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AS PROPOSTAS DE PERIODIZAÇÃO DA LITERATURA CABO-VERDIANA

A periodização da literatura cabo-verdiana tem vindo a despertar o interesse de vários estudiosos na área, e por isso, existem vários modelos de definição dos períodos:
1. A perspectiva de Manuel Ferreira 2. Segundo Pires Laranjeira
Manuel Ferreira baliza os períodos dessa literatura a partir do eixo Claridoso, Pode-se considerar seis períodos para a Literatura Cabo-Verdiana:
estabelecendo, portanto, um antes e um após a revista de Mindelo. Assim, 1º - Iniciação (das origens - 1925)
estabelece a periodização em: Marcado por grandes vazios em termos de produção literária e pela abrangência de
1. – Pré-claridosos: Antes da revista Claridade já existia em Cabo Verde uma vasta gama de textos influenciados pelo baixo romantismo e pelo Parnasianismo.
determinados elementos literários e culturais que influenciaram direta ou Este período ainda é marcado pela publicação do Romance “O Escravo” de José
indiretamente esta revista. Também tinha surgido um grupo de escritores Evaristo D’Almeida.
denominados por Manuel Ferreira de pré-claridosos (geração pré-claridosa, tendo Principais nomes:
destaque os seguintes escritores: Guilherme Dantas, Eugénio Tavares, Januário Antónia Pusich, Guilherme Dantas, Joaquim Barreto, Luís Medina e Vasconcelos,
Leite, José Lopes, Pedro Cardoso. Maria Luísa Serra Pinto Ferro, Eugénio Tavares, José Lopes e Pedro Cardoso.
2. – Claridosos: É a geração que surgiu em torno da revista Claridade surgida em Principal Obra: “O Escravo” de José Evaristo de Almeida, considerado o marco inicial
1936 na Cidade do Mindelo, e que está no centro de um movimento de da literatura cabo-verdiana;
emancipação cultural, social e política. Fundadores: Manuel Lopes, Baltasar 2º - Hesperitano (1926 -1935)
Lopes da Silva (que usou o pseudónimo poético de Osvaldo Alcântara) e Marcado pelo recurso ao mito hesperitano o arsenário, para fugirem da limitação da
Jorge Barbosa. pátria portuguesa e explicarem a origem das ilhas de Cabo Verde.
Colaboradores: Para além dos seus fundadores, convém mencionar duas outras Principais nomes e suas obras:
personalidades que participaram na Claridade; o pintor e crítico Jaime de Pedro Cardoso: Jardim das Hespérides, Hespérides e Folclore Cabo-verdiano;
Figueiredo e o escritor João Lopes deram o seu importante contributo desde a fase Mulheres da Praia; Revista Hespérides;
inicial. Adicionalmente, colaboraram outros escritores ao longo da existência da José Lopes: Jardim das Hespérides e Hesperitanas;
Claridade, dando um valioso contributo bilingue não só para o desenvolvimento do Eugénio Tavares: Mornas, Cantigas Crioulas;
projeto como também para o enriquecimento da literatura moderna cabo-verdiana, Jorge Barbosa: Arquipélago.
em geral. Foram eles, Pedro Corsino de Azevedo e José Osório de Oliveira, nos Temas tratados:
primeiros números; Henrique Teixeira de Sousa, Félix Monteiro, Nuno Miranda, Regionalismo telúrico, em alguns casos raros, a da seca, da fome, do vento e
Abílio Duarte, Arnaldo França, Luís Romano de Madeira Melo, Tomás Martins, raramente a insatisfação e incomodidade com a situação a que se vivia.
