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Resumo
gurou como um
movimento inexistente, principalmente pela falta de um “pai”
que a introduzisse na modernidade, que a encaminhasse numa
continuidade da tradição, que desse aos novos dramaturgos
a sensação de possibilidade. No entanto, é precisamente essa
“orfandade” que há feito com que a dramaturgia peruana pós-
moderna desse um salto quantitativo e qualitativo não visto
durante todo o século XX. A falta do “pai” nos tempos em que os
patrocínios se desmantelam ou já não interessam, pode ser um
impulso antes que um obstáculo.
Abstract
1 Estudou literatura na Pontifícia Universidade Católica do Peru e fez pós-graduação em Teatro e Literatura Latino-americana na Universida-
de de Austin no Texas. Ganhou prêmios como dramaturgo e entre suas obras se destaca História de um Gol Peruano.
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ainda, com a pós-moderna “elevação” ou Seu estudo aborda obras escritas desde as
“degradação” do ensaio a gênero literário), décadas de quarenta até os oitenta. Parece-
também se poderia dizer que um grupo de ria alentador que no estudo de Meléndez,
lho agora sim, uma das obras analisadas é de
de José Carlos”, pois efetivamente Mariá- um autor peruano; no entanto, a sensação
nição de se evapora ao ver que a obra se trata de A
“pai” para os que buscam através da não senhorita de Tacna de Mario Vargas Llosa.
cção, interpretar a realidade peruana. Novamente a ideia de que não há drama-
Em nível internacional e em nível na- turgos peruanos que mereçam estudo; em
cional há existido então, um reconheci- todo caso, há reconhecidos narradores (ou
mento de poetas e narradores peruanos poetas) que “também” escrevem para tea-
(paralelo à ignorância sobre o trabalho dos tro. A impressão de “orfandade” mais que
dramaturgos). Porém, há um nível mais su- nal se
til no qual a ausência de um “pai” pode ha- daria, digamos, com uma edição crítica e
ver deixado uma marca: no nível íntimo. A comentada do teatro completo do Cesar
ança dos “antologadores”, crí- Vallejo por uma instituição de prestigio. E
ticos, organizadores dos concursos e públi- efetivamente a espetada se deu com os três
ança volumes publicados pela Universidade
dos mesmos autores. Jovens que iam des- Católica (Vallejo, 1990). Com os múltiplos
cobrindo na escrita um meio de expressão estudos e publicações dedicados à drama-
e uma vocação vislumbraram uma sorte de turgia de Vallejo e Vargas Llosa é difícil ca-
sensação de possibilidade nos triunfos de racterizar aos dramaturgos peruanos como
Vallejo e Vargas Llosa que pode os haver “sobrinhos” ou “enteados” destes “pais”.
levado a desenvolver os gêneros da poesia Uma mais: “Pós-modernismo e teatro na
e da narrativa. No entanto, tais triunfos, ou America Latina” de Beatriz J. Rizki (2007) é
eram muito sutis ou eram muito isolados um dos livros melhor documentado, mais
na dramaturgia; e isto pode haver deter- lúcidos e reveladores dos últimos anos res-
minado que estes jovens não tentem suas peito ao tema que promete o título. Sem
expressões escritas pelo canal da drama- contar as obras de criação coletiva nem das
turgia (outra forma notória de ignorância). adaptações (isto é, somente enquanto peças
Talvez fez falta uma espécie de orgulho de autor), se analisam dez obras cubanas
nacional similar ao que se dá quando Cien- (mais duas cubano-estadounidenses), oito
ciano ganha a Copa Sul-americana, quan- mexicanas, seis argentinas, quatro vene-
do Pavarotti nomeia Juan Diego Flórez seu zuelanas, três chilenas, dois dominicanas,
sucessor, quando Kola Real bate recordes duas equatorianas, uma porto-riquenha e
a Mu- uma uruguaia. A ausência da dramaturgia
lanovich se torna a campeã mundial de de autor peruana apenas se vê compensa-
surf, circunstâncias que, muito provavel- da pelos dois parágrafos dedicados a No me
mente, impulsionaram jovens a se dedicar toquen ese valse (sic) de Yuyachkani, grupo
ao futebol, ao canto lírico, ás empresas, e ás que, de poderia dizer, cumpre certas fun-
pranchas. Jovens escritores ou futuros es- ções de “pai” no teatro peruano moderno...
