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CAPÍTULO IV
1. SOBRE OS SISTEMAS
s S'
direito positivo Ciência do Direito
Mas, porque o direito positivo e a Ciência do Direito são tratados como sistema? E,
antes disso, que é um sistema? Tais indagações autorizam-nos adentrar no campo da Teoria dos
Sistemas e utilizá-la para melhor conhecer estes dois planos do saber jurídico.
103
"Sistema" é uma palavra que, como a maiona das outras, apresenta o vício da
ambigüidade. Há várias acepções em que o termo pode ser empregado e nossa função, ao definir seu
conceito, é enunciar a forma de uso com a qual trabalhamos. Diversos autores tratam do tema, uns
utilizam-na num sentido mais amplo, de modo que, direito positivo e Ciência do Direito enquadram-se
em seu conceito, outros empregam-na de forma mais restrita, limitando seu campo denotativo apenas à
Ciência do Direito. Nós trabalhamos com uma acepção moderada.
conjunto dos órgãos reprodutores ou digestivos. Na forma de sistema tais órgãos encontram-se
relacionados sobre um vetor comum e não apenas agrupados.
Devemos ressalvar, contudo, que seguindo as premissas por nós fixadas, não há
sistema fora do homem e, conseqüentemente, não há sistema sem linguagem . O ser humano vai
sistematizando a realidade que o cerca, porque sob a forma de sistema ela lhe é compreensível. Os
sistemas não estão no mundo existencial, esperando para serem descobertos são construídos pelo
homem por meio de associações lingüísticas, são resultado de arranjos estruturais e, portanto,
pressupõem necessariamente, a linguagem.
Ainda com relação ao conceito de sistema, alguns autores trabalham com o critério
da coerência interna dos elementos. Nesta linha de raciocínio, só existiria sistema se os elementos
conectados e estruturados em razão de um princípio comum fossem absolutamente harmônicos entre
si, isto é, caso não se contradissessem. Sob esta óptica, somente a Ciência do Direito se caracterizaria
como sistema.
120
LOURIVAL VILANOVA, As estruturas lógicas do direito positivo , p. 173.
121
Introdu ção ao estudo do direito, p. 165.
105
Nestes termos, existem sistemas que comportam contradições e aqueles que não as
admitem porque trabalham com referências de verdade e falsidade, de modo que, a coerência, ou
23
compatibilidade dos elementos, não é tomada como nota essencial na definição de seu conceito1 •
Um exemplo melhor esclarece tal assertiva: à classe dos "animais", tomada como
gênero (G), atribui-se a diferença específica "ter glândulas mamárias" (De) e encontramo-nos diante da
espécie "mamíferos" (E). Ser mamífero, assim, é ter todas as características que conotam a classe dos
"animais"+ a diferença específica "ter glândulas mamárias" (E= G + De).
122
Fontes do direito tributário, p. 65.
12 3
MARCELO NEVES, Teoria da inconstitucionalidade das leis, p. 2.
1 24
Nas palavras do autor: "a diferença específica é aquilo que deve ser adicionado à conotação do gênero para completar a
conotação da espécie"(O sistema da lógica, p. 34).
106
existem prontas no mundo, são construídas pelos homens , de acordo com suas finalidades
cognoscitivas. Por este motivo, não existem classificações certas ou erradas, mas sim úteis e não úteis.
Há aquelas que se prestam a descrever certos objetos sob determinadas premissas e aquelas que não se
prestam.
Segundo o autor os sistemas se dividem em: (i) reais (empíricos), constituídos por
dados do mundo físico e social; e (ii) proposicionais, constituídos por proposições, pressupondo,
portanto, linguagem. Estes últimos dividem-se em: (ii.a) nomológicos, formados por proposição sem
denotação empírica, que partem de axiomas e desenvolvem-se mediante operações formais de
dedução, como as fórmulas lógicas e entidades ideais da matemática; e (ii.b) nomoempíricos, formados
por proposições com referência empírica, que se sub-dividem em: (b. l) descritivos, constituídos de
proposições informativas; e (b.2) prescritivos, formado por proposições que se dirigem ao campo das
condutas humanas com a finalidade de regulá-las.