Virgílio Pires, Onésimo Silveira, Francisco Xavier da Cruz, Corsino Fortes, Artur 3º - Regionalista ou Claridoso (1936 -1957)
Augusto, Sérgio Frusoni e Virgílio de Melo, entre outros, nos restantes números Inicia-se com a publicação da revista “Claridade” em 1936 e estende-se até 1957 e
publicados. Lema da Claridade: «fincar os pés na terra». O conteúdo temático da deve-se às grandes transformações sociais e políticas ocorridas no mundo. Este
revista seria «fincar os pés na terra», por outras palavras, um olhar atento sobre os período sofreu influências do Modernismo Português e da Literatura Brasileira. Os
problemas vitais de Cabo Verde e as condições de vida do seu povo. intelectuais cabo-verdianos da época passaram a ver a sua terra e a sua cultura como
Objetivo: Ao nível político e ideológico, a Claridade tinha como objetivo procurar sujeitos activos.
afastar definitivamente os escritores cabo-verdianos do cânone português, Principais nomes e suas obras:
procurando refletir a consciência coletiva cabo-verdiana e chamar a atenção para Jorge Barbosa: Ambiente; Caderno de um Ilhéu
elementos da cultura cabo-verdiana que há muito tinham sido sufocados pelo Henrique Teixeira de Sousa: Dragão e Eu
colonialismo português, como é o exemplo da língua crioula. Baltasar Lopes: Chiquinho
3. – Pós-claridosos Manuel Lopes: Poemas de quem ficou
Pedro Cardoso: Lírios e Cravos
Gabriel Mariano: O rapaz doente
José Lopes: Alma Asinária
Marco literário: Revista Claridade
4º Cabo-verdianitude (1958 - 1965) das calças roladas; Os dois irmãos;
Com o surgimento do Suplemento Cultural, se assume uma nova cabo- Orlanda Amarílis: A casa dos Mastros;
verdianidade que, por não desdenhar a influência da negritude, se pode apelidar de Manuel Veiga: Odju d’agua
Cabo-verdianitude, que, desde a sua ténue assunção por Gabriel Mariano, num (Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa, vol. 64, Pires Laranjeira, Lisboa,
curto artigo (1958), até muito depois do virulento e celebrado ensaio de Onésimo Universidade Aberta, 1995, pp.180-185)
Silveira (1963), provocou uma verdadeira polémica em torno da aceitação tranquila 3. A periodização de Brito Semedo
do patriarcado da Claridade. Do Suplemento Cultural do Boletim Cabo Verde. Este autor mantém os mesmos períodos cronológicos, identificando, contudo, fases ou
Principais nomes e obras: subperíodos, concretamente temáticas. Propõe 2 períodos e 4 fases:
Gabriel Mariano: Negritude e cabo-verdianidade; 3.1. O período do cabo-verdianismo (1842- 1936)
Manuel Lopes: O galo que cantou na Baía; Os flagelados do Vente Leste Os aspectos estético-formais e temáticos que caracterizam este período são os do
Ovídio Martins: Tchutchinha; Caminhadas; Neoclassicismo (1756-1825) e do Romantismo (1825-1865) português e, do Ultra-
Aguinaldo Fonseca, Terêncio Anahory, Yolanda Morazzo, Kaoberdiano Dambara, romantismo, cultivado tardiamente em Cabo Verde.
Onésimo Silveira. […] Este período de produção jornalística e literária é aqui classificado de cabo-
5.° Universalismo (1966 e 1982) verdianismo, por analogia com o africanismo, já que o enunciado dos textos
Do Universalismo assumido, sobretudo por João Vário, quando o PAIGC produzidos não reflecte, grosso modo, o real social cabo-verdiano, embora a produção
(acoplando forças políticas de Cabo Verde e da Guiné-Bissau) se achava já fosse feita por filhos das ilhas.
envolvido, desde 1963, na luta armada de libertação nacional, abrindo, aquele Distingue-se neste período duas fases:
poeta, muito mais cedo do que nas outras colónias, a frente literária do intimismo, a) Fase dos Primórdios
do abstraccionismo e do cosmopolitismo: aliás, só depois da independência, e Surgiu com a instalação do Prelo em 1842. Fase do nascimento da Imprensa e do
passado algum tempo, surgiu descomplexada e polémica, sobretudo em Angola e lançamento das bases da literatura cabo-verdiana com a publicação dos primeiros
Moçambique. Podemos datar de 1966, com a impressão dos poemas, em Coimbra, textos literários.
de Exemplo geral, de João Vário (João Manuel Varela), essa viragem, que, diga-se, Destacam-se nomes como: Antónia Gertrudes Pusich; Guilherme Dantas; Maria Luiza
pouco impacto veio provocar. […] se Sena Barcellos.
