Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
MORON, J. G.1
RESUMO
Com o fim da Guerra Fria e o crescimento das abordagens pós-positivistas nas Relações
Internacionais, o feminismo adentrou nos debates da agenda internacional e a análise crítica
passou a ser feita com uma perspectiva de gênero, onde antigos conceitos passaram a ser
questionados. Com isso, o texto de Fukuyama, “Women in the world politics”, foi duramente
criticado por relativizar a construção social da mulher e do homem e traçar um paralelo entre
humanos e chimpanzés através da biologia. A compreensão das concepções e interesses por
trás do discurso do autor implica, então, na desconstrução do olhar patriarcal tão presente na
disciplina. O que se pretende, portanto, é contribuir para a literatura feminista da área através
da análise crítica do discurso de um dos mais famosos autores dos estudos internacionais.
ABSTRACT
With the end of the Cold War and the growth of the post positivist approaches in
International Relations, the feminism entered the debates on the international agenda and the
critical analysis started being done within a gender perspective, where old concepts began to
be questioned. Thereby, Fukuyama’s text, “Women in the world politics”, was strongly
criticized for relativizing the social construction of both women and men and drawing a
parallel between human and chimpanzees through biology. The comprehension of concepts
and interests behind the author’s discourse implies, then, on the deconstruction of the
patriarchal view so present on the discipline. What is intendend, therefore, is to contribute to
the feminist literature of the field through the critical analysis of the discourse of one of the
most famous authors in the international studies.
1
INPG – Instituto Nacional de Pós-Graduação/Relações Internacionais – juddygarcez@hotmail.com
INTRODUÇÃO
RESULTADOS E DISCUSSÃO
2
Em outras palavras, chimpanzés fêmeas possuem relacionamentos, chimpanzés machos praticam a realpolitik
3
O problema com a visão feminista é que ela vê essas atitudes em direção a violência, poder e status como sendo
produtos completamente derivados de uma cultura patriarcal, enquanto que, na verdade, eles parecem estar
enraizados na biologia.
to find. There was no age of innocence. The line from chimp to modern man is
continuous4 (FUKUYAMA, 1998, p. 27).
No terceiro segmento do texto, intitulado “The return of biology” (O retorno da
biologia), Fukuyama busca reafirmar a biologia em detrimento das teses construtivistas. Para
o autor, o construtivismo social, forte tendência nos estudos sociais da época e amplamente
usado como ferramenta pelas feministas, não consegue explicar, por si só, porque acredita-se
que homens fazem guerra e mulheres preferem a paz. Apesar de afirmar depois que alguns
papéis de gênero são construções sociais, Fukuyama (1998, p. 29) segue dizendo que
“virtually all reputable evolutionary biologists today think there are profound differences
between the sexes that are genetically rather than culturally rooted, and that these differences
extende beyonde the body into the realm of the mind.” 5
Contudo, apesar de buscar argumentos em diversos campos como a biologia, a
psicologia e antropologia, e de fazer uma escrita clara e objetiva, Fukuyama peca ao não sair
da superficialidade de sua própria tese. Segundo Barbara,
If Fukuyama had read just a bit further in the anthropology of war, even in the works
of some scholars he cites approvingly, he would have discovered that there is little
basis for locating the wellspring of war in aggressive male instincts -- or in any
instincts, for that matter.6 (EHRENREICH, 1999)
Outro ponto falho, ainda que talvez não seja grave, é a falta de referências aos seus
críticos. Para Katha,
Fukuyama tends to name the people he agrees with while referring only vaguely and
condescendingly to opponents ("radical feminists," "many feminists,"
"postmodernists"). But Stephen Jay Gould, Richard Lewontin, Steven Rose, and
many other scientists make formidable arguments, grounded not in ideology but in
biology, against genetic determinism. It is not encouraging that Fukuyama seems
unfamiliar with their work.(POLLIT, 1999)7
Mais adiante, na quinta seção, “The democratic and feminine peace” (A paz
democrática e feminina), Fukuyama discorre acerca da dificuldade que as sociedades
8
Biologia não é destino, a exemplo de líderes femininas obstinadas como Margaret Thatcher, Indira Gandhi e
Golda Meir provaram. (É válido apontar, no entanto, que em sociedades dominadas por homens, é esse tipo de
mulheres não usuais que irão subir ao topo).
9
Estatisticamente falando, é primeiramente o homem quem aprecia a experiência da agressão e da camaradagem
que ela traz e quem alegra-se com a ritualização da guerra que é, como o antropólogo Robin Fox coloca, outra
forma de compreender a diplomacia.
10
Um mundo verdadeiramente matriarcal seria, então, seria menos propenso ao conflito e mais conciliatório e
cooperativo do que esse onde habitamos agora.
