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ESCRAVIDÃO

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Autor: Sérgio Barcellos Ximenes.

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Só para juízes e promotores: os atuais adicional de home office (trabalho em
casa) e auxílio-pandemia, e o auxílio-chibatada do tempo da escravidão
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Observação (11/8/2020): a realidade acaba de atualizar este artigo.
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/painel/2020/08/tj-de-sp-vai-dar-premio-de-
ate-r-100-mil-para-desembargadores-julgarem-processos-durante-a-crise.shtml
E atualizou de novo (30/8/2020):
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/08/toffoli-manda-tribunais-comprarem-
um-terco-de-ferias-de-juizes-em-meio-a-crise-do-coronavirus.shtml

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O adicional de home office (trabalho em casa)
O Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça
(CNJ), Dias Toffoli, ordenou em 31/3/2020 a suspensão do pagamento do auxílio de
home office (trabalho em casa) concedido a juízes do Tribunal de Justiça do Ceará. O
adicional correspondia a 15% da remuneração mensal dos magistrados.
Na decisão, Toffoli afirmou: "Nós não vamos admitir de maneira nenhuma que, num
momento em que a sociedade exige a nossa solidariedade [a crise do coronavírus], se
faça qualquer tipo de abuso com o erário, com o dinheiro público".
Os adicionais ou "penduricalhos" são a forma legal utilizada para que a remuneração
dos juízes ultrapasse o limite estabelecido pela Constituição. Na média nacional (há
variações estaduais), o aumento corresponde a cerca de R$20.000,00. Os privilégios da
magistratura incluem auxílio para alimentação, moradia, saúde, transporte, educação e
pré-escola (dos filhos), e ajuda de custo. Além desses, contam com gratificações por
serviço extraordinário, serviço cumulativo e substituição funcional.
Há auxílios curiosos, como o auxílio-paletó e o"auxílio-peru" (que não é o que você
está pensando). Trata-se do abono de Natal instituído em 2007 pelo Tribunal de Justiça
do Rio de Janeiro (TJRJ), beneficiando juízes aposentados daquele Tribunal.
Duas fontes:
https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/politica/2018/12/22/interna_politi
ca,726927/auxilios-recebidos-por-juizes-se-multiplicam-cada-vez-mais.shtml
https://www.brasildefato.com.br/2019/03/11/supersalarios-juizes-recebem-ate-
rdollar-250-mil-por-mes-e-pagam-menos-6-de-inss-liberar/

O auxílio-pandemia
Os juízes do Ceará perderam uma fonte extra de renda, mas os promotores do Mato
Grosso do Sul, não: no início de maio deste ano ganharam R$1.000,00 a mais, por mês,
sob a justificativa de “ajuda de custos para despesas com saúde”.
https://www.reportermt.com.br/poderes/mp-cria-ajuda-de-custo-de-ate-r-1-mil-para-
membros-e-servidores/113498

O auxílio chegou no início do pico da pandemia do novo coronavírus. No dia


seguinte, o Governo federal anunciava que 43 milhões de trabalhadores não receberiam
os R$600,00 de auxílio emergencial por não cumprirem os requisitos exigidos pela lei
aprovada no Congresso.

O auxílio-chibatada
Esses dois casos lembram um outro, do século XIX, período em que algumas leis
tentaram (e não conseguiram) regular a violência e a crueldade dos brancos contra os
negros cativos. Não raro, a sentença dos juízes era ainda mais cruel que o tratamento
regular aplicado aos escravos.
Sendo o réu considerado culpado pelo juiz, este arbitrava um número de chibatadas a
serem impostas ao escravo, variando estas de 100 a 3.000 (isso mesmo, 3.000
chibatadas). Detalhe: a chibata era um chicote de cinco a seis tiras de couro trançado.
Portanto, uma chibatada significaria de 5 a 6 lanhos na pele do condenado.
Esse castigo físico não excluía outros, como o uso, geralmente por um ano, da
gargalheira, peça de ferro presa ao pescoço, pesando de 1 a 6 quilos. As extremidades
da peça eram unidas a fogo, de modo a impedir a sua remoção durante o período do
castigo.
A aplicação das chibatadas era acompanhada por um médico e por um juiz. O
médico exercia a mesma função de seus colegas responsáveis por fiscalizar a tortura no
período da Ditadura Militar no Brasil: impedir a morte do torturado, sugerindo o
adiamento quando houvesse esse perigo. O juiz certificava-se da correta aplicação da
chibatada (da força delas, por exemplo) e do número de golpes do aplicador.
No recorte abaixo, o jornal Gazeta de Notícias (7/8/1886) informou sobre a
reclamação de um juiz durante a sessão de tortura. Queria mais força, mais violência,
mais sofrimento, mais sangue.
"[...] Dois foram os fatores da morte: um mediato — a aplicação não de 300 açoites,
até chegar ao estado de ser preciso retalhar-se a carne das míseras criaturas, mas de
1.500 açoites a cada escravo, porque cada chicote tinha de 5 a 6 pernas do couro cru
trançado!!... É falso que os castigos fossem infligidos com assistência de médico; este
só foi chamado quando um dos escravos, no ato de ser açoitado, teve uma grande
síncope ou espasmo cataléptico. Às primeiras relhadas começou a espadanar o sangue
em grande quantidade, mandando o juiz reforçar as chicotadas, que não eram bem
puxadas. [...]"

Gazeta de Notícias (Rio de Janeiro, RJ), 7/8/1886, número 219, página 1, terceira
coluna.
http://memoria.bn.br/DocReader/103730_02/10695
Repare na data: 7 de agosto de 1886. Menos de dois anos antes da abolição da
escravatura no País.
O "auxílio-chibatada", ao contrário do auxílio home office, não chegou a ser
concedido. Mas foi solicitado por um juiz, inconformado por se dar ao trabalho extra de
acompanhar a correta aplicação de suas sentenças desumanas.
Eis o registro do indeferimento oficial:
"Ao 1.º suplente do juiz municipal do termo de Maroim. ― Tenho presente o ofício
que vossa mercê dirigiu-me em 31 de maio findo, consultando se o juiz tem direito a
emolumentos a título de estado, pela assistência da execução de sentença de açoites em
réu escravo.
"E em resposta se me oferece declarar-lhe que, não cogitando da espécie o atual
regimento de custas, como bem se vê dos seus artigos 14 e 43 a 50, claro está que os
juízes criminais nada têm que perceber por assistirem à execução de sentenças de
açoites, sendo irregular a prática contrária ao que se contém no citado regulamento."

Jornal de Sergipe (Aracaju, SE), 2/7/1879, número 70, página 2, segunda coluna
http://memoria.bn.br/DocReader/228010/210
Passaram-se 141 anos entre essas reivindicações de privilégios. Algo não mudou.
*
Meu livro Cenas da Escravidão (1849-1888):o Sofrimento dos Torturados no
Império da Crueldade reproduz mais de 600 notícias sobre violências contra escravos
brasileiros. A segunda edição, além de trazer uma introdução substancialmente
aumentada, aborda, entre outros assuntos, a participação das mulheres nas torturas e a
responsabilidade moral de D. Pedro II, o maior beneficiário do Império da Crueldade.

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