Principais nomes e obras: b) Fase da Crioulidade
António Aurélio Gonçalves: Noite de Vento; Virgens Loucas; Marcada pela exaltação dos valores crioulos e, é integrada principalmente por antigos
Teixeira de Sousa: Contra Mar e Vento; Ilhéu de contenda; estudantes do Seminário Liceu de S. Nicolau, fundado em 1866.
Ovídio Martins: Gritarei, berrarei, morrerei, não vou para pasárgada; Destacam-se: Eugénio Tavares; José Lopes da Silva; Pedro Cardoso; Juvenal Cabral,
Corsino Fortes: Pão e Fonema; entre outros.
Orlanda Amarílis: Ilhéu dos pássaros; 3.2. O período da Cabo-verdianidade
Arménio Vieira: Poemas; (Prémio Camões) Os aspectos estético-formais que predominam são os mesmos do Modernismo
6.° Consolidação (1983 à actualidade) Português (1927-1940) e brasileiro, com temáticas próprias do Realismo, por
Começa por ser uma fase de contestação, comum aos novos países, para influência do modelo brasileiro e, do Neo-realismo, seguindo o modelo português.
gradualmente se vir afirmando como verdadeiro tempo de Consolidação do sistema Neste período o enunciado dos textos produzidos já reflecte o real cabo-verdiano e
e da instituição literária. O primeiro momento é dominado pela edição da revista aquilo que o identifica, e ao mesmo tempo o distingue socioculturalmente como povo.
Ponto & Vírgula (1983-1987), liderada por Germano de Almeida e Leão Lopes O início deste período é marcado pelo surgimento da Revista Claridade, cujo nome
[…]. passou a designar uma geração de escritores e uma nova forma de fazer literatura.
Principais obras e nomes: Surgiram neste período quatro gerações literárias: (i) Geração da Claridade; (ii)
Teixeira de Sousa: Capitão de mar e vento; Geração da Academia Cultivar; (iii) Geração da Nova Largada e (iv) Geração do Seló,
Corsino Fortes: Árvore e Tambor; respectivamente a volta da Claridade (S. Vicente 1936); da Certeza (S. Vicente 1944);
Baltasar Lopes: O trabalho e os dias; Cântico da manhã futura; do Suplemento Cultural (Praia 1958) e do Seló (S. Vicente 1962).
Germano de Almeida: O testamento do senhor Napumoceno da Silva Araújo; O dia
Considera-se existir igualmente neste período da cabo-verdianidade, duas fases: 3º período - o da Modernidade que se pode assim subdividir:
a) Fase do Regionalismo Modernidade propriamente dita - entre 1960 e 1980 - que compreenderia duas
Esta fase despontou em 1936 com o propósito de “Fincar os pés na terra” das ilhas e linhas distintas: a literatura de contestação (Amílcar Cabral, Gabriel Mariano, Ovídio
concretiza-se na publicação da revista Claridade. Martins e Mário Fonseca) e a da tradição, que pressupõe a continuidade dos autores da
Destacam-se figuras como: Baltasar Lopes (Osvaldo Alcântara); Jorge Barbosa; Claridade e da Certeza em manifestações e rumos individualizantes;
Manuel Lopes; António Aurélio Gonçalves; Henrique Teixeira de Sousa, Arnaldo Modernidade tardia (ou pós-modernidade, ou crítica da modernidade) entre 1980
França. Ou seja, a Geração da Claridade e a Geração da Academia Cultivar. e 2001, fase da emergência de novas identidades ou novos sujeitos identitários (com
b) Fase do Nacionalismo marcas de universalismo, subjetivismo, metaforismo) expressos na segunda fase de
A literatura passa a ser usada como ARMA de combate na construção de uma nova João Varela (João Vário e G.T. Didial), Corsino Fortes, Arménio Vieira, num diálogo
pátria. Fase essa que e iniciada com a publicação do Suplemento Cultural em 1958. entre a tradição e a inovação... Surgimento das novas tendências individualistas que se
Os autores destacados são: Aguinaldo Fonseca; Gabriel Mariano; Ovídio Martins; consolidaram em percursos autónomos (Oswaldo Osório, Germano Almeida, Fátima
Yolanda Morazzo; Corsino Fortes; Osvaldo Osório e Arménio Vieira. Ou seja, a Bettencourt, Orlanda Amarílis, Filinto Elísio, Vera Duarte, Mário Fonseca, Jorge
geração da Nova Largada e a geração do Seló. Carlos Fonseca, Dina Salústio); profileração de periódicos como Suplemento Cultural,
Raízes, Ponto & Vírgula, Voz di Povo, Pró-Kultura, Voz di Letra, Fragmentos,
OBS: Ainda o autor considera existir um terceiro período da literatura cabo- Sopinha de Alfabeto... com destaque para Vadinho (Valentinous) Velhinho, Germano
verdiana correspondente à época da pós-independência ou do Universalismo, Almeida, Canabrava (pseudónimo de Pedro Andrade Vieira) e Camilo da Graça.
