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2 • Público • Quinta-feira, 16 de Maio de 2019

DESTAQUE
ARTE CONTEMPORÂNEA

A arte africana
está na moda
e chegou
à ARCOlisboa
Pela primeira vez, a grande feira de arte portuguesa dedica um
foco a África, tentando captar um mercado para o qual Lisboa
acredita poder ser porta de entrada. Há galerias de Angola e de
Moçambique, mas também do Uganda ou da África do Sul
africana está a crescer juntos dos leilão da Sotheby’s dedicado à arte como nas estrangeiras Narrative Pro- trazer galerias do continente e não
Isabel Salema curadores, dos coleccionadores e das africana, foram estabelecidos novos jects (Reino Unido), Sabrina Amrani tanto galerias de Londres ou Paris

C
instituições culturais. O que nós faze- recordes para 11 artistas. (Espanha) e Zilberman (Alemanha). que representam artistas africanos.
abe à angolana Paula Nasci- mos é levar isso até ao mercado”, Já na sua quarta edição, a ARCO- De Luanda chegam a This Is Not a Acho que chegámos a um número
mento, a única curadora afri- reconheceu ao PÚBLICO a espanhola Lisboa inclui em 2019 pela primeira White Cube, a Movart e a Jahmek; de bom para uma primeira edição.”
cana que até hoje conseguiu Maribel López, que se estreia na vez galerias africanas, apostando Maputo vem a Arte de Gema, da Cida- Em Luanda e Maputo, diz Paula
arrebatar um Leão de Ouro direcção da feira de Lisboa, inaugu- numa especialização, à imagem da de do Cabo a Momo e de Kampala a Nascimento, não existem muitas mais
na Bienal de Arte de Veneza rada ao nal da tarde de ontem pelo ARCOmadrid — responsável pela Afriart. No total, representam cerca galerias comerciais que pudessem
para o continente, organizar primeiro-ministro, António Costa, organização da feira lisboeta —, que de 20 artistas. estar em Lisboa: a curadora estima
a nova secção dedicada a África na que ali garantiu que 2019 “vai ser tem um foco na América Latina. Entre A selecção foi um processo nego- que haja quatro na capital angolana
ARCOlisboa, a mais importante feira mesmo o ano em que o Estado vai as 52 galerias do programa geral, é ciado, porque já começou um pouco e duas na moçambicana, enquanto
de arte contemporânea nacional, que voltar a adquirir arte contemporâ- possível encontrar cinco do continen- tarde, explica ao PÚBLICO Paula Nas- na África do Sul existirão mais de
junta 71 galerias de 17 países na Cor- nea”, através do fundo de 300 mil te africano: duas são angolanas, as cimento. Com a candidatura das gale- duas dezenas. “Obviamente que os
doaria Nacional até domingo. O pré- euros prometido no ano passado. outras dividem-se por Moçambique, rias da lusofonia garantida, zeram-se artistas e galeristas de Luanda e de
mio máximo atribuído há seis anos a Números gerais das transacções de África do Sul e Uganda. Há ainda uma contactos para alargar a geogra a à Maputo conhecem o contexto lisboe-
Angola é considerado um momento- arte no mercado lusófono não são sexta galeria, também angolana, que África do Sul, ao Zimbabwe e à Costa ta, passando alguns por aqui no seu
chave do crescendo de visibilidade da conhecidos, a rma a curadora Paula foi incluída na secção Opening, dedi- do Mar m. “A ideia era conseguir caminho de internacionalização.”
arte africana, considerou um estudo Nascimento. Mas se os valores do cada às galerias mais jovens. E ainda uma selecção diversa, quebrando a
feito pela empresa Artprice, tendo mercado de arte africana são mais artistas africanos, ou afro-descenden- fronteira linguística, mas algumas já Ser o centro do Sul
pesado muito na escolha da curadora baixos do que os do mercado geral, tes, principalmente angolanos, nas tinham o processo nalizado para A artista portuguesa Ângela Ferreira,
do programa África em Foco da feira acrescenta Maribel López, eles estão portuguesas Carlos Carvalho, Cristina outras feiras e acabaram por não estar nascida em Maputo em 1958, é com-
portuguesa. “O interesse pela arte em crescimento. Em Abril, no último Guerra ou Filomena Soares, bem disponíveis. A minha prioridade foi pletamente a favor deste foco em
Público • Quinta-feira, 16 de Maio de 2019 • 3

