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IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
Bárbara Matos Destefani1
Hervê Sad Cruz Filho2
Rafaela Moura Salles Pinheiro3
Osman Santana4
RESUMO
O presente trabalho tem por objetivo discorrer sobre a APLICAÇÃO DA TEORIA DA
CEGUEIRA DELIBERADA AOS CASOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA,
analisando de que modo tal fato pode permitir a imposição das sanções descritas na
Lei 8429/92, perpassando por aspectos históricos, conceituações e critérios de
possibilidade de incidência da Teoria.
1. INTRODUÇÃO
O presente artigo tem como finalidade analisar a Teoria da Cegueira Deliberada e
sua aplicação aos casos de Improbidade Administrativa, notadamente após sua
crescente utilização no campo penal.
2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA
2.1. Inglaterra
A Teoria da Cegueira Deliberada, também conhecida como Teoria do Avestruz,
Ignorância Deliberada, Cegueira Intencional ou Provocada, willful blindness, osctrich
instructions ou doutrina da Evitação da Consciência (conscious avoidance doctrine),
teve origem na Inglaterra, no julgamento do caso Regina v. Sleep, de 1861.
Na seara criminal, as situações concretas mais citadas são nos casos envolvendo o
crime de tráfico de drogas, sendo bastante comum exemplos nos quais o indivíduo
aceita viajar com uma mala recebida por notório traficante, mas, em momento
algum, verifica o que transporta ou ao menos indaga o que haveria dentro. Ao ser
barrado na alfândega, no exemplo citado, o agente criminoso não poderia alegar que
não tinha ciência do que estava transportando, desde que fosse razoável supor que
seria possível ter alcançado tal ciência.
Todavia, repise-se, ainda nos Estados Unidos, país no qual os Tribunais vêm cada
vez mais se utilizando da Teoria desde o século XX, sua aplicação é controversa,
principalmente em razão da falta de clara previsão legal que possa justificá-la, pois,
como se sabe, estamos diante de uma federação, na qual os estados são
responsáveis pela maioria da competência legislativa, incluindo a criminal.
Devido a tal fato e como forma de unificar as legislações dos cinquenta estados, a
American Law Institute publica o Model Penal Code – MPC, o qual serve de modelo
de elaboração aos estados, sendo frequentemente citado por acadêmicos e utilizado
pela jurisprudência.
5 Ira P. Robbins, The Ostrich Instruction: Deliberate Ignorance as a Criminal Mens Rea, 81 J. Crim. L.
& Criminology 191 (1990-1991). Disponível em: : https://scholarlycommons.law.northwestern.edu/jclc.
Acesso em 22/07/2019.
O MPC traz na sua Seção 2.02 quatro graus de culpabilidade, sendo que os dois
primeiros se assemelham ao conceito de dolo direto e eventual, respectivamente,
quais sejam: (a) agir de forma proposital; (b) agir de forma consciente; (c)
imprudência; e (d) negligência, sendo que esses dois últimos são graus de
culpabilidade que se assemelham ao conceito de culpa do Direito brasileiro.
2.3. Espanha
Na Espanha, o Tribunal Supremo, no julgamento da Sentencia de 10 de dezembro
de 2000, restringiu-se à simples menção da cegueira deliberada, envolvendo o caso
de crime de receptação, no qual o agente criminoso teria transportado significativas
quantidades de dinheiro, em espécie, para determinado país conhecido como
“paraíso-fiscal”. Sustentou o acusado, naquela oportunidade, em sua defesa, que
não possuía conhecimento acerca da origem ilícita do dinheiro (que era proveniente
do tráfico de drogas).
2.4. Brasil
Um dos primeiros casos mais emblemáticos e de repercussão na aplicação da
Teoria da Cegueira Deliberada no Brasil se deu na Ação Penal 2005.81.00.014586-0
20, perante o Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5).
Logo após o furto ao Banco Central de Fortaleza, que resultou na subtração de mais
de cento e sessenta milhões de reais em cédulas de R$ 50, um dos suspeitos
adquiriu 11 carros de luxo no valor de quase um milhão de reais, tudo em notas de
cinquenta reais envoltos em sacos plásticos.