Sinopticamente:
{ Rea;s Nomológicos
Sistemas
Proposicionais { Descritivos
Nomo empíricos
Prescritivos
1 25
Teoria da inconstitucionalidade das leis, p. 4.
107
Outra ressalva a ser feita é que, dentre a espécie de sistemas nomoempíricos, não
encontramos apenas os descritivos e prescritivos. Considerando-se a função da linguagem , existem
outras possibilidades de aglutinação e estruturação de elementos lingüísticos que não apenas aqueles
destinados a informar ou prescrever condutas - a exemplo, temos os sistemas inquisitivos, conjuntos
de perguntas estruturadas e direcionadas por vetores comuns como: testar conhecimentos (i.e.
vestibulares, as provas, exames de qualificação), definir estatísticas (i.e. senso populacional, agrícola);
os sistemas ficcionados, cujos elementos agrupados e estruturados criam realidades fictícias (i.e.
romances, novelas, jogos eletrônicos); os sistemas operacionais, que se destinam a realização de certas
atividades (i.e. previdenciário, judiciário, político); etc. Neste sentido, tal divisão, apesar de
elucidativa, não resiste a uma análise mais apurada.
126
Fundamentos jurídicos da incidência tributária , p. 43.
127
Idem , Idem, p. 44.
108
Desta forma, preferimos separar os sistemas nomoempíricos em: (i) descritivos; e (ii)
não-descritivos , tomando-se como critério serem seus elementos proposições informativas , neste caso
os sistemas prescritivos e não-prescritivos figuram como sub-espécies destes últimos (ii.a e ii.b -
respectivamente). Assim, resolvemos o problema dos sistemas inquisitivos, fabuladores e de todos os
demais que não se enquadram na espécie dos descritivos, nem dos prescritivos. Em quadro sinóptico:
Nomológicos
Comunic acionais Descritivos
Sis temas Nomoempíricos Prescritivos
{
Não-comunicaionais Não-descritivos {
Não-prescritivos
Indo um pouco mais além, ao voltarmos nossa atenção à Ciência do Direito, ela
aparece como espécie dos sistemas descritivos : apresenta-se como conjunto de proposições de
materialidade textual idiomática, de referência empírica, que tem como função descrever certa
realidade: o direito positivo.
Existem ainda outras peculiaridades que podem ser tomadas como diferença
específica na classificação dos sistemas científicos. Enquanto as Ciências tidas por naturais (ex.
Biologia, Física, Química) se preocupam com a descrição de fenômenos cujos dados brutos
perceptíveis aos nossos sentidos não apresentam materialização lingüística (ex. plantas, animais, luz,
calor, som, água), a Ciência do Direito volta-se a um conjunto de elementos materializados na forma
de textos, inseridos num processo comunicacional (social) - o direito positivo. Com base nesta
diferença específica podemos ainda separar os sistemas científicos em duas espécies: sociais, aqueles
cujo objeto são mensagens escritas, faladas ou gesticuladas, integrantes de um processo
comunicacional; e não-sociais, aqueles que tomam como objeto fenômenos naturais, não integrantes de
um processo comunicacional ainda que, como tais, só sejam conhecidos linguisticamente.
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Jurídicos
(Ciência do Direito)
Sociais
Não-Jurídicos
Cie ntíficos
Não-sociais
Descritivos
Não-científicos
Nomoempíricos { Jurídicos ( direito positivo)
(comunicacionais)
Prescritivos
Não-Jurídicos
Não-descritivos
Não-prescritivos
Elaborada a classificação dos sistemas, observa-se, mais uma vez, que as realidades
direito positivo e Ciência do Direito não se misturam, nem se confundem. Embora a ambos seja
atribuído o qualificativo de "jurídicos", a Ciência do Direito pertence à categoria dos sistemas
descritivos que toma como objeto o direito positivo, enquanto este a dos sistemas prescritivos (não-
descritivos) que toma como objeto a realidade social.