período esse também com duas fases mas, que será abordado noutra investigação. 4º período - da consolidação, de 2001 à atualidade... Integra os mais antigos como
João Vário, T. T. Tiofe, Corsino Fortes, Jorge Carlos Fonseca e (…) nomes
In “Construção da Identidade Nacional” de Manuel Brito Semedo importantes da intelectualidade cabo-verdiana, ainda vivos, como Kaká Barbosa, David
Hoppfer Almada, Dina Salústio, Fátima Bettencourt, Danny Spínola, e os mais novos
4. A periodização de Fátima Fernandes: Evel Rocha, Eileen Barbosa, Abraão Vicente, José Luís Tavares.
1º Período - iniciático ou precursor - entre 1850 e 1936 - o primeiro das ... Obras que consolidam a problematização da construção da identidade literária cabo-
criações, dispersas e resultado de uma forte presença estética romântica, de teor -verdiana, nomeadamente a trilogia de Corsino Fortes "A cabeça calva de Deus", as
ultra-romântico e decadentistas, porém em que a manifestação da crioulidade é feita obras de Dina Salústio "A Louca de Serrano" e "Filhas do Vento", as crónicas de
pela busca de uma identidade cabo-verdiana... Precursores destacamos: Eugénio Fátima Bettencourt "Um certo olhar" e "Semear em pó"; "Paraíso apagado por um
Tavares, Guilherme Dantas, Januário Leite, Pedro Cardoso, José Evaristo trovão" e "Agreste matéria mundo", ambas de José Luís Tavares, além de obras em
d'Almeida, José Lopes. poesia de José Luís Hoppfer Almada, "À sombra do sol e "Assomada nocturna".
2º período - o da cabo-verdianidade - entre 1936 e 1962 - a busca em defender Neste período se assinalam igualmente as revelações de António de Nevada, Abraão
as raízes cabo-cabo-verdianas... Defesa de uma autenticidade que se queria Vicente e Danny Spínola, que hoje já se consagram com obra mais vasta.
distanciada do modelo temático e ideológico europeu, tal como vinha acontecendo
no século XIX... Trabalhos esporádicos de autores como Sérgio Frusoni e Pedro In "Percursos Identitários e Estéticos na Literatura Cabo-verdiana Contemporânea -
Corsino de Azevedo... Marcado pelo regionalismo inicial (um pouco antes e um João Varela, Corsino Fortes e José Luís Tavares” de Maria de Fátima Fernandes,
pouco depois do surgimento da revista Claridade, em 1936)... Produções das revistas Livraria Pedro Cardoso, 1a edição, Outubro de 2016, páginas 174 a 176
Claridade e Certeza...obras de Orlanda Amarílis, Manuel Lopes, Luís Romano,
Baltasar Lopes, Gabriel Mariano, Manuel Ferreira, Terêncio Anahory, Abílio
Duarte, uma projeção do feminismo explorada em António Aurélio Gonçalves e o
anti-evasionismo expresso por Ovídio Martins.

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