Em síntese, tem-se que aquele que realiza condutas típicas à lavagem, de ocultação
ou dissimulação, não elide o agir doloso e a sua responsabilidade criminal se
escolhe permanecer ignorante quanto a natureza dos bens, direitos ou valores
envolvidos na transação, quando tinha condições de aprofundar o seu conhecimento
sobre os fatos. Pelo exposto, tem-se que não é difícil a utilização de tal Teoria no
âmbito brasileiro, em especial nos delitos de lavagem de capitais. No entanto, tema
de igual importância, sendo, pois, o cerne deste artigo, é a possibilidade de
aplicação da aludida teoria aos casos de improbidade administrativa, especialmente
nas investigações conduzidas pelo Ministério Público Brasileiro, essa importante
Instituição, essencial para o correto e adequado funcionamento da Justiça, e que
tem obtido destaque nacional e internacional nas mais diversas áreas de atuação,
especialmente no que concerne ao combate à corrupção em suas mais variadas
formas.
4. MINISTÉRIO PÚBLICO
4.1. Breve histórico
A doutrina, de modo geral, entende que a raiz histórica do Ministério Público,
enquanto instituição vocacionada às atribuições atualmente conferidas pela
Constituição Federal, está ligada à França do século XIV, onde se identificou a
primeira organização com caráter semelhante ao que encontramos atualmente.
Naquela época, existiram, em um primeiro momento, os denominados "procuradores
do rei", os quais representavam e atuavam na defesa dos interesses do soberano,
que era, assim, por eles representados.
Segundo Alfredo Valladão ("O Ministério Público") 'Se Montesquieu tivesse escrito
hoje "O Espírito das Leis", por certo não seria tríplice, mas quádrupla, a divisão dos
Poderes. Ao órgão que legisla, ao que executa, ao que julga, um outro órgão
acrescentaria ele - o que defende a sociedade e a lei perante a justiça, parta a
ofensa de onde partir, isto é, dos indivíduos ou dos próprios Poderes do Estado'.
Observa-se que a própria Constituição, em seu art. 127, já delineia qual a atividade
fim do Ministério Público, que é a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e
dos interesses sociais e individuais indisponíveis. E podemos dizer que, quanto mais
sólido o regime democrático, mais forte será a Instituição do Ministério Público. Por
isso sua legitimidade expressamente prevista no dispositivo acima para defesa
desse regime.
5. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
5.1. Probidade e improbidade administrativa
Conforme a doutrina, administrador probo é aquele que possui retidão de conduta,
atendendo às exigências de honestidade, lealdade, boa-fé e cumprindo/respeitando
os princípios éticos.
Outrossim, o art. 37, § 4º, da Carta Magna dispôs que “os atos de improbidade
administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função
pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e
gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”.
Nessa perspectiva, tendo em vista que o Ministério Público é a instituição
encarregada pela Constituição da República de defender os interesses sociais
indisponíveis, dentre os quais se inclui o interesse de punir o agente ímprobo, o
legislador conferiu expressamente legitimidade ativa ao Ministério Público para
propor a ação civil por ato de improbidade administrativa, que não deixa de ser
uma espécie de ação civil pública para a defesa do patrimônio público e da
moralidade administrativa (art. 129, III, da CF/88 e art. 17 da Lei 8429/92).
6. CORRUPÇÃO
O termo “corrupção”, do latim corruptione, tem, no dicionário, os sentidos de “ato ou
efeito de corromper; decomposição, putrefação; e devassidão, depravação,
perversão”.
Para sujeitar-se às mencionadas sanções, o sujeito ativo do ato ímprobo, deverá ser
um agente público, ou um terceiro que concorra ou induza a prática do ato de
improbidade, ou, ainda, se beneficie com ele. Por sua vez, o sujeito passivo deve
figurar entre aqueles citados no art. 1º, da Lei 8429/92 6; o ato danoso deverá,
6 Art. 1° Os atos de improbidade praticados por qualquer agente público, servidor ou não, contra a
administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do
Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de
entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por
cento do patrimônio ou da receita anual, serão punidos na forma desta lei.