O desenho abaixo deixa claro tal separação e as relações existentes entre eles:
Explicando: o legislador (representado pela figura dos três homens no canto superior
esquerdo do desenho), no intuito de disciplinar condutas intersubjetivas, pensa a norma jurídica e
produz um conjunto de textos (linguagem prescritiva - representado pelo desenho da "constituição e
leis"). Este corpo de linguagem, ao qual atribuímos o nome de direito positivo, dirige-se ao campo da
realidade social a fim de estabelecer outras relações entre sujeitos (representada pela figura dos dois
homens no canto inferior esquerdo do desenho). Surge então um jurista (representado pela figura do
homem do lado direito do desenho - "Paulo de Barros Carvalho"), interpreta a linguagem do direito
positivo construindo, em sua mente, as respectivas normas jurídicas e, ao descrever suas construções,
128
Existem corpos de linguagens não comunicacionais (sociais), como por exemplo, o sentimento, o pensamento . Tanto os
pensamentos quanto os sentimentos são constituídos na mente de um indivíduo como corpos de linguagem, pois nada nos é
inteligível se não for constituído em linguagem. São, contudo, linguagens não comunicacionais, isto é, não imersas num
contexto relacional entre duas pessoas. A prova disso é que para serem transmitidos é preciso a produção de uma
linguagem social, diferente daquela que os constitui.
129
Esta diferenciação é imprescindível para entender a teoria de PAULO DE BARROS CARVALHO, permeando todas
suas obras.
111
produz outro conjunto de textos (linguagem descritiva - representada pela figura do "livro"). A este
corpo de linguagem produzido pelo jurista atribuímos o nome de Ciência do Direito. Ele dirige-se à
linguagem do direito positivo com a finalidade de descrevê-la.
Temos, assim, três planos de linguagem: (i) Ciência do Direito; (ii) direito positivo;
(iii) linguagem social. Eles interagem entre si, mas constituem-se separadamente como unidades
distintas, de modo que podemos dizer serem três sistemas diferentes.
Nota-se: para que uma articulação lingüística do plano social faça parte do mundo
jurídico, ela deve ser rearticulada na estrutura própria do direito, o que se dá com a produção da
linguagem da facticidade jurídica. Da mesma forma, para que uma relação posta juridicamente projete-
se no campo das condutas intersubjetivas e alcance os domínios do ser, é necessário a produção de
uma nova linguagem social, caso contrário, ela não transpassa os domínios do dever ser. Neste sentido,
LOURIVAL VILANOVA explica resumidamente: "a abertura por onde entram os fatos são as
hipóteses fácticas; e as conseqüências em fatos se transformam pela realização dos efeitos"131
•
Neste sentido, o interagir entre os dois mundos não significa dizer que direito
positivo e realidade social se confundam, pois uma coisa é ser linguagem pertencente ao sistema do
direito positivo e outra pertencente ao sistema da realidade social. Para que a linguagem social ingresse
no sistema do direito positivo, é preciso que ela apresente certos critérios de pertencialidade
determinados pelo próprio sistema. É preciso que ela passe pelo filtro da facticidade jurídica, para que
deixe de ser linguagem social e passa, então, a ser linguagem jurídica. Aplicando a teoria dos jogos de
linguagem, é preciso que se produza uma jogada dentro do jogo do direito. O mesmo se aplica na
ordem inversa: só se altera a realidade social com a produção de outra linguagem social, ou seja, para
alterar o jogo social é preciso efetuar uma jogada do jogo social.
Diante destas colocações, surge uma dúvida: se a linguagem jurídica não toca a
realidade social, como o direito positivo cumpre sua função de disciplinar condutas intersubjetivas?
Devemos entender o termo "disciplinar" não no sentido de modificar, mas sim como uma forte
influência a ser imposta mentalmente ao receptor da mensagem prescritiva para que este aja
socialmente de uma forma determinada.
131
Causalidade e relação no direito, p. 55.
