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INTRODUÇÃO
Tratar da singularidade de um sujeito é saber ouvir, sem reservas, o seu mal-estar num
contexto ampliado, a saber, a partir de um pano de fundo denominado laço social, que
estruturado a partir de uma linguagem, influencia drasticamente no destino dos sujeitos. Falar de
histeria não é somente perscrutá-la sob a ótica edipiana e da castração, mas também enxerga-la
pertinente à contemporaneidade de um sofrimento que se manifesta de forma endêmica.
Quinet (2010, p.19) corrobora neste sentido afirmando que a escuta do sujeito deve ser
norteada através do discurso, inserido num laço social, definido por modalidades de tratamento
onde duas ou mais pessoas se unem, assumindo os seus papeis dentro de uma narrativa.
Especificamente no caso da histérica pós-moderna assinalada por Carmem Gallano em seu texto
“O ‘sem-tempo’ da histeria hipermoderna” percebe-se um mal-estar provindo do “discurso do
capitalista, que é nova modalidade do discurso do mestre”. Tal assertiva será desenvolvida mais
à frente neste mesmo texto.
É nesse formato sedutor que a histérica funciona dentro do setting analítico, mostrando
através de sua narração ser vítima do desejo do Outro, mantendo o seu desejo insatisfeito
sustentado por um mecanismo repetitivo que outorga o trauma inicial e a imaturidade em pô-lo a
termo. (QUINET, 2013, p. 64-65)
A nível de sintoma, o que lhe transborda é resultado do enquadramento da pulsão que faz
parte do processo civilizatório do qual ninguém pode escapar, como afirma Freud em “O mal-
estar na civilização (1930[1929])”: “ ‘ Não podemos pular fora deste mundo’ . Isto equivale a
dizer que se trata do sentimentos de um vínculo indissolúvel, de ser uno com o mundo externo
como um todo.” ( p. 74)
A obra icônica "Estudos sobre a histeria (1893-1895) " tem muito a nos fornecer no que
diz respeito ao funcionamento do psiquismo, e a palavra " inconsciente" surge a primeira vez
para comprovar que o entendimento do sofrimento do sujeito ia pra além daquilo que se mostra:
o sintoma mascara a divisão subjetiva, porém é sinal de onde há fumaça, há fogo. O discurso do
neurótico nos orientando a observar um embate nítido entre ego e id:
Assim como a histérica hipermoderna executiva que abre mão de sua vida pessoal,
identidade e da satisfação de uma vida amorosa para galgar uma posição de destaque na empresa
– eis a imperatividade do discurso capitalista, que ocupa em termos psicanalíticos, o discurso do
mestre ou do senhor, onde a fórmula se apresenta assim:
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E essa sujeição é, para Lacan, trabalho feito em nível de saber inconsciente que “decanta
o que é efetivamente a verdade de tudo o que acreditou ser.” É neste saber que “se atesta no que
uma vida acredita, o que acreditou haver sido como destino, passo a passo, e mesmo,
eventualmente, como acreditou ter encerrado este destino.” (LACAN, 1992, p.30)
conhecimento. O tradicionalismo dava lugar ao novo, e em Viena este movimento teve uma
manifestação mais expressiva devido à própria configuração - de cultura predominantemente
feudal - daquele lugar. (MOLINA, 2011, p.156)
Diante da nova realidade que lhe invadia o espaço íntimo, já não queria mais estar sob a
tutela de um poder tirânico (o discurso do mestre) que pouco ou quase não a ouvia como ser
humano, consideradas como semelhante a animais que por sua “natureza” deveriam ser
domesticada e docilizada para que cumprisse o seu papel principal de gerar e “proteger a cria”
(ou seja, o saber , que é o gozo do Outro, atrelado pela imperatividade do agente e por
consequência gerando perda).
Concluindo, faço minhas as palavras de Jacques Lacan, que considera o discurso uma
estrutura necessária, que ultrapassa em muito a palavra (...)é um discurso sem palavras”, que
subsistem com o instrumento da linguagem, com poder de alcance que vai pra além das
enunciações efetivas. (LACAN, 1992,p. 11)
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OBRAS CONSULTADAS
ALONSO, S.; FUKS, M.P. - Histeria/ Coleção Clínica Psicanalítica - São Paulo: Casa do
Psicólogo, 2004.
FERREIRA, N.P.; MOTTA, M.A. - Histeria: o caso Dora/ Coleção Psicanálise passo a -
Rio de Janeiro: Zahar, 2014.
FREUD, S. - Estudos sobre a histeria/ volume II - Edição Standard Brasileira - Rio de
Janeiro: Imago, 1996a.
LACAN, J. - Seminário XI - Os quatro conceitos fundamentais da Psicanálise - Rio de
Janeiro: Zahar, 1996.
LAPLANCHE, J. - Vocabulário de Psicanálise - 4a. edição - São Paulo: Martins Fontes,
2001.
MOLINA, J.A. - O que Freud dizia sobre as mulheres - São Paulo: Cultura Acadêmica,
2011.
QUINET, A. – Psicose e laço social: esquizofrenia, paranoia e melancolia – 2ª. edição -
Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2010
QUINET, A. – As 4+1 condições da análise – 2ª. edição - Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Ed., 2013