11
Historicamente, culturas organizadas em torno de guerras e exibições de crueldade tiveram plena cooperação
das mulheres: mulheres espartanas e romanas eram famosas pelos seus valores “masculinos”. As mulheres
vikings ficavam nas praias escandinavas implorando para seus maridos não pilharem a França? As mulheres
europeias pré modernas evitavam comparecer a execuções públicas e a queima das bruxas? Como esses
exemplos sugerem, até mesmo definir violência levanta questões: O mesmo ato pode ser considerado como
errado, psicopata, glorioso ou rotineiro, dependendo do contexto social no qual ele está inserido.
encontram em controlar as tendências agressivas de seus homens jovens, que normalmente
são ritualizados e direcionados para a agressividade por homens mais velhos na comunidade.
Nesse ponto, o autor afirma concordar com a relevância da temática central da agenda
feminista, onde “the violent and aggressive tendencies of men have to be controlled, not
simply by redirecting them to external aggression but by constraining those impulses through
a web of norms, laws, agreements, contracts, and the like.” (FUKUYAMA, 1998, p. 34)12
Com isso, Fukuyama apresenta alguns dados acerca da oposição feminina as práticas
de guerra estadunidense, mas, não se preocupando em transformar simples números em uma
análise real, ele continua seu texto, ignorando que “War and its atrocities are organized
politically, from the top, by leaders who are -- yes -- usually men. But they are generally old
men who are not necessarily personally violent.”(POLLIT, 1999).13
Na sexta parte, “The reality of agressive fantasies” (A realidade das fantasias
agressivas), o autor volta a sua hostilidade inicial e, através da crença na inexoralibilidade da
política internacional, ele diz que “if gender roles are not simply socially constructed but
rooted in genetics, there will be limits to how much international politics can change. In
anything but a totally feminized world, feminized policies could be a liability.”
(FUKUYAMA, 1998, p. 35)14.
Fukuyama prossegue, então, apresentando papéis de gênero estereotipados e
limitados, onde presume que as feministas buscam superar as desigualdades entre homens e
mulheres oferecendo alternativas rasas, sem perceber que ele é o único em questão que destoa
dos projetos emancipacionistas.
Some feminists talk as if gender identities can be discarded like an old sweater,
perhaps by putting young men through mandatory gender studies courses when they
are college freshmen. Male attitudes on a host of issues, from child-rearing and
housework to "getting in touch with your feelings," have changed dramatically in
the past couple of generations due to social pressure. But socialization can
accomplish only so much, and efforts to fully feminize young men will probably be
no more successful than the Soviet Union's efforts to persuade its people to work on
Saturdays on behalf of the heroic Cuban and Vietnamese people. Male tendencies to
band together for competitive purposes, seek to dominate status hierarchies, and act
12
As tendências violentas e agressivas dos homens devem ser controladas, não simplesmente através do
redirecionamento delas para a agressão externa, mas através da restrição desses impulsos através de uma rede de
normas, leis, acordos, contratos e afins.
13
As guerras e suas atrocidades são organizadas politicamente, do topo, por líderes que são – sim – normalmente
homens. Mas geralmente homens velhos que não são necessariamente violentos.
14
Se papéis de gênero não são simplesmente construídos mas enraizados na genética, haverá limites no quanto a
política internacional pode mudar. Em nada menos do que um mundo totalmente feminizado, políticas
feminizadas seriam de responsabilidade internacional.
out aggressive fantasies toward one another can be rechanneled but never
eliminated.(FUKUYAMA, 1998, p. 36)15
18
Devido a dificuldade de mudar comportamentos geneticamente programados e presumindo que esse novo
mundo deveria incluir homens feminizados socialmente construídos, essa imagem hipotética parece com um
salto considerável da realidade. Embora o retrado do mundo feminizado de Fukuyama pareca simpático, eu
acredito que a mensagem dele é, na verdade, bem conservadora – oferecendo mais iteração do bem estabelecido
argumento de que uma visão “realista” da política internacional demanda que homens “reais” permaneçam no
comando. Aceitar sua sua premissa na verdade silencia, ao invés de promover, agendas feministas e a igualdade
das mulheres. Embora muitas de suas afirmações possam ser desafiadas com sucesso no campo empírico, como
seus críticos demonstraram em suas réplicas na Foreign Affairs, suas visões alimentam a agenda conservadora
que serve não para colocar mulheres no controle, mas para mantê-las fora de posições de poder.
19
Fukuyama projeta algumas tendências demográficas interessantes na sétima parte do artigo. Dado que a
tendêcia do envelhecimento populacional continua no Ocidente, é altamente provável que mulheres idosas
formarão “um dos mais importantes bloco de voto”. Elas irão “ajudar na eleição de mais mulheres líderes”
menos inclinadas a intervenção militar.