113
Qualquer aproximação entre sujeitos pressupõe um contexto comunicativo, onde uma mensagem é
transmitida. Assim, para se inter-relacionarem, os homens produzem comunicação, que interage com
outras comunicações anteriormente estabelecidas, formando um conjunto estruturado de
comunicações, um sistema, ao qual atribuímos o nome de "sociedade" 135
•
132
Coisa julgada em matéria tributária , p. 40.
1 33
PAULO DE BARROS CARVALHO alerta sobre os diversos sentidos do termo "comunicação " ao tratar da teoria
comunicacional do direito (Direito tributário, linguagem e método, p. 165-170).
134
GÉRARD DUROZOI e ANDRÉ ROUSSEL, Dicionário de filosofia, p. 95.
1 35
Explica CELSO FERNAND ES CAMPILONGO, ao reportar-se à teoria de LUHMANN, que: "o conjunto ou o processo
de sucessivas comunicações formam uma rede recursiva que define a unidade do sistema social. Os sistemas sociais usam a
comunicação como seu ato de reprodução. Tudo o que não é comunicação - por exemplo, a vida orgânica ou a consciência
- pode ser observado pelo sistema social e transformado em tema da comunicação" ( Política, sistema jurídico e decisão
judicial, p. 69).
114
uma roupa, um quadro. Até mesmo o silêncio ou a omissão (falta de palavras) caracteriza-se como
comunicação quando carregada de significado, isto é, na medida em que possam ser interpretados.
Tomada como um grande sistema, a sociedade é formada por uma rede estruturada
de comunicações de vários tipos, dentre os quais identificamos inúmeros subsistemas compostos por
comunicações diferenciadas entre si, como é o caso do direito positivo, da política, da economia e da
dogmática jurídica (Ciência do Direito).
Explicando: Tanto o direito positivo (S') como a Ciência do Direito (S") configuram-
se como sistemas autônomos (linearmente demarcados), na medida em que seus elementos são
comunicações (linguagem) diferenciadas. No entanto, constituem-se como subsistemas de um sistema
maior: a realidade social (composto por todas as demais comunicações - relações intersubjetivas - S) e
com ele se relacionam. O direito positivo incide sobre a realidade social com a finalidade de regulá-la,
de modo que todas as demais comunicações integrantes de seu ambiente (sistema social) o informam
1 36
O termo "ambiente" é aqui utilizado na acepção de: "tudo aquilo que está fora do sistema e não se configura como seu
elem ento".
115
cognitivamente. Já a Ciência do Direito incide sobre o direito positivo com a finalidade de descrevê-lo
e, assim, fazendo, presta-se a informar cognitivamente todas as demais comunicações integrantes de
seu ambiente (o sistema social).
Tal diferenciação, no entanto, não se aplica apenas para separar a sociedade dos
sistemas não-comunicativos, mas se reproduz no interior do próprio sistema social, em relação a cada
um de seus subsistemas. O direito, por exemplo, aparece como um sistema comunicativo,
funcionalmente diferenciado, formado por comunicações jurídicas cujo ambiente é constituído por
todas as demais comunicações (não-jurídicas).
13 7
Isto não significa que adotamos uma posição luhmanniana com relação ao direito positivo e à Ciência do Direito
(evidenciada na sua obra O direito da sociedade), apenas que podemos utilizar algumas de suas categorias para explicar o
modo como enxergamos o direito positivo e a Ciência do Direito (naquilo em que as teorias se aproximam).
138
Política. sistema jurídico e decisão judicial, p. 66.
116
fechamento operativo e também uma específica forma de abertura cognitiva ao ambien te139. Todo
sistema apresenta uma função e uma estrutura, que garante o cumprimento desta função, determinada
por um código e um programa específico, que viabilizam a diferenciação e interação com seu
ambiente.
