No princípio, Deus criou os céus e a Terra. "Faça-se a luz", e a luz foi feita.
Depois, Deus criou o homem e o chamou Adão. Findos os 7 dias da Criação, o
Senhor viu que tinha feito algo bom. O homem habitava o paraíso e tinha
contato direto e constante com Ele. E daí Deus resolveu passar ao homem
toda a sabedoria da cabala. "Adão conhecia a cabala", dizem alguns
praticantes. O assunto, porém, é controverso entre os próprios cabalistas. Teria
o conhecimento da cabala sido passado de Adão a seus descendentes até
Noé, depois até Abraão, Moisés e em seguida aos grandes mestres históricos,
que selecionavam rigorosamente aqueles que estariam aptos a ser seus
discípulos? Não há consenso sobre o momento em que a cabala foi revelada
ao homem, mas todos os cabalistas concordam que o ensinamento sagrado
veio diretamente do Criador, assim como os 613 mandamentos judaicos
contidos na Torá, a bíblia judaica, que os cristãos chamam de Pentateuco. "A
cabala é além do tempo, ela não tem nem começo nem fim", diz o rabino
israelense Joseph Saltoun, ex-professor do Centro de Estudos da Cabala, em
São Paulo, e que hoje leciona em Vancouver, no Canadá.
Mas, afinal, o que é a cabala? Bem, para tornar mais simples a tarefa de
explicar, vamos começar dizendo o que ela não é. Ok, cabala NÃO É religião,
autoajuda, superstição, magia, bruxaria, sociedade secreta, meditação,
adivinhação, interpretação de sonhos, ioga, hipnose ou espiritismo, embora
possa estar relacionada a todas essas coisas. Agora fica mais simples
entender o que a cabala É: um conjunto de ensinamentos sobre Deus, o
homem, o Universo, a Criação, o Caminho, a Verdade e coisas afins; uma
revelação de Deus para o homem. "Ela nos diz por que o homem existe, por
que nasce, por que vive, qual é o objetivo de sua vida, de onde vem e para
onde vai quando completa sua vida neste mundo", diz Marcelo Pinto,
representante do centro de cabala Bnei Baruch no Brasil. "O ser humano tem
muitas questões, e a cabala é um caminho espiritual que permite trazer de
volta o elo com a verdadeira origem de tudo", explica Ian Mecler, professor de
cabala no Rio de Janeiro e escritor de livros como O Poder de Realização da
Cabala (Editora Mauad). Para Shmuel Lemle, professor da Casa da Cabala,
também no Rio, "nada acontece por acaso. Existem leis de causa e efeito.
Assim como existem leis físicas como a lei da gravidade, existem leis
espirituais".
Grosso modo, a cabala está para o judaísmo assim como o gnosticismo está
para o cristianismo e o sufismo está para o islã. Gnosticismo e sufismo são as
correntes místicas ligadas respectivamente às tradições cristã e muçulmana.
Como misticismos, essas 3 correntes têm muito em comum (veja o quadro da
página ao lado). A maior parte das diferenças está no modo de transmissão do
conhecimento, adaptado à tradição em que aquele tipo de misticismo se
desenvolveu. Esse raciocínio não vale apenas para as 3 religiões chamadas
abraâmicas (por serem todas herdeiras do patriarca Abraão) mas também para
as místicas orientais, como hinduísmo, tao e budismo, além do zoroastrismo na
Pérsia, só para citar as mais conhecidas.
Tradição oral
Mestres e discípulos
Nem todos estudiosos aceitam a ideia de que a cabala deva ser acessível a
todos. A atitude do Kabbalah Centre provocou reações indignadas de
cabalistas mais tradicionais, como o iraquiano Yitzhak Kadouri, um dos mais
importantes estudiosos da cabala no último século. "A cabala não é moda",
disse em 2004, comentando a adesão de Madonna ao misticismo. "Ela deve
ser estudada somente por judeus."
Parcerias poderosas
Mas, além dessas tradições cabalísticas distintas, a própria cabala judaica tem
diferentes correntes. Uma delas é a já citada cabala pop. Outra variante tem
como expoente o Bnei Baruch Kabbalah Education & Research Institute,
fundado em 1991. Autodenominado o maior grupo de cabalistas em Israel, o
Bnei Baruch não considera a cabala um misticismo, mas "uma ferramenta
científica para o estudo do mundo espiritual". A proposta deles para
compreender o Universo é aliar os estudos científicos da física, da química e
da biologia às ferramentas cabalísticas. Seu fundador e atual diretor, o filósofo
Michael Laitman, é Ph.D. em cabala pela Academia Russa de Ciências e
mestre em biocibernética médica.
Deus-infinito
Assim como a religião judaica, a cabala afirma que tudo o que existe vem de
Deus. Entretanto, o Deus único não é compreendido exatamente da mesma
maneira. Se, para a religião tradicional, Deus é o todo-poderoso Criador de
todas as coisas, para a cabala Ele não é somente o Criador mas é também a
Criação. Ou seja, a Criação não é dissociada do Criador, mas parte d’Ele. A
existência de Deus não seria, portanto, distinta do espaço e do tempo; o
espaço e o tempo estariam contidos no próprio Deus-Infinito. Mas não vá
pensando que já entendeu, porque isso não é assim tão simples. E nem
imagine que essas racionalizações vão proporcionar a você um entendimento
profundo de Deus. Por um simples fato: segundo a cabala, ou mesmo a religião
judaica, o Deus-Infinito não pode ser compreendido pela nossa mente física
limitada.