Parágrafo único. Estão também sujeitos às penalidades desta lei os atos de improbidade praticados
contra o patrimônio de entidade que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de
órgão público bem como daquelas para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra
com menos de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, limitando-se, nestes casos, a
sanção patrimonial à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos.
necessariamente, resultar em enriquecimento ilícito para o sujeito, prejuízo ao erário
ou atentar contra os princípios da Administração Pública.
E mais. O ato ímprobo deve originar-se de ação dolosa ou culposa (no caso de
prejuízo ao erário), cuja prova não é tarefa das mais fáceis, exigindo do autor da
ação, na maioria das vezes proposta pelo Ministério Público, esmero na investigação
e articulação dos fatos com as provas, sob pena de indeferimento, no mérito, da
ação proposta.
Ainda conforme expressa disposição legal, tem-se que apenas o art. 10 de referida
lei (prejuízo ao erário) dispôs em seu texto, expressamente, que tal modalidade
poderá ser praticada tanto na forma culposa, como na dolosa, forçando concluir que
a prática dos atos de improbidade administrativa descritos nos arts. 9º e 11, exigem
o dolo do agente.
Tal situação implica em tarefa ainda mais difícil para o autor da ação, na medida em
que, a comprovação do dolo do agente ímprobo exige demonstrar que o agente,
efetivamente, quis o resultado e, portanto, agiu de modo a alcançar o fim ilícito por
ele almejado, pretendido.
Ocorre que, a Lei 8429/92, não delimita a modalidade do dolo ao praticante do ato
ímprobo, podendo, portanto, ser tanto o dolo direto, como o dolo eventual.
Acenamos nesse sentido, na medida em que a teoria em tela, mediante sua linha
argumentativa, visa apoiar a condenação de atos praticados por aqueles que agem,
deliberadamente, simplesmente fingindo não perceber determinada situação de
ilicitude para, a partir daí, alcançar a vantagem pretendida, afastando diversos e os
mais variados argumentos de agentes públicos e/ou políticos que auferiram
benefícios próprios ou os direcionaram a terceiros, agindo em desconformidade com
o ordenamento jurídico, mas que, antes do ato ilícito praticado, intencionalmente,
criaram barreiras capazes de evitar o conhecimento de indícios do ilícito.
9. CONSIDERAÇÕES FINAIS
É certo que, nessa toada, verifica-se a justiça sendo inócua e inoperante, pois
embora em determinadas situações seja de conhecimento do julgador e, ainda, da
sociedade em geral, que determinado agente público ou 3º com ele mancomunado,
tenham praticado algum ilícito em detrimento do interesse geral, em face da
prolixidade do ordenamento jurídico, torna-se difícil obter sua condenação.
Assim, ao contrário de determinadas e inúmeras criações doutrinárias e
jurisprudenciais que servem como apoio da defesa dos transgressores, a Teoria da
Cegueira Deliberada é uma linha argumentativa a ser utilizada pelos promoventes
de ações, notadamente pelo Ministério Público, quando todas as circunstâncias
objetivas indicam que determinado sujeito praticou o ilícito, porém, criou
mecanismos para impedir que tomasse real conhecimento dos elementos objetivos
do caso concreto.
Assim, o objetivo do presente artigo foi demonstrar que, não obstante sua aplicação
inicial deu-se em âmbito criminal, a Teoria do Avestruz, Ignorância Deliberada,
Cegueira Intencional ou Provocada, willful blindness, osctrich instructions ou doutrina
da Evitação da Consciência (conscious avoidance doctrine) é plenamente
compatível com ações de improbidade administrativa e, certamente, ao se admitir
sua aplicação, permitir-se-á a punição de maus administradores, ímprobos e
desonestos, que tapam os olhos para lei e agem em detrimento do interesse da
sociedade, a qual não pode continuar refém da corrupção, da impunidade e dos
desmandos generalizados de verbas públicas. Não existe “direito a cometer ilícito,
sem ser por ele responsabilizado”.
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