FABIANA DEL PADRE TOMÉ, num aprofundado estudo, explica com clareza as
categorias luhmannianas14 0
. Por função entende-se toda ação ou atividade que o sistema desenvolve,
visando atingir seus objetivos. O cumprimento desta função só é possível mediante determinações
estruturais denominadas de "código" e "programa". O código é um esquema binário invariável,
produzido no implemento da função, que fundamenta a identificabilidade do sistema, permitindo separá-
lo de seu ambiente. É por meio dele que os elementos de fora são processados para dentro do sistema.
Para que os códigos cumpram seu papel na produção de elementos internos ao sistema, no entanto,
impõe-se a existência de programas que os complementem, conferindo-lhes conteúdo. A programação de
um sistema determina em que circunstâncias os elementos externos são qualificados pelo seu código e
passam a existir internamente.
Transpondo tais categorias ao estudo do sistema jurídico, temos que sua função
consiste na estabilização das expectativas normativas. O direito positivo diferencia-se funcionalmente
dos demais sistemas sociais por ter a finalidade de garantir a manutenção de expectativas normativas,
ainda que estas não venham a ser implementadas socialmente. Para executar sua função o sistema utiliza-
se de um código binário próprio: lícito/ilícito, segundo o qual as expectativas normativas cumprem-se ou
frustram-se. O código atua sobre as mensagens vindas do ambiente, reproduzindo-as de forma lícita ou
ilícita para dentro do sistema, o que lhe atribui identidade. É por meio do código que o direito
diferencia-se dos demais sistemas sociais, seus elementos são comunicações codificadas sob os valores
da licitude e da ilicitude. Determinando a maneira como o código é implementado o direito utiliza-se de
programas normativos (compostos por leis, regulamentos, precedentes jurisprudenciais, contratos, etc.)
que estabelecem em que hipóteses as comunicações externas são qualificadas como lícitas ou ilícitas. A
programação do direito, assim, é estabelecida por normas jurídicas, ela determina o conteúdo
codificado, sendo constantemente alterada como respostas às demandas advindas do sistema social.
Cabe a ela acompanhar a evolução da sociedade, indicando ao sistema as novas situações que
necessitam de tratamento jurídico.
1 39
Coisa julgada em matéria tributária , p. 40.
140
A prova no direito tributário, p. 41-53.
117
Para que uma comunicação qualquer (linguagem social) tome-se jurídica, ela tem,
necessariamente, que passar pelo filtro da juridicidade, ou melhor dizendo, tem que ser vertida em
linguagem jurídica. Mas, quando isso ocorre, ela deixa de ser qualquer comunicação e toma-se
comunicação jurídica. Nestes termos, o direito só opera com um tipo de linguagem (as qualificadas
pelo código lícito/ilícito) e, por isso, é estruturalmente fechado em relação ao seu ambiente. Esta
clausura operacional assegura a autonomia do sistema. Isto não significa, no entanto, que ele seja
isolado. Apesar de estruturalmente fechado, o sistema permite que dados externos nele ingressem por
141
GUSTAVO SAMPAIO VALVE RDE, Coisa julgada em matéria tributária , p. 68.
118
meio das hipóteses normativas e que suas comunicações se externem por meio das relações jurídicas, o
que lhe atribui uma abertura de conteúdo e de uso/aplicação em relação ao seu ambiente1 4 2.
142
Direito Tributário, linguagem e método, 212.
14 3
Embora trabalhemos, neste item, como categorias da teoria luhmanniana, LUHMANN não concebe a Ciência do Direito
como um sistema operacionalmente fechado em relação ao direito positivo, mas como uma reflexão deste. Faltaria a ela um
código binário próprio e programas específicos. Para nós, no entanto, este fechamento operacional se mostra claro, pois o
direito positivo é constituído por linguagem prescritiva do tipo técnica e a Ciência do Direito por linguagem descritiva do
tipo científica.
144
GUSTAVO SAMPAIO VALVERDE, Coisa julgada em matéria tributária , p. 51.
14 5
NIKLAS LUHMANN, lntroducción a la teoría de! sistemas, p. 100.
119
cria novos elementos, num ciclo auto-reprodutivo onde comunicação jurídica gera nova comunicação
jurídica.