Pode parecer estranho não poder dar um nome a Deus, tornando-o de certa
maneira inacessível para os homens. Afinal, se é assim, como pode existir uma
experiência mística que permite esse acesso? Bem, a cabala explica que o
contato com Deus é realizado indiretamente, por meio de um de seus
desdobramentos. "Para tornar-se ativo e criativo, Deus criou as 10 sefirot ou
emanações. As sefirot formam a Árvore da Vida, que representa os aspectos
de Deus existentes dentro de nós", explica o rabino Alanati. Ou seja, uma
maneira de ter o contato místico com Deus é através de uma das 10 sefirot, as
mesmas representadas no famoso diagrama. Alanati explica que as 7 esferas
mais baixas estão diretamente relacionadas com os 7 dias da Criação descritos
no livro do Gênese.
Planos superiores
Outras duas partes da alma humana são discutidas no Zohar: chayyah, que
permite a consciência da força divina, e yehidah, a parte da alma que é alta o
suficiente para atingir o maior nível possível de união com o Criador. "A meta é
alcançar o propósito para o qual fomos criados: a equivalência de forma com a
Força Superior. Todo o trabalho na cabala tem esse objetivo", resume Marcelo.
Na hipótese remota de a humanidade finalmente se unir ao Criador, em uma
fusão completa e perfeita, o que aconteceria? O fim do mundo? O começo de
uma nova e gloriosa Criação? Bom, isso nem mesmo os mestres cabalistas
sabem responder...
VOLTA ÀS ORIGENS
Grupo de jovens israelenses se reúne em uma caverna perto da vila de Beit
Meir, em Jerusalém, para estudar a cabala, em maio de 2010. Uma vez por
semana, cerca de 12 judeus ortodoxos se encontram nesta caverna perto da
cidade sagrada para repetir um ritual antigo: analisar e discutir, por horas a fio,
os textos de livros como o Zohar.
FESTA MÍSTICA
Mais de 2 mil estudantes da cabala se reuniram na Times Square, em Nova
York, para celebrar a chegada do Ano-Novo Judeu, Rosh Hashana, em
setembro de 2001. O canto, a dança e as vestes brancas são típicos de uma
nova geração de cabalistas, que considera a festa, a celebração e a alegria tão
importantes quanto a meditação e as longas sessões de estudo dos textos
antigos.
LADO A LADO
Judeus ortodoxos e soldados israelenses rezam juntos na tumba do rabino
Isaac Luria, em Safed, Israel. Luria, um dos mais importantes cabalistas de
todos os tempos, foi o responsável pela renovação do misticismo no século 16
com a criação da cabala luriânica e a divulgação de seus ensinamentos para
além dos círculos judaicos.
BANHO SAGRADO
Um judeu se banha nas águas geladas da Mikve HaAri, localizada em Safed,
Israel. Cabalistas repetem há anos o ritual, prestando homenagem ao rabino
Isaac Luria, que teria utilizado as mesmas águas no século 16. Alguns se
banham todos os dias, mas o mais comum é realizar o ritual na véspera do
Shabat.
SÓ PARA JUDEUS
O cabalista Yitzhak Kadouri segura um exemplar do Zohar na biblioteca de sua
casa em Jerusalém, em 2004. Um dos maiores estudiosos contemporâneos da
cabala, Kadouri ganhou notoriedade por sua influência política e por suas
declarações polêmicas. Em 2004, durante visita de Madonna a Israel, ele se
recusou a falar com a cantora, dizendo que "o estudo de cabala é proibido para
as mulheres, e também para os que não são judeus".
A cabala no tempo
Conheça a evolução da corrente mística judaica, da criação do Universo até os
dias de hoje
Criação
Origem - 3700 a.C.
Deus cria Adão. Há quem defenda que ele teria sido o primeiro conhecedor da
cabala, obtida diretamente do Criador.
Formação
Diáspora - 70 D.C.
Perseguição romana e destruição do Segundo Templo. Segunda diáspora.
Cabala é mantida em segredo.
Palácios - Séc. 1
É escrita a coleção de literatura judaica conhecida como Heichalot ("Os
Palácios"), que inspirou motivos cabalísticos.
Manuscritos - Séc. 2
É escrito o livro Sefer Yitizirah, a obra mais antiga do chamado esoterismo
judaico. Segundo a tradição, é escrito também o Zohar, no idioma aramaico,
pelo rabino Shimon bar Yochai.
Título - Séc. 11
O termo cabala passa a ser usado para identificar o misticismo judaico. Não há
consenso se o pioneiro nesse uso foi o filósofo judeu Shlomo ibn Gevirol ou o
cabalista espanhol Bahya ben Ahser.
Expansão
Redescoberta - Séc. 13
Renovação - Séc. 16
Sábios cabalistas refugiam-se na cidade de Safed, em Israel: entre eles está
Isaac Luria, criador da cabala luriânica.
Vivência - Séc. 18
Fundado pelo rabino e místico judeu Baal Shem Tov, o judaísmo hassídico,
ramo ortodoxo que prega a vivência mística da fé judaica, populariza uma
forma mais simples de cabala no Leste Europeu.
Tradução - Séc. 20
O rabino Yehuda Ashlag, fundador do Kabbalah Centre de Israel, completa em
1922 a primeira tradução do Zohar para o hebraico moderno. Em 1984, Philip
Berg funda o Kabbalah Centre de Los Angeles.
CABALA
RAJA IOGA
ZOROASTRISMO
Principal texto - Chamado Gathas, traz versos que exploram a essência divina
da Verdade, da Mente Sadia e do Espírito de Justiça.
Entidade máxima - Chamado por Zaratustra de "o Deus não criado", por ser a
origem de tudo, Ahura Mazda é onisciente, mas não onipotente.
TAO