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O POETA DO VINHO

-
Autor dos fabulosos versos do
Introdução
Rubaiyat, o persa Omar Khayyam
- Receitas
escreveu sobre a brevidade da vida e
a urgência De aproveitá-la intensamente na
companhia dos vinhos e das mulheres

Astrônomo, matemático, filósofo e poeta, o persa


Omar Khayyam foi, sobretudo, um grande amigo
de Baco. Com o vinho espantava a agonia da
existência humana, aliviava a implacabilidade do
tempo, alimentava a alma, temas recorrentes nos
versos do Rubaiyat, que ele compôs ao longo da
vida. Khayyam se chamava na verdade
Ghiyáthuddin Abulfath Omar bin Ibráhim Al-
Khayyámi. Nasceu em Nishapur, na província de
Khorassam, por volta de 1050. Apesar de ter
escrito tratados matemáticos de álgebra e
participado da reforma do calendário muçulmano,
imortalizou-se pela obra poética. Organizados na
forma de quadras - rubáyyát é o plural de rubay,
ou quadra em farsi, a língua persa -, os breves
versos do inspirado bardo persa tratam de
questões como o existencialismo humano, a
impotência do homem diante da morte e sua
incapacidade para explicar os mistérios da criação,
restando-lhe como única saída aceitar o destino e
gozar ao máximo a vida aqui e agora. E nada
melhor que celebrá-la bebendo vinho e amando as
mulheres: "Ouço dizer que os amantes/Do vinho
vão para o Inferno./Não há verdades na vida,/Mas
há evidentes mentiras./Se porventura os
amantes/Do amor e do vinho vão/Para o Inferno,
então vazio/Deve estar o Paraíso". Ou ainda: "Os
sábios não te ensinam nada,/Mas ao acarinhares
os longos/Cílios de tua bem-amada/Sentirás a
felicidade./Não te esqueça que tens os
dias/Contados. Assim compra vinho,/Busca um
retiro sossegado/E no vinho a paz, o consolo".
Como essas outras tantas quadras escritas pelo
poeta Khayyam exprimem o prazer intenso do
autor pela bebida de Baco, que, na época, era
elaborada com uvas persas colhidas nas encostas
do Monte Zagros. "Cairemos na estrada do Amor/E
o Destino nos pisará./Ergue-te, moça, ó linda
taça!/Beija-me antes que eu seja pó." "Pedi numa
taverna a um velho sábio/Que sobre os mortos
algo me ensinasse./'O que há de certo é que não
voltarão',/Disse.'É tudo o que sei. Bebe o teu
vinho!'."

Filho de um fabricante modesto de tendas,


Khayyam se interessou cedo pela filosofia e pelo
conhecimento científico. Na juventude, estudou
com o respeitado imã Mowaffak, de Nishapur. A
convivência com o líder religioso, porém, não
impediu que ele se sentisse livre para fazer suas
escolhas espirituais. Respeitava Alá, mas não
assimilou o islamismo radical. Talvez por isso suas
realizações, tanto no campo das ciências quanto no
da literatura, encontraram pouca ou quase
nenhuma repercussão entre os contemporâneos de
seu país, caindo praticamente no esquecimento.
Como acontece ainda hoje, os preceitos do Islã
condenavam o vinho e a embriaguez. Entretanto,
os poemas do Rubaiyat podiam ser interpretados
metaforicamente como uma invocação à
intoxicação romântica ou até mesmo espiritual:
"Dizem: 'Não bebas mais Khayyam!'/ Respondo:
'Quando bebo entendo/O que dizem rosas,
tulipas,/E até o que não diz minha amada'". "Bebe
vinho! Receberás/Com ele a vida eterna.
Vinho!/Único filtro que te pode/Restituir a
mocidade."

Assim mesmo, o vate de Baco não escapou do alvo


da perseguição religiosa. A certa altura de sua
vida, conta-se que ele precisou afastar-se por
algum tempo de sua cidade natal, quando
aproveitou para fazer uma peregrinação a Meca.
Foi na adolescência, durante o aprendizado com o
imã de Nishapur, que Khayyam conheceu Abú Ali
Hasán Tusí e Hassan Sabbah. A amizade dos três
pupilos culminou com um pacto, em que aquele
que primeiro fosse agraciado na vida se
comprometia a ajudar os outros dois amigos. Abú
Ali Hasán Tusí tornou-se o primeiro sorteado pelo
destino, sagrou-se vizir do sultão Malikshah, de
Isfahan, passando a se chamar Nizam-Ul-Mulk.
Então, cumpriu o prometido, concedendo a Sabbah
um importante cargo na corte. Porém, a má índole
do amigo revelou-se em pouco tempo, e Hassan
Sabbah, desprestigiado pelo sultão, refugiou-se
nas montanhas e virou líder de terroristas. Quanto
a Khayyam, recebeu de Nizam-Ul-Mulk uma pensão
de 1 200 mithkals de ouro. O caráter íntegro,
honesto e generoso do poeta conquistou a
confiança do sultão, que o nomeou diretor do
observatório astronômico de Merv. No período que
se seguiu, o autor do Rubaiyat prestou diversos
trabalhos para Malikshah, entre eles a
reformulação do calendário iraniano.

Passaram-se mais de seis séculos até que a obra


poética de Khayyam fosse descoberta no Ocidente.
Uma das primeiras traduções de que se tem notícia
é a do inglês Edward Fitzgerald (1809-1883). Data
de 1859 e conquistou enorme popularidade na
Europa. Entretanto, há muitas divergências. Alguns
defendem o austríaco Joseph von Hammer-
Purgstall (1774-1856) como o autor da primeira
versão ocidental; outros creditam o feito ao francês
J.B. Nicolas (1857). Manuel Bandeira baseou-se na
tradução francesa de Franz Toussaint (1923) para
sua interpretação da obra, em 1965, republicada
em uma bela edição pela Ediouro, em 2001 (as
quadras transcritas neste texto foram extraídas
dali). Outro ponto dissonante em torno do Rubaiyat
se refere ao número de quadras deixadas pelo
genial Khayyam. Fala-se em 464, 206, 178, de
acordo com as diferentes edições traduzidas em
várias línguas. Enquanto viveu, Khayyam se
manteve fiel aos ditames de seu coração e de sua
mente. Até a morte, em 1123, jamais se afastou
de seu maior prazer. "Um tal cheiro de vinho/Virá
do meu sepulcro,/Que poderão os
passantes/Embriagar-se aspirando-o/E tamanho
sossego/Cercará o meu jazigo,/Que não poderão
dele/Afastar-se os amantes."

Para as receitas desta reportagem, Gula contou


com a preciosa colaboração de Leila Kuczynski, a
competente chef-proprietária do restaurante
Arabia, de São Paulo. Ela escolheu e elaborou
receitas ilustrativas da cozinha persa. Em todas a
videira participa de alguma forma como
ingrediente. Seja através das folhas da parreira nos
charutinhos, ou das uvas-passas, na compota de
frutas secas e na deliciosa tagine de cordeiro.
Apesar de notável representante da culinária
marroquina, é possível relacionar as origens desse
tipo de cozido de carne com aqueles preparados na
antiga Pérsia. Segundo a enciclopédia britânica The
Oxford Companion to Food (Oxford University
Press, Inglaterra, 1999), as influências de sua
cozinha anciã, baseada em legumes, carne de
carneiro e de cabrito, derivados do leite,
especiarias e ervas, alcançaram os mais distantes
limites geográficos, do Império Otomano turco, das
Arábias, das Índias, da Ásia Central, da Rússia e
até da Europa Ocidental.

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