Há autores que não aceitam o direito positivo como sistema por entenderem faltar-
lhe harmonia interna. Para estes autores, o fato de existir contradições no direito positivo o impede de
ter natureza sistêmica, pois geralmente, mesmo que não de forma explícita, eles adotam a não-
contradição como uma das características definidora do conceito de sistema148 . Não compartilhamos
do mesmo posicionamento, pois quando definimos nosso conceito de sistema deixamos fora de seu
definiens a característica da coerência de seus elementos. Isto demonstra que, para nós, a não-
contradição dos termos de um conjunto estruturado não é pressuposto para que ele seja considerado
um sistema.
No meio de um caos não somos capazes de enxergar sistemas, justamente porque não
há possibilidade de se identificar elementos e muito menos as relações que os unem. Mas, logicamente
não há que se falar de duas proposições que se contradizem se elas ocupam conjuntos diferentes. Se
somos capazes de perceber as antinomias é porque reconhecemos os termos e as relações existentes
entre eles, é porque visualizamos (na nossa concepção) o sistema.
146
A teoria da autopoise foi desenvo lvida, inicialmente, por HUMBERTO MATURANA e FRANCISCO VARELLA , para
explicar os sistemas biológicos e, dada sua operatividade , passou a ser aplicada ao estudo dos sistemas sociais por NIKLAS
LUHMANN.
147
GUNTHER TEUBNER, O direito como sistema autopoiético, p. 31.
1 48
GREGÓRIO ROBLES DE MORCHON é um destes autores. Para ele o direito só assume feição de sistema quando
harmoniosamente organizado pela Ciência do Direito.
120
Dentro desta linha de raciocínio, o direito positivo apresenta-se como um sistema que
comporta antinomias, alguns de seus termos se contradizem, mas somos capazes de identificá-los e de
enxergar as relações que se estabelecem entre eles. Mesmo se pensarmos apenas nos textos, enquanto
plano de expressão abstraídos de seus conteúdos significativos, observamos certa ordem estrutural
suficiente para visualizarmos um sistema.
Desta forma, não podemos confundir a significação atribuída aos textos do direito
positivo, que é prescritiva, com a descrição destas significações realizada pela Ciência do Direito.
Certamente que para descrever o direito, o cientista passa por este processo de construção de sentido,
mas a Dogmática Jurídica está a um passo além, ela descreve as significações prescritivas construídas
neste processo, é resultado de outro "ato de fala" que se consubstancia noutro tipo de linguagem (com
função descritiva). Assim, tanto o conjunto de "textos brutos" no qual ela se materializa, quanto as
proposições (significações) deles construídas, formam outro sistema, não mais prescritivo e sim
descritivo.
149
Esta postura ficará melhor evidenciada no próximo capítulo, quando estudaremos o direito como um fenômeno
comunicacional , utilizando-nos da Semiótica como instrumento de análise.
1 50
Direito tributário linguagem e método , p. 215.
122
"direito", aqui entendido enquanto objeto de uma Ciência; o que não significa dizer que o direito
positivo, enquanto conjunto de normas jurídicas de um dado país, pressupõe uma Ciência para existir
como sistema.
151
Um exemplo clássico dessa confusão se dá quando passamos a analisar o cumprimento das normas e as
sensaç ões/modi ficações que elas causam na socie dade, se elas são "justas" ou "injustas".
123
O mesmo fato social pode ser observado por vários ângulos, mas só um deles é
jurídico: aquele que toma como objeto o conjunto de normas jurídicas. PAULO DE BARROS
CARVALHO utiliza-se de um exemplo que bem demonstra tal afirmação: o fato do professor estar na
sala de aula ministrando uma aula. Este simples fato pode ser observado sob vários aspectos: jurídico -
o contrato do professor com a instituição ; econômico - o custo da aula para a faculdade; psicológico -
o que se passa na cabeça do professor quando está expondo a matéria; social - o relacionamento do
professor com a turma; etc. Todas as análises falam sobre o mesmo acontecimento, descrevem o
mesmo fato, só que sob enfoques diferentes. O ser jurídico é apenas um dos aspectos do fato, é uma
entre todas as formas sob as quais podemos analisá-lo.