critores não tiveram visto na dramaturgia porém não em sua dramaturgia de autor.
peruana uma modernidade ou uma tradi-
ção da qual sentir-se parte, ainda que seja Argentina, México e Colômbia;
para rechaçá-la ou ser parte de uma irman- odiosas comparações
dade que liquide o “pai”. Outra forma de entender melhor a falta
A porto-riquenha Priscila Meléndez de modernidade, tradição e possibilidade,
(1990), em sua tese doutoral, descreveu isto é, a ausência das funções de um “pai”
como a teatralidade e a autoconsciência – na dramaturgia peruana é observar os
eram elementos mais destacáveis da dra- casos de outros países latino-americanos.
maturgia latino-americana do século XX. Já mencionei que, com todos os riscos e li-
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mitações que implica toda generalização, a obras, e como parâmetro usam o teatro do
dramaturgia latino-americana iniciou seu absurdo, sinto uma espécie de estranha-
momento modernista aproximadamente uencia
até meados do século XX. Este foi o gru- minha obra. Porém, sim há certos elemen-
po de autores recompilados pela edição tos no meu teatro que vêm do grotesco
do Centro de Documentação Teatral, estu- (Giella, Roster e Urbina, 1983, p.13).
dados desde “Dramatists in Revolt” (1976) O grotesco, e sua posterior evolu-
adiante, já não como “curiosidades para ção e desenvolvimento também podem
gringos” senão como uma proposta com ser encontrados em obras de muitos dos
implicações globais e modernas: obras dramaturgos argentinos mais reconhe-
exitosas em cenários mundiais. Este é mo- cidos de seu momento modernista. E é
mento em que a participação do Peru foi uência que se pode reconhecer a
praticamente ignorada. quem poderia ser o “pai” da dramaturgia
Porém, ainda com o “descobrimento” argentina moderna: Armando Dicépolo
do momento modernista da dramaturgia (1887-1991). Discépulo gerou, a partir do
latino-americana, a crítica – especialmente sainete, um tipo de obra que foi chamada
a não latino-americana – em seus primei- de “grotesco criollo”, que é o tipo que se re-
ros anos, baseava seus estudos na compa- ferem Dragún, Gambaro e outros ao falar
uência uências.
que pudera haver das distintas correntes
teatrais europeias do século XX. Dois dos (Do “grotesco criollo”), em maior ou
dramaturgos mais representativos do mo- menor medida, em um sentido ou em
dernismo argentino – Osvaldo Dragún e outro, se reconhecem devedores ou
herdeiros todos os autores teatrais
Griselda Gambaro – expressaram seu mal
argentinos da segunda metade do
estar com esse tipo de aproximação. Dra-
século XX. Enquanto o sainete não
gún expressou seu mal estar pela facilida- transcende, em geral, o mais exterior
de com que a crítica norte-americana se e pitoresco da imigração europeia, o
dedica somente a “pensar em Ionesco, em grotesco discepoliano [...] se serve
Beckett ou no Teatro da Crueldade para dos tipos identificadores do sainete,
nir qualquer autor latino-americano” porém afunda nas individualidades e
(Giella, 1981, p.30). Momentos antes da seus íntimos desgarros [...] A través
mesma entrevista, havia dito: das mínimas histórias de derrota pes-
soal... (Fernández, 1992, p.18).
...Para mim, a influência do grotesco
parece fundamental. Entendo o gro- uencia au-
tesco como o deforme, e o grotesco tores posteriores, se não que é também her-
no teatro, como o deforme da socie- deiro das formas do sainete que transfor-
dade. O deforme em uma sociedade ma. É dizer, como “pai”, Discépolo, através
é o antinatural. Então o antinatural da sua obra, faz uma engrenagem na tra-
produz deformidade que no fundo dição dramática e teatral de seu país. E os
não é nada mais que animalização
autores modernos estão ansiosos de ser
(...) Eu insisto muito sobre este con-
ceito porque me parece a influência
parte e continuar essa tradição seguindo
mais importante sobre todo o teatro o modelo do “pai”. Discépolo provou que
latino-americano e especialmente so- era possível fazer uma dramaturgia que
bre o teatro argentino...(Giella, 1981, enraizada no argentino, tivera ressonância
p. 14-15). a nível nacional e internacional.