RUI GAUDÊNCIO
nhos feitos com faíscas do luso-ango- Com um passaporte também sul-
lano Pedro Pires estão à venda por Além das questões africano, Ângela Ferreira nota a
quatro mil euros.
“Tento apagar essas questões pós- de género, o que ausência de galerias históricas como
a Goodman, que abriu em 1966 em
coloniais. É só um corpo”, diz o artis-
t a Ja nu á r i o Ja n o, qu e v ive está na moda é a Joanesburgo e representa nomes
como a portuguesa Grada Kilomba,
entre Luanda e Londres, sobre a obra
Vitruviano, uma instalação com 32
arte que aborda os ligada à diáspora africana, ou com o
peso do sul-africano William Kentrid-
fotogra as e um objecto que perten- problemas de raça. E ge. Ela, que já foi representada pela
cia à sua avó à venda por 14 mil euros
na This is Not a White Cube. “Nun- Lisboa permite fazer galeria Stevenson, outra referência na
África do Sul, justi ca a proeminência
ca sabemos se é homem ou mulher,
negro ou branco. O que é que vamos conexões com tudo de Angola por ser o único dos países
lusófonos que já conseguiu fazer
ser no futuro?”, acrescenta. Na mes-
ma galeria, há uma pintura do ango-
o que é África ingressar a sua arte contemporânea
no mercado global: “Angola está no
lano Cristiano Mangovo à venda por Ângela Ferreria ponto da internacionalização total.
sete mil euros; no ano passado, o Artista Os seus agentes não precisam de falar
artista atingiu os 32.500 euros num português para entrarem no mercado
leilão da francesa Piasa. Mas a direc-
tora da galeria, Sónia Ribeiro, diz que O programa [África global; já Moçambique e a Guiné ain-
da precisam de canais como a ARCO-
não se pode guiar apenas pelos recor-
des dos leilões, reconhecendo que os
em Foco] pode ser lisboa.” Não vê, para já, nenhum
contra no programa que já foi apre-
preços na feira estão mais baixos. mais prejudicial do sentado pela feira: “It’s a good thing.
“Basta olhar para o mapa da Penín-
sula Ibérica para perceber como Por- que benéfico porque Mas feiras são feiras, é para vender
arte.”
tugal e Espanha precisam de África e
da América Latina. Se não houver o é uma presença Esta não é a primeira vez que se
tenta que Portugal funcione como
Sul nós somos periféricos. Só somos
o centro com estas ligações. Faltava-
bastante porta de entrada para África. Há mais
de uma década, com a desaparecida
nos algo que nos distinguisse num
mundo cheio de feiras”, diz Cristina
neolusotropicalista feira Arte Lisboa, procurou-se, de
uma forma muito incipiente, que Por-
Guerra, em cuja galeria podemos ver António Pinto Ribeiro tugal zesse essa ponte, com o convi-
uma pintura do angolano Yonamine Programador te pontual a uma ou outra galeria
(32 mil euros) e obras da luso-africana lusófona. “Mas a ARCO, com a expe-
Ângela Ferreira (uma escultura por
dez mil), como a própria se de ne. Os artistas riência de Madrid, tem um poder de
manobra muito maior na globalidade

“It’s a good thing” e galeristas da arte contemporânea”, defende


Ângela Ferreira. “A ARCOmadrid não
António Pinto Ribeiro, um progra- de Luanda e de é a feira mais importante, como a
mador pioneiro na relação com Áfri-
ca, receia que esta possa ser “uma Maputo conhecem ArtBasel, [Suíça], mas é bastante rele-
vante.” Dada a relação com a América

África da ARCOlisboa, onde mostra Stand da galeria angolana This


presença fetichista”, diz-nos numa
conversa telefónica. “Independen- o contexto lisboeta, Latina, “eles já estão habituados a
trabalhar com o Sul global à escala de
trabalhos na galeria moçambicana e
na portuguesa Cristina Guerra. “Para
Is Not a White Cube, com obras
dos artistas Patrick Bongoy e
temente das boas intenções, [o pro-
grama África em Foco] pode ser mais
passando alguns um continente”, nota, o que pode
ajudar a de nir um modelo focado
mim, era maravilhoso se Lisboa tives-
se uma feira de arte africana. Seria
Januário Jano prejudicial do que bené co, porque
olhando para o número de galerias
por aqui no seu em África para Lisboa.
As feiras concorrentes da ARCOlis-
mesmo caso para perguntar: ‘Que z das sequelas do colonialismo. Na e para o per l delas é uma presença caminho de boa com um foco em África têm cres-
eu para merecer isto?’”
Das primeiras artistas portuguesas
ugandesa Afriarte, encontramos
tapeçarias de Sanaa Gateja feitas
bastante neolusotropicalista.” Des-
taca a presença da Momo e da This internacionalização cido na última década, a rma a cura-
dora. “A 1-54 é talvez a mais importan-
a interrogar a memória colonial no com papel reciclado, enquanto na Is not a White Cube, mas lamenta Paula Nascimento
o tte, com o seu projecto para dar a
pós-25 de Abril, Ângela Ferreira diz angolana Movart as fotogra as que não estejam outras. “Por que é Curadora do cconhecer as galerias do continente e
que o tema de África está a dominar de Keyezua, angolana que cresceu na que não trazem mais galerias e artis- África em Foco o contexto em que é produzida a arte
a cena artística. “Além das questões Holanda, mostram um trabalho à bei- tas da Nigéria, do Congo, de Marro- africana. Desde 2013, tem edições
a
de género, o que está na moda é a arte ra do activismo feminista que aborda cos, do Egipto, da África do Sul? Por a
anuais em Londres, Nova Iorque e
que aborda os problemas de raça. E igualmente a questão dos refugiados. que não estimular os galeristas por- M
Marraquexe. Há também as feiras de
a ARCO, que é uma feira comercial, A feira tinha aberto há poucos minu- tugueses a trabalharem com artistas JJoanesburgo, mais antiga, e da Cidade
precisa de perceber as mais-valias dos tos para os convidados especiais africanos ou com África? Que rela- do Cabo, que cresceu muito na última
d
sítios. Lisboa permite fazer conexões quando assistimos, nesta galeria, à ção é que têm as instituições portu- edição. Em Paris, há ainda a AKAA —
e
com tudo o que é África.” venda por dois mil euros de uma ins- guesas viradas para as artes visuais A
Also Known as Africa, que foi criada
A curadora Paula Nascimento diz talação do são-tomense René Tavares, com artistas de origem africana? Há e
em 2016 com o objectivo de mostrar
que hoje “somos todos pós-colo- com a frase “Only Colored Ideas” uma relação de clichés ou quase a globalização do continente.”
niais”, mas há muitos artistas que inscrita, a um coleccionador austría- nenhuma. Para que mercado é que
querem falar de outras coisas além co. Já na sul-africana Momo, os dese- estes galeristas vão trabalhar?” iisabel.salema@publico.pt.pt

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