Pensar o contrário, por exemplo, sena o mesmo que admitir que o corte
metodológico da Cardiologia tem o condão de isolar o coração da unidade do corpo humano e entendê-
lo como autônomo. Nota-se que a separação é apenas didática , o corte é feito para que se
124
possa melhor conhecer o coração, mas este é uma parte do corpo humano, que se relaciona com todas
as demais unidades e assim deve ser entendido.
1 52
Teoria geral do direito tributário, p. 31.
125
1 53
Aula inaugural no curso de especialização em Direito Tributário na pós-graduação da PUC-SP (15/08/2005).
126
a resposta está na juridicidade das normas, mas que é a "juridicidade"? Ou melhor, o que atribui esta
característica ao sistema?
(i) Uma das ordens morais do casamento dispõe: "se for casado (a), deve ser, que
não é permitido trair o cônjuge". Mas vamos supor que um dos cônjuges traia, o que pode acontecer
com ele além de sua consciência ficar pesada? Mesmo que o outro descubra, o que pode acontecer a
ele? O outro pode ficar chateado, perder a confiança, mas nenhuma conseqüência pelo não
cumprimento da ordem passará do campo do psicológico, pois é nele que o sistema moral atua. Sua
coerção é mental.
(ii) Uma das ordens religiosas contida nos sete pecados capitais é a inveja. E se
alguém o comete? Digamos que o padre, como penitência, mande rezar duzentas Ave-Marias. O que
vai acontecer se a pessoa não rezar? Provavelmente vai sentir-se culpada temendo o julgamento após
sua morte. A coerção, assim, não passa do plano metafisico. Somente aquele que acredita na existência
divina se sente coagido a cumprir a norma.
(iii) O caso do filho que pega emprestado um brinquedo do coleguinha e não quer
devolver. O pai emite uma ordem para que ele devolva o brinquedo. O filho pode devolver por medo e
respeito à autoridade paterna, ou se negar a obedecer à ordem dada pelo pai. Como castigo o pai lhe
ameaça com uma palmada. Se ainda assim o filho continuar com o brinquedo na mão, o pai pode tomá-
lo a força e devolver para o coleguinha. A coerção existe em razão da autoridade paterna e no caso foi
fisicamente exercida, se o filho cresce não reconhece no pai uma autoridade, deixa de cumprir suas
ordens.
Digamos que uma pessoa, por exemplo, não cumpra uma ordem jurídica que
prescreve o dever de pagar determinada quantia em dinheiro a outrem. A pessoa lesada pode dirigir-se
ao Poder Judiciário para que este, utilizando-se do aparato coercitivo Estatal, execute o devedor. Se o
devedor não adimplir a dívida por sua livre vontade o juiz ordenará que se proceda a penhora dos bens
e depois que eles sejam leiloados, para que a pessoa lesada receba o valor devido.
Toda coercitividade do direito é viabilizada pela via judicial e é isso que atribui
juridicidade as suas ordens. Todos os direitos e deveres prescritos por normas jurídicas são amparados
pela possibilidade de ingresso no judiciário para que sejam adimplidos. Por isso , a expressão: "a todo
direito corresponde uma ação". A coercitividade jurídica é viabilizada com o direito de ação daquele
sujeito prejudicado pelo seu descumprimento.
Como ilustração citamos o exemplo do suicídio: o direito não proíbe o suicídio, mas
imputa uma pena a sua instigação. Isto porque suicidar-se é uma conduta intra-subjetiva, isto é, do
sujeito para com ele mesmo, ao passo que, quando alguém instiga outrem a cometer suicídio estamos
diante de uma conduta social. Diferentemente, a religião proíbe o suicídio porque é um sistema
prescritivo que regula não só condutas intersubjetivas, como também intra-subjetivias.