“Estou totalmente convencido de que
Por sua parte, Gambaro se manifestou: eu criei o teatro mexicano” (Adler e Scmi-
A mim, particularmente, o sainete, o gro- dhuber, 1991, p.157). Com essa citação de
tesco é o que mais me interessa, e quando Rodeolfo Usigli (1905-1971) de 1938 se ini-
eu escuto que fazem analise das minhas cia o artigo dedicado ao teatro no México
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de grande qualidade. Dois autores perua- dos anos cinquenta) que o Centro de Docu-
nos ganharam o premio Casa das Américas: mentação Teatral buscou “antologar” em
César Veja Herrera com Ipacankure (1968, seus volumes no início dos anos noventa.
menção honrosa) e Alonso Alegría com A Foi esse modernismo o que, no meu en-
Cruzada sobre o Niágara (1969, primeiro prê- tender, não teve um “pai” no Peru, razão
mio). Os nomes de muitos dos autores ci- pela qual os atuais dramaturgos peruanos
tados por Barbara Panse (Sebastián Salazar tiveram que cortar caminho diretamente à
Bondy, Sara Joffré, Gregor Díaz, Juan Rive- pós-modernidade.
ra Saavedra e Alonso Alegría) são mostra
da intensa atividade dos dramaturgos pe-
ruanos. A propósito, Gregor Díaz escreveu Modernidades e
uma interessante e breve crônica sobre os pós-modernidades (e modernismos)
dramaturgos peruanos dos anos cinquen-
ta aos anos oitenta (precisamente aqueles Venho usando com alguma despreocu-
anos do modernismo da dramaturgia lati- pação os conceitos “modernidade”, “mo-
no-americana). Recorro a duas de suas im- dernismo” e “pós-modernidade”. Dada a
pressões mais reveladoras: quantidade de estudos que existem sobre
esses temas (em muitos casos, contraditó-
...esta década (os setenta) se caracte- rios entre si), é necessário nesse ponto que
riza pela aparição de uma verdadeira
ro com
frente de escritores que, contraria-
mente a seus antecessores, cerca 90% esses termos, para, mais adiante, explicar
são gente de teatro. [...] A realidade como funcionam esses conceitos a respeito
nacional já não será de maldizer ou da dramaturgia latino-americana contem-
mal ver, nem teremos que disfarçar porânea, e, particularmente, respeito do
para que suba ao cenário; se há con- processo peruano.
solidado o estilo realista, com todas A modernidade é uma tendência cultu-
as suas variantes (Díaz, 1998, p. 184). ral em direção à busca e obtenção de certos
ideais sobre a base de conceitos e possibili-
Porém, sobre a década de oitenta, Díaz dades que a humanidade mesma há gera-
quase se lamenta de que: do. A etapa moderna se caracteriza por um
distanciamento (progressivo e paulatino)
...a criação cênica e a expressão cor- de imperativos ditados desde instâncias
poral (saltos, giros, etc.) limitou o tea-
distantes ao que os próprios seres humanos
tro à categoria de “espetáculo cênico”;
a década de noventa oferece com êxito – seres humanos livres – considerem que
uma variante da mesma, uma sorte de cáveis e convenien-
colagem, de revista musical, varie- tes. Já não há um deus que dite os impe-
dades, show de baile e algo de circo. rativos, já não há um grupo de poderosos
Nesta expressão também a dramatur- privilegiados que determinam o que está
cou de lado” (Díaz, 1998, p. 183). bem e o que está mal; em todo caso, se exis-
tem privilegiados, são os membros ilustra-
Por alguma razão, o momento moder- dos da humanidade, aqueles que, através
nista peruano se frustrou, e estes drama- de um exercício livre, racional, e, às vezes,
turgos não tiveram a projeção de Vallejo solidário, vão interpretando, em nome da
ou Vargas Llosa, de Discépulo, de Usigli, humanidade e para ela, a forma de pensa-
Buenaventura ou García...de Yuyachkani. mento e de vida mais adequados. Entre os
Os “pais” latino-americanos antecipa- ideais principais que a modernidade pro-
ram ou estiveram nos inícios da grande põe estão progresso, justiça e liberdade. A
