez e juntar-me à tropa. O Arante
Kivuvu Lumumba, o Gabriel Versace Mugabi e o Utukidi gritavam:
O gajo disse:
O mais velho surpreso porque não sabia que eu estava solto, ainda mais
com a tropa toda, entrou em pânico.
PARTE XII
O meu tio quando me disse sobre o encontro que teve com ela,
menosprezei, ou seja, disse não gostar desses assuntos.
No mesmo dia, pela tarde, uma outra vizinha abordou o meu tio e
procurou saber qual era o papel que eu desempenhava no Projeto
AGIR. De acordo com a explicação aparentava que eu liderava o
projeto, mas oficialmente existia um quadro orgânico onde eu nem era
a quarta pessoa, ou seja, há um coordenador, um porta voz, um
presidente de mesa, um presidente do conselho fiscal, mas não há
nenhum Hitler Samussuku na hierarquia da associação.
Quando o meu tio me falou disso, fiquei a rir. Lhe disse para que na
próxima dissesse que eu era um simples membro do Projeto AGIR e
que não tenho ambição para ocupar cargos na hierarquia. Depois dessa
conversa, expliquei a estratégia ao meu tio, o porquê de eu não ocupar
um cargo de relevância dentro da associação. Ele sorriu dizendo que a
estratégia era muito boa.
A partir daí, fui perdendo o resto de respeito que tinha pelo João
Lourenço até porque no tempo de José Eduardo dos Santos fui preso,
julgado e condenado, mas não tocaram na minha família e o senhor
João Lourenço não sentir-se-ia bem se alguém tocasse na sua família.
Lembrei do livro "Os pecados do meu Pai", escrito pelo filho de Pablo
Escobar.
Num dos capítulos ele escreve que seu pai perdera a cabeça quando
uma Gang Rival sequestrara a sua irmã.
Três dias depois, um jovem chamado Kalunga que é responsável pelo
CNJ-Luanda, chegou à minha casa por volta das 17h30, conversamos,
disse-me que era da JMPLA e que ficou surpreso com o último
acontecimento, razão pela qual veio solidarizar-se.
Me disse que com a idade que tenho não podia mais viver na casa
dos velhos.
- Pensa bem.
- Como é então Hitler? O Kalunga disse que você não quer a casa qual
é a tua? Você não estudou na UAN? Aquilo não é universidade
pública? Você não anda de autocarros públicos aquilo é de quem? A
casa é do governo, recebe só para de truques.
Já no dia seguinte, fui para Viana reunir com os outros ativistas, neste
dia encontrei a tropa toda, inclusive os generais da reserva. Daí vieram
com a história das casas, ou seja, o responsável pelo CNJ-Luanda
prometeu dar 10 casas aos ativistas, mas dentro dessas 10, uma era
obrigatório a ser do Hitler Samussuku.
Eu disse para eles que não estava interessado na proposta e que não
era contra quem pudesse receber. Soube ainda que haviam oferecido
10 casas para jovens do MPLA, 10 para jovens da UNITA, PRS, FNLA,
CASA-CE e restavam 10 para os ativistas, mas que essas coisas só
seriam atribuídas caso, eu aceitasse.
PARTE XIII
Eu insisti que não estava interessado, mas daí essa conversa chegou
aos ouvidos dos Serviços de Segurança do Estado e das lides do
MPLA.
- Você é muito forte, eu quando tinha a sua idade também havia sido
preso no 27 de Maio, mas não demorei.
Eu com ar desprezativo, disse-lhe que não sabia o que fazer para lhe
ajudar naquele momento e que para mim era indiferente se ele era ou
não meu tio.
Ele todo preocupado, pediu um encontro e até hoje não tive o prazer
de concretizar.