os diversos fluxos que caracterizam o mundo de hoje,
o que torna impossível a qualquer cultura se manter completamente isolada das outras (ex: migrações, misturas e intercâmbio de culturas). A coidentificação civilizacional/religiosa entre povos não se verifica, empírica e necessariamente, como o fator-chave de todos os conflitos do mundo atual. Há tensões político-militares entre Estados, atores, grupos e nações tomando por base o conhecimento da geografia dos recursos vitais. Ex: Colinas de Golã (questão da água); Iraque (petró- leo)
“choque de civilizações”: visão que corre o risco de
certo reducionismo no entendimento da geografia do mundo atual em virtude de se desconsiderar fatores geopolíticos, históricos, disputas econômicas, etc.
“O estranhamento que separa o Ocidente do Islã é fruto de séculos
“Choque de civilizações” foi uma expressão criada pelo de história. Os aviões que destruíram as torres gêmeas do World professor universitário britânico Bernard Lewis, na dé- Trade Center, em 11 de setembro de 2001, e a marcha das tropas cada de 1960. A ideia de “choque de civilizações” foi estadunidenses sobre Bagdá refletem tragicamente esse estranha- frequentemente retomada para explicar os conflitos en- mento e introduzem, na política mundial, o espectro do ‘choque de tre ocidente e oriente. Na visão de Bernard Lewis, um civilizações’. O antídoto existe, mas depende de um diálogo entre “choque de civilizações” se contrapõem duas entidades o Ocidente e o Islã, centrado nos valores da Reforma e do Ilumi- nismo. Entre árabes e muçulmanos, há incontáveis interessados claramente definidas, o “islã” e o “ocidente” (ou a civi- nesse diálogo e há uma tradição modernista que resiste ao funda- lização judaico-cristã). mentalismo. O obstáculo é o ruído ensurdecedor das bombas e a Em 1993, o estrategista norte-americano Samuel P. humilhação da ocupação.” Huntington retomou a fórmula do “choque de civiliza- MAGNOLI, Demétrio; SENISE, Elaine. Por um diálogo entre o ções”. O cenário e a divisão do mundo de acordo com Ocidente e o Islã. Folha de S.Paulo, São Paulo, 20 abr. 2003. Huntington, são as civilizações, Ocidental, Africana, Sí- nica, Hindu, Ortodoxa, Japonesa, Budista e Latino- Em 2005, vários especialistas não concordaram com uma interpre- Americana. tação largamente divulgada em jornais televisivos e impressos so- Para Huntington, os dois pilares que dão sustento à iden- bre a realidade francesa, segundo a qual os protestos dos jovens tidade dos Estados Unidos, a cultura e o credo, estariam imigrantes nos subúrbios de Paris e outras cidades estariam vincu- enfrentando um processo de fragilização. Com migra- lados com movimentos religiosos e fundamentalistas. Em vez de ções predominantemente de população de origem hispâ- associá-los de maneira apressada com os “movimentos terroristas internacionais”, considerando-os como mais uma etapa do avanço nica e asiática se configuram mudanças raciais, religio- do “choque de civilizações”, argumentaram que as manifestações sas e étnicas. tiveram o Estado francês como alvo principal ou, mais precisa- mente, a ausência dele na vida dos jovens residentes em bairros Problematização da noção de “choque de civiliza- socialmente desfavorecidos. Ao contrário das notícias, portanto, os ções” estudiosos chamaram a atenção para o fato de que se tratava de um O crítico literário e ativista da causa palestina Edward movimento político – quase caótico, é verdade, mas essencialmente Said critica a tese de “choque de civilizações” defendida político – questionador da exclusão social e do neoliberalismo in- por Huntington. Para ele, essa ideia deve ser conside- tolerante. rada uma política de Estado que visa reestruturar a es- tratégia ocidental tendo em vista afirmar sua autoridade Questões: sobre o Oriente, envolvendo interesses de dominação. 1- Considerando as medidas tomadas por George W. Edward Said interpretou a teoria de Huntington como Bush após o 11 de setembro de 2001, quais interesses os uma versão renovada da tese da Guerra Fria, pois en- EUA teriam ao incentivar a ideia de “choque de civili- tende que os conflitos do mundo atual e do futuro con- zações”? tinuarão a ser essencialmente ideológicos, mais do que 2- Considerando as discussões realizadas durante a aula econômicos e sociais. sobre a ideia de “choque de civilizações”, quais os inte- Said lembra que a argumentação de Huntington falha resses que os países do Ocidente teriam no Oriente Mé- por tratar a cultura como algo monolítico, imutável e dio? homogêneo, ou seja, por não considerar as inquietações 3- Considerando o atual momento da política estaduni- existentes sempre dentro de cada cultura. dense, é possível afirmar que esse país ainda desenvolve Além disso, Said aponta que a tese do “choque de civi- uma política imperialista? Justifique sua resposta. lizações” fundamenta-se na perspectiva de uma separa- ção rigorosa entre diferentes culturas, desconsiderando