eclosão moderna da dramaturgia do con- modernidade buscou estender a consecu-
tinente. Foi este grande momento moder- ção de estes ideais a toda humanidade (ain-
nista (o de autores que escreveram a partir da que alguns sustentem que o pós-mo-
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dernismo não é outra coisa que a extensão destruição. Se trata de abolir o fetichismo
dos ideais modernos aos “outros”), e criar artístico, a separação hierárquica da arte e
um “homem novo”, o cidadão. O cidadão da vida em nome do homem total, da con-
é livre e paulatinamente, vai exigir mais e tradição, do processo criador, da ação, do
mais liberdade (alguns argumentam que é azar. Sabemos que os surrealistas, Artaud
uma “ilusão” de liberdade), porém está su- e logo os happenings, as ações de anti-arte,
jeito a uma série de deveres; estes deveres, buscaram assim mesmo superar a oposição
no entanto, não emanam de uma entida- da arte e da vida. Porém cuidado, esse ob-
de superior inalcançável, são deveres im- jetivo constante do modernismo, e não do
postos pelo mesmo conjunto de cidadãos pós-modernismo [...] não é a insurreição do
através do livre exercício de participação desejo, a revanche das pulsações contra a
na opinião e no poder (participação que se quadriculada vida moderna, é a cultura da
foi instalando e aperfeiçoando progressi- igualdade a que arruína inexoravelmente
vamente em algumas regiões) ou nas pró- a sacralidade da arte e revaloriza correla-
prias normas não escritas de convivência. tivamente o fortuito, os ruído, os gritos, o
Em muitos de seus aspectos, a moder- cotidiano” (Lipovetsky, 2002, p. 89-90).
nidade, ao menos até o século XX, é uma Não há ruptura com a modernidade
tendência que inspirava entusiasmo nas nalmente, os ideais da
possibilidades do ser humano e esperança caram de pé, ainda que,
em seu futuro. No entanto, a modernidade talvez, cambaleantes. O que ocorreu foi
também expurgava, aqui e acolá, a angus- um processo duplo. Por um lado, o moder-
tia do ser humano por ser o criador de seu cou levar até as suas últimas
próprio destino: não há deus, não há seres consequências os ideais da modernidade;
superiores, agora o que fazemos? Por outro isto é, levar a um extremo as possibilida-
lado, os grandes ideais que a modernidade des de desenvolvimento, de justiça (atra-
tentava promover – progresso, justiça e li- vés da igualdade que fala Lipovetsky) e da
berdade – apareciam, segundo as interpre- liberdade e da criatividade, de fazer o que
tações, contraditórios entre si. cada um puder e quiser fazer; não foi uma
Muitas vezes, quando se falava de mo- troca de rumo se não uma exageração do
dernidade ou modernismo se alude exclu- mesmo rumo. Por outro lado, este levar as
sivamente à tendência (sobretudo visível coisas a um extremo, delatou mais os pro-
nas artes) que se desenvolveu desde, apro- blemas que traíam os ideais modernos: se
ximadamente Ubú Rei (1899) até chegar zeram mais claras as contradições entre
ao seu pico, com Esperando Godot (1954). alguns destes ideais; e, ainda mais, se viu
A ruptura das convenções artísticas tradi- nições de alguns de seus termos
cionais, o gosto da novidade pela novida- eram opostas (o que é igualdade para um
de em si mesma, a indagação em formas é o oposto para outros; o que é justiça para
alternativas de expressão caracterizaram uns, seu antônimo para outros, etc.). Assim
esta última etapa da modernidade, que orou a angustia pela falta de
Jameson prefere chamar de alto modernis- gura a ditar ordens; viu-se que ser
mo para distingui-lo do momento anterior, humano estava sozinho com sua liberdade;
modernismo (Jameson, 1991); e o impacto e com essa liberdade havia causado duas
foi tal que alguns o perceberam já como guerras mundiais e uma “fria” que pôs a
uma nova etapa. No entanto, como o vê humanidade à beira do desaparecimento.