20
Mulheres americanas possuem a capacidade de votar há quase 80 anos. Até agora, ela ainda nem conseguiram
o direito a licença maternidade paga ou creche acessível, coisas tidas como certas em países industrializads. Sob
a luz desses fracassos, a asserção de que mulheres irão transformar política exterior americana a qualquer
momento, contra a vontade daqueles que estão no controle agora, parece, para mim, uma fantasia secundária
somente a noção de que a genética irá trazer isso.
Fukuyama termina o seu texto com uma crítica aos seus diferentes, acusando-os de
se engajarem em projetos impossíveis e utópicos. Com uma frase de efeito comum, ele tenta
esconder o fato de que a sua própria crença é utópica, haja vista que o tal mundo democrático,
ocidental, capitalista e liberal que ele tanto venera, é um mundo profundamente desigual e
marcada por preconceitos, que ficam evidentes ao longo de seu texto.
Liberal democracy and market economies work well because, unlike socialism,
radical feminism, and other utopian schemes, they do not try to change human
nature. Rather, they accept biologically grounded nature as a given and seek to
constrain it through institutions, laws, and norms. It does not always work, but it is
better than living like animals. (FUKUYAMA, 1998, p. 39)21
Outro problema com o texto, conforme apontado por Jane Jaquette, é o de que
21
A democracia liberal e a economia de mercado funcionam bem porque, diferentemente do socialismo, do
feminismo radical e outros esquemas utópicos, eles não tentam mudar a natureza humana. Antes, eles aceitam a
natureza biologicamente fundamentada como ela é e procuram restringi-la através de instituições, leis, e normas.
Isso nem sempre funciona, mas é sempre melhor do que viver como animais.
22
O artigo de Fukuyama é tão confuso e contraditório, tão precário de evidência real e lógica, que alguém pode
se perguntar sobre qual é realmente a temática dele. Apesar de sua simpatia declarada pelas reivindicações das
mulheres por uma cidadania mais completa, ele não oferece nenhum meio para seguir adiante com elas. Por
exemplo, ele não estimula partidos políticos a apresentarem lista de candidatos balanceadas em gênero, como
acontece em alguns países europeus. De fato, a única proposta concreta que Fukuyama faz é para restrição da
cidadania das mulheres com a limitação de seu papel militar. Mulheres são apenas 12 por centro do Congresso e
tem apenas três cargos de governador, as duas primeiras juízas da Suprema Corte ainda estão no banco, mas
Fukuyama está preocupado que meninas estão a ponto de capturar o poder e tornar os Estados Unidos em um
covarde internacional.
others, and all people must be taught patriotism. States go to great lengths to
demonize their enemies.23 (JAQUETTE, 1999)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
23
Fukuyama dá um peso insuficiente para as dinâmicas do sistema de Estado-nação ao explicar ambos a guerra e
a paz. Guerras não começam na biologia – agressão masculina institiva – mas na realpolitik – a necessidade de
defesa de um Estado contra ameaças exteriores. A guerra não vem naturalmente aos humanos. Homens devem
ser treinados para lutar e matar outros homens, e todas as pessoas devem ser ensinadas sobre o patriotismo.
Estados percorrem grandes distâncias para demonizar seus inimigos.
24
Intencionalmente ou não, as reflexões de Fukuyama sobre as mulheres governando o mundo desviam a
atenção da agenda mais urgente sobre trabalhar em direção a um mundo com maior igualdade de gênero.
REFERÊNCIAS BIBILOGRÁFICAS
BAUMAN, Zygmunt; tradução PENCHEL, Marcus Globalização: As consequências humanas. Rio de Janeiro:
Zahar, 1999
EHRENREICH, Barbara Fukuyama's Follies: So What if Women Ruled the World?: Men Hate War Too
Foreign Affairs, 78(1): p. 118- 122, January/February Issue, 1999
FERGUNSON, R. Brian Fukuyama's Follies: So What if Women Ruled the World?: Perilous Position Foreign
Affairs, 8(1): p. 125- 127, January/February Issue, 1999
FUKUYAMA, Francis Women and the Evolution of World Politics Foreign Affairs,77(5): p. 25-40,
September/October Issue, 1999
JAQUETTE, Jane S. Fukuyama's Follies: So What if Women Ruled the World?: States Make War Foreign
Affairs, 78( I): p. 128-129, January/February Issue, 1999
LUINTEL, Youba Raj Do Males Always Like War? A Critique on Francis Fukuyama and his Hyper Masculine
Assertions on “Feminization of World Politics” Occasional Papers in Sociology and Anthropology Vol.9 2005
p. 278-290
POLLIT, Katha Fukuyama's Follies: So What if Women Ruled the World?: Father Knows Best Foreign
Affairs, 78( I): p. 122-125, January/February Issue, 1999
TICKNER, J. Ann Gendering World Politics: Issues and Approaches in he Post-Cold War Era. New York:
Columbia University Press, 2001
TICKER, J. Ann Why Women Can't Run the World: International Politics According to Francis
Fukuyama. International Studies Review 1, nº. 3 (1999): p. 3-11