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FICHA DE LEITURA E GRAMÁTICA - 13

Professora Fernanda Martins Data: outubro 2019

Leia o texto.

A memória perdida de uma família e de um país

Portugal não lida bem com a sua memória. Não é de hoje, é mesmo de sempre, e é disso que fala o
magnífico filme de Catarina Mourão — que já desesperávamos de ver chegar ao grande público, depois de
ter feito o circuito de festivais ao longo dos últimos dezoito meses. É do Portugal dos anos de Salazar, e da
sua sociedade atrofiada, que A toca do lobo fala, mas também dos segredos, das mentiras, dos silêncios e
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das omissões que continuamos a cumprir quase religiosamente, mesmo hoje, quarenta anos depois do 25
de Abril.
Partindo de uma construção de documentário de fatura tradicional — depoimentos contemporâneos,
imagens de arquivo, pesquisa de matéria —, Catarina Mourão revela lentamente a verdade do filme como
uma paciente investigação detetivesca, contada na primeira pessoa pela realizadora, com a ajuda preciosa
10 da mãe que vai preenchendo de memória o que não está nos arquivos e nos registos. Nesse processo de
avanços e recuos, A toca do lobo desenrola-se como um quebra-cabeças que nos envolve aos poucos,
começando como uma simples curiosidade pessoal para terminar numa verdadeira reconstrução da história
familiar, à volta não de uma presença mas de uma ausência: Tomaz de Figueiredo (1902-1970), o avô
materno que Catarina Mourão nunca conheceu, escritor que chegou a ser publicado mas cuja memória se
15 foi perdendo com o tempo, dentro e fora da família.
A tentativa de devolver espessura a essa memória — convocada pelo acaso de imagens de arquivo
de um programa televisivo onde o escritor se dirige a uma neta que se poderia vir a chamar Catarina, anos
antes de ela ter sequer sido concebida — transforma-se então numa tentativa de resolver um mistério
espicaçado pelas inconsistências e pelos silêncios, pelas questões que vieram inclusive separar a família. E,
20 nessa teimosa insistência em deixar as coisas a remoer, por dizer, por resolver, num lume brando entre o
doloroso e o ressabiado, A toca do lobo amplifica de modo quase comovente essa dificuldade tão
portuguesa de assumir e aceitar a nossa história tal como é, sem a minimizar nem a empolar; de sabermos
olhar para ela como parte de um contínuo temporal.
É verdade que a história pode ser escrita pelos vencedores, mas isso não torna os perdedores menos
25 dignos de nela serem lembrados, e por vezes é nos recantos mais poeirentos que encontramos a chave que
nos permite compreender o que se passou. A toca do lobo recorda-no-lo, com um pudor extraordinário e
uma inteligência delicada, e com a capacidade de transformar a história esquecida de uma família na
história de toda uma sociedade ao longo de todo um período, e de explicar quanto de nós ali está. Ainda
bem que este belíssimo filme não fica restrito ao circuito de festivais — mesmo que as voragens do
30 «mercado» quase o condenem a uma estreia frágil,
A toca do lobo merece que se corra a vê-lo, apenas porque é um dos grandes filmes do ano.

Jorge Mourinha, https://www.publico.pt/2016/11/02/culturaipsilon/noticia/contra-o-esquecimento-1749659,


publicado em 2 de novembro de 2016;
consultado em 28 de novembro de 2016 (com adaptações).

1. Segundo o texto, o documentário A toca do lobo

(A) é uma investigação familiar que revela, simultaneamente, traços da identidade portuguesa.
(B) é uma reflexão sobre as consequências do 25 de Abril na sociedade portuguesa.
(C) consiste num relato impessoal sobre uma família e as suas memórias do período do salazarismo.
(D) centra-se no relato das vivências da mãe da realizadora.

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2. O constituinte «com a sua memória» (l. 1) desempenha a função sintática de

(A) predicativo do sujeito.


(B) modificador restritivo do nome.
(C) complemento oblíquo.
(D) predicativo do complemento direto.

3. O constituinte «da história familiar» (ll.12-13) desempenha a função sintática de

(A) complemento do nome.


(B) modificador restritivo do nome.
(C) complemento direto.
(D) complemento oblíquo.

4. A oração «que nos envolve aos poucos» (l. 11) é uma subordinada

(A) adverbial temporal.


(B) substantiva completiva.
(C) adjetiva relativa explicativa.
(D) adjetiva relativa restritiva.

5. Na expressão «sem a minimizar nem a empolar» (l.22), o antecedente dos pronomes é

(A) «dificuldade».
(B) «a nossa história».
(C) «insistência».
(D) «ela».

6. Identifique a função sintática da oração subordinada presente em «É verdade que a história pode ser
escrita pelos vencedores» (l. 24).

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7. Classifique a oração «mesmo que as voragens do "mercado" quase o condenem a uma estreia frágil»
(ll.29-30).

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