Lipovetsky, nessa última etapa, com toda Outra forma de vê-lo é equiparando
sua renovação, o modernismo é ainda mo- o modernismo com a supernova da mo-
dernidade: dernidade. A supernova, essa emissão in-
“Incluso os ataques contra as Lumières tensíssima de luz quando a estrela esta ao
por parte das vanguardas são ainda ecos ponto de esgotar seus recursos energéticos
da cultura democrática. Com Dada, a pró- é, dada a liberação de energia que impli-
pria arte se funde em si mesmo e exige sua ca, o anuncio da morte da estrela. E dura
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que depois de 1969 o teatro do absur- ticas que sejam. [...] Sou já crescido
do desapareceu quase por completo para “despetalar margaridas” (Pavlo-
do cenário cubano. Os intelectuais vsky, 2004b, p. 131-132).
que creem que a arte deve refletir
concretamente o compromisso polí- E não posso deixar de mencionar a res-
tico do autor houveram ocupado os posta de Pavlovsky à Augusto Boal, criador
postos administrativos nas agremia-
nitivamente
ções artísticas, as casas editoriais e
o “pai” da dramaturgia brasileira, no que
mesas diretivas dos concursos e hou-
veram instituído restrições temáticas o argentino acusa o brasileiro de haver
para a arte (Palls, 1978, p. 30-31). aceitado a subvenção oferecida ao Teatro
do Oprimido pela Fundação Ford, Banco
Virgílio Piñera, “pai” da dramaturgia Mundial, Conselho Britânico e Secretaria
cubana (em grande parte pela sua Electra de Cultura do Rio de Janeiro:
Garrigó), colaborador da revolução cubana “O que se pode criticar Boal é que ele
desde seus inícios, escritor de obras “ab- baseou sua identidade cultural na luta con-
surdistas” anteriores às de Beckett e Iones- tra o imperialismo cultural e muitos jovens
co, ganhador (como mencionei) do prêmio o seguiram na década de 70. [...] ...ditos
Casa de las Américas, foi sutilmente conde- jovens hoje reconhecidos diretores [...] me
nado ao isolamento e ao silêncio em seu expressaram este ano a decepção pelas ati-
país nos últimos anos de sua vida, não ape- tudes do mestre” (Pavlovsky, 2004a, p. 65).
nas devido às características decadentes de É um processo no qual os dramatur-
sua obra, senão à sua condição homosse- gos (se recorde de Estreia na Broadway de
xual, outro “achaque” da “agonizante so- Usigli) foram deixando de escrever obras
nitiva- de “revolta” para escrever textos com um
mente podre na Dinamarca... maior conteúdo intimista (talvez outro tipo
Talvez haja sido o giro da revolução de revolta). A modernidade e a sua super-
cubana de 1969 que marcou o inicio do nova modernista eram agora uma pláci-
paulatino desencanto das esquerdas (a mo- da nebulosa a que bem se pode aplicar a
dernidade) na América Latina (ver mais a observação de Jameson: “Os últimos anos
respeito em Castro Urioste 1999). O neoli- foram marcados por um milenarianismo3
beralismo, mesmo com tentativas isoladas invertido em que premonições do futuro,
de seus profetas, não conseguiu substituir cas ou redentoras, foram trocadas
o encanto; e mais, segundo Beatriz Rizk m disso e daquilo” (Jame-
“encheu ainda mais de ceticismo os intelec- son, 1991, p.1). E mais diretamente relacio-
tuais e artistas(...) sem que se vislumbrem nado com a dramaturgia latino-americana:
alternativas coerentes para sair desta nova, “Entender a criação coletiva como supe-
como colossal, crise” (Rizk, p.49). Certa- ração da criatividade individual, como a
mente, o processo de desencantamento foi materialização da célula socialista no meio
largo; poderia se dizer que ainda não ter- de um sistema capitalista ferido de morte,
minou, basta para isso revisar os artigos do trouxe como consequência um empobreci-
dramaturgo Eduardo Pavlovsky, especial- mento do teatro, um maniqueísmo estéril e,
mente “Che, Fidel” escrito em 2003: com o tempo, frustração e desencanto” (Pé-
rez Coterillo, 1992, p. 10). Se bem o autor se
Ante certa “ambiguidade” de certos refere ao teatro colombiano, os elementos
intelectuais latino-americanos, que m de algo” que apresenta poder ser
parecem jogar contigo como moçoi- análogos aos outros processos de transi-
las a “despetalar margaridas” à raiz ção do modernismo ao pós-modernismo
dos últimos acontecimentos – neces- na América Latina, aquele modernismo no
sito definir-me politicamente. [...] Eu
te apoio Fidel em tudo. Tenho fé em
3 Milenarianismo: ciclo de mil anos; crença por grupos religiosos, sociais e políticos na
todas as tuas medidas por mais drás- transformação da sociedade na virada do milênio (fonte:Wikipedia: millenarianism)
(N.deT.)
