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O Mito do Eleitor Racional.

In: RIBEIRO, Marcia Carla Pereira; DOMINGUES, Victor


Hugo; KLEIN, Vinicius. (Org.). Análise Econômica do Direito: Justiça e Desenvolvi-
mento. 1ed.Curitiba: CRV, 2016, v. 1, p. 23-26.

O mito do eleitor racional

Rodrigo Luís Kanayama (Advogado, Doutor em Direito do Estado, Professor

Adjunto de Direito Financeiro da Faculdade de Direito da UFPR)

Nas eleições brasileiras, ouve-se a seguinte frase: as pessoas não votam

corretamente e escolhem mal e em razão do comportamento errático, do eleitor ignorante, dos

erros sistemáticos, elegemos, repetidamente, os maus políticos. Dessa frase, extraem-se

conclusões como o eleitor é racionalmente ignorante e seu voto é equivocado, o eleitor

comente erros e é incapaz de agir coerentemente, e existem maus políticos.

A fim de proceder à análise da existência do mito do eleitor racional exige-se o

conhecimento do conceito do eleitor racional. A referência dos debates nesse assunto é

a obra Uma Teoria Econômica da Democracia, de Anthony Downs, economista norte-

americano, cujo estudo sobre a escolha racional foi importante para a análise da

democracia, eleitores e eleitos (partidos).

Para que existam eleitores, é imprescindível a democracia. As oportunidades

dos cidadãos devem ser plenas, com possibilidade de eleger preferências, tanto

individuais quanto coletivas 1. Assim, fontes variadas de informação são requeridas,

a fim de que a escolha dos seus representares se dê da melhor forma possível.

Anthony Downs enumera algumas condições de um governo democrático.

Segundo o autor, deve haver a escolha de um único partido ou coalizão de partidos

para gerir o aparato de governo, as eleições devem ser periódicas e definidas, os

eleitores são qualificados para votar, os perdedores não podem criar obstáculos à

assunção do governo ou tentar retirá-lo do poder pela força, e existe mais de um

partido disputando a eleição. 2

1 DAHL, Robert. Poliarquia. São Paulo: USP, 1997, p. 26-27

2 DOWNS, Anthony. Uma Teoria Econômica da Democracia. São Paulo: Edusp, 1999, p.
45
O Mito do Eleitor Racional. In: RIBEIRO, Marcia Carla Pereira; DOMINGUES,
Victor Hugo; KLEIN, Vinicius. (Org.). Análise Econômica do Direito: Justiça e
Desenvolvimento. 1ed.Curitiba: CRV, 2016, v. 1, p. 23-26.

O defeito – incontornável – é a racionalidade do político, auto-interessado,

egoísta e maximizador de utilidade. Não há razão, como já dizia James M. Buchanan,

para afirmar que os indivíduos são egoístas no âmbito privado e são altruístas nas

discussões públicas. Estando em esfera pública, prosseguirão auto-interessados.

Considerar o agente político como auto-interessado esclarece o

comportamento que visa a proporcionar ascensão a cargos públicos eletivos.3 Para

que sejam eleitos, os partidos políticos devem agir de forma a atender a demanda do

eleitor e, se governarem, alocarão recursos de maneira a obter o resultado eleitoral

desejado. Difícil, pois, compreender o agente político e o partido altruístas, e não

preocupados com os resultados eleitorais. O indivíduo que visa a ocupar cargos

políticos agirá motivado pela satisfação de auto-interesses e inexistem incentivos

para que aja diferentemente.4

Na outra ponta, o eleitor supostamente é racional e, é lícito afirmar,

igualmente egoísta. Anthony Downs afirma que, normalmente, ser politicamente bem-

informado é irracional, pois não há retornos ou benefícios que justifiquem os custos

(tempo, recursos escassos). Eleitores, muitos deles, não se preocuparão em levantar

informações sobre seus candidatos, não disporão do tempo para buscar dados sobre

3Anthony Downs salienta que “o termo racional nunca é aplicado aos fins de um agente, mas
somente a seus meios”. E, ainda, “a função política das eleições numa democracia,
presumimos, é selecionar um governo. Portanto, comportamento racional vinculado às
eleições é comportamento orientado para esse fim e nenhum outro”. (DOWNS, Anthony.
Uma Teoria Econômica da Democracia. São Paulo: Edusp, 1999, p. 27-29)

4 Entretanto, Anthony Downs (DOWNS, Anthony. Uma Teoria Econômica da


Democracia. São Paulo: Edusp, 1999, p. 106) reconhece que, mesmo na política é aceitável a
presença de pessoas altruístas, e Jon Elster (ELSTER, Jon. Explaining social behavior. More
Nuts and Bolts for the Social Sciences. Cambridge: Cambridge University Press, 2007, p. 49)
elege condições para o altruísmo: (a) a ação que beneficia outros é proativa, não reativa; (b) é
anônima a ação, no sentido de que é desconhecida a identidade do ator pelo beneficiário ou
por terceiros. Enfim, Herbert A. Simon defende que a vida em sociedade não permite que os
indivíduos sejam egoístas. (SIMON, H. A. Administrative Behaviour. A Study of Decision-
Making Process in Administrative Organizations, 4o ed. New York: The Free Press, 1997, p.
302)
políticas e não possuem condições suficientes para deixá-los aptos a influenciar

decisões. 5 De outro viés, o custo não compensa o esforço para avaliar os candidatos.