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cos, porém estão ai: Alberto Isola, obras de não é somente desde o exterior, uma curio-
Rafael Dummett (Números reais, 1994), Ma- sidade para gringos, ou, desde o exterior,
riana Althaus (Turquesa 2003) e César Ma- uma crítica impressionista de patrocínios
ría (O último barco, 2004). Roberto Ángeles, e inimizades, invejas e adulações; já exis-
uma obra de César María (Kamikazi, 1999); te a intenção, na tradição de Alfonso de La
Luis Peirano, uma obra de Alfredo Bushby Torre e Hugo Salazar del Alcázar, de anali-
(História do gol peruano, 2003); Ruth Escude- sar seriamente sua obra como parte de um
ro, obras de César María (Escorpiões olhando processo do qual não podem ser excluídos.
o céu, 1993) e de Eduardo Adrianzén (O dia A numeração dos indícios poderia se-
da lua, 1998); Marisol Palacios, duas obras guir com as publicações das obras (mesmo
com a dramaturgia de Mariana Althaus (A que ainda, na sua maioria, por editoriais
viagem, 2001 e Vinho, bate e chololate, 2004) “independentes”) e, nesse sentido, são des-
e uma de Aldo Miyashiro (Água, 2003). tacáveis as “Mostras” impulsionadas por
Também estão os diretores jovens apostan- Sara Joffré e as antologias lançadas por Ro-
do em seus contemporâneos dramaturgos. berto Ángeles.
Os exemplos de Óscar Carrillo (com obras Porém baste dizer que, por onde se
de César María e Vitor Falcón) e Diego la olhe, a dramaturgia peruana atualíssima há
Hoz (com obras de Juan Carlos Méndez, dado um salto por sobre o modernismo e
Gonzalo Rodríguez Risco, Claudia Sacha está já bem instalada na pós-modernidade.
e Eduardo Andrianzén) são somente dois ca por averiguar as caracterís-
exemplos desta tendência. E certamente, ticas particulares desta pós-modernidade
também estão os jovens dramaturgos que peruana da dramaturgia: Deixou alguma
optam por dirigir ou codirigir (e às vezes “pegada” a ausência de “pai”? Há, toda-
até produzir) eles mesmos as suas obras via, uma tensão ou uma nebulosa entre a
para eles mesmos apresentarem para a so- “práxis” e a “ação”? E o mais importante:
ciedade sem o patrocínio de ninguém: Cé- Que feridas ou desencantos deixaram nes-
sar bravo, María Tereza Zúñiga, Jaime Nie- ito interno e a re-
to, Mariana de Althaus e Aldo Miyashiro presentação de quando seus autores eram
entre outros. crianças, adolescentes ou jovens? Não per-
Alguns desses autores começam já a ca o próximo capítulo...
ser estudados nas universidades (na Ponti-
fícia Universidade Católica do Peru; cursos
da Especialidade de Literatura incluíram
obras de César de María, Eduardo Adrian-
zén, Rafael Dummet desde 1993; em 2008
um curso de Mestrado de Literatura His-
panoamericana cobriu, além dos autores an-
teriores, estudos sobre as obras de Jaime
Nieto, Mariana Althaus e Aldo Miyashiro).
ca del
Sur ministrado por Santiago Soberón os in-
cluem na última etapa da “História crítica
do teatro peruano”. Diz o programa que o
curso culminará com autores últimos como
De María, Adrianzén, Miyashiro, De Al-
ca del Sur,
2007). Há já um interesse crescente sobre
esses dramaturgos (ver Soberón, 2005). E
a atenção aos atuais dramaturgos perua-
nos por parte da comunidade acadêmica já
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O SALTO DOS ÓRFÃOS: O PÓS-MODERNISMO SEM MODERNISMO DA DRAMATURGIA PERUANA ATUAL
U rdimento N° 20 | Setembro de 2013
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