O voto individual tem importância irrisória e não trará nenhum efeito. Por isso, o

eleitor não é irracional, mas é racionalmente ignorante. Escolhe ser ignorante em razão

dos custos envolvidos e dos baixos benefícios auferidos. Diante desse fato,

verdadeiro acusar o eleitor de ser egoísta, da mesma forma que os eleitos, pois não se

preocupa com o resultado de suas escolhas.

Ainda, num sistema multipartidário, como o brasileiro, o voto racional,

segundo Anthony Downs, é mais difícil e mais importante que num sistema bipartidário,

pois, diante das coalizões necessárias, os resultados possíveis ocorrem em maior

quantidade e o eleitor não tem certeza de quem está apoiando 6. O partido procura

maximização de seus próprios votos, e não da coalizão – o partido não tem intenção

de produzir benefícios em votos aos demais partidos pertencentes a mesma coalizão7.

Há vozes dissidentes à visão de Anthony Downs. Bryan Caplan afirma que os

eleitores não são apenas ignorantes, mas piores: são irracionais – além de egoístas. A

sociedade torna-se pior se ninguém se importar para a política, porém o indivíduo

não me torna pior se ele, sozinho, não souber nada sobre política. 8

O eleitor não é irracional ou racional em tempo integral. Mas, se o eleitor é

irracional no dia da eleição, não se pode esperar que seja racional nos demais dias do

5 DOWNS, Anthony. Uma Teoria Econômica da Democracia. São Paulo: Edusp, 1999, p.
277

6 DOWNS, Anthony. Uma Teoria Econômica da Democracia. São Paulo: Edusp, 1999, p.
169

7 DOWNS, Anthony. Uma Teoria Econômica da Democracia. São Paulo: Edusp, 1999, p.
179

8CAPLAN, Bryan. The Myth of the Rational Voter. Why Democracies Choose Bad Policies.
Princeton: Princeton University Press, 2007, pos. 1.729 (Kindle Edition).
O Mito do Eleitor Racional. In: RIBEIRO, Marcia Carla Pereira; DOMINGUES,
Victor Hugo; KLEIN, Vinicius. (Org.). Análise Econômica do Direito: Justiça e
Desenvolvimento. 1ed.Curitiba: CRV, 2016, v. 1, p. 23-26.

ano 9. Nessa linha, o eleitor irracional (racionalmente irracional, como nomeia) assume

sua irracionalidade e propositalmente procura se afastar de informações que

interfiram em sua decisão 10.

Na linha de Bryan Caplan, não existe incentivo para o que eleitor seja racional

em relação à política. Ao realizar escolhas sobre compras no supermercado, o

consumidor fará diversas avaliações – sobre o custo-benefício de determinada

compra –, utilizará informação que está à disposição – heurística de disponibilidade

–, terá visões pré-concebidas – behavioral bias – e escolherá o produto que lhe

proporcionará maximização de utilidade.

No âmbito público, da política, não fará esse julgamento. Não terá

informações suficientes, e as informações não serão facilmente obtidas ou serão

seletivamente publicadas e oferecidas a ele. O eleitor sofrerá de sistemático bias,

preconceitos e desinteresse. Aliás, conforme Joseph Schumpeter, não há vontade

geral, as pessoas não sabem com exatidão o que querem11 e o grau de preconceito que

carregam leva a escolhas extrarracionais ou irracionais. E quanto mais distante da

realidade dos eleitores, maior será o grau de irracionalidade.

O debate por detrás da racionalidade do eleitor desvela a face – obscura – da

democracia. Esclarece a imprescindibilidade das instituições e da democracia

representativa. E expõe a perene dificuldade de se obter consensos.

9 CAPLAN, Bryan. The Myth of the Rational Voter. Why Democracies Choose Bad
Policies. Princeton: Princeton University Press, 2007, pos. 2.095 (Kindle Edition).

10 CAPLAN, Bryan. The Myth of the Rational Voter. Why Democracies Choose Bad
Policies. Princeton: Princeton University Press, 2007, pos 2278 (Kindle Edition).

11 SCHUMPETER, Joseph. Capitalismo, Socialismo e Democracia. Rio de Janeiro: Fundo


de Cultura, 1961, p. 213.
Bibliografia recomendada

DOWNS, Anthony. Uma Teoria Econômica da Democracia. São Paulo: Edusp,

1999.

SCHUMPETER, Joseph. Capitalismo, Socialismo e Democracia. Rio de Janeiro:

Fundo de Cultura, 1961.

CAPLAN, Bryan. The Myth of the Rational Voter. Why Democracies Choose

Bad Policies. Princeton: Princeton